quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Pedro Faria: A Foz do Amazonas não é o problema e nem a solução. O problema é o agronegócio

A situação da emergência climática é crítica. 2024 foi o primeiro ano da história a ultrapassar a marca de 1,5oC acima das temperaturas pré-industriais. Este limite é importante porque, caso se mantenha, dá o sinal de que estamos alcançando os “pontos de não-retorno” do planeta. Para piorar, o mundo não deve contar com os esforços dos Estados Unidos, o maior emissor histórico de gases de efeito estufa. Diante dessa situação, é esperado que a pressão política pela perfuração de um poço exploratório de petróleo na bacia da Foz do Amazonas gere revolta nos círculos progressistas. A emergência climática impõe a necessidade de reduzirmos a produção e a queima de combustíveis fósseis. No entanto, tentar impedir a exploração (pesquisa) na Margem Equatorial é um erro, dado o perfil de emissões brasileiro.

·        O perfil brasileiro de emissões

De fato, a queima de combustíveis fósseis é o principal causador do aquecimento global. Em 2022, 85,7% da matriz energética global era composta por combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo, gás natural). Esses combustíveis foram responsáveis por 90% das 41,6 bilhões de toneladas de gás carbônico despejadas na atmosfera em 2024.

No entanto, a situação do Brasil é oposta: entre os grandes emissores, o Brasil tem a matriz energética mais limpa: nos dados de 2022, 47,4% da nossa energia veio de fontes renováveis, a partir de fontes como a energia eólica, solar, hidrelétrica e os biocombustíveis e biomassa. Por isso, o setor de energia foi responsável por apenas 18,3% das 2,29 bilhões de toneladas de CO2 emitidas pelo Brasil em 2023.

Dentro destes 18,3%, a produção de petróleo e o refino de combustíveis (não a queima dos combustíveis) é responsável por apenas 2,2% (50,6 milhões de toneladas). Em seu Plano Estratégico 2025-2029, a Petrobras coloca as emissões totais de sua operação em 46 milhões de toneladas, ou 1,7% do total.

Os grandes culpados no Brasil são o desmatamento (“mudança de uso da terra e floresta”), com 46% das emissões e a agropecuária (as emissões do “arroto” do boi), com 28%. Ao contrário do resto do mundo, o desafio de emissões do Brasil está na agricultura e, justamente por isso, é mais fácil de ser resolvido.

·        O custo de abatimento no setor agropecuário

Para alcançarmos nossas metas de redução de emissões de carbono, é importante avaliarmos os custos e benefícios de cada alternativa. No idioma dos economistas, devemos considerar o custo marginal de abatimento: quanto custa reduzir uma tonelada de CO2 das emissões do setor de petróleo, responsável por 2,2% das emissões? Quanto custa reduzir uma tonelada de emissões causadas por desmatamento ou pecuária, responsáveis por  74% das emissões?

Primeiro, vamos olhar para o grande vilão da emergência climática no Brasil: ao contrário da Petrobras, que abraça a causa da redução de emissões, o agronegócio é o setor mais negacionista do País e do mundo, segundo o principal climatologista do Brasil. Pior, o negacionismo do agronegócio implica desperdício de dinheiro. Ao contrário da indústria, onde a redução de emissões tem custos elevados, o custo marginal de abatimento do setor agropecuário pode ser negativo. Ou seja, é possível ganhar dinheiro reduzindo as emissões. 

A arborização de pastagens, por exemplo, reduz o tempo de engorda do gado, aumenta a produção de leite, gera madeira como subproduto e ainda ajuda na captura de carbono com o crescimento das árvores. No longo-prazo, a agropecuária vai ser o setor mais afetado pela crise climática: estudo da Universidade Federal de Santa Catarina aponta que 80% do agronegócio depende dos “rios voadores” que carregam chuva da Amazônia para todo o território brasileiro. Sem a proteção das florestas feitas pelos povos indígenas, não haverá agronegócio. Se a regulamentação do mercado de carbono brasileiro for corrigida, a preservação ativa da floresta também deve gerar recursos no curto-prazo.

·        O custo de abatimento no setor de Petróleo: a Foz do Amazonas é o problema?

Em compensação, a situação na indústria em geral, incluindo a indústria petrolífera, é oposta. Os processos de descarbonização são caros e envolvem novas tecnologias. Segundo a consultoria Rystad Energy, a dificuldade que a Petrobras tem encontrado para contratar novas plataformas está na grande complexidade dos projetos. Isso é, em parte, causado pelos módulos necessários para reduzir as emissões de metano e reinjetar gás carbônico no subsolo.

Independentemente dos custos, a Petrobras tem feito esforços para reduzir suas emissões, que caíram mais de 40% entre 2015 e 2023. Mas quais seriam as consequências de bloquear a exploração de petróleo na Foz do Amazonas? Primeiro, é importante dizer que a Petrobras está explorando a Foz do Amazonas, ou seja, verificando se de fato há petróleo no subsolo e se é viável extraí-lo. Ainda não há confirmação, apenas “teses” geológicas baseadas na presença de petróleo na Guiana e no Suriname e também na costa oeste da África.

