Paulo Nogueira Batista Jr.: Lula pode
evitar o desastre em 2026?
Há um aspecto intrigante, diria mesmo alarmante da nossa
história recente. O Brasil vem seguindo com defasagem de poucos anos o que
acontece nos Estados Unidos! E o padrão tem-se mostrado extraordinariamente
repetitivo. É um novo “efeito Orloff”.
Os mais adiantados nos anos certamente se lembram do
primeiro “efeito Orloff”. Explico rapidamente para benefício dos mais jovens.
Nos anos 1980, a vodca Orloff lançou uma propaganda na televisão, que ficou
célebre, garantindo que ela não provocava ressaca. E acrescentava a frase que
correu o país: “Eu sou você amanhã”. Naquela época, havia uma grande semelhança
entre as trajetórias econômicas e políticas da Argentina e do Brasil.
Repetíamos, com algum atraso, os acontecimentos e, em especial, os desastres
argentinos. O assim chamado efeito Orloff era a nossa compulsão a repetir a experiência
infeliz da nossa querida vizinha. “Eu sou você amanhã”, nos diziam os próprios
argentinos, satisfeitos de terem companheiros de desgraça.
·
O novo efeito Orloff – o
Brasil repete os Estados Unidos
Pois não é que agora nos acontece o mesmo, só que desta
vez com os EUA! Temos um novo e preocupante efeito Orloff. Se não, vejamos.
Os EUA elegem Trump em 2016, em disputa com a democrata
Hillary Clinton. O Brasil elege Bolsonaro, em 2018, que derrota Haddad, um
político moderado de centro-esquerda. Bolsonaro, seus ministros e seguidores
deixam escancarada a reverência por Trump e a sua crença na conveniência de
segui-lo. Trump e Bolsonaro fazem governos tumultuados, sem estratégia
discernível. Vem a pandemia de Covid-19 e Bolsonaro imita, sem muito disfarce,
a reação de Trump, cometendo os mesmos erros palmares. Sintonizados, Trump e
Bolsonaro fracassam no enfrentamento do desafio.
Em parte por isso, Trump sofre derrota, por margem
apertada, ao tentar se reeleger em 2020. Em parte pela mesma razão, Bolsonaro
sofre derrota quando busca um segundo mandato em 2022, e também por pequena
margem. Os dois perdem para adversários com perfil até certo ponto semelhante:
Biden e Lula são políticos superexperientes, em idade avançada, ambos vistos,
principalmente Biden, como parte do establishment político, isto é, do sistema
de poder dominante nos seus países. O presidente Lula até parece um outsider, mas a ampla
aliança que fez com setores da direita tradicional confere a o seu governo, na
prática, um perfil centrista.
Mas não para aí a comparação. Trump e Bolsonaro
denunciaram imediatamente suposta fraude nas eleições e patrocinaram, com mão
de gato, uma tentativa de golpe de Estado. O 6 de janeiro de 2021 lá, o 8 de
janeiro de 2023 aqui. O mesmíssimo script.
Eu mesmo fico impressionado com os paralelismos. E
continuo: depois de derrotado, assim como ocorreria a Bolsonaro, Donald Trump
passou a ser alvo de ataques, inclusive e destacadamente jurídicos: mal escapa
da prisão, é tratado com bête noire pela mídia
tradicional dos EUA e por grande parte do establishment político, inclusive
uma fatia minoritária do seu próprio partido, o Partido Republicano. Ao longo
de quatro longos anos até 2024, resiste a tudo isso, candidata-se novamente a
presidente, sobrevive por pouco a um atentado e acaba vencendo, com vantagem
clara, Kamala Harris, a vice-presidente de um Biden visivelmente envelhecido,
talvez senil, mas que ficou agarrado até o último momento à sua candidatura
inviável. Biden foi um que, não sabendo o momento de sair do palco, foi dele
retirado à força, de forma constrangedora. Kamala ficou com pouco tempo de
campanha, o que ajudou a vitória de Trump.
