quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

As tarifas de Trump como sintoma do esgotamento do multilateralismo

As recentes medidas do recém-empossado presidente dos EUA, Donald Trump, têm dominado as manchetes globais. No comércio internacional, a imposição de tarifas agressivas sobre produtos como o aço gerou repercussão, especialmente no Brasil, segundo maior fornecedor do produto para os Estados Unidos.[1]

Diante de medidas tão drásticas, surgem questionamentos sobre quais seriam os possíveis benefícios das tarifas aduaneiras para uma economia, se é que eles existem. Entretanto, de uma perspectiva mais ampla, essa postura do governo americano sinaliza o agravamento de uma tendência na ordem internacional: o fortalecimento do unilateralismo em detrimento do multilateralismo.

O protecionismo comercial de Trump não é novidade. Em seu primeiro mandato, ele impôs tarifas elevadas a mercadorias como o aço e o alumínio, as quais a diplomacia brasileira conseguiu substituir por cotas de importação.[2] Além disso, o aumento de tarifas pelo atual presidente marcou o início da guerra comercial travada com a China, cuja retaliação recaiu fortemente sobre diversos produtos estadunidenses. Durante a administração Biden, essas tarifas foram mantidas e novas foram impostas, sobretudo em setores estratégicos como o de semicondutores. Agora, esse início de mandato de Trump promete escalar essa guerra comercial a outros patamares, atingindo até mesmo os aliados tradicionais dos EUA.

As tarifas aduaneiras são um dos instrumentos clássicos da política de comércio exterior, assim como os subsídios e as cotas. No passado, antes da introdução do imposto de renda, elas representavam a principal fonte de receita para muitos países. Hoje, no entanto, qualquer manual de Economia aponta que tarifas geram distorções de mercado e que seus custos superam os possíveis benefícios.

A conclusão de que tarifas aduaneiras levam a mais perdas do que ganhos passa por demonstrações matemáticas e gráficas. Em resumo, distorções no comércio, como são as tarifas, geram perda de eficiência econômica e atingem, sobretudo, os consumidores. Em algumas situações, essa perda de eficiência pode ser justificada; por exemplo, um imposto que visa à melhor distribuição de renda pode ter benefícios que justificam a geração dessa ineficiência, pois miram na melhora do bem-estar social.

Saindo dos manuais e indo para o mundo real, vemos que as tarifas impostas por Trump em seu primeiro mandato não tiveram os efeitos benéficos prometidos. Ao contrário, prejudicaram o crescimento econômico dos EUA em geral e, particularmente, nos setores atingidos.

Estudos sobre as tarifas impostas por Trump, entre 2018 e 2020, mostram que a maior parte do ônus recaiu sobre os consumidores, e a grande maioria dos economistas afirma que o novo capítulo da “Trumponomics” deve elevar a inflação no país.[3] A promessa de que as tarifas deveriam manter e criar empregos nos Estados Unidos tampouco se concretizou, nem mesmo no setor de aço. Na verdade, o aumento no custo de produtos que utilizam o aço pode ter diminuído as taxas de emprego em alguns setores.[4]

No cenário global, os efeitos de tarifas aduaneiras também são negativos. Além de afetar preços e produção, o unilateralismo de Trump é sintoma de um diagnóstico preocupante de esgotamento do sistema multilateral de comércio.

Até recentemente, a eliminação de barreiras ao comércio era um consenso na comunidade internacional, simbolizado pela criação da Organização Mundial do Comércio, em 1994. Para entender melhor o impacto dessa onda protecionista, é fundamental revisitar o contexto de fundação da OMC, o qual nos diz muito sobre os princípios que guiam essa instituição, assim como sobre os motivos de seu enfraquecimento nos últimos anos.

A década de 1990 assistiu ao fim da Guerra Fria, à independência de novas nações na Europa e ao descongelamento do Conselho de Segurança da ONU (travado durante a Guerra Fria diante do uso político do poder de veto pelos EUA ou pela URSS). O clima otimista e de florescimento do liberalismo e do capitalismo chegou a convencer cientistas políticos, como Francis Fukuyama, de que a história havia acabado.

Nesse contexto, o multilateralismo se fortaleceu. A década de 1990 foi chamada de a “Década das Conferências”. Para citar algumas, tivemos a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, em 1993; a Conferência Mundial sobre a Mulher de Pequim, em 1995; e a Rio-92, sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O comércio internacional também estava a todo o vapor: em 1991, o Tratado de Assunção estabeleceu as bases para o Mercosul; em 1992, o Tratado de Maastricht, fundou a União Europeia; entre 1986 e 1994, a Rodada Uruguai reuniu mais de 120 países para a criação do sistema multilateral de comércio, culminando na OMC.

Era a concretização do que dizia Norman Angell, em sua obra A Grande Ilusão, de 1909: a interdependência econômica entre as nações seria o grande antídoto para os conflitos armados, que tornaram-se custosos demais para as nações capitalistas.

A OMC foi estruturada sobre o princípio de que o livre comércio beneficia tanto as nações individualmente quanto a economia global. Seus membros concordaram, também, que práticas protecionistas, muitas vezes movidas por interesses políticos de curto prazo, levam a uma produção ineficiente e a perda de empregos. Seu Sistema de Solução de Disputas (SSD) servia para que os conflitos comerciais fossem resolvidos sem medidas unilaterais, salvaguardando os valores caros à organização.

Muitos podem dizer que a OMC é uma ideia muito bonita no papel, mas que não conseguiria se sobrepor aos interesses nacionais. Até 2018, entretanto, o SSD conseguiu fazer valer as regras da OMC em diversos casos.

O Brasil, por exemplo, venceu uma disputa contra os subsídios ao algodão dos EUA, resultando no pagamento de US$ 805 milhões ao Brasil e na alteração da legislação estadunidense sobre o tema. Para muitas nações, o SSD era uma garantia de que seus interesses comerciais seriam respeitados, mesmo que não tivessem a força militar ou econômica para impor-se sobre os demais. Desde 2018, entretanto, os EUA travaram o funcionamento do Órgão de Apelação do SSD, alegando que ele extrapolava suas funções pré-estabelecidas. Hoje, um Estado não consegue ter seu caso julgado em sua instância superior; o caso fica em um limbo e o país, desamparado. Apesar de alternativas plurilaterais, como o Arranjo Provisório de Arbitragem-Apelação (MPIA), do qual o Brasil faz parte, o sistema multilateral de comércio não conseguiu se recuperar.

Vê-se, assim, que o desmonte do multilateralismo comercial não é de hoje. Vê-se, também, que a crise do multilateralismo não se limita ao comércio.

O Conselho de Segurança da ONU se mostra incapaz de construir soluções para os conflitos armados, em diversos cantos do mundo; a ONU não consegue articular ações globais efetivas contra a mudança climática; as organizações internacionais perdem financiamento e legitimidade. Enquanto isso, a mudança climática mostra que não irá esperar que o mundo esteja em paz e disposto a negociar.

Esse diagnóstico pessimista remete a um texto de Rubens Ricupero, em que o Embaixador questiona se estaríamos diante de “um futuro pior que o passado”[5]. Como menciona Ricupero, “desde o Iluminismo, acreditava-se que a História se encaminhava a um futuro que, retrospectivamente, daria sentido ao passado.” Entretanto, temos assistido a uma série de eventos que nos fazem perder a esperança, ou seja “a confiança de que o futuro nos trará remédio às agruras do presente, da mesma forma que antes o presente costumava superar problemas do passado.”

Em seu texto, o Embaixador passa por diversos eventos da história do Brasil e do mundo que fizeram as gerações que os vivenciaram perderem a esperança. No entanto, longe de nos querer impor um futuro catastrófico, Ricupero nos coloca uma tarefa: “não está escrito nas estrelas que o nosso futuro será melhor ou pior que o presente e o passado. Sem o consolo das certezas ilusórias, depende apenas de nós, de nossa ação consciente, que os próximos cem anos revertam o declínio, garantindo-nos um futuro melhor que o presente e superior ao passado.”

Diante de mais quatro anos de governo Trump, do protecionismo crescente e da ascensão de governos autoritários ao redor do mundo, é fundamental buscar os caminhos para que o futuro não seja pior do que o passado.

A agressividade comercial dos EUA atinge o núcleo do sistema multilateral de comércio: além de comprometer a eficiência dos mercados e penalizar os consumidores, Trump usa tarifas como moeda de barganha. Ao driblar acordos multilaterais, o republicano utiliza a assimetria de poder (econômico e, por que não militar?) em relação às demais nações para favorecer os interesses estadunidenses. Ou seja, a fragilização do sistema multilateral não é apenas consequência, mas também meio para a política comercial do país.

Assim, além de fortalecer suas relações com outros parceiros comerciais, as nações ameaçadas devem buscar construir articulações multilaterais. O Brasil pode desempenhar um papel protagonista nesses próximos capítulos, particularmente como porta-voz dos países em desenvolvimento. A diplomacia brasileira tem a vocação de aproximar atores, mesmo os mais distantes geográfica ou culturalmente, e construir consensos (talvez pela combinação da cordialidade brasileira e da excelência da nossa diplomacia). Tem, também, as credenciais para isso: o Brasil é um dos membros mais ativos na OMC e é o país em desenvolvimento que mais teve mandatos como membro não permanente do CSNU.

Sem apoiar-se em ilusões sobre as limitações do sistema internacional, o remédio para o unilateralismo certamente passará pelo fortalecimento do multilateralismo, seja por meio das ferramentas já existentes ou de novas.

¨      Aumento da inflação preocupa americanos após tarifas de Trump

Os Estados Unidos se preparam para enfrentar o crescimento da inflação após o presidente Donald Trump anunciar tarifas sobre determinados produtos, o que deve pesar no bolso da população, informa a Folha de S. Paulo. Apesar dos dados atuais não indicarem uma perda de controle sobre a inflação, como mostram pesquisas da Universidade de Michigan e indicadores de mercado, o aumento recente nas expectativas merece atenção, criando um clima de incerteza no cenário econômico do país.

A pesquisa mais recente da The Conference Board, divulgada nesta terça-feira (25), revelou uma queda acentuada na confiança do consumidor em fevereiro, acompanhada de um aumento nas expectativas de inflação. Os americanos estão cada vez mais preocupados com o aumento do preço de itens básicos como os ovos e com o impacto das tarifas impostas pelo governo. O levantamento mostrou que as expectativas de inflação para os próximos 12 meses atingiram o seu maior nível em mais de um ano, um reflexo das pressões persistentes, como o aumento nos custos dos alimentos e a alta nos preços da energia.

Esses temores podem se tornar um desafio para o presidente Donald Trump, cuja promessa de controlar a inflação foi um pilar central de sua campanha. O aumento nas expectativas de inflação também complica a tarefa do Federal Reserve, que já tem dificuldades em controlar a alta dos preços sem causar um impacto negativo no mercado de trabalho. "Este é o tipo de coisa que pode desestabilizar uma autoridade", comentou Jonathan Pingle, ex-economista do Fed, atualmente no UBS. "Não queremos que as expectativas de inflação subam tanto que tornem o trabalho do Fed mais difícil para trazer a inflação de volta a 2%."

Para muitos economistas, controlar as expectativas de inflação é essencial para evitar que a própria inflação se dispare. As expectativas de preços mais altos podem se tornar uma profecia autorrealizável: se os consumidores e as empresas acreditam que os preços continuarão subindo, eles tomarão medidas que contribuem para esse aumento. O que ocorre, por exemplo, quando os trabalhadores exigem aumentos salariais e as empresas elevam os preços de seus produtos. Em situações como essa, o Fed poderia enfrentar dificuldades adicionais para controlar a inflação.

Há também o risco de que a política de Trump em relação ao Fed possa agravar ainda mais a situação. Na semana passada, o presidente dos EUA tentou ampliar sua influência sobre o banco central como parte de um movimento mais amplo para ganhar maior controle sobre agências independentes. Uma ordem executiva busca supervisionar e regulamentar o Fed em suas decisões sobre Wall Street e a política monetária. Essa tentativa de diminuir a independência do Fed gerou preocupações sobre até onde as ações de Trump poderiam ir, o que, na visão do mercado, poderia prejudicar a confiança na capacidade do banco central de controlar a inflação.

¨      Gold card: Trump quer vender cidadania dos EUA por US$ 5 milhões

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta terça-feira (25) a proposta de substituir o atual programa de vistos para investidores estrangeiros, o EB-5, por um novo esquema que permitiria a compra de um "gold card" por US$ 5 milhões, garantindo residência permanente e um caminho para a cidadania americana. A declaração foi feita a repórteres, com o presidente destacando que a medida atrairia bilionários para o país.

"Vamos vender um gold card", afirmou Trump. "Vamos colocar um preço nesse visto de cerca de US$ 5 milhões". Segundo ele, o novo programa concederia os mesmos privilégios do tradicional "green card", com a vantagem de oferecer um caminho facilitado à cidadania para estrangeiros endinheirados. O mandatário ainda acrescentou que os detalhes completos da medida seriam divulgados dentro de duas semanas.

O atual Programa de Investidores Imigrantes EB-5, administrado pelos Serviços de Cidadania e Imigração dos EUA, foi criado pelo Congresso na década de 1990 com o objetivo de impulsionar a economia do país por meio da criação de empregos e investimentos diretos de estrangeiros. O sistema concede "green cards" para aqueles que aplicam valores significativos em negócios americanos e contribuem para a preservação ou geração de postos de trabalho.

Trump, no entanto, criticou o modelo vigente, classificando-o como um sistema falho e permeado por fraudes. "O programa EB-5 era cheio de coisas que não faziam sentido, faz de contas e fraudes. Era uma forma de obter um green card a um preço baixo", declarou o secretário do Comércio, Howard Lutnick, durante a coletiva. "O presidente disse que, em vez de termos esse programa meio ridículo, vamos acabar com ele e substituí-lo pelo 'gold card' de Trump".

Ao ser questionado sobre a possibilidade de oligarcas russos adquirirem a cidadania através do novo programa, Trump respondeu afirmativamente. "Sim, possivelmente. Eu conheço alguns oligarcas russos que são pessoas muito boas", declarou, sem entrar em detalhes sobre possíveis restrições ou regulamentações específicas.

A proposta levanta discussões sobre os critérios para a concessão de cidadania e o impacto de uma política de venda de passaportes nos Estados Unidos. Especialistas alertam para o risco de ampliar a influência de elites econômicas estrangeiras e facilitar a entrada de indivíduos cujo histórico financeiro ou político poderia levantar preocupações de segurança nacional. O Congresso e órgãos reguladores devem analisar a proposta antes de sua implementação definitiva.

 

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