quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Argentinos são escravizados no Brasil após fugirem da miséria em seu país

Uma operação resgatou três argentinos de condições análogas às de escravo que atuavam na colheita de cenoura, beterraba e cebola em Vacaria (RS). Esse é o terceiro resgate de trabalhadores do país vizinho no estado apenas em 2025 – outros nove foram encontrados em Flores da Cunha e mais quatro em São Marcos, segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego.

Eles foram contratados por um empreiteiro que prestava serviços para produtores rurais. Um deles tinha 17 anos. “Esse empreiteiro os ameaçava, indicando que tinha armas e que poderiam ser mortos”, aponta o auditor fiscal do trabalho Rafael Zan, que coordenou a ação. “Tanto que deixaram suas coisas para trás e procuraram a polícia”, explica.

Reclamações de falta de pagamento e de comida e de condições precárias foram denunciadas às autoridades. Durante a diligência, quando os trabalhadores foram apontar o local de alojamento, uma pessoa indicou que estaria armada, segundo a fiscalização.

A ação foi realizada pela Superintendência Regional do Trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho e pela Polícia Civil. O nome do empregador ainda não foi publicizado, pois a operação ainda está em curso. Tão logo seja, a reportagem pedirá um posicionamento e publicará aqui.

O alojamento foi erguido pelos próprios trabalhadores e não contava com camas, instalações elétricas e nem porta — havia apenas um buraco na parede por onde entravam e saíam. Nas frentes de trabalho, as refeições eram feitas no meio do mato sob tendas de lona improvisadas. Não contavam com equipamentos de proteção individuais.

Segundo a fiscalização, os trabalhadores sofriam descontos abusivos em seus salários, incluindo a cobrança de valores exorbitantes por comida, bebidas e mesmo pelo alojamento precário.

Cidadãos do Mercosul não precisam de visto nem passaporte para atravessar as fronteiras do bloco. Mas, para trabalhar em outro país, necessitam de autorização de residência e visto de trabalho. Segundo a fiscalização, há trabalhadores argentinos que não contam com essa documentação e acabam se tornando presas fáceis nas mãos de empreiteiros. Principalmente, quando são de origem humilde e estão fugindo da pobreza.

“É um serviço que ninguém quer, que ninguém se dispõe a fazer, e eles se sujeitam justamente porque não têm documentos. E trabalham sob o medo de que a polícia seja acionada e eles sejam mandados embora do Brasil”, explica Rafael Zan.

Após o resgate, um termo de ajustamento de conduta foi formado pelo MPT e os trabalhadores vão receber salários e verbas rescisórias devidos pelo empregador e será providenciado transporte de volta à Argentina. O Ministério do Trabalho e Emprego também garantiu a emissão de CPF, Carteira de Trabalho e o seguro-desemprego especial para os trabalhadores resgatados da escravidão — três parcelas de um salário mínimo.

<><> Providências e retorno à Argentina

Após o resgate, os trabalhadores foram acolhidos por instituições locais. O empregador foi notificado pela Auditoria-Fiscal do Trabalho e assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), comprometendo-se a pagar as verbas salariais e rescisórias, além de arcar com o transporte para o retorno dos trabalhadores à Argentina.

O MTE também providenciou a emissão de CPF, Carteiras de Trabalho e garantiu o acesso ao seguro-desemprego, com o pagamento de três parcelas de um salário mínimo.

Esta foi a terceira operação de resgate de trabalhadores argentinos em situação semelhante no Rio Grande do Sul em 2025. A Auditoria-Fiscal do Trabalho reafirmou seu compromisso em intensificar fiscalizações para combater a exploração laboral e garantir os direitos trabalhistas.

¨      Argentinos resgatados em situação análoga à escravidão na Serra Gaúcha colhiam uvas para produção de vinhos

Pelo terceiro ano seguido, a produção vinícola da Serra Gaúcha é maculada por registro de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Na semana passada, quatro argentinos contratados para a colheita da uva foram resgatados em uma propriedade da zona rural de São Marcos. O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS) confirmou à Matinal que os resgatados trabalharam por uma semana na colheita de uvas vendidas para a produção de vinhos e sucos.

O órgão informa que o caso continua em investigação e que não pode divulgar o nome do proprietário da terra onde estavam os resgatados e as empresas envolvidas nos serviços para não atrapalhar o andamento do inquérito.

Os quatro trabalhadores foram trazidos para o Brasil da província de Misiones, entrando no país pela cidade catarinense de Dionísio Cerqueira. Eles conseguiram o trabalho por meio de uma agenciadora brasileira, com o auxílio de outro agenciador que atua na Argentina.

Esse tipo de contrato terceirizado não é ilegal. Segundo o MPT-RS, porém, eram ilegais as condições de encaminhamento por essa agenciadora. Os trabalhadores não receberam remuneração pela semana de trabalho e foram instalados “em um local sem a condição mínima de habitabilidade”.

Os quatro trabalhadores estavam alojados em uma casa de madeira em más condições, com fiação elétrica exposta, em desacordo com as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Segundo relataram, a moradia, de dois dormitórios, chegou a abrigar 11 homens. Eles dormiam em colchões no chão e não tinham armários.

Havia graves problemas sanitários no local, com restrição de acesso à água potável para consumo dos trabalhadores. A água que abastecia as torneiras era captada de um açude no qual eram despejadas também as águas das descargas do banheiro, “formando um esgoto a céu aberto na entrada do imóvel”, conforme relatou o MPT.

A arregimentadora de serviços em São Marcos, segundo contam os trabalhadores, havia prometido boa remuneração e oferecimento de moradia. No entanto, os empregados sequer receberam pela semana de serviço. A agenciadora não foi encontrada pela operação que resgatou os homens. O produtor rural identificado como o tomador dos serviços alega que já havia efetuado o pagamento da remuneração correspondente.

É o terceiro ano seguido com casos de trabalhadores resgatados durante a vindima na Serra Gaúcha. Em março de 2023, 210 trabalhadores foram resgatados em Bento Gonçalves. Em fevereiro de 2024, 18 trabalhadores, também argentinos de Misiones, foram libertados no mesmo município de São Marcos.

·        Trabalho escravo contemporâneo

Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.

Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Os mais de 65 mil trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades, como o trabalho doméstico.

No total, a pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada desde 1995. Números detalhados sobre as ações de combate ao trabalho escravo podem ser encontrados no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.

 

Fonte: Por Leonardo Sakamoto, para Repórter Brasil/Matinal

 

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