segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

'Tarifaço' de Trump pode aumentar vinda de produtos chineses para o Brasil e impactar indústria

As ameaças de Donald Trump de impor tarifas a produtos importados tem deixado a indústria brasileira preocupada. Não apenas pela taxação em si, mas também porque essas medidas alteram a dinâmica do comércio global.

Um exemplo é a possível guerra comercial entre EUA e China, que voltou a ganhar força desde que Trump indicou que pretende impor um tarifaço sob a justificativa de proteger a indústria americana.

Em janeiro, o presidente americano anunciou uma tarifa adicional de 10% sobre produtos chineses. Em resposta, a China também anunciou taxas mais altas para produtos americanos.

Já nesta semana, Trump afirmou que um novo acordo comercial com a China "é possível".

Segundo especialistas e representantes da indústria consultados pelo g1, o crescente atrito entre as duas potências pode abrir espaço para que o gigante asiático intensifique sua relação comercial com outros países — o Brasil, por exemplo.

O movimento nem seria novidade. Segundo Marcos Jank, professor sênior e coordenador do centro Agro Global do Insper, a China já se preparava para uma segunda guerra comercial com os EUA e agora adota uma visão mais estratégica, cautelosa e seletiva sobre o comércio mundial.

“Nos últimos anos, a China diversificou bastante suas exportações, já sendo bem menos dependente dos EUA do que era em 2017. E ela tem buscado também uma maior aproximação dos emergentes”, afirma.

Caso o movimento se concretize, a presença de produtos chineses no mundo deve crescer bastante. Em 2024, por exemplo, a China respondeu por 24,2% das importações brasileiras. Aumentando demais esse número, a economia e a indústria nacional precisarão reagir.

·      Impactos para a indústria

Por um lado e em um prazo mais curto, a indicação de especialistas é que a maior presença da China no Brasil pode diminuir os custos para os consumidores. Isso porque a chegada de produtos chineses mais baratos obriga a indústria brasileira a baixar os preços para manter a competitividade no mercado.

“O que acontece na prática é que a China já vem praticando preços muito abaixo dos preços de mercado em diversos segmentos. Vemos um ‘dumping’ de produtos chineses no Brasil, mas isso tem prejudicado a produção local”, diz o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Flávio Roscoe.

Nesse sentido, apesar dos produtos mais baratos para os consumidores em um primeiro momento, representantes da indústria sinalizam que os efeitos na economia e nas cadeias produtivas podem ser mais negativos no país no médio e longo prazo.

Esses efeitos negativos viriam principalmente entre os setores de maior investimento por parte da China, como:

·        indústria de máquinas e equipamentos;

·        indústria têxtil e de confecção; e

·        indústria automobilística.

Segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira da indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, o movimento já começa a ter efeitos no faturamento e no crescimento da indústria brasileira.

No setor de máquinas e equipamentos, por exemplo, o executivo explica que houve uma queda de mais de 8% do faturamento em 2024, enquanto o volume de importações cresceu 10% no mesmo período. E entre os importados, houve ainda um aumento de 33% dos produtos chineses vindos para o país.

“Esses já são os efeitos da guerra comercial entre Estados Unidos e China. E, nesse caso, o aumento das importações não são um bom sinal para a produtividade porque o consumo do setor também caiu”, explica Velloso, indicando que esse quadro também indica uma piora das vendas de produtos brasileiros.

Esse cenário também é visto nos outros dois setores, que já estendem a briga por um ambiente com regras claras de competitividade no país há algum tempo. O exemplo mais recente foi a discussão sobre o que ficou chamado de “imposto das blusinhas”.

A cobrança de um imposto de importação de 20% para compras de até US$ 50 feitas no exterior começou em agosto do ano passado, após mais de um ano de negociações no governo.

A medida era amplamente defendida pelo setor têxtil, que pleiteava uma isonomia tributária e regulatória, em meio ao ganho da força de sites e aplicativos como Shein, Shoppee e AliExpress.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, Fernando Pimentel, o aumento de tarifas por parte dos Estados Unidos volta a acender o alerta para o setor de uma possível “concorrência desleal”.

“Estamos sempre trabalhando em conjunto com os órgãos de controle das nossas fronteiras, e não só para importações convencionais, mas também para exportações que vêm pelas plataformas digitais internacionais, para garantir que todos estejam pagando os devidos impostos, assim como nós”, diz.

·        Impacto na taxa de câmbio

Além dos impactos vindos da China, representantes da indústria também destacam os efeitos de um dólar mais forte em meio à imposição de tarifas por parte de Trump.

Essas medidas podem tanto deixar a produção mais cara para as indústrias que importam matérias-primas, como podem acabar encarecendo as taxas de juros no país e também afetar as indústrias que dependem do acesso que os consumidores têm ao crédito – como é o caso da indústria automobilística, por exemplo.