E o efeito Orloff continua! Não se deve perder de
vista, além disso, a semelhança no campo macroeconômico. A política externa de
Biden foi um desastre, por motivos conhecidos. Menos reconhecido no exterior é
o fato de que ele colheu sucessos no campo da economia. Desde o início do
governo, apresentou ideias interessantes que configurariam uma abordagem
rooseveltiana, se tivessem recebido apoio maior no Congresso. Mesmo enfrentando
poderosa oposição parlamentar do Partido Republicano, Biden alcançou resultados
econômicos positivos, em termos de PIB, inflação, emprego e desemprego, entre
outros indicadores. No entanto, Kamala não foi capaz de converter esses
resultados em votos.
O leitor ou a leitora já terá percebido aonde quero
chegar com esse último ponto. A situação de Lula, hoje, não lembra a de Biden?
Os resultados macroeconômicos e os indicadores sociais nos primeiros dois anos
do Lula 3 estão entre razoáveis e bons, alguns muito bons. Falta, porém, apoio
da população, a julgar por pesquisas recentes de opinião.
Não é fácil explicar o que está acontecendo. Mas, de
novo, a experiência dos EUA dá pistas. Perguntado, logo após a eleição, o que
explicava a sua vitória, Trump foi direto, como costuma ser: “The
prices of groceries”
(os preços nas mercearias). Ora, uma das explicações para a falta de apoio ao
governo Lula parece ser justamente o custo da cesta básica, em especial o dos
alimentos, o que prejudica a maioria da população, sobretudo os mais pobres que
gastam proporcionalmente mais com alimentos.
Como dizia a saudosa Conceição Tavares: “O povo não
come PIB, come alimentos!”. E o seu contemporâneo, Delfim Neto, sempre alertava:
“O bolso é a parte mais sensível do corpo humano!”.
·
E agora Luiz Inácio?
Chegamos ao presente. O efeito Orloff persistirá? O que
esse padrão repetitivo ensina a nós, brasileiros? Não creio que existam
fatalidades na história humana; apenas tendências que podem ser evitadas, pelo
menos em tese. Podemos, sim, interromper esse efeito nefasto.
Os nossos olhares já estão voltados para 2026 – uma
eleição presidencial de altíssimo risco para o Brasil, por motivos que nem
preciso recapitular.
Já vimos que o presidente brasileiro apresenta algumas
semelhanças com Biden/Kamala, principalmente com o primeiro, ou seja,
desempenho macroeconômico bom, com problemas pontuais em áreas sensíveis (PIB
alto, mas groceries caras), ambos em idade avançada, em torno
de 80 anos e, em consequência, a repetição do apelo (no caso de Lula,
sobretudo, e não por acaso, pelos adversários) para que ele saia de cena a
tempo, abrindo espaço para outros candidatos mais jovens. Lula, como Biden,
reluta em aceitar esses apelos. Até agora, graças a Deus, dá todos os indícios
de que quer viabilizar um Lula 4. Inventar outro nome a essa altura seria, a
meu ver, entregar o país de novo, na bandeja, ao bolsonarismo inepto e
regressivo.
Todas essas comparações me parecem verdadeiras, mas não
vamos, também, exagerar. O presidente Lula está firme e ativo, cumprindo agenda
pesada com invejável vigor. A idade sempre pesa, claro, mas ele dá mostras de
que está em boa forma intelectual e física. A menos que venha a ter algum
problema grave de saúde, ele estará capacitado para disputar a reeleição em
2026, livrando-nos mais uma vez, se tudo der certo, de uma extrema direita cuja
incompetência e perversidade só são superadas pela sua contraparte argentina.
Só Milei deixa na sombra Bolsonaro e seus equivalentes brasileiros.
·
O que fazer?
Para terminar, volto-me para a questão prática: o que
fazer para interromper esse desgraçado efeito Orloff? Se ele for infalível,
estamos lascados. Mas não acredito que seja. Há muito que pode ser feito para
evitar a sua recorrência.
Parto da premissa que dispensa, acredito, maiores
considerações de que o presidente Lula é o nosso melhor candidato e que estará
em condições pessoais de disputar a reeleição.
Faço algumas observações, sem grandes pretensões,
apenas para ajudar um pouco nesse debate crucial.
