José Alvaro
de Lima Cardoso: A falcatrua do governo Milei
Javier Milei está envolvido
no que pode ser considerado o maior escândalo de seu governo até agora. Em 14
de fevereiro, na rede social “X” Milei enviou mensagem promovendo a $Libra, uma
criptomoeda, completamente desconhecida até o episódio. Divulgada amplamente em
suas redes sociais oficiais, o presidente da Argentina destacou a $Libra como
uma iniciativa privada destinada a estimular o crescimento econômico no país,
através de investimentos em pequenas empresas e startups. Essa criptomoeda foi
criada pela empresa panamenha KIP Protocol como parte do projeto "Viva la
Libertad". Em seguida à mensagem de Milei, o valor da $Libra saltou
de US$0,000001 para US$5,20 em cerca de 40 minutos. Passado esse tempo, os
fundadores, que detinham 70% do total desse “ativo”, venderam rapidamente suas
participações, levando a uma queda abrupta de 85% no valor da criptomoeda. Em
cerca de três horas, calcula-se que aproximadamente 44.000 pessoas foram
afetadas, com prejuízos totais em torno de US$251 milhões. Os desenvolvedores do
projeto e alguns especuladores próximos teriam obtido lucros de aproximadamente
US$87 milhões durante a súbita desvalorização da moeda (os números variam
bastante, a depender da fonte).
O esquema é simples: o
presidente anuncia o produto, os primeiros que compram (os fundadores), o fazem
por valor insignificante (0,000001); após uma valorização explosiva em função
da procura, vendem por um preço milhões de vezes superior (sic). Diante da
repercussão negativa, 5,5 horas após ter enviado a mensagem, Milei removeu-a,
afirmando não estar plenamente informado sobre os detalhes do projeto antes de
promovê-lo. As indicações são a de que foi uma trama armada para tirar dinheiro
de incautos, usando a influência de Milei, especialmente entre os jovens.
A Argentina é um dos países
com maior número de adeptos de criptomoedas na América Latina, possivelmente o
maior. Estima-se que, no ano passado, cerca de 18,9% da população argentina
possuía criptomoedas, o que representa cerca de 8,5 milhões de pessoas em uma
população de aproximadamente 45 milhões. Para efeito comparativo, no Brasil o
número de usuários é maior em números absolutos (cerca de 26 milhões), porém em
termos relativos o maior número de pessoas com algum tipo de ativo digital na
América Latina, é a Argentina.
Há duas possíveis
interpretações para o episódio: 1) Milei é um idiota completo, que não sabia do
esquema e apenas enviou a mensagem por ingenuidade; 2) Milei participou do
esquema e, portanto, ganhou dinheiro com a falcatrua. Qualquer interpretação é
muito negativa para o presidente da Argentina. Se ele realmente não sabia do
esquema e apenas fez propaganda da criptomoeda sem compreender suas
implicações, isso indicaria falta de discernimento e um erro grave de
comunicação por parte de um chefe de Estado. Essa hipótese, tecnicamente,
deveria ser descartada porque Milei já trabalhou como professor em cursos
relacionados a criptomoedas. Em 2020, por exemplo, ele integrou o corpo docente
do instituto N&W Professional Traders, tendo ministrado a disciplina
"Introdução aos Investimentos".
A hipótese de que Milei foi
cúmplice ou se beneficiou com o esquema, é reforçada por vários relatos de que
membros do governo e empresários ligados ao projeto lucraram milhões de dólares
minutos após a valorização do produto. Logo após o episódio, surgiram muitas
denúncias de que Hayden Mark Davis, criador de $Libra, teria afirmado em
mensagens privadas que controlava Javier Milei por meio de subornos pagos a
Karina Milei irmã do presidente e secretária-geral da Presidência. Apesar das
negativas do governo, documentos revelam que Davis esteve no palácio
presidencial em pelo menos três ocasiões nos últimos meses, em reuniões
organizadas por Karina.
