As tarifas de Trump como
sintoma do esgotamento do multilateralismo
As recentes medidas do recém-empossado presidente dos
EUA, Donald Trump, têm dominado as manchetes globais. No comércio
internacional, a imposição de tarifas agressivas sobre produtos como o aço
gerou repercussão, especialmente no Brasil, segundo maior fornecedor do produto
para os Estados Unidos.[1]
Diante de medidas tão drásticas, surgem questionamentos
sobre quais seriam os possíveis benefícios das tarifas aduaneiras para uma
economia, se é que eles existem. Entretanto, de uma perspectiva mais ampla,
essa postura do governo americano sinaliza o agravamento de uma tendência na
ordem internacional: o fortalecimento do unilateralismo em detrimento do
multilateralismo.
O protecionismo comercial de Trump não é novidade. Em
seu primeiro mandato, ele impôs tarifas elevadas a mercadorias como o aço e o
alumínio, as quais a diplomacia brasileira conseguiu substituir por cotas de
importação.[2] Além disso, o
aumento de tarifas pelo atual presidente marcou o início da guerra comercial
travada com a China, cuja retaliação recaiu fortemente sobre diversos produtos
estadunidenses. Durante a administração Biden, essas tarifas foram mantidas e
novas foram impostas, sobretudo em setores estratégicos como o de
semicondutores. Agora, esse início de mandato de Trump promete escalar essa
guerra comercial a outros patamares, atingindo até mesmo os aliados
tradicionais dos EUA.
As tarifas aduaneiras são um dos instrumentos clássicos
da política de comércio exterior, assim como os subsídios e as cotas. No
passado, antes da introdução do imposto de renda, elas representavam a principal
fonte de receita para muitos países. Hoje, no entanto, qualquer manual de
Economia aponta que tarifas geram distorções de mercado e que seus custos
superam os possíveis benefícios.
A conclusão de que tarifas aduaneiras levam a mais
perdas do que ganhos passa por demonstrações matemáticas e gráficas. Em resumo,
distorções no comércio, como são as tarifas, geram perda de eficiência
econômica e atingem, sobretudo, os consumidores. Em algumas situações, essa
perda de eficiência pode ser justificada; por exemplo, um imposto que visa à
melhor distribuição de renda pode ter benefícios que justificam a geração dessa
ineficiência, pois miram na melhora do bem-estar social.
Saindo dos manuais e indo para o mundo real, vemos que
as tarifas impostas por Trump em seu primeiro mandato não tiveram os efeitos
benéficos prometidos. Ao contrário, prejudicaram o crescimento econômico dos
EUA em geral e, particularmente, nos setores atingidos.
Estudos sobre as tarifas impostas por Trump, entre 2018
e 2020, mostram que a maior parte do ônus recaiu sobre os consumidores, e a
grande maioria dos economistas afirma que o novo capítulo da “Trumponomics”
deve elevar a inflação no país.[3] A promessa de
que as tarifas deveriam manter e criar empregos nos Estados Unidos tampouco se
concretizou, nem mesmo no setor de aço. Na verdade, o aumento no custo de
produtos que utilizam o aço pode ter diminuído as taxas de emprego em alguns
setores.[4]
No cenário global, os efeitos de tarifas aduaneiras
também são negativos. Além de afetar preços e produção, o unilateralismo de
Trump é sintoma de um diagnóstico preocupante de esgotamento do sistema
multilateral de comércio.
Até recentemente, a eliminação de barreiras ao comércio
era um consenso na comunidade internacional, simbolizado pela criação da Organização
Mundial do Comércio, em 1994. Para entender melhor o impacto dessa onda
protecionista, é fundamental revisitar o contexto de fundação da OMC, o qual
nos diz muito sobre os princípios que guiam essa instituição, assim como sobre
os motivos de seu enfraquecimento nos últimos anos.
