terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

José Alvaro de Lima Cardoso: A falcatrua do governo Milei

Javier Milei está envolvido no que pode ser considerado o maior escândalo de seu governo até agora. Em 14 de fevereiro, na rede social “X” Milei enviou mensagem promovendo a $Libra, uma criptomoeda, completamente desconhecida até o episódio. Divulgada amplamente em suas redes sociais oficiais, o presidente da Argentina destacou a $Libra como uma iniciativa privada destinada a estimular o crescimento econômico no país, através de investimentos em pequenas empresas e startups. Essa criptomoeda foi criada pela empresa panamenha KIP Protocol como parte do projeto "Viva la Libertad".  Em seguida à mensagem de Milei, o valor da $Libra saltou de US$0,000001 para US$5,20 em cerca de 40 minutos. Passado esse tempo, os fundadores, que detinham 70% do total desse “ativo”, venderam rapidamente suas participações, levando a uma queda abrupta de 85% no valor da criptomoeda. Em cerca de três horas, calcula-se que aproximadamente 44.000 pessoas foram afetadas, com prejuízos totais em torno de US$251 milhões. Os desenvolvedores do projeto e alguns especuladores próximos teriam obtido lucros de aproximadamente US$87 milhões durante a súbita desvalorização da moeda (os números variam bastante, a depender da fonte). 

O esquema é simples: o presidente anuncia o produto, os primeiros que compram (os fundadores), o fazem por valor insignificante (0,000001); após uma valorização explosiva em função da procura, vendem por um preço milhões de vezes superior (sic). Diante da repercussão negativa, 5,5 horas após ter enviado a mensagem, Milei removeu-a, afirmando não estar plenamente informado sobre os detalhes do projeto antes de promovê-lo. As indicações são a de que foi uma trama armada para tirar dinheiro de incautos, usando a influência de Milei, especialmente entre os jovens. 

A Argentina é um dos países com maior número de adeptos de criptomoedas na América Latina, possivelmente o maior. Estima-se que, no ano passado, cerca de 18,9% da população argentina possuía criptomoedas, o que representa cerca de 8,5 milhões de pessoas em uma população de aproximadamente 45 milhões. Para efeito comparativo, no Brasil o número de usuários é maior em números absolutos (cerca de 26 milhões), porém em termos relativos o maior número de pessoas com algum tipo de ativo digital na América Latina, é a Argentina. 

Há duas possíveis interpretações para o episódio: 1) Milei é um idiota completo, que não sabia do esquema e apenas enviou a mensagem por ingenuidade; 2) Milei participou do esquema e, portanto, ganhou dinheiro com a falcatrua. Qualquer interpretação é muito negativa para o presidente da Argentina. Se ele realmente não sabia do esquema e apenas fez propaganda da criptomoeda sem compreender suas implicações, isso indicaria falta de discernimento e um erro grave de comunicação por parte de um chefe de Estado. Essa hipótese, tecnicamente, deveria ser descartada porque Milei já trabalhou como professor em cursos relacionados a criptomoedas. Em 2020, por exemplo, ele integrou o corpo docente do instituto N&W Professional Traders, tendo ministrado a disciplina "Introdução aos Investimentos".

A hipótese de que Milei foi cúmplice ou se beneficiou com o esquema, é reforçada por vários relatos de que membros do governo e empresários ligados ao projeto lucraram milhões de dólares minutos após a valorização do produto. Logo após o episódio, surgiram muitas denúncias de que Hayden Mark Davis, criador de $Libra, teria afirmado em mensagens privadas que controlava Javier Milei por meio de subornos pagos a Karina Milei irmã do presidente e secretária-geral da Presidência. Apesar das negativas do governo, documentos revelam que Davis esteve no palácio presidencial em pelo menos três ocasiões nos últimos meses, em reuniões organizadas por Karina. 

Como uma prova a mais de que a Argentina está em uma encalacrada, o Senado do país votou contra a criação de uma comissão especial para investigar o escândalo. Milei já cometeu muitos crimes desde o início de sua gestão, não faltariam razões para abrir um processo de impeachment. Por exemplo, alguns meses depois de iniciado o governo, em agosto de 2024, foi acusado de reter cerca de 5 milhões de quilos de alimentos destinados a programas sociais, em uma conjuntura na qual mais de 50% da população da Argentina se encontra em situação de pobreza, segundo os indicadores do INDEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina). Na ocasião, após muitas denúncias do movimento popular e da imprensa independente, a Justiça argentina ordenou a distribuição imediata dos alimentos. Apesar do fato impactar a vida de milhões de argentinos, nada aconteceu ao governo Milei.

 As denúncias de que altos funcionários do governo solicitam subornos, inclusive para permitir a aproximação com o presidente, vêm sendo feitas desde setembro de 2024. Para entender o que acontece atualmente na América Latina, imaginem se o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tivesse enviado postagem incentivando a compra de uma criptomoeda sem lastro, criada minutos antes da mensagem. Imaginem também se um parente muito próximo de Maduro tivesse se reunido várias vezes antes com o dono do empreendimento anunciado.  Imaginem se vários jornalistas e empresários afirmassem que para se reunir com Maduro precisassem depositar 5 mil dólares antes numa conta indicada pelo secretário do presidente.  

Numa situação dessa, não podemos ter dúvidas: o governo venezuelano seria sitiado, Maduro enfrentaria imediatamente uma pressão diplomática extrema, especialmente dos Estados Unidos, Europa e países vizinhos. Isso provavelmente resultaria em sanções ainda mais pesadas contra o país, nações da região, especialmente Argentina e Chile, (talvez Brasil) exigiriam rapidamente investigações internacionais ou mesmo sua renúncia imediata. A moribunda oposição venezuelana ganharia força, usando o escândalo como prova de corrupção generalizada do governo. O imperialismo, muito provavelmente, em poucas horas organizaria uma “revolução colorida” na Venezuela. 

Mas com Milei, é diferente. É verdade que o presidente enfrenta mais de 100 processos judiciais relacionados ao escândalo da criptomoeda, alguns nos EUA, que incluem acusações de fraude, manipulação de preços, estelionato e negociações incompatíveis com a função pública. Mas Milei é uma espécie de poodle do império. Enquanto suas loucuras servirem de alguma forma aos que realmente detêm o poder e o dinheiro, e enquanto o movimento social e popular continuar em estado de coma na Argentina, ele continuará no cargo.

A desregulamentação da economia argentina, a destruição de direitos trabalhistas, a subserviência aos grandes capitais, a promessa de entrega de ativos essenciais da Argentina, como lítio e petróleo, para os grandes capitais internacionais, está totalmente de acordo com os interesses do sistema financeiro internacional. Milei acabou de converter o maior banco público da Argentina, o Banco Nación, em uma sociedade anônima. É um primeiro passo para privatizar a instituição, pois, embora o Estado tenha mantido a maioria das ações, essa mudança abre caminho para a futura entrega do banco para o setor privado. Intenção esta que o governo não esconde. 

A situação na Argentina é comparável a uma bomba relógio. O país apresentou uma contração econômica de cerca de 3,5% no ano passado, decorrência direta das políticas de Milei. A inflação anual atingiu 211,4% em dezembro, posicionando a Argentina entre os países com a maior inflação da América do Sul e uma das maiores do mundo. A dívida pública representa 155% do PIB, um altíssimo nível de endividamento, incompatível com um país que só dispõe de US$ 24 bilhões em reservas internacionais. Há denúncias, inclusive, de que o governo esteja utilizando as reservas internacionais para enfrentar as consequências financeiras do escândalo de $Libra. 

A complacência da mídia internacional com o escândalo da criptomoeda indica também que, no contexto atual de crise do capitalismo, para o imperialismo, Milei é tipo ideal de presidente para países do subcontinente. Dirigentes reformistas e nacionalistas, e que lutam por soberania política e econômica para seus países, mesmo que muito moderados, devem ser inviabilizados, de um jeito ou de outro. O nível de crise do sistema imperialista, especialmente com a mal disfarçada derrota histórica que sofreram na Ucrânia, requerem governantes subservientes, puxa-sacos dos poderosos e que odeiam o seu próprio povo.  

¨      Criptogate: Provas contra Milei e relações com jovem empresário são expostas

O escândalo da criptomoeda de Javier Milei, na Argentina, que ficou conhecido como “criptogate”, ganhou novos capítulos: a ligação do presidente com o criador da criptomoeda $LIBRA, de recentes 30 anos, e que engoliu, definitivamente, as chances do líder argentino de se dissociar do caso.

Após o fracasso na tentativa de justificar o apoio ao golpe da criptomoeda $LIBRA, na última semana, e que repercutiu em cenas vazadas de uma censura da equipe de governo à entrevista à televisão argentina, além de explicitar o combinado do que poderia ou não ser perguntado a ele, ainda pipocou nas relações de Milei no meio, mais especificamente, com Hayden Mark Davis, o dono da criptomoeda.

A criptomoeda foi promovida por Milei em uma mensagem no X (antigo Twitter), no dia 14 de fevereiro, que foi posteriormente excluída. O valor da moeda subiu rapidamente, mas logo despencou, deixando milhares de investidores no prejuízo, com perdas estimadas em quase US$ 90 milhões.

<><> Quem é Hayden Mark Davis

Davis é CEO da Kelsier Ventures, uma empresa de consultoria e investimentos em criptomoedas e negócios digitais. Inicialmente, com o colapso da criptomoeda, o empresário responsabilizou a Kelsen Ventures e afirmou que iria reinvestir US$ 100 milhões para voltar a dar liquidez à $LIBRA. E também criticou o presidente pela retirada da publicação de apoio do ar.

Mais recentemente, veio à público uma entrevista dada pelo irmão de Davis revelando que houve um “pré-contrato” fechado entre Milei e o jovem empresário, recém-ingressado no jogo financeiro. Segundo o noticiário argentino, há registros de que Milei o recebeu na Casa Rosada no dia 30 de janeiro deste ano, pouco antes do lançamento da criptomoeda.

Publicamente, Davis já informou que a visita do dia 30 de janeiro era para tratar especificamente do lançamento de $LIBRA e que ele era uma espécie de “conselheiro” recorrente de Milei, tendo sido recebido pelo mandatário diversas vezes.

Neste encontro do dia 30, Milei afirmou que Davis o estava assessorando sobre tecnologia blockchain e inteligência artificial para impulsionar o desenvolvimento tecnológico argentino. Mas negou que Davis seria um conselheiro do presidente.

Nos últimos dias, o escândalo levantou suspeitas sobre a influência de Davis no governo argentino.

Após a polêmica, o jovem empresário chegou a afirmar que conseguiu “salvar” US$ 100 milhões da $LIBRA e disse que estes recursos seriam “da Argentina” e que aguardava as “instruções” de Milei para onde aplicar.

<><> Mais uma prova: vaza entrevista de irmão de Davis

A entrevista tornada pública neste final de semana, do irmão do empresário, Gideon Davis, complica mais as explicações de Milei. “A Argentina, em um grande salto, acaba de assinar conosco um ‘Loi’ para nos ajudar com as criptomoedas”, falava Gideon. “Loi” é um pré-contrato ou carta de intenções que, segundo o irmão do empresário, foi “assinado por Javier Milei” para a promoção do negócio de criptomoedas, por meio de uma outra empresa, chamada “Cube Exchange”.

A referida entrevista foi retirada do ar pelo entrevistador: um norte-americano, Tony Sablan, que publica conteúdos no Youtube. Mas trechos da entrevista foram gravados por internautas, que republicaram as falas, que além de comprovar o apoio de Milei a $LIBRA, também citava um projeto maior dos empresários de “tokenização” da Argentina.