- Começo por um ponto que parece óbvio a
essa altura: não podemos nos fiar demais nos bons indicadores
macroeconômicos. E mesmo esses devem ser analisados com lupa. Considere,
leitor ou leitora, os dados do mercado de trabalho. O emprego aumentou,
ótimo, mas qual a qualidade dos
empregos gerados? As estatísticas o IBGE trazem muita informação
relevante, mas não captam plenamente o subemprego – não refletem, por
exemplo, a situação de profissionais de nível superior, de classe média,
que viraram motoristas de Uber; ou a de operários da indústria ou de
empregados formais no setor de serviços que viraram motoboys, apenas para
citar duas situações entre muitas. Outra questão, ainda no mercado de
trabalho: a taxa de desemprego aberto caiu para menos de 7% em 2024,
ótimo, mas a taxa de subutilização da força de trabalho (que inclui
desemprego por insuficiência de horas trabalhadas e desemprego por
desalento) é muito mais alta, de 15% no último trimestre do ano passado,
segundo o IBGE.
- Questões pontuais, mas decisivas, já
deveriam ter sido enfrentadas, como por exemplo transporte urbano e custo
dos alimentos. Sobre esse último ponto, remeto a artigo que publiquei
recentemente na Folha de S.Paulo em
31 de janeiro último (disponível no meu portal na internet).
- Cabe interromper de imediato o ajuste
fiscal regressivo, do tipo que foi proposto pelo Ministério da Fazenda e
aprovado pelo Congresso em fins de 2024. É possível que o mau humor do povo,
captado por algumas pesquisas, já esteja refletindo medidas como os cortes
no Benefício de Prestação Continuada, pago aos idosos de baixa renda e a
pessoas com invalidez. Isso não está claro ainda, mas o que me parece
clara é a importância de se sustar desde logo qualquer iniciativa de
cortes adicionais de gastos que atinjam os mais pobres e a classe média
baixa.
- Assim que possível, cabe propor e
fazer aprovar no Congresso, ainda em 2025 para entrar em vigor em janeiro
de 2026, o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil,
compensando a perda de receita com o já anunciado, mas ainda não
detalhado, aumento das diminutas alíquotas efetivas do Imposto de Renda
sobre os super ricos. Na campanha de 2022, Lula prometeu colocar o pobre
no orçamento e o rico no imposto de renda. Vai cumprir? Ou repetir a
promessa na campanha de 2026? Previsíveis resistências no Congresso devem
ser enfrentadas trazendo a questão a público, dando nome aos bois e
alertando os eleitores para quem são os que sabotam medidas em favor da
população e da justiça fiscal. Recorde-se, a propósito, que a maior parte
dos parlamentares deve disputar a reeleição também em 2026 e não vão
querer aparecer mal nesta foto.
- A partir da terceira reunião do Copom
em 2025, marcada para 6 e 7 de maio, o Banco Central deve estabilizar e,
de preferência, começar a reduzir gradualmente a Selic, que está altíssima
em termos reais, com pesados efeitos nocivos sobre a economia, as finanças
públicas e a distribuição da renda nacional. Na prática, basta que o Banco
Central tenha como objetivo não-declarado manter a inflação dentro do
intervalo previsto no regime de metas, abaixo do teto, mas sem mirar de
imediato o centro desse intervalo. Esse centro deveria começar a ser
efetivamente alcançado em 2027 ou 2028. Não será o fim do mundo.
Independente disso, o Banco Central precisaria começar a examinar em
profundidade possíveis alterações no regime de metas e no seu sistema de
informações. O mesmo, aliás, deve ser feito no que diz respeito ao arcabouço
fiscal – mirar o piso da meta de resultado primário e buscar oportunidades
de flexibilizar o arcabouço sem abandonar o compromisso com a austeridade
fiscal.
- Alguma desaceleração do nível de
atividade da economia parece inevitável em 2025. No entanto, Fazenda,
Banco Central e bancos públicos devem se mobilizar para adotar, a partir
do final deste ano, no mais tardar, políticas fiscal, monetária e
creditícias expansivas,
de forma a assegurar crescimento substancial da economia e um mercado de
trabalho robusto em 2026.
- Em resumo, deve-se dar, desde logo,
uma clara marca social e desenvolvimentista ao governo, diferenciando-o
não só da direita bolsonarista, como também da direita tradicional.