A década de 1990 assistiu ao fim da Guerra Fria, à
independência de novas nações na Europa e ao descongelamento do Conselho de
Segurança da ONU (travado durante a Guerra Fria diante do uso político do poder
de veto pelos EUA ou pela URSS). O clima otimista e de florescimento do
liberalismo e do capitalismo chegou a convencer cientistas políticos, como
Francis Fukuyama, de que a história havia acabado.
Nesse contexto, o multilateralismo se fortaleceu. A
década de 1990 foi chamada de a “Década das Conferências”. Para citar algumas,
tivemos a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena, em 1993; a
Conferência Mundial sobre a Mulher de Pequim, em 1995; e a Rio-92, sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. O comércio internacional também estava a todo o
vapor: em 1991, o Tratado de Assunção estabeleceu as bases para o Mercosul; em
1992, o Tratado de Maastricht, fundou a União Europeia; entre 1986 e 1994, a
Rodada Uruguai reuniu mais de 120 países para a criação do sistema multilateral
de comércio, culminando na OMC.
Era a concretização do que dizia Norman Angell, em sua
obra A Grande Ilusão, de 1909: a
interdependência econômica entre as nações seria o grande antídoto para os
conflitos armados, que tornaram-se custosos demais para as nações capitalistas.
A OMC foi estruturada sobre o princípio de que o livre
comércio beneficia tanto as nações individualmente quanto a economia global.
Seus membros concordaram, também, que práticas protecionistas, muitas vezes
movidas por interesses políticos de curto prazo, levam a uma produção
ineficiente e a perda de empregos. Seu Sistema de Solução de Disputas (SSD)
servia para que os conflitos comerciais fossem resolvidos sem medidas
unilaterais, salvaguardando os valores caros à organização.
Muitos podem dizer que a OMC é uma ideia muito bonita
no papel, mas que não conseguiria se sobrepor aos interesses nacionais. Até
2018, entretanto, o SSD conseguiu fazer valer as regras da OMC em diversos
casos.
O Brasil, por exemplo, venceu uma disputa contra os
subsídios ao algodão dos EUA, resultando no pagamento de US$ 805 milhões ao
Brasil e na alteração da legislação estadunidense sobre o tema. Para muitas
nações, o SSD era uma garantia de que seus interesses comerciais seriam
respeitados, mesmo que não tivessem a força militar ou econômica para impor-se
sobre os demais. Desde 2018, entretanto, os EUA travaram o funcionamento do
Órgão de Apelação do SSD, alegando que ele extrapolava suas funções
pré-estabelecidas. Hoje, um Estado não consegue ter seu caso julgado em sua
instância superior; o caso fica em um limbo e o país, desamparado. Apesar de
alternativas plurilaterais, como o Arranjo Provisório de Arbitragem-Apelação
(MPIA), do qual o Brasil faz parte, o sistema multilateral de comércio não
conseguiu se recuperar.
Vê-se, assim, que o desmonte do multilateralismo
comercial não é de hoje. Vê-se, também, que a crise do multilateralismo não se
limita ao comércio.
O Conselho de Segurança da ONU se mostra incapaz de
construir soluções para os conflitos armados, em diversos cantos do mundo; a
ONU não consegue articular ações globais efetivas contra a mudança climática;
as organizações internacionais perdem financiamento e legitimidade. Enquanto
isso, a mudança climática mostra que não irá esperar que o mundo esteja em paz
e disposto a negociar.
Esse diagnóstico pessimista remete a um texto de Rubens
Ricupero, em que o Embaixador questiona se estaríamos diante de “um futuro pior
que o passado”[5]. Como menciona
Ricupero, “desde o Iluminismo, acreditava-se que a História se encaminhava a um
futuro que, retrospectivamente, daria sentido ao passado.” Entretanto, temos
assistido a uma série de eventos que nos fazem perder a esperança, ou seja “a
confiança de que o futuro nos trará remédio às agruras do presente, da mesma
forma que antes o presente costumava superar problemas do passado.”