Como uma prova a mais de que
a Argentina está em uma encalacrada, o Senado do país votou contra a criação de
uma comissão especial para investigar o escândalo. Milei já cometeu muitos
crimes desde o início de sua gestão, não faltariam razões para abrir um
processo de impeachment. Por exemplo, alguns meses depois de iniciado o governo,
em agosto de 2024, foi acusado de reter cerca de 5 milhões de quilos de
alimentos destinados a programas sociais, em uma conjuntura na qual mais de 50%
da população da Argentina se encontra em situação de pobreza, segundo os
indicadores do INDEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina).
Na ocasião, após muitas denúncias do movimento popular e da imprensa
independente, a Justiça argentina ordenou a distribuição imediata dos
alimentos. Apesar do fato impactar a vida de milhões de argentinos, nada
aconteceu ao governo Milei.
As denúncias de que
altos funcionários do governo solicitam subornos, inclusive para permitir a
aproximação com o presidente, vêm sendo feitas desde setembro de 2024. Para
entender o que acontece atualmente na América Latina, imaginem se o presidente
da Venezuela, Nicolás Maduro, tivesse enviado postagem incentivando a compra de
uma criptomoeda sem lastro, criada minutos antes da mensagem. Imaginem também
se um parente muito próximo de Maduro tivesse se reunido várias vezes antes com
o dono do empreendimento anunciado. Imaginem se vários jornalistas e
empresários afirmassem que para se reunir com Maduro precisassem depositar 5
mil dólares antes numa conta indicada pelo secretário do presidente.
Numa situação dessa, não
podemos ter dúvidas: o governo venezuelano seria sitiado, Maduro enfrentaria
imediatamente uma pressão diplomática extrema, especialmente dos Estados
Unidos, Europa e países vizinhos. Isso provavelmente resultaria em sanções
ainda mais pesadas contra o país, nações da região, especialmente Argentina e
Chile, (talvez Brasil) exigiriam rapidamente investigações internacionais ou
mesmo sua renúncia imediata. A moribunda oposição venezuelana ganharia força,
usando o escândalo como prova de corrupção generalizada do governo. O
imperialismo, muito provavelmente, em poucas horas organizaria uma “revolução
colorida” na Venezuela.
Mas com Milei, é diferente.
É verdade que o presidente enfrenta mais de 100 processos judiciais
relacionados ao escândalo da criptomoeda, alguns nos EUA, que incluem acusações
de fraude, manipulação de preços, estelionato e negociações incompatíveis com a
função pública. Mas Milei é uma espécie de poodle do império. Enquanto suas
loucuras servirem de alguma forma aos que realmente detêm o poder e o dinheiro,
e enquanto o movimento social e popular continuar em estado de coma na
Argentina, ele continuará no cargo.
A desregulamentação da
economia argentina, a destruição de direitos trabalhistas, a subserviência aos
grandes capitais, a promessa de entrega de ativos essenciais da Argentina, como
lítio e petróleo, para os grandes capitais internacionais, está totalmente de
acordo com os interesses do sistema financeiro internacional. Milei acabou de
converter o maior banco público da Argentina, o Banco Nación, em uma sociedade
anônima. É um primeiro passo para privatizar a instituição, pois, embora o
Estado tenha mantido a maioria das ações, essa mudança abre caminho para a
futura entrega do banco para o setor privado. Intenção esta que o governo não
esconde.
A situação na Argentina é
comparável a uma bomba relógio. O país apresentou uma contração econômica de
cerca de 3,5% no ano passado, decorrência direta das políticas de Milei. A
inflação anual atingiu 211,4% em dezembro, posicionando a Argentina entre os
países com a maior inflação da América do Sul e uma das maiores do mundo. A
dívida pública representa 155% do PIB, um altíssimo nível de endividamento,
incompatível com um país que só dispõe de US$ 24 bilhões em reservas
internacionais. Há denúncias, inclusive, de que o governo esteja utilizando as
reservas internacionais para enfrentar as consequências financeiras do
escândalo de $Libra.