·
O povo brasileiro quer a sua
parte em dinheiro
Esses sete pontos e outros que se poderia certamente
aduzir (nos campos da política externa ou das políticas sociais, por exemplo)
demarcariam de modo claro a natureza do governo. Apesar da Arca de Noé, isto é,
da aliança super ampla formada para a eleição de 2022, o governo Lula
precisaria, acredito, considerar iniciativas dessa natureza. Se não o fizer,
poderá ser confundido pelo eleitor com a direita tradicional. Ou seja: palavra
de ordem para a Arca de Noé – cargas ao mar!
Ressalte-se a importância crucial de fazer a
demarcação em relação à direita tradicional – demarcação que, por motivos
evidentes, é mais difícil do que em relação à caricata direita bolsonarista.
Por que isso é crucial? A resposta me parece clara. No plano eleitoral, a
direita tradicional se expressa preferencialmente pela famosa terceira via.
Ora, o que mostra repetidamente a experiência dessa terceira via em várias
eleições? Nem preciso dizer.
O presidente Lula corre sério risco de perder em 2026 e
confirmar o malfadado efeito Orloff, se aparecer em 2026 com cara de terceira
via, falando em democracia e apelando para noções vagas como cidadania,
direitos humanos, meio ambiente, defesa dos indígenas, dos homossexuais e
outras minorias. Essas pautas, tão caras à direita identitária, são
inegavelmente importantes e justas, mas têm sido caixão como plataforma
eleitoral.
Como dizia Getúlio Vargas, com brutal pragmatismo,
“voto não enche barriga”. Nessa empreitada, sob comando de Lula, o povo
brasileiro quer a sua parte em dinheiro.
¨ “Se é mais rigoroso com governos progressistas”, afirma
Haddad
O posicionamento
mais restrito da opinião pública e do mercado com relação a governos
progressistas é cientificamente comprovado, como explica o ministro da Fazenda
Fernando Haddad.
“Tem estudos
mostrando que as próprias agências de risco internacionais – são três grandes
agências de risco (Moody’s, S&P e Fitch Ratings) – são mais permissivas com
governos ultraconservadores do que com governos que procuram preservar a
questão social, preservar a proteção social dos mais vulneráveis”, diz Haddad,
em entrevista ao canal ICL Notícias.
Apesar desse
cenário, o ministro reafirma que “ninguém” do governo é ingênuo ao ponto de não
reconhecer os desafios impostos ao longo dos mandatos do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
“Nós assumimos em
2003 com uma dívida líquida igual a atual, com uma Selic de 25% e uma inflação
de 12%”, explica o ministro, lembrando do período pós-Fernando Henrique
Cardoso.
“Não é em um passe de mágica que você resolve
o problema – Fernando Henrique entregou um superavit primário, Justiça seja
feita. (FHC) entregou apesar da Selic e a inflação estarem descontroladas, mas
você tinha uma base ali”, pontua. “Mas uma dívida externa com a FMI maluca, não
tinha reservas internacionais, não existe passe de mágica”.
<>< Trabalho
em conjunto
De acordo com
Haddad, é possível fazer o país crescer com trabalho sério e apoio do Congresso
e do Judiciário, pois é fundamental que os Três Poderes trabalhem juntos”.
“Se começar a ter
decisão judicial, como aconteceu na tese do século, por exemplo, em que o
governo Temer cochilou, não fez absolutamente nada em uma questão que valia R$
1 trilhão, que é a questão do PIS/Cofins, hoje a dívida brasileira seria 10% do
PIB menor se um voto tivesse sido mudado no Supremo Tribunal Federal – ao invés
de seis a cinco contra, fosse seis a cinco a favor da União”, disse o ministro,
ressaltando que o mercado não precificou isso e a cotação do dólar e o juro não
se alteraram.
Haddad reiterou seu
otimismo com a retomada da economia brasileira, em um cenário onde o INPC
(Índice Nacional de Preços ao Consumidor acumulado nos últimos 12 meses é de
4,56% e a taxa Selic está fixada em 13,25%.
“Aprovado o
Orçamento, no médio prazo teremos taxas de juros menores, sem penalizar a
população, incluindo os produtores, que dependem do Estado”, disse o ministro,
ressaltando que a peça orçamentária enviada ao Congresso é equilibrada e dá
condição ao crescimento sustentável. “Está pronto para ser aprovado”, garante.
Fonte: Outras
Palavras
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