quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Governo Trump acusa Brasil de violar 'valores democráticos' em referência a ações de Moraes

Em uma nota divulgada em sua conta oficial no X, o Departamento de Estado dos EUA acusou o Brasil de tomar medidas "incompatíveis com valores democráticos" em referência a recentes decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de remover conteúdos de usuários de algumas redes sociais e de aplicar multas e bloqueios por descumprimentos das ordens.

"O respeito à soberania é uma via de mão dupla com todos os parceiros dos EUA, incluindo o Brasil. Bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar indivíduos que lá vivem é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão", diz a nota divulgada pela diplomacia americana, que não cita Moraes.

É a primeira vez que a gestão do presidente Donald Trump se manifesta sobre o assunto. A liberdade de expressão irrestrita, como prevista na Primeira Emenda da Constituição dos EUA, é uma das bandeiras do republicano e as chamadas big techs são tidas como apoiadoras da Casa Branca.

Na semana passada, o bilionário Elon Musk, dono do X e chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), teve sua rede social multada em R$8 milhões por desrespeitar decisões do ministro do STF Alexandre de Moraes de retirar do ar conteúdos considerados como desinformação.

E na sexta-feira passada, a rede Rumble foi bloqueada em território brasileiro por se recusar a constituir representação legal no país e não cumprir com ordens de excluir páginas de usuários da direita brasileira, como o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, radicado nos EUA.

Além de não citar Moraes, a nota do Departamento de Estado não cita explicitamente as duas empresas, mas faz alusão aos dois casos.

A manifestação acontece depois que o deputado federal Eduardo Bolsonaro foi recebido em uma série de reuniões no Departamento de Estado, em Washington, na última sexta-feira (21/2).

O ministro do Supremo, que está sendo processado na Flórida pela Rumble e pela empresa de mídia de Trump (controladora da Truth Social), nega motivação política em sua atuação e sustenta - nos autos e em palestras - atuar em defesa da legislação e da democracia do Brasil.

Procurado sucessivas vezes pela reportagem via STF, ele não comentou a ofensiva.

Esta semana, em comentários no próprio X, Musk sugeriu que Moraes pode ser alvo de sanções no país. Em comentário a uma postagem, Musk pergunta: "Moraes não tem propriedades nos EUA?"

"Eu não sei se o Alexandre de Moraes ficou mal acostumado a trocar farpas com Elon Musk quando ele era só um empresário, mas agora ele é praticamente ministro do governo Trump, a situação é diferente", disse o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) à BBC News Brasil.

"Não esperem que o Trump vai receber com naturalidade se o governo do Brasil ficar chutando o X, tratando assim. Ele é um businessman", diz Eduardo, relembrando que a primeira-dama Janja da Silva proferiu insulto público ao bilionário durante reuniões do G-20 no Rio de Janeiro no ano passado.

Campanha bolsonarista e projeto contra Moraes

Como a BBC News Brasil revelou, Eduardo Bolsonaro esteve com o embaixador americano Michael Kozak, alta autoridade do Escritório de Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, de onde partiu a nota divulgada nesta quarta-feira.

Consultado oficialmente na última sexta-feira pela BBC News Brasil, o Departamento de Estado se recusou a detalhar o que foi tratado nas reuniões com Eduardo Bolsonaro. Em entrevista à BBC News Brasil, o deputado federal disse que não divulga suas agendas com o Executivo dos EUA.

Desde a posse de Trump, em 20 de janeiro, Eduardo já esteve no país três vezes. A quarta viagem está marcada para a semana que vem. Ele tem se encontrado com uma dezena de parlamentares além de expoentes da direita americana.

Também nesta quarta, a Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes aprovou um projeto de lei criado para atingir Moraes. Batizado de ''No Censors on our Shores Act'', ou algo como "Lei Sem Censores dentro de nossas Fronteiras", o projeto de lei prevê a deportação e inadmissibilidade em território americano de autoridades estrangeiras que tenham infringido a Primeira Emenda da Constituição dos EUA sobre liberdade de expressão.

Foi inicialmente proposto pelo deputado republicano Darrell Issa no fim do ano passado, quando Moraes havia bloqueado o X em território brasileiro, depois que Musk se recusou a cumprir ordens da Corte e estabelecer representantes legais no país. Mais tarde, Musk recuou. O projeto de lei agora vai ao plenário da Câmara, onde republicanos têm ligeira maioria.

O périplo de Eduardo nos EUA foi intensificado após denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado como líder de suposta organização criminosa com o objetivo de dar um golpe de Estado - o ex-presidente nega todas as acusações.

O deputado federal reconhece que a iniciativa visa fortalecer a posição do grupo para as eleições de 2026 e obter sanções econômicas e de viagem contra o ministro Alexandre de Moraes.

Até esta quarta, 26/1, porém a Casa Branca e seus departamentos não tinham entrado na disputa. Questionado sobre o silêncio do Executivo até então, Eduardo afirmou que "ele [Trump] precisa entender tudo certinho. O mais comum é que as coisas [vindas do Executivo] aconteçam de maneira mais silenciosa".

O deputado, no entanto, demonstrou confiança de que a Casa Branca possa intervir para garantir seu pai, Jair Bolsonaro, na urna eletrônica em 2026. Bolsonaro está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral.

"Ele [Trump] mais do que ninguém sabe como funciona o 'lawfare', então a gente tem que vocalizar, mostra que o problema não é de toda a Suprema Corte, é do Alexandre de Moraes, e já temos argumentos de sobra pra provar que ele merece receber sanções OFAC", diz Eduardo.

em referência aos múltiplos processos judiciais de Trump, que o então presidenciável sempre disse serem perseguição política e a exclusão dele de múltiplas plataformas após os ataques de 6 de janeiro ao Capitólio.

OFAC é a sigla em inglês para Escritório de Controle de Propriedades Estrangeiras, órgão responsável por impor sanção econômica e de viagem a estrangeiros e ligado ao Departamento de Tesouro dos EUA.

A nota desta quarta também é uma inflexão ao que o próprio Departamento de Estado declarou sobre a contenda do X com o Judiciário do Brasil em ocasiões anteriores.

"Estamos acompanhando a situação. O X, como uma empresa privada com negócios em muitos países, tem que conduzir seus negócios independemente. Não é algo em que o governo americano se envolva", afirmou à BBC News Brasil a porta-voz do órgão Amanda Roberson há apenas quatro meses.

O Itamaraty tem acompanhado de perto as movimentações da gestão Trump em relação ao Brasil e a Moraes. Consultado pela BBC News Brasil, o órgão não informou se haverá resposta pública da diplomacia brasileira.

Reservadamente, um embaixador com conhecimento da relação dos dois países disse que "a nota do departamento de Estado desrespeita princípios da relação bilateral entre Brasil e EUA". A chancelaria brasileira ainda delibera se e qual será a resposta pública do país.

¨      Funcionários federais de tecnologia renunciam em vez de ajudar Musk e DOGE

O presidente Donald Trump defendeu a exigência de Elon Musk por e-mail aos funcionários federais, dizendo-lhes para explicar suas realizações recentes ou correr o risco de serem demitidos, mesmo quando funcionários de agências governamentais foram informados de que o cumprimento do decreto de Musk era voluntário.

Mais de 20 funcionários públicos pediram demissão na terça-feira do Departamento de Eficiência Governamental do conselheiro bilionário de Trump, Elon Musk, dizendo que se recusavam a usar sua expertise técnica para “desmantelar serviços públicos essenciais”.

“Juramos servir o povo americano e manter nosso juramento à Constituição em todas as administrações presidenciais”, escreveram os 21 funcionários em uma carta de renúncia conjunta, uma cópia da qual foi obtida pela The Associated Press. “No entanto, ficou claro que não podemos mais honrar esses compromissos.”

Os funcionários também alertaram que muitos dos recrutados por Musk para ajudá-lo a reduzir o tamanho do governo federal sob a administração do presidente Donald Trump eram ideólogos políticos que não tinham as habilidades ou experiência necessárias para a tarefa que tinham pela frente.

A renúncia em massa de engenheiros, cientistas de dados, designers e gerentes de produtos é um revés temporário para Musk e o expurgo tecnológico da força de trabalho federal do presidente republicano. Ela ocorre em meio a uma onda de contestações judiciais que buscaram paralisar, interromper ou desfazer seus esforços para demitir ou coagir milhares de funcionários do governo a deixarem seus empregos.

Em uma declaração, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, rejeitou a renúncia em massa.

“Qualquer um que pense que protestos, processos e guerras jurídicas deterão o presidente Trump deve ter dormido debaixo de uma pedra nos últimos anos”, disse Leavitt. “O presidente Trump não será dissuadido de cumprir as promessas que fez para tornar nosso governo federal mais eficiente e mais responsável perante os trabalhadores contribuintes americanos.”

Musk tem condições de assumir contrato para consertar sistema de comunicação de tráfego aéreo

Musk postou em seu site de mídia social X que a história era uma “notícia falsa” e sugeriu que os funcionários eram “remanescentes políticos democratas” que “teriam sido demitidos se não tivessem renunciado”.

Os funcionários que pediram demissão trabalharam para o United States Digital Service, mas disseram que suas funções estavam sendo integradas ao DOGE. Seu antigo escritório, o USDS, foi estabelecido sob o presidente Barack Obama após o lançamento malfeito do Healthcare.gov, o portal da web que milhões de americanos usam para se inscrever em planos de seguro por meio da lei de assistência médica assinada pelo democrata.

Todos ocuparam cargos de liderança em empresas de tecnologia como Google e Amazon e escreveram em sua carta de demissão que ingressaram no governo por um senso de dever para com o serviço público.

O empoderamento de Musk por Trump virou isso de cabeça para baixo. No dia seguinte à posse de Trump, os funcionários escreveram que foram chamados para uma série de entrevistas que prenunciaram o trabalho secreto e perturbador do Departamento de Eficiência Governamental de Musk, ou DOGE.

De acordo com os funcionários, pessoas usando crachás de visitantes da Casa Branca, algumas das quais não deram seus nomes, interrogaram os funcionários apartidários sobre suas qualificações e política. Alguns fizeram declarações que indicavam que tinham um entendimento técnico limitado. Muitos eram jovens e pareciam guiados pela ideologia e fandom de Musk — não por melhorar a tecnologia do governo.

“Vários desses entrevistadores se recusaram a se identificar, fizeram perguntas sobre lealdade política, tentaram colocar colegas uns contra os outros e demonstraram capacidade técnica limitada”, escreveram os funcionários em sua carta. “Esse processo criou riscos de segurança significativos.”

No início deste mês, cerca de 40 funcionários do escritório foram demitidos. As demissões representaram um golpe devastador na capacidade do governo de administrar e proteger sua própria pegada tecnológica, eles escreveram.

“Esses servidores públicos altamente qualificados estavam trabalhando para modernizar a Previdência Social, serviços para veteranos, declaração de impostos, assistência médica, assistência a desastres, auxílio estudantil e outros serviços essenciais”, afirma a carta de demissão. “Sua remoção coloca em risco milhões de americanos que dependem desses serviços todos os dias. A perda repentina de sua expertise em tecnologia torna os sistemas essenciais e os dados dos americanos menos seguros.”

Cerca de um terço dos 65 funcionários que permaneceram no USDS pediram demissão na terça-feira em vez de assumir novas funções no DOGE.

“Não usaremos nossas habilidades como tecnólogos para comprometer sistemas governamentais essenciais, colocar em risco dados sensíveis dos americanos ou desmantelar serviços públicos críticos”, escreveram. “Não emprestaremos nossa expertise para executar ou legitimar as ações do DOGE.”

O esforço de corte e queima que Musk está liderando diverge do que foi inicialmente delineado por Trump durante a campanha presidencial de 2024. DOGE, uma referência à criptomoeda meme favorita de Musk, foi inicialmente apresentada como uma comissão de alto nível que existiria fora do governo.

Após a eleição, no entanto, Musk deu a entender que havia mais por vir, postando em seu site de mídia social, X, “Ameaça à democracia? Não, ameaça à BUROCRACIA!!!” Ele se inclinou agressivamente para o papel desde então.

Na semana passada, ele subiu ao palco da Conferência de Ação Política Conservadora, nos arredores de Washington, onde se gabou de suas façanhas e ergueu acima da cabeça uma motosserra chinesa enfeitada, presenteada pelo presidente argentino Javier Milei.

“Esta é a motosserra da burocracia”, Musk gritou do palco.

Ainda assim, Musk tentou manter os talentos técnicos, com a maior parte das demissões no escritório de Serviços Digitais concentradas em pessoas em funções como designers, gerentes de produto, recursos humanos e equipe contratada, de acordo com entrevistas com funcionários atuais e antigos.

Das 40 pessoas demitidas no início deste mês, apenas uma era engenheiro — um funcionário franco e politicamente ativo chamado Jonathan Kamens, que disse em uma entrevista à AP que acredita ter sido demitido por apoiar publicamente a vice-presidente Kamala Harris, uma democrata, em seu blog pessoal e por criticar Musk em conversas com colegas.

“Eu acredito que Elon Musk não está fazendo nada de bom. E eu acredito que quaisquer dados aos quais ele tenha acesso serão usados ​​para propósitos inapropriados e prejudiciais aos americanos”, disse Kamens.

Veteranos do US Digital Service, que falaram sob condição de anonimato por medo de represálias, lembraram de ter experimentado um tipo semelhante de choque sobre como os processos governamentais funcionavam, que Musk e sua equipe estão descobrindo. Com o tempo, muitos desenvolveram uma apreciação pelo motivo pelo qual certas coisas no governo tinham que ser tratadas com mais cuidado do que no setor privado.

“’Mova-se rápido e quebre coisas’ pode ser aceitável para alguém que possui um negócio e assume o risco. E se as coisas não vão bem, o dano é compartimentado. Mas quando você quebra coisas no governo, você está quebrando coisas que pertencem a pessoas que não assinaram para isso”, disse Cordell Schachter, que até o mês passado era o diretor de informação do Departamento de Transporte dos EUA.

O USDS foi criado há mais de uma década para fazer coisas como melhorar serviços para veteranos, e ajudou a criar um portal gratuito administrado pelo governo para que os contribuintes não precisassem passar por terceiros como o TurboTax. Ele também criou sistemas para melhorar a maneira como o governo federal comprava tecnologia.

Ela se envolveu em sua cota justa de brigas burocráticas e guerras territoriais de agências com diretores de informação em todo o governo que se ressentiam de intrusos pisando nos sistemas de suas agências. O poder do USDS em todo o governo derivou da forma de agir em nome da Casa Branca e sua missão fundadora de melhorar o serviço para o povo americano.

Leavitt, o secretário de imprensa da Casa Branca, é um dos três funcionários do governo que enfrentam um processo da The Associated Press com base na primeira e quinta emendas. A AP diz que os três estão punindo a agência de notícias por decisões editoriais às quais se opõem. A Casa Branca diz que a AP não está seguindo uma ordem executiva para se referir ao Golfo do México como Golfo da América.

 

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