A complacência da mídia
internacional com o escândalo da criptomoeda indica também que, no contexto
atual de crise do capitalismo, para o imperialismo, Milei é tipo ideal de
presidente para países do subcontinente. Dirigentes reformistas e
nacionalistas, e que lutam por soberania política e econômica para seus países,
mesmo que muito moderados, devem ser inviabilizados, de um jeito ou de outro. O
nível de crise do sistema imperialista, especialmente com a mal disfarçada
derrota histórica que sofreram na Ucrânia, requerem governantes subservientes,
puxa-sacos dos poderosos e que odeiam o seu próprio povo.
¨ Criptogate: Provas contra Milei e relações com jovem
empresário são expostas
O escândalo da
criptomoeda de Javier Milei, na Argentina, que ficou conhecido como
“criptogate”, ganhou novos capítulos: a ligação do presidente com o criador da
criptomoeda $LIBRA, de recentes 30 anos, e que engoliu, definitivamente, as
chances do líder argentino de se dissociar do caso.
Após o fracasso na
tentativa de justificar o apoio ao golpe da criptomoeda $LIBRA, na última
semana, e que repercutiu em cenas vazadas de uma censura da equipe de governo à
entrevista à televisão argentina, além de explicitar o combinado do que poderia
ou não ser perguntado a ele, ainda pipocou nas relações de Milei no meio, mais
especificamente, com Hayden Mark Davis, o dono da criptomoeda.
A criptomoeda foi
promovida por Milei em uma mensagem no X (antigo Twitter), no dia 14 de
fevereiro, que foi posteriormente excluída. O valor da moeda subiu rapidamente,
mas logo despencou, deixando milhares de investidores no prejuízo, com perdas
estimadas em quase US$ 90 milhões.
<><> Quem
é Hayden Mark Davis
Davis é CEO da
Kelsier Ventures, uma empresa de consultoria e investimentos em criptomoedas e
negócios digitais. Inicialmente, com o colapso da criptomoeda, o empresário
responsabilizou a Kelsen Ventures e afirmou que iria reinvestir US$ 100 milhões
para voltar a dar liquidez à $LIBRA. E também criticou o presidente pela
retirada da publicação de apoio do ar.
Mais recentemente,
veio à público uma entrevista dada pelo irmão de Davis revelando que houve um
“pré-contrato” fechado entre Milei e o jovem empresário, recém-ingressado no
jogo financeiro. Segundo o noticiário argentino, há registros de que Milei o
recebeu na Casa Rosada no dia 30 de janeiro deste ano, pouco antes do
lançamento da criptomoeda.
Publicamente, Davis
já informou que a visita do dia 30 de janeiro era para tratar especificamente
do lançamento de $LIBRA e que ele era uma espécie de “conselheiro” recorrente
de Milei, tendo sido recebido pelo mandatário diversas vezes.
Neste encontro do
dia 30, Milei afirmou que Davis o estava assessorando sobre tecnologia
blockchain e inteligência artificial para impulsionar o desenvolvimento
tecnológico argentino. Mas negou que Davis seria um conselheiro do presidente.
Nos últimos dias, o
escândalo levantou suspeitas sobre a influência de Davis no governo argentino.
Após a polêmica, o
jovem empresário chegou a afirmar que conseguiu “salvar” US$ 100 milhões da
$LIBRA e disse que estes recursos seriam “da Argentina” e que aguardava as
“instruções” de Milei para onde aplicar.
<><> Mais
uma prova: vaza entrevista de irmão de Davis
A entrevista
tornada pública neste final de semana, do irmão do empresário, Gideon Davis,
complica mais as explicações de Milei. “A Argentina, em um grande salto, acaba
de assinar conosco um ‘Loi’ para nos ajudar com as criptomoedas”, falava
Gideon. “Loi” é um pré-contrato ou carta de intenções que, segundo o irmão do
empresário, foi “assinado por Javier Milei” para a promoção do negócio de
criptomoedas, por meio de uma outra empresa, chamada “Cube Exchange”.
A referida
entrevista foi retirada do ar pelo entrevistador: um norte-americano, Tony
Sablan, que publica conteúdos no Youtube. Mas trechos da entrevista foram
gravados por internautas, que republicaram as falas, que além de comprovar o apoio
de Milei a $LIBRA, também citava um projeto maior dos empresários de
“tokenização” da Argentina.
