Pedido
de acesso a cartão de vacina de Bolsonaro foi o início da investigação sobre
tentativa de golpe de Estado
A investigação sobre a
tentativa de golpe de Estado que culminou em 34
denunciados pela Procuradoria-geral da República (PGR) na terça-feira (18) começou com um procedimento preliminar na Controladoria-geral da União
(CGU). O primeiro passo desse novelo foi um pedido de Lei de Acesso à Informação para obter o cartão de vacina do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ainda em 2022, o ex-ministro da CGU Wagner do
Rosário levantou as informações do cartão de vacinação
de Bolsonaro e constatou haver três registros de vacina
contra a Covid, apesar das declarações contrárias
à imunização pelo ex-presidente. Quando passou o bastão para o seu sucessor,
Rosário o alertou sobre a situação e Vinicius
de Carvalho abriu uma Investigação Preliminar
Sumária (IPS) em 25 de janeiro de 2023.
Com o avançar do IPS, a CGU
comunicou a Polícia Federal (PF) que, em 3 de maio de 2023, deflagrou a Operação Venire. Na ocasião, prendeu o ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e apreendeu o seu celular.
A partir daí, a PF encontra uma série de
evidências que vão estruturar e dar o caminho para operações posteriores envolvendo o caso das joias, e também da tentativa de
golpe de Estado.
Por conta das provas identificadas em seu celular
que atestam a participação do general Lourena
Cid, pai de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens decide delatar. O acordo é assinado em 28
de agosto de 2023.
Em 8 de fevereiro de 2024, a PF avança e deflagra a Operação Tempus Veritatis, tendo os militares como alvo. É nessa ocasião que o general Mário
Fernandes, apontado como o autor do plano "Punhal Verde e Amarelo",
é alvo de busca e apreensão. Na sequência, os ex-comandantes do Exército,
Freire Gomes, e da Aeronáutina, Baptista Júnior, confirmam em depoimento a
pressão de Bolsonaro pelo golpe de Estado.
De posse já do plano "Punhal Verde e
Amarelo", a PF deflagra a operação Contragolpe,
tendo como principais alvos os militares das Forças Especiais,
conhecidos como "kids pretos". Mauro Cid é convidado a prestar novo
depoimento para esclarecer evidências já identificados pelos investigadores,
mas omitidas por pelo ex-ajudante de ordens até então. É quando ele fala
sobre o dinheiro fornecido pelo general Braga Netto em uma caixa de vinho e da
tentativa dele de ter acesso ao que havia sido dito na delação.
Como um dos últimos atos da investigação, Braga Netto é preso em dezembro de 2024. E agora, em fevereiro, a
PGR apresenta a denúncia contra 34 investigados.
¨ "A
tentativa de golpe é inegável": Pedro Serrano analisa a delação de Mauro
Cid
Em entrevista
ao programa Boa Noite 247, o jurista Pedro Serrano afirmou que a tentativa de
golpe liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro "está sobejamente
comprovada" e que a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid é uma prova
frágil. Para ele, a estratégia da defesa de Bolsonaro está correta ao tentar
desqualificar a delação, mas não é suficiente para enfraquecer a robustez das
provas reunidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
"Se eu
fosse advogado do Bolsonaro, não tem como negar a materialidade do delito,
porque está mais do que provado. É bobagem. Isso é coisa pra militância
bolsonarista ficar falando contra, chorando aí. Mas a realidade é que o golpe
está provado. A tentativa de golpe é inegável", declarou Serrano. Ele ressaltou
que a principal linha de defesa para Bolsonaro é negar a autoria do crime e
que, nesse contexto, faz sentido atacar a delação. "A delação é frágil. Eu
tenho falado isso faz tempo. Essa delação não é sólida", pontuou.
Apesar da
fragilidade da colaboração de Mauro Cid, Serrano frisou que a maior parte das
provas reunidas contra Bolsonaro e seus aliados "não dependeram dessa
delação" e "não vieram através dela". Ele questionou, inclusive,
a necessidade da colaboração premiada no caso: "Pra quê delação? Não precisa".
O jurista
reconheceu a competência da equipe de defesa de Bolsonaro, dizendo que são
"dos melhores advogados". Para ele, é importante que o ex-presidente
tenha uma defesa qualificada, pois isso contribuirá para a legitimidade de uma
eventual condenação. "Se ele for condenado, demonstrar a qualidade da
defesa vai auxiliar na percepção de que a condenação foi correta",
afirmou.
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Investigação sobre o financiamento de setores do agronegócio
Serrano também
destacou a importância de aprofundar as investigações sobre o papel de setores
do agronegócio no financiamento dos atos golpistas. "As investigações
estão devendo. Melhor investigar o agronegócio, por exemplo", sugeriu. Ele
ressaltou que há indícios documentais que apontam o envolvimento de grandes produtores
rurais na articulação e no financiamento de atos antidemocráticos, incluindo o
fechamento de rodovias e a invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
"Tem
documentos lá, inclusive obtidos com a assessoria, sobre o fechamento de
rodovias e a própria operação do 8 de janeiro", afirmou. Para ele, a
Polícia Federal deve estar conduzindo apurações nesse sentido. "Daqui a
pouco surge algo aí", disse, apostando que novas denúncias virão.
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Militares no centro das investigações
Outro ponto
abordado por Serrano foi o envolvimento de militares na tentativa de golpe. Ele
destacou que a investigação já alcançou figuras-chave das Forças Armadas, como
o ex-ministro Braga Netto e o general Augusto Heleno. "O comandante da
Marinha vai ser denunciado ou já foi denunciado. E os generais ali, todos que
participaram, Braga Netto, Heleno, os coronéis, oficiais superiores do Exército
em geral", detalhou.
Para ele,
exigir mais do que já foi alcançado na investigação pode ser precipitado.
"A gente já está fazendo um negócio histórico, uma proeza. Eu acho que
nesse campo dos militares está bom", afirmou, reforçando que o foco agora
deveria estar em outros financiadores do golpe, como setores do agronegócio.
A entrevista
de Pedro Serrano reforça a gravidade das provas reunidas contra Bolsonaro e
seus aliados, bem como a necessidade de aprofundar as investigações sobre
financiadores civis do movimento golpista. Enquanto a defesa do ex-presidente
busca desqualificar a delação de Mauro Cid, o jurista destaca que essa estratégia
dificilmente será suficiente para abalar a consistência das investigações que
já estão em curso.
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Denúncia contra Bolsonaro e delação de Cid acirram
ânimos no Congresso e tumultuam sessões
A denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e o levantamento do sigilo da delação premiada do seu ajudante de
ordens, Mauro Cid, acirraram os ânimos no Congresso e já provocaram as primeiras
discussões entre os parlamentares.
Na última quarta-feira (21), a sessão da Câmara dos
Deputados precisou ser suspensa
após um tumulto entre aliados de Bolsonaro e deputados da
base.
O presidente da Casa, Hugo Motta
(Republicanos-PB), deu uma bronca nos
parlamentares e ameaçou levar ao Conselho de Ética
parlamentares envolvidos em agressões dentro da Câmara.
“Com certeza isso vai trazer um movimento forte no
plenário. A reação de ontem [discussão da base e da oposição], já foi nítida em
relação a essa denúncia. Não tenho dúvidas de que vai impactar muito em relação
ao comportamento no plenário”, afirmou o líder do PDT, Mário Heringer (PDT-MG).
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-SP), disse
que a denúncia e a delação de Cid “aqueceu os ânimos” dos parlamentares.
O deputado afirmou que Motta foi feliz no discurso,
mas pediu equilíbrio para que o exagero dos dois lados sejam coibidos.
“A denúncia e a delação acirram os ânimos, o que
não é bom. Mas precisamos de um mínimo de civilidade. Acho que a gente dos dois
lados temos que ter o equilíbrio, fazer o confronto ideológico nas ideias e sem
tantos exageros de querer aparecer para jogar nas redes sociais”, afirmou.
O líder do PT, Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou
que a oposição deve tentar ampliar a pauta anti-STF e “fazer barulho”, mas
acredita no enfraquecimento do projeto que propõe anistia aos golpistas do 8 de
janeiro.
“Acho que com a denúncia a tendência deles
[oposição] é tentar criar barulho, ir para o conflito. Eles devem querer
ampliar a pauta anti-STF, mas acredito que tudo isso [denúncia e delação]
enfraquece a anistia. Acho que a anistia morreu”, afirmou o líder do PT,
Lindbergh Farias (PT-RJ).
<><> Denúncia e anistia
Parlamentares fiéis ao presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) celebram a denúncia e, em especial, o "timing" da
conclusão da PGR. Para eles, o deslocamento das atenções do debate público para
Bolsonaro ajuda a mascarar o pior momento para a popularidade de Lula.
Em levantamento recente do Datafolha, o petista
registrou o pior nível de aprovação ao longo dos três mandatos. Também alcançou
a maior reprovação popular.
A avaliação, no Congresso, é de que os índices
refletem a série de tropeços do governo Lula na área econômica, na articulação
política e na comunicação.
Para deputados e senadores governistas, manter o
foco na denúncia contra Jair Bolsonaro ajuda a contornar os erros e diminuir a
pressão popular sobre o Planalto.
Os parlamentares também avaliam que manter o
assunto "vivo" pode ajudar a enterrar estratégias da oposição para
perdoar condenações de vândalos golpistas. Eles acreditam que, assim como dito
pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), não há anseio popular
para que o tema seja discutido.
<><> Tática da oposição
Apesar do baque, a oposição já estava preparada
para o teor da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República ao
Supremo. Para alguns parlamentares, o momento deve marcar, porém, um
acirramento das estratégias do grupo até 2026.
Jair Bolsonaro tenta se viabilizar como candidato,
buscando reverter sua inelegibilidade pela Justiça Eleitoral. É neste ponto que
começam os desdobramentos de parlamentares aliados.
Em seu primeiro evento público após a manifestação
da PGR, o ex-presidente se posicionou como pré-candidato e fez apelos a
apoiadores para que elejam parlamentares alinhados à direita.
Um senador da oposição diz que o grupo deve
"copiar" a tática adotada pelo entorno de Lula nos anos em que o
petista esteve na mira da Operação Lava Jato.
Capitaneadas pelo PT, as ações para livrar Lula das
condenações tiveram diversas frentes dentro e fora do Brasil, chegando a cortes
internacionais e organismos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Parlamentares aliados ao ex-presidente dizem que
essas movimentações devem ajudar a mobilizar apoiadores de Bolsonaro e aumentar
as chances de pautas prioritárias avançarem no Congresso.
Hoje, duas agendas movem a oposição: a anistia a
vândalos golpistas condenados por envolvimento no 8 de janeiro de 2023; e possíveis
mudanças na Lei da Ficha Limpa.
Um dos testes de mobilização deve ocorrer em 16 de
março, data em que foram convocadas manifestações pelo país. O mote central do
ato, que já estava marcado antes mesmo da denúncia, deve ser o apoio à anistia.
“Nosso foco principal é a anistia mesmo, não tem
sentido. Acredito que o ambiente cresceu muito [após a queda do sigilo da
delação de Cid e da manifestação da PGR]. Vamos trabalhar primeiro na Câmara
para que se paute, vamos trabalhar isso para ir a voto”, diz o senador Izalci
Lucas (PL-DF), que deve assumir em breve a liderança da oposição no Congresso.
Fonte: g1/Brasil
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