De lá para cá, outras informações divulgadas pelo noticiário argentino levantam suspeitas de que os fundos dessas operações de criptomoedas seriam destinados a financiar os grupos de extrema-direita na Argentina.

Enquanto isso, o Ministério Público argentino investiga os crimes econômicos cometidos no golpe da criptomoeda e a relação de Milei e de Davis, com vistas a identificar se cometeram abuso de autoridade, fraude, tráfico de influência e corrupção passiva.

O promotor federal Eduardo Taiano está no comando das investigações e solicitou relatórios ao Banco Central e ao Google para coletar informações e, por meio da Promotoria Especializada em Crimes Cibernéticos, indícios relacionadas ao escândalo, incluindo vídeos e postagens que foram retirados do ar e que podem trazer respostas ao caso.

Ao mesmo tempo, advogados nos Estados Unidos já prepararam ações judiciais coletivas contra a criptomoeda. E a oposição ingressou com centenas de pedidos de impeachment contra o presidente argentino.

¨      Escândalo das criptomoedas faz Javier Milei perder domínio da agenda pública

O presidente argentino, Javier Milei, se envolveu em um escândalo no dia 14 de fevereiro, ao divulgar a criptomoeda $LIBRA, que pouco tempo depois de valorizar graças ao anúncio de Milei, perdeu valor de mercado e resultou em perdas para 86% dos investidores, que juntos somaram prejuízo de US$ 251 milhões.

Para comentar o desdobramento do caso, o programa Nova Economia da última quinta-feira (20) contou com a presença de Martín Granovsky, jornalista argentino do jornal Página/12 e editor do site Yahoraque.com.ar.

O jornalista comenta que, desde a posse de Milei, em dezembro de 2023, é a primeira vez que o governo perdeu a iniciativa política. 

“Isso é muito importante na Argentina. Perdeu a iniciativa política, perdeu o domínio da agenda pública,

 de conversa pública, de discussão pública, inclusive, um ajuste fiscal. O próprio presidente diz que ‘é o maior ajuste fiscal da história mundial’. Milei disse, não eu. Então, esse fato de o governo ter perdido a iniciativa pública pela primeira vez indica a importância do escândalo”, comenta Granovsky.

O convidado do programa Nova Economia ressaltou ainda que é uma lástima que, apesar da importância do escândalo político, este não é muito forte para Milei na Argentina e em todo o mundo.

“Tenho informações de pessoas em Wall Street de que o presidente é um novo Bernie Madoff [criminoso norte-americano culpado de orquestrar o maior esquema de pirâmide financeira da história]. Nos EUA, Bernie Madoff foi condenado a 150 anos de prisão por ter estafado financeiramente alguns milhões de dólares. Na Argentina, a estafa é pequena, mas veio de um presidente”, acrescenta o jornalista.

Granovsky lamenta ainda o fato de não ter informações exatas sobre como o escândalo da criptomoeda está impactando as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Mas, para refutar a alegação do presidente de que a divulgação da moeda que levou milhares de investidores à ruína de que ele o fez enquanto “cidadão”, Granovsky restada a declaração de um importante constitucionalista argentino, para quem “o presidente da Argentina precisa ser presidente e é uma tarefa 24 horas por dia, sete dias por semana”.

“O problema é a incompatibilidade entre a função pública e a função privada. Os presidentes não podem, segundo o artigo 399 do código penal argentino, fazer negociações incompatíveis com a função pública”, pondera.

O jornalista lembrou ainda que não é possível prender um presidente em cargo. Para tanto, o chefe de Estado deve passar por um processo de impeachment. 

“Se o argumento de Milei for invertido, o Milei cidadão seria passível de uma prisão policial. Para Milei, não é muito conveniente”, conclui o entrevistado. 

 

Fonte: Brasil 247/Jornal GGN

 

 

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