Em seu texto, o Embaixador passa por diversos eventos
da história do Brasil e do mundo que fizeram as gerações que os vivenciaram
perderem a esperança. No entanto, longe de nos querer impor um futuro
catastrófico, Ricupero nos coloca uma tarefa: “não está escrito nas estrelas
que o nosso futuro será melhor ou pior que o presente e o passado. Sem o
consolo das certezas ilusórias, depende apenas de nós, de nossa ação
consciente, que os próximos cem anos revertam o declínio, garantindo-nos um
futuro melhor que o presente e superior ao passado.”
Diante de mais quatro anos de governo Trump, do
protecionismo crescente e da ascensão de governos autoritários ao redor do
mundo, é fundamental buscar os caminhos para que o futuro não seja pior do que
o passado.
A agressividade comercial dos EUA atinge o núcleo do
sistema multilateral de comércio: além de comprometer a eficiência dos mercados
e penalizar os consumidores, Trump usa tarifas como moeda de barganha. Ao
driblar acordos multilaterais, o republicano utiliza a assimetria de poder
(econômico e, por que não militar?) em relação às demais nações para favorecer
os interesses estadunidenses. Ou seja, a fragilização do sistema multilateral
não é apenas consequência, mas também meio para a política comercial do país.
Assim, além de fortalecer suas relações com outros
parceiros comerciais, as nações ameaçadas devem buscar construir articulações
multilaterais. O Brasil pode desempenhar um papel protagonista nesses próximos
capítulos, particularmente como porta-voz dos países em desenvolvimento. A
diplomacia brasileira tem a vocação de aproximar atores, mesmo os mais
distantes geográfica ou culturalmente, e construir consensos (talvez pela
combinação da cordialidade brasileira e da excelência da nossa diplomacia).
Tem, também, as credenciais para isso: o Brasil é um dos membros mais ativos na
OMC e é o país em desenvolvimento que mais teve mandatos como membro não
permanente do CSNU.
Sem apoiar-se em ilusões sobre as limitações do sistema
internacional, o remédio para o unilateralismo certamente passará pelo
fortalecimento do multilateralismo, seja por meio das ferramentas já existentes
ou de novas.
¨ Aumento da inflação preocupa americanos após tarifas de
Trump
Os Estados
Unidos se preparam para enfrentar o crescimento da inflação após o presidente
Donald Trump anunciar tarifas sobre determinados produtos, o que deve pesar no
bolso da população, informa a Folha de S. Paulo. Apesar dos dados atuais não indicarem uma perda de
controle sobre a inflação, como mostram pesquisas da Universidade de Michigan e
indicadores de mercado, o aumento recente nas expectativas merece atenção,
criando um clima de incerteza no cenário econômico do país.
A pesquisa
mais recente da The Conference Board, divulgada nesta terça-feira (25), revelou
uma queda acentuada na confiança do consumidor em fevereiro, acompanhada de um
aumento nas expectativas de inflação. Os americanos estão cada vez mais
preocupados com o aumento do preço de itens básicos como os ovos e com o
impacto das tarifas impostas pelo governo. O levantamento mostrou que as
expectativas de inflação para os próximos 12 meses atingiram o seu maior nível
em mais de um ano, um reflexo das pressões persistentes, como o aumento nos
custos dos alimentos e a alta nos preços da energia.
Esses temores
podem se tornar um desafio para o presidente Donald Trump, cuja promessa de
controlar a inflação foi um pilar central de sua campanha. O aumento nas
expectativas de inflação também complica a tarefa do Federal Reserve, que já
tem dificuldades em controlar a alta dos preços sem causar um impacto negativo
no mercado de trabalho. "Este é o tipo de coisa que pode desestabilizar
uma autoridade", comentou Jonathan Pingle, ex-economista do Fed,
atualmente no UBS. "Não queremos que as expectativas de inflação subam
tanto que tornem o trabalho do Fed mais difícil para trazer a inflação de volta
a 2%."
Para muitos
economistas, controlar as expectativas de inflação é essencial para evitar que
a própria inflação se dispare. As expectativas de preços mais altos podem se
tornar uma profecia autorrealizável: se os consumidores e as empresas acreditam
que os preços continuarão subindo, eles tomarão medidas que contribuem para
esse aumento. O que ocorre, por exemplo, quando os trabalhadores exigem
aumentos salariais e as empresas elevam os preços de seus produtos. Em
situações como essa, o Fed poderia enfrentar dificuldades adicionais para
controlar a inflação.
Há também o
risco de que a política de Trump em relação ao Fed possa agravar ainda mais a
situação. Na semana passada, o presidente dos EUA tentou ampliar sua influência
sobre o banco central como parte de um movimento mais amplo para ganhar maior
controle sobre agências independentes. Uma ordem executiva busca supervisionar
e regulamentar o Fed em suas decisões sobre Wall Street e a política monetária.
Essa tentativa de diminuir a independência do Fed gerou preocupações sobre até
onde as ações de Trump poderiam ir, o que, na visão do mercado, poderia
prejudicar a confiança na capacidade do banco central de controlar a inflação.
¨ Gold card: Trump quer vender cidadania dos EUA por US$ 5
milhões
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta
terça-feira (25) a proposta de substituir o atual programa de vistos para
investidores estrangeiros, o EB-5, por um novo esquema que permitiria a compra
de um "gold card" por US$ 5 milhões, garantindo residência permanente
e um caminho para a cidadania americana. A declaração foi feita a repórteres,
com o presidente destacando que a medida atrairia bilionários para o país.
"Vamos vender um gold card", afirmou Trump. "Vamos colocar
um preço nesse visto de cerca de US$ 5 milhões". Segundo ele, o novo
programa concederia os mesmos privilégios do tradicional "green
card", com a vantagem de oferecer um caminho facilitado à cidadania para
estrangeiros endinheirados. O mandatário ainda acrescentou que os detalhes
completos da medida seriam divulgados dentro de duas semanas.
O atual Programa de Investidores Imigrantes EB-5, administrado pelos
Serviços de Cidadania e Imigração dos EUA, foi criado pelo Congresso na década
de 1990 com o objetivo de impulsionar a economia do país por meio da criação de
empregos e investimentos diretos de estrangeiros. O sistema concede "green
cards" para aqueles que aplicam valores significativos em negócios
americanos e contribuem para a preservação ou geração de postos de trabalho.
Trump, no entanto, criticou o modelo vigente, classificando-o como um
sistema falho e permeado por fraudes. "O programa EB-5 era cheio de coisas
que não faziam sentido, faz de contas e fraudes. Era uma forma de obter um
green card a um preço baixo", declarou o secretário do Comércio, Howard
Lutnick, durante a coletiva. "O presidente disse que, em vez de termos
esse programa meio ridículo, vamos acabar com ele e substituí-lo pelo 'gold
card' de Trump".
Ao ser questionado sobre a possibilidade de oligarcas russos adquirirem
a cidadania através do novo programa, Trump respondeu afirmativamente.
"Sim, possivelmente. Eu conheço alguns oligarcas russos que são pessoas
muito boas", declarou, sem entrar em detalhes sobre possíveis restrições
ou regulamentações específicas.
A proposta levanta discussões sobre os critérios para a concessão de
cidadania e o impacto de uma política de venda de passaportes nos Estados
Unidos. Especialistas alertam para o risco de ampliar a influência de elites
econômicas estrangeiras e facilitar a entrada de indivíduos cujo histórico
financeiro ou político poderia levantar preocupações de segurança nacional. O
Congresso e órgãos reguladores devem analisar a proposta antes de sua
implementação definitiva.
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