De maneira geral, a leitura de especialistas é que a imposição de tarifas por parte do governo dos Estados Unidos pode acabar encarecendo os produtos no país e pressionar a inflação, forçando o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) a subir os juros por lá.

Esse cenário tende a fortalecer o dólar frente a outras moedas e, nesse sentido, pode pressionar a inflação brasileira – o que também forçaria o Comitê de Política Monetária (Copom) a ser mais duro na condução dos juros por aqui.

Esse cenário também já é sentido por aqui. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Marcio de Lima Leite, as vendas financiadas do setor chegaram a cair para 30% em 2023 e encerraram o ano passado em 45% do total.

“Esse ano temos um grande desafio que é fazer o mercado crescer sabendo que a taxa de juros e o custo de financiamento serão impactados. Além disso, ainda há muita insegurança e falta de previsibilidade nos acordos comerciais. O que acontecerão com os acordos? Serão mantidos, estreitados, alterados ou redirecionados?”, disse Leite durante apresentação do resultado consolidado do setor de 2024.

·        Impacto macroeconômico

Os especialistas e representantes do setor consultados pelo g1 ainda destacam que o possível aumento no volume de produtos chineses do país também pode trazer efeitos macroeconômicos no longo prazo.

“A primeira consequência disso tudo é a desindustrialização, porque se há produtos mais baratos vindos da China, eu vou importar. E isso já está acontecendo agora, com várias empresas anunciando grandes números de demissões”, afirma Velloso, da Abimaq.

Nesse caso, além da perda de faturamento de diversos setores da economia brasileira, há também o risco de um aumento na taxa de desemprego e de uma redução dos investimentos no país.

Um exemplo desse cenário é o setor de fabricação de geradores eólicos. O segmento, que chegou a ter sete fabricantes no país, hoje tem apenas três.

Nesse sentido, parte das exigências feitas atualmente pelos representantes da indústria brasileira é a construção de uma agenda voltada para aumentar a competitividade brasileira no exterior.

“A verdade é que nós não temos que ter apenas uma agenda contra aqueles que usam de mecanismos inadequados, mas também precisamos cuidar da nossa agenda de competitividade, para que também possamos aumentar nossa presença nos mercados internacionais”, diz Pimentel, presidente da Abit.

·        O que esperar para os próximos meses?

Com uma série de medidas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, a leitura dos executivos consultados pelo g1 é que os próximos meses ainda guardam muita incerteza, principalmente sobre eventuais impactos diretos e indiretos no Brasil.

“Há um risco de desaceleração mundial da economia, muita instabilidade e insegurança que podem acabar impactando diretamente o mercado brasileiro”, diz Leite, da Anfavea.

Ele destaca, no entanto, que o país também tem grandes oportunidades pela frente, que podem acabar sendo positivas para a indústria.

“O Brasil tem uma oportunidade muito grande de estreitar a relação com os principais países, podendo aproveitar esse momento para ter mais competitividade nas nossas exportações. É momento de ter calma, serenidade e entender as mudanças que estão acontecendo”, completa o executivo.

·        Marcas chinesas de smartphones expandem mercado no Oriente Médio e Sudeste Asiático

Os fabricantes chineses de smartphones têm conquistado cada vez mais espaço no Oriente Médio e no Sudeste Asiático, com um crescimento notável nas remessas de aparelhos em 2024, conforme relatado pela Canalys.

O aumento da presença dessas marcas ocorre em meio à crescente concorrência nos mercados emergentes, com destaque para os resultados recentes na região do Oriente Médio, excluindo a Turquia.

Entre as marcas que mais se destacaram na região estão a Transsion, Xiaomi e Honor. A Transsion, fabricante de aparelhos de baixo custo com sede em Shenzhen e tradicionalmente forte no mercado africano, viu suas remessas crescerem 9% no Oriente Médio, alcançando 8,3 milhões de unidades em 2024.

Com isso, a marca deteve 17% de participação no mercado, superando ligeiramente a Xiaomi, que registrou um aumento de 33% nas remessas, totalizando 8,1 milhões de unidades e mantendo uma fatia similar de 17%.

A Honor, que surgiu como uma marca derivada da Huawei Technologies, foi a que teve o maior crescimento. A empresa, também com sede em Shenzhen, experimentou um aumento de 67% nas remessas de smartphones no Oriente Médio, alcançando 3,2 milhões de unidades em 2024.

Esse crescimento foi impulsionado por lançamentos de produtos e pela expansão regional da marca, que incluiu a abertura de sete novas lojas de experiência nos Emirados Árabes Unidos, além da entrada nos mercados de Omã e Catar.

Segundo Manish Pravinkumar, analista da Canalys, a Honor se beneficiou de uma expansão agressiva tanto em termos de produtos quanto em presença física na região, o que contribuiu significativamente para o aumento de sua participação no mercado.

No panorama geral, o mercado de smartphones do Oriente Médio apresentou um crescimento de 14% em 2024, o dobro da taxa de crescimento global.