De lá para cá,
outras informações divulgadas pelo noticiário argentino levantam suspeitas de
que os fundos dessas operações de criptomoedas seriam destinados a financiar os
grupos de extrema-direita na Argentina.
Enquanto isso, o
Ministério Público argentino investiga os crimes econômicos cometidos no golpe
da criptomoeda e a relação de Milei e de Davis, com vistas a identificar se
cometeram abuso de autoridade, fraude, tráfico de influência e corrupção
passiva.
O promotor federal
Eduardo Taiano está no comando das investigações e solicitou relatórios ao
Banco Central e ao Google para coletar informações e, por meio da Promotoria
Especializada em Crimes Cibernéticos, indícios relacionadas ao escândalo,
incluindo vídeos e postagens que foram retirados do ar e que podem trazer
respostas ao caso.
Ao mesmo tempo,
advogados nos Estados Unidos já prepararam ações judiciais coletivas contra a
criptomoeda. E a oposição ingressou com centenas de pedidos de impeachment
contra o presidente argentino.
¨ Escândalo das criptomoedas faz Javier Milei perder
domínio da agenda pública
O presidente
argentino, Javier Milei, se envolveu em um escândalo no dia 14 de fevereiro, ao
divulgar a criptomoeda $LIBRA, que pouco tempo depois de valorizar graças ao
anúncio de Milei, perdeu valor de mercado e resultou em perdas para 86% dos
investidores, que juntos somaram prejuízo de US$ 251 milhões.
Para comentar o
desdobramento do caso, o programa Nova Economia da última quinta-feira (20)
contou com a presença de Martín Granovsky, jornalista argentino do jornal
Página/12 e editor do site Yahoraque.com.ar.
O jornalista
comenta que, desde a posse de Milei, em dezembro de 2023, é a primeira vez que
o governo perdeu a iniciativa política.
“Isso é muito
importante na Argentina. Perdeu a iniciativa política, perdeu o domínio da
agenda pública,
de conversa
pública, de discussão pública, inclusive, um ajuste fiscal. O próprio
presidente diz que ‘é o maior ajuste fiscal da história mundial’. Milei disse,
não eu. Então, esse fato de o governo ter perdido a iniciativa pública pela
primeira vez indica a importância do escândalo”, comenta Granovsky.
O convidado do
programa Nova Economia ressaltou ainda que é uma lástima que, apesar da
importância do escândalo político, este não é muito forte para Milei na
Argentina e em todo o mundo.
“Tenho informações
de pessoas em Wall Street de que o presidente é um novo Bernie Madoff
[criminoso norte-americano culpado de orquestrar o maior esquema de pirâmide
financeira da história]. Nos EUA, Bernie Madoff foi condenado a 150 anos de
prisão por ter estafado financeiramente alguns milhões de dólares. Na
Argentina, a estafa é pequena, mas veio de um presidente”, acrescenta o
jornalista.
Granovsky lamenta
ainda o fato de não ter informações exatas sobre como o escândalo da
criptomoeda está impactando as negociações com o Fundo Monetário Internacional
(FMI).
Mas, para refutar a
alegação do presidente de que a divulgação da moeda que levou milhares de
investidores à ruína de que ele o fez enquanto “cidadão”, Granovsky restada a
declaração de um importante constitucionalista argentino, para quem “o
presidente da Argentina precisa ser presidente e é uma tarefa 24 horas por dia,
sete dias por semana”.
“O problema é a
incompatibilidade entre a função pública e a função privada. Os presidentes não
podem, segundo o artigo 399 do código penal argentino, fazer negociações
incompatíveis com a função pública”, pondera.
O jornalista lembrou
ainda que não é possível prender um presidente em cargo. Para tanto, o chefe de
Estado deve passar por um processo de impeachment.
“Se o argumento de
Milei for invertido, o Milei cidadão seria passível de uma prisão policial.
Para Milei, não é muito conveniente”, conclui o entrevistado.
Fonte: Brasil
247/Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário