terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Por que políticos extremistas ainda conseguem cooptar eleitores com mentiras?

Os resultados das eleições antecipadas na Alemanha, realizadas neste domingo (23), apontaram para um cenário marcado pela fragmentação política e pelo avanço expressivo da extrema direita. O Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda comprovadamente ligada a grupos e ideias neonazistas, obteve 20,8% dos votos e se tornou a segunda maior força política do país desde a Segunda Guerra Mundial. Isso no terceiro mandato de Donald Trump no outro canto do planeta.

Quando temas fundamentais são alvo de polarização e politização por extremistas, como a crise climática, os direitos das mulheres, a imigração e outros, os fatos por si só não são suficientes, pois as pessoas interpretam as informações com base nas suas primeiras crenças sobre esses assuntos, e não de forma objetiva. Isso explica por que usar apenas dados e estatísticas nem sempre funciona e os fatos, muitas vezes evidenciados por outro espectro político, continuam sendo ignorados e manipulados.

Quando as pessoas se deparam com fatos que contrariam suas crenças mais profundas, elas não os rejeitam apenas, mas reforçam ainda mais essas crenças. Isso tem a ver menos com fatos e está mais relacionado à forma que o cérebro processa e identifica o que considera como “ameaça”. É o que concluiu um estudo da Universidade de Michigan. Conhecido como "Backfire Effect", ou efeito "tiro pela culatra", esse fenômeno foi documentado pela primeira vez em 2010 por Brendan Nyhan e Jason Reifler.

“Por que percepções errôneas sobre questões controversas na política e na ciência são aparentemente tão persistentes e difíceis de corrigir? Acadêmicos, jornalistas e educadores lutam para superar a prevalência dessas crenças falsas, que estão intimamente relacionadas a identidades e sistemas de crenças como o partidarismo, que podem minar a base factual do debate público, distorcer a opinião da massa e distorcer a política pública”, afirmam os autores.

“Pessoas são frequentemente vítimas e atores de percepções erradas sobre um fato devido a falhas de capacidade cognitiva e esforço de processamento da informação em vez de um processamento crítico e motivado a informações corretas”

Ou seja, quanto mais contato uma pessoa tem com informações distorcidas, mais resistente ela se torna à informação de qualidade e aos contextos dos fatos. Esse é o campo que a extrema direita aposta dentro das redes sociais para angariar apoio político e explorar vulnerabilidades da população, com ajuda da ação de algoritmos das big techs.

<><> Pouca memória, crença primária e resposta emocional

As informações falsas são feitas para serem “acessíveis” à compreensão popular e assim, aumentar as chances de convencimento, como acontece com frequência em países liderados por governantes de direita ou com uma ampla base dessa linha ideológica. A fake news do Pix foi amplamente disseminada por lideranças de direita no Brasil em janeiro, e nos Estados Unidos, os decretaços de Donald Trump e a agenda “woke” foram mais um sintoma de uma história que não para de se repetir.

Tem tudo a ver com a resposta emocional aos fatos. Os pesquisadores explicam que o Sistema de Ativação Reticular (RAS) age como um filtro cerebral, determinando no que prestamos atenção e o que deixamos de lado. Quando informações desafiam nossa identidade ou crenças, a amígdala — nosso sistema de alerta emocional — pode interpretá-las como uma ameaça real, semelhante a um perigo físico. Isso ativa uma resposta instintiva de "luta ou fuga", impulsionando a defesa de ideias a todo custo.

Isso explica a forma como extremistas políticos surgem e atacam, além de levar consigo uma grande adesão popular, e fomentar cada vez mais negacionistas. Os autores destacam o fato de que “a persistência de falsas crenças ao longo do tempo pode minar efeitos da informação ou serem superadas pela influências de elites políticas”. Como, por exemplo, aconteceu com relação à alta do dólar no Brasil.

Uma pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgada em junho de 2024, revelou os países que têm maior habilidade para identificar fake news e quais enfrentam mais dificuldades. O Brasil tinha ficado na última posição, sendo o país onde a população mais acredita em notícias falsas entre os 40.756 entrevistados de 21 nações. 

De acordo com o estudo, que avaliou diferentes aspectos, os países nórdicos apresentaram os melhores resultados, enquanto nações da América Latina, como Brasil e Colômbia, demonstraram a necessidade de aprimorar a alfabetização em mídias sociais.

O artigo citado no início da matéria sugere, para superar essas barreiras, estabelecer algum tipo de conexão e curiosidade sobre o fato com aqueles ainda sejam imunes à tentativa de politização de temas fundamentais, como os direitos humanos. A estratégia mais eficaz nesse contexto é o "Deep Canvassing", chamado de "troca aprofundada", uma técnica de conversa usada para mudar a opinião das pessoas sobre determinados temas, especialmente em questões políticas e sociais.

 

¨      Extrema direita cresce na Alemanha, impulsionada por Elon Musk. Por Matt Fitzpatrick

Poucas semanas antes das eleições na Alemanha, marcadas para 23 de fevereiro, Elon Musk declarou de forma inequívoca seu apoio ao partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Em um vídeo exibido durante um comício do partido, no dia 25 de janeiro, ele incentivou os alemães a “seguir em frente” em relação a qualquer “culpa do passado” relacionada ao Holocausto: “É bom ter orgulho da cultura alemã, dos valores alemães, e não perder isso em um tipo de multiculturalismo que dilui tudo.”

De forma preocupante, a AfD agora está solidamente estabelecida como o segundo partido mais popular da Alemanha, atrás apenas da União Democrata-Cristã (CDU), de centro-direita. No entanto, como todos os partidos nas eleições alemãs, a AfD não pode conquistar uma maioria absoluta. Também é improvável que seja convidada a integrar qualquer coalizão governista que surja após as eleições de 23 de fevereiro.

<><> Por que isso importa?

  • A Alemanha é a terceira maior economia do mundo, atrás dos EUA e China. Além disso, ela tem papel importante nas decisões da União Europeia, onde partidos de extrema direita têm avançado.

Mas o discurso anti-imigrantes e antigoverno da AfD já distorceu significativamente o debate público e a cultura democrática na Alemanha, levando muitos a questionar se o partido precisa vencer eleições para ver suas políticas implementadas.

Isso ficou evidente após uma semana dramática em janeiro no Bundestag, o Parlamento alemão.

O primeiro sinal foi uma ruptura radical com as normas políticas da Alemanha: o líder da oposição, Friedrich Merz (CDU), contou deliberadamente com os votos da AfD para aprovar à força uma moção radical que promovia o endurecimento das fronteiras e restringia os pedidos de asilo no país.

Foi a primeira vez na história do Bundestag que uma maioria parlamentar foi alcançada com a ajuda da extrema direita. A ação de Merz foi amplamente condenada como uma violação de tabus e um passo em direção à legitimação da AfD.

Dias depois, Merz tentou ir ainda mais longe, com um projeto de lei abrangente para endurecer os controles de imigração. Embora o projeto tenha sido derrotado por uma margem estreita, toda a AfD votou com Merz. Doze membros de seu próprio partido, a CDU, se recusaram a apoiá-lo.

A aproximação de Merz com a extrema direita é amplamente vista como politicamente desnecessária, já que sua CDU conservadora já lidera as pesquisas nacionais, tornando-o o favorito para suceder Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), como chanceler.

Isso levanta algumas questões cruciais antes da eleição. São os insiders ou os outsiders que estão desempenhando o maior papel na normalização da extrema direita? E qual será o papel da AfD após as eleições?

·        O efeito Musk

O apoio de Musk à AfD não deveria ser uma surpresa, dado o papel essencial que ele desempenhou na vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. No contexto alemão, no entanto, seu comportamento e declarações assumiram tons ainda mais sombrios.

Os alemães sabem muito bem o que está em jogo quando a democracia é corroída por aqueles que abusam de suas liberdades para atacá-la. Se as saudações nazistas de Musk após a posse de Trump tivessem sido feitas em Berlim, por exemplo, ele poderia ter enfrentado até três anos de prisão.

O lema “nunca mais” tem sido um princípio fundamental da política alemã desde a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a resposta às recentes provocações de Musk foi estranhamente contida em algumas partes da mídia alemã.

O tabloide alemão Bild minimizou de forma constrangedora a saudação hitleriana de Musk, enquanto outros veículos falaram de forma vaga de um “gesto questionável”.

Com algumas exceções notáveis, coube a ativistas lembrar aos alemães a gravidade desse gesto – projetando a imagem da saudação de Musk em uma fábrica da Tesla na Alemanha, ao lado da palavra “heil”.

Dado o rigor com que a Alemanha fiscaliza representações de seu passado nazista, foi surpreendente ver tão poucos jornalistas dispostos a afirmar sem rodeios que “uma saudação de Hitler é uma saudação de Hitler”.