Apesar da ascensão das marcas chinesas, a Samsung Electronics manteve-se como a principal fornecedora na região, com 14,1 milhões de unidades enviadas, correspondendo a 30% do mercado.

Embora tenha visto sua participação cair de 34% em 2023 para 30% no ano seguinte, as remessas da Samsung na região permaneceram estáveis.

O relatório da Canalys reflete a crescente competição no mercado de smartphones no Oriente Médio, onde as marcas chinesas, com suas ofertas agressivas de preço e produtos, estão cada vez mais desafiando a posição das líderes tradicionais do setor.

A Samsung, apesar da queda em sua participação de mercado, ainda domina a região em termos de volume de remessas, mas as marcas chinesas estão ganhando rapidamente espaço, especialmente com a expansão em mercados emergentes e o lançamento de dispositivos com melhores custos-benefícios.

À medida que o mercado de smartphones na região continua a crescer, as fabricantes chinesas, com suas estratégias de inovação e expansão, devem continuar a competir de perto com gigantes globais como a Samsung.

¨      China está substituindo soja dos EUA pela do Brasil, mais barata e sem Trump no meio

Processadores chineses continuam priorizando a compra de soja brasileira, deixando de lado oleaginosas norte-americanas, diante da perspectiva de que o governo de Donald Trump imponha novas tarifas sobre produtos da China. Desde que Trump reassumiu a presidência dos Estados Unidos, as tensões comerciais voltaram ao centro do debate, levando importadores chineses a reforçar estoques e diversificar fornecedores.

A preferência pela soja brasileira no primeiro trimestre já era uma tendência nos últimos anos, mas a incerteza sobre novas medidas protecionistas nos EUA acelerou esse movimento. Processadores chineses asseguraram praticamente todas as suas cargas do Brasil para embarque no início de 2025, segundo três fontes do setor.

No ano passado, o Brasil já era o principal fornecedor de soja para a China no primeiro trimestre, representando 54% das importações chinesas, enquanto os EUA responderam por 38%. Agora, traders apontam para uma mudança ainda mais significativa.

“Os trituradores chineses estão reservando cargas brasileiras para embarque em fevereiro e março”, afirmou um trader em Cingapura. “Tanto empresas estatais quanto privadas estão adquirindo grãos do Brasil. Basicamente, houve uma migração total para a soja brasileira.”

<><> Impacto das políticas de Trump

O governo Trump já sinalizou sua intenção de elevar tarifas sobre produtos chineses em uma faixa entre 10% e 60%. Caso isso ocorra, Pequim deverá retaliar, impactando setores como o de produtos agrícolas norte-americanos, que dependem do mercado chinês.

Durante a primeira presidência de Trump, os embates tarifários com Pequim levaram a uma reconfiguração no comércio global de soja, com a China reduzindo significativamente sua dependência dos EUA. Em 2016, os EUA respondiam por 40% da soja importada pela China, número que caiu para 18% nos primeiros 11 meses de 2024, enquanto a participação do Brasil subiu de 46% para 74%, segundo dados da alfândega chinesa.

A oferta sul-americana de soja, colhida no início do ano, normalmente domina o comércio global até que os estoques dos EUA entrem no mercado em agosto. No entanto, as compras chinesas de grãos brasileiros aumentaram mais cedo e em maior volume do que o habitual, afetando diretamente as exportações norte-americanas.

Essa tendência deve resultar em um excedente significativo de soja nos EUA. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos estima que o país encerrará o ano comercial 2024/25, em agosto, com um estoque de 10,34 milhões de toneladas métricas — o maior volume dos últimos cinco anos.

<><> Soja brasileira se mantém mais competitiva

Além das tensões comerciais, o preço competitivo da soja brasileira tem sido um fator decisivo para os compradores chineses.

Noroeste dos EUA estão na faixa de US$ 451 por tonelada.

<><> Demanda chinesa e estoques elevados

Mesmo com o aumento das compras de soja brasileira, analistas preveem uma leve redução nas importações totais da China no primeiro trimestre, devido ao alto volume adquirido em 2024. As importações devem cair para algo entre 17,3 e 18 milhões de toneladas métricas, contra 18,58 milhões no mesmo período do ano anterior.

“O principal fator é o excesso de oferta de soja importada em 2024. Agora, o mercado aguarda a chegada da nova safra brasileira”, afirmou um analista de Xangai que preferiu não se identificar.

Em 2024, a China importou um volume recorde de 105,03 milhões de toneladas métricas de soja, consolidando sua posição como o maior comprador global. Enquanto empresas privadas intensificam as compras do Brasil, a armazenadora estatal Sinograin continua adquirindo soja dos EUA, preferida para estocagem devido ao seu maior teor de óleo.

A decisão de Pequim sobre futuras compras dependerá do desenrolar das relações comerciais com os EUA nos próximos meses. Mas, por enquanto, os grãos brasileiros seguem dominando o mercado chinês.

 

Fonte: g1/O Cafezinho

 

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