Pedro Faria: A Foz do
Amazonas não é o problema e nem a solução. O problema é o agronegócio
A situação da emergência climática é crítica. 2024 foi o primeiro ano
da história a ultrapassar a marca de 1,5oC acima das temperaturas
pré-industriais. Este limite é importante porque, caso se mantenha, dá o
sinal de que estamos alcançando os “pontos de não-retorno” do planeta. Para
piorar, o mundo não deve contar com os esforços dos Estados Unidos, o maior
emissor histórico de gases de efeito estufa. Diante dessa situação, é
esperado que a pressão política pela perfuração de um poço exploratório de
petróleo na bacia da Foz do Amazonas gere revolta nos círculos progressistas. A
emergência climática impõe a necessidade de reduzirmos a produção e a queima de
combustíveis fósseis. No entanto, tentar impedir a exploração (pesquisa) na
Margem Equatorial é um erro, dado o perfil de emissões brasileiro.
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O perfil brasileiro de emissões
De fato, a queima de combustíveis fósseis é o principal causador
do aquecimento global. Em 2022, 85,7% da matriz
energética global era composta por combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo, gás natural). Esses combustíveis
foram responsáveis por 90% das
41,6 bilhões de toneladas de gás carbônico despejadas na atmosfera em 2024.
No entanto, a situação do Brasil é oposta: entre os grandes
emissores, o Brasil tem a matriz energética mais limpa: nos dados de 2022,
47,4% da nossa energia veio de fontes renováveis, a partir de fontes como a
energia eólica, solar, hidrelétrica e os biocombustíveis e biomassa. Por
isso, o setor de energia foi
responsável por apenas 18,3% das 2,29 bilhões de toneladas de CO2 emitidas pelo Brasil em 2023.
Dentro destes 18,3%, a produção de petróleo e o refino de
combustíveis (não a queima dos combustíveis) é responsável por apenas 2,2%
(50,6 milhões de toneladas). Em seu Plano Estratégico 2025-2029, a Petrobras coloca as emissões totais de sua operação em 46
milhões de toneladas, ou 1,7% do total.
Os grandes culpados no Brasil são o desmatamento (“mudança de uso
da terra e floresta”), com 46% das emissões e a agropecuária (as emissões do
“arroto” do boi), com 28%. Ao contrário do resto do mundo, o desafio de
emissões do Brasil está na agricultura e, justamente por isso, é mais fácil de
ser resolvido.
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O custo de abatimento no setor agropecuário
Para alcançarmos nossas metas de redução de emissões de carbono, é
importante avaliarmos os custos e benefícios de cada alternativa. No idioma dos
economistas, devemos considerar o custo marginal de abatimento: quanto custa
reduzir uma tonelada de CO2 das emissões do setor de petróleo, responsável por
2,2% das emissões? Quanto custa reduzir uma tonelada de emissões causadas por
desmatamento ou pecuária, responsáveis por 74% das emissões?
Primeiro, vamos olhar para o grande vilão da emergência climática
no Brasil: ao contrário da Petrobras, que abraça a causa da redução de
emissões, o agronegócio é o setor
mais negacionista do País e do mundo, segundo o principal climatologista do
Brasil. Pior, o negacionismo do agronegócio implica desperdício
de dinheiro. Ao contrário da indústria, onde a redução de emissões tem
custos elevados, o custo marginal de abatimento do setor agropecuário pode
ser negativo. Ou seja, é possível ganhar dinheiro reduzindo as
emissões.
A arborização de
pastagens, por exemplo, reduz o tempo de engorda do gado, aumenta a
produção de leite, gera madeira como subproduto e ainda ajuda na captura de
carbono com o crescimento das árvores. No longo-prazo, a agropecuária vai ser o
setor mais afetado pela crise climática: estudo da Universidade Federal de
Santa Catarina aponta que 80% do agronegócio
depende dos “rios voadores” que carregam chuva da Amazônia para todo o
território brasileiro. Sem a proteção das florestas feitas pelos povos indígenas, não
haverá agronegócio. Se a regulamentação do mercado de carbono brasileiro for
corrigida, a preservação ativa da floresta também deve gerar recursos no
curto-prazo.
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O custo de abatimento no setor de Petróleo: a Foz do Amazonas é o
problema?
Em compensação, a situação na indústria em geral, incluindo a
indústria petrolífera, é oposta. Os processos de descarbonização são caros e
envolvem novas tecnologias. Segundo a consultoria
Rystad Energy, a dificuldade que a Petrobras tem encontrado para contratar
novas plataformas está na grande complexidade dos projetos. Isso é, em parte,
causado pelos módulos necessários para reduzir as emissões de metano e
reinjetar gás carbônico no subsolo.
Independentemente dos custos, a Petrobras tem feito esforços para
reduzir suas emissões, que caíram mais de 40% entre 2015 e 2023. Mas quais
seriam as consequências de bloquear a exploração de petróleo na Foz do
Amazonas? Primeiro, é importante dizer que a Petrobras está explorando a
Foz do Amazonas, ou seja, verificando se de fato há petróleo no subsolo e se é
viável extraí-lo. Ainda não há confirmação, apenas “teses”
geológicas baseadas na presença de petróleo na Guiana e no Suriname e também na
costa oeste da África.
Supondo que haja petróleo nas quantidades previstas, a Margem
Equatorial ou Foz do Amazonas (que vai do Amapá até o Rio Grande do Norte)
substituirá o pré-sal do Sudeste como responsável pela independência energética
do país. Caso o Brasil não encontre novas reservas de petróleo e gás natural,
a Empresa de Pesquisa
Energética prevê que o país voltará a ser um importador líquido de petróleo até
2034.
Sem autonomia no setor de petróleo, o Brasil passaria a importar
mais combustíveis, produzidos a partir de petróleos mais poluentes que ainda
terão que ser transportados para o país (segundo Maurício Tolmasquim, diretor
de renováveis da Petrobras, o barril de petróleo
médio do mundo tem 70% mais emissões que um barril do pré-sal). Para piorar, o país ficará mais exposto a choques externos,
como guerras no Oriente Médio, e mais dependente de exportações de commodities
agrícolas para obter dólares e financiar suas importações. Sem mudarmos o nosso
consumo de combustíveis, o saldo líquido pode ser o aumento das
emissões de CO2: mais emissões no transporte internacional e mais dependência
do agronegócio, o setor mais poluidor do país.
Por isso, devemos refletir se vale a pena sacrificar a autonomia
energética do Brasil para obter ganhos pequenos na redução de emissões (ou
talvez até um aumento). Como nota um especialista em economia da transição
energética, o grave risco da
emergência climática não deve nos levar a ignorar os riscos da própria transição
energética, que são maiores para
países do Sul Global como o Brasil.
A situação da Alemanha, por exemplo, mostra o perigo de fazer uma transição
energética sem consideração para as vulnerabilidades geopolíticas e econômicas. Com as sanções impostas contra a Rússia, os alemães ficaram sem
acesso ao gás natural russo, combustível fóssil essencial para a indústria
alemã e para o apoio às energias renováveis. O resultado tem sido a destruição
do parque industrial alemão e o atraso na transição energética devido ao alto
custo do gás natural.
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Mas não há nada a fazer no setor de combustíveis e petróleo?
Portanto, permitir a exploração (de novo, a pesquisa)
na Foz do Amazonas seria uma decisão política do governo. A
questão do licenciamento ambiental é uma questão técnica a ser resolvida entre
Ibama e Petrobras. O Ibama deve apresentar todos os condicionantes para a
liberação da licença, que serão atendidos pelas Petrobras, como sempre foram.
No entanto, o governo deve garantir a decisão política de permitir a abertura
da fronteira de exploração.
Isso não quer dizer que não há nada a fazer pela redução das
emissões no setor de petróleo e gás e no consumo de combustíveis. O mais
importante é reduzir nossa demanda de combustíveis: além da
eletrificação, é necessário mais investimento no transporte coletivo e
ferroviário para reduzir as emissões do nosso sistema de transporte. O País
também tem que acelerar investimentos na indústria de baixo carbono, como os combustíveis
sintéticos e as novas gerações de biocombustíveis A Petrobras, empresa
estatal, tem que seguir batendo recordes de
patentes.
Também temos que ter uma discussão séria sobre as exportações de
petróleo cru: será que o Brasil realmente precisa exportar tanto? Não seria
mais sensato usar as nossas reservas de petróleo com mais parcimônia, para
reduzirmos a necessidade de novas fronteiras de exportação?
Mais importante, é necessário garantir que
as rendas do petróleo irão de fato para a transição energética justa. Há duas vias para isso
acontecer: primeiro, dentro do orçamento da Petrobras. É preciso interromper o
pagamento de dividendos excessivos da Petrobras e investir os recursos em mais
projetos renováveis. Dos R$111 bilhões de reais em investimentos da companhia
no período 2025-2029, apenas R$11,5 bilhões irão para projetos de baixo
carbono.
A segunda forma de transferência de recursos são os Fundos
Soberanos. O golpe de 2016 interrompeu o projeto de transferir os recursos do
pré-sal para a educação e saúde. Esta forma de transferência está sendo
retomada pelos municípios que recebem
royalties de petróleo. Os fundos soberanos
municipais têm que ser regulamentados e incentivados. O BNDES deveria
assumir a gestão dos fundos municipais, pois os municípios em geral não têm
governança robusta para selecionar projetos de investimento.
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O agronegócio tem que pagar a conta
No entanto, todos os esforços da indústria brasileira, incluindo a
indústria petrolífera, não terão resultados se os verdadeiros culpados não fizerem
sua parte e pagarem a conta da redução de emissões. O agronegócio tem que pagar
a conta. É um absurdo que o
congresso ruralista tenha removido o agronegócio do mercado de carbono
brasileiro. No fim das contas, nosso mercado de carbono vai transferir
recursos da indústria, que inova para reduzir emissões, para o agronegócio,
que vai preservar florestas
que ja é obrigado a manter de pé.
Também não podemos acreditar que a simples atividade de exploração
e produção de petróleo trará desenvolvimento econômico. A indústria petrolífera
é uma indústria intensiva em capital que, sem políticas industriais bem
desenhadas para a realidade da Margem Equatorial, importará máquinas e
exportará petróleo cru, deixando apenas royalties, sobre os quais não há
garantia alguma de que serão bem utilizados.
Por isso, a Foz do Amazonas não será a causa dos problemas
climáticos brasileiros e também não será a solução milagrosa para o atraso
econômico das regiões Norte e Nordeste, como tem prometido um
desenvolvimentismo antiquado. O campo progressista brasileiro faria bem em
olhar mais para os reais desafios de uma transição energética justa própria
para a realidade brasileira.
Fonte: Opera Mundi
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