·        A aproximação de Merz com a extrema direita

Inicialmente, houve alguns sinais de que os principais líderes políticos da Alemanha condenariam as tentativas de Musk de normalizar a política de extrema direita no país.

Quando Musk chamou a AfD de “a última centelha de esperança” em dezembro, tanto Scholz quanto Merz rapidamente condenaram sua interferência.

Scholz continuou a classificar as tentativas descaradas de Musk de influenciar a política alemã como “inaceitáveis” e “repugnantes”.

Embora Merz afirme manter distância de Musk, sua estratégia para vencer as eleições não parece muito diferente do que o bilionário sugere —– Merz tem imitado as políticas da AfD e colaborado com o partido em votações anti-imigração.

Na ruptura mais radical com o centrismo que caracterizou a CDU sob o governo da ex-chanceler Angela Merkel, Merz derrubou os obstáculos ao trabalho com a extrema direita. Sabendo exatamente o que isso significava, ele usou o apoio da AfD para aprovar no Parlamento a moção nacionalista sobre a proteção de fronteiras.

A AfD celebrou publicamente, chamando o episódio de “um dia histórico para a Alemanha”.

Enquanto isso, líderes de partidos democráticos manifestaram choque e indignação. A própria Merkel se pronunciou contra Merz, dizendo que era “errado” colaborar conscientemente com a AfD.

A intervenção da ex-chanceler parece ter sido crucial para a rejeição do projeto de lei sobre imigração, já que muitos dos ex-apoiadores de Merkel na CDU se recusaram a votar a favor da proposta.

·        O que a ascensão da AfD pode significar

Dadas essas duas votações e a intervenção de Musk, muitos na Alemanha agora temem que uma vitória da CDU nas eleições possa sinalizar uma colaboração maior com a AfD.

O partido de Esquerda chamou Merz de fantoche da AfD e exigiu que Musk fosse proibido de entrar na Alemanha.

Robert Habeck, vice-chanceler da Alemanha e membro do Partido Verde, afirmou que a coalizão nacionalista de Merz “destruiria a Europa”. Ele alertou Musk para manter as “mãos longe de nossa democracia”, o que levou o bilionário a chamá-lo de “traidor do povo alemão”.

Musk não é, de forma alguma, a causa da popularidade da AfD, mas seu apoio ao partido extremista deu a ele um perfil global e credibilidade em círculos que talvez nunca o considerassem antes.

Musk tem sido uma figura controversa na Alemanha desde a chegada da “gigafábrica” da Tesla no estado de Brandemburgo, perto de Berlim, que foi imediatamente acusada de derrubar 500 mil árvores e causar danos irreparáveis a valiosas reservas de água subterrânea. Acusações de que a Tesla violou leis trabalhistas alemãs e até realizou verificações-surpresa em trabalhadores de licença médica também não ajudaram a imagem da empresa entre os alemães progressistas.

Como alguns comentaristas sugeriram, provavelmente não é coincidência que os planos da AfD para a economia alemã beneficiariam os interesses comerciais de Musk. No entanto, o interesse econômico por si só parece insuficiente para explicar por que Musk se aproximou tanto da extrema direita.

O mesmo pode ser dito de Merz. Os cálculos eleitorais por si sós não explicam seu perigoso flerte com a extrema direita. Ele já era o favorito para vencer as próximas eleições há muito tempo. Aproximar-se da AfD apenas dificultará uma coalizão com o Partido Social-Democrata, do chanceler Scholz, ou com o Partido Verde.

Se esses dois partidos se recusarem a negociar com Merz, o único bloco grande o suficiente para garantir o controle do governo à CDU seria a AfD. Ele chegaria a esse ponto?

Seja parte formal do próximo governo ou não, a AfD e seus aliados (como Musk) podem estar prestes a ter uma influência muito maior na política alemã. Como isso mudará a Alemanha a longo prazo ainda é uma incógnita.

 

¨      Os interesses de Musk na Alemanha. Por Eduardo Vasco

Todo empresário de sucesso tem um bom faro. Ele se orienta para onde irá lucrar mais. Como um capitalista que é, Elon Musk não passa de um grande oportunista. Percebe a insatisfação popular com os governos europeus e o regime político da União Europeia e sabe que a tendência é que sejam derrubados. Sabe que seu dinheiro e poder podem influenciar esses eventos. Quer preencher o vazio que ficará – e lucrar com isso.

Não é à toa que a Alemanha seja o país mais alvejado pelo homem mais rico do mundo. A extrema-direita é a força em maior ascensão dos últimos anos e o AfD, enquanto promete acabar com a imigração e agrada a muitos desempregados e assalariados pobres, quer enxugar o Estado, reduzir os impostos à riqueza e desregulamentar o “mercado” para facilitar uma reindustrialização que contraria interesses na transição energética.

O regime político dominado pelos conservadores e os social-democratas – o neoliberalismo totalitário disfarçado de democracia liberal – comprovou-se absolutamente falido. Os próprios industriais alemães, afetados com as políticas dos últimos 20 anos, sinalizam que preferem um modelo mais duro. A política do AfD não é mais tão repudiada. Se for possível aplicá-la plenamente, seria ótimo para eles. A grande preocupação – que é compartilhada pelos outros setores da burguesia alemã, incluindo os bancos – é que um governo do AfD aprofunde sobremaneira a crise política e social.

Por outro lado, o grande capital internacional, em especial o norte-americano, preocupa-se em manter intacta a mesma ordem estabelecida no pós-Guerra: deixar a Alemanha submetida ao seu estrito controle. A burguesia “liberal” acusa Musk de interferir na política do país, como se a Alemanha fosse uma nação realmente independente e não sofresse a interferência política, econômica, cultural, ideológica e militar dos Estados Unidos há 80 anos.

O bilionário tem interesses em comum com os empresários que estão migrando para o AfD. A primeira e maior fábrica da Tesla na Europa, com 12.000 empregados, fica justamente na região de Berlim. Ela quer dobrar de tamanho e a atual legislação ambiental pode ser um empecilho. A Alemanha também tem a 7ª maior reserva de lítio do mundo e a maior da Europa, muito à frente dos outros estados europeus (US Geological Survey, 2023). Além disso, a demagógica defesa da liberdade de expressão por parte do AfD serve aos interesses de Musk para manter e aprimorar as atividades do X, em um momento em que a rede social trava uma batalha judicial sobre supostas violações das leis alemãs.

As escaramuças judiciais com o X estão espalhadas por toda a União Europeia. E também no Reino Unido, onde Musk tem igualmente interferido ao atacar o primeiro-ministro Keir Starmer e prometer uma doação de 95 milhões de euros ao direitista Nigel Farage. Lá, o X poderia perder até 10% de todos os lucros globais anuais, caso a justiça o considere culpado por desinformação e discurso de ódio.

Uma ação contundente da União Europeia e de governos de nações poderosas da Europa certamente poderia influenciar outros países a imporem pesadas multas e legislações que contrariem os interesses e os planos de Musk com o X. Ele precisa evitar que isso aconteça.

O apoio à extrema-direita é, também, uma chantagem para obrigar os atuais governos europeus a fazerem concessões a Musk. O patrão mais poderoso do mundo tem mesmo o poder de dizer a seus funcionários: “façam isso, se não vou demiti-los. A fila anda!” Não é muito diferente do tom adotado pela diplomacia de Donald Trump.

Musk tem atrás de si uma camada crescente da burguesia internacional, proveniente não apenas dos novos ramos tecnológicos, mas inclusive do tradicional complexo industrial-militar e dos bancos. Todos percebem que o neoliberalismo “soft”, mesclado com carcomidas instituições “democráticas”, está com seus dias contados.

Mas as contradições internas, que já são grandes, não demorarão a se aprofundar violentamente, mesmo que em breve os alemães consolidem sua aliança com Musk. Afinal de contas, o crescimento alemão elevaria o nível da competitividade de suas empresas e de sua indústria – cuja automobilística é um símbolo internacional. 

A Tesla conseguirá conciliar seus interesses com os das montadoras alemãs por muito tempo? Os capitalistas alemães, atrás dos americanos e chineses na corrida pela tecnologia de ponta, semicondutores e IA, vendo sua economia reflorescer, aceitarão continuar submetidos como estão há 80 anos? No caso de um renascimento da indústria alemã, ela suportará os limites fronteiriços ou passará a significar uma ameaça ao predomínio econômico dos EUA?

Esses são alguns dos temores da burguesia “liberal” internacional e alemã (vassala daquela). Musk precisa servir para manter a Alemanha submetida, e não para que o tiro saia pela culatra.

 

Fonte: Fórum /The Conversation/Agência Pública/Jornal GGN

 

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