Supondo que haja petróleo nas quantidades previstas, a Margem Equatorial ou Foz do Amazonas (que vai do Amapá até o Rio Grande do Norte) substituirá o pré-sal do Sudeste como responsável pela independência energética do país. Caso o Brasil não encontre novas reservas de petróleo e gás natural, a Empresa de Pesquisa Energética prevê que o país voltará a ser um importador líquido de petróleo até 2034.

Sem autonomia no setor de petróleo, o Brasil passaria a importar mais combustíveis, produzidos a partir de petróleos mais poluentes que ainda terão que ser transportados para o país (segundo Maurício Tolmasquim, diretor de renováveis da Petrobras, o barril de petróleo médio do mundo tem 70% mais emissões que um barril do pré-sal). Para piorar, o país ficará mais exposto a choques externos, como guerras no Oriente Médio, e mais dependente de exportações de commodities agrícolas para obter dólares e financiar suas importações. Sem mudarmos o nosso consumo de combustíveis, o saldo líquido pode ser o aumento das emissões de CO2: mais emissões no transporte internacional e mais dependência do agronegócio, o setor mais poluidor do país. 

Por isso, devemos refletir se vale a pena sacrificar a autonomia energética do Brasil para obter ganhos pequenos na redução de emissões (ou talvez até um aumento). Como nota um especialista em economia da transição energética, o grave risco da emergência climática não deve nos levar a ignorar os riscos da própria transição energética, que são maiores para países do Sul Global como o Brasil.

A situação da Alemanha, por exemplo, mostra o perigo de fazer uma transição energética sem consideração para as vulnerabilidades geopolíticas e econômicas. Com as sanções impostas contra a Rússia, os alemães ficaram sem acesso ao gás natural russo, combustível fóssil essencial para a indústria alemã e para o apoio às energias renováveis. O resultado tem sido a destruição do parque industrial alemão e o atraso na transição energética devido ao alto custo do gás natural.

·        Mas não há nada a fazer no setor de combustíveis e petróleo?

Portanto, permitir a exploração (de novo, a pesquisa) na Foz do Amazonas seria uma decisão política do governo. A questão do licenciamento ambiental é uma questão técnica a ser resolvida entre Ibama e Petrobras. O Ibama deve apresentar todos os condicionantes para a liberação da licença, que serão atendidos pelas Petrobras, como sempre foram. No entanto, o governo deve garantir a decisão política de permitir a abertura da fronteira de exploração.

Isso não quer dizer que não há nada a fazer pela redução das emissões no setor de petróleo e gás e no consumo de combustíveis. O mais importante é reduzir nossa demanda de combustíveis: além da eletrificação, é necessário mais investimento no transporte coletivo e ferroviário para reduzir as emissões do nosso sistema de transporte. O País também tem que acelerar investimentos na indústria de baixo carbono, como os combustíveis sintéticos e as novas gerações de biocombustíveis A Petrobras, empresa estatal, tem que seguir batendo recordes de patentes

Também temos que ter uma discussão séria sobre as exportações de petróleo cru: será que o Brasil realmente precisa exportar tanto? Não seria mais sensato usar as nossas reservas de petróleo com mais parcimônia, para reduzirmos a necessidade de novas fronteiras de exportação?

Mais importante, é necessário garantir que as rendas do petróleo irão de fato para a transição energética justa. Há duas vias para isso acontecer: primeiro, dentro do orçamento da Petrobras. É preciso interromper o pagamento de dividendos excessivos da Petrobras e investir os recursos em mais projetos renováveis. Dos R$111 bilhões de reais em investimentos da companhia no período 2025-2029, apenas R$11,5 bilhões irão para projetos de baixo carbono.

A segunda forma de transferência de recursos são os Fundos Soberanos. O golpe de 2016 interrompeu o projeto de transferir os recursos do pré-sal para a educação e saúde. Esta forma de transferência está sendo retomada pelos municípios que recebem royalties de petróleoOs fundos soberanos municipais têm que ser regulamentados e incentivados. O BNDES deveria assumir a gestão dos fundos municipais, pois os municípios em geral não têm governança robusta para selecionar projetos de investimento.

·        O agronegócio tem que pagar a conta

No entanto, todos os esforços da indústria brasileira, incluindo a indústria petrolífera, não terão resultados se os verdadeiros culpados não fizerem sua parte e pagarem a conta da redução de emissões. O agronegócio tem que pagar a conta. É um absurdo que o congresso ruralista tenha removido o agronegócio do mercado de carbono brasileiro. No fim das contas, nosso mercado de carbono vai transferir recursos da indústria, que inova para reduzir emissões, para o agronegócio, que vai preservar florestas que ja é obrigado a manter de pé.

Também não podemos acreditar que a simples atividade de exploração e produção de petróleo trará desenvolvimento econômico. A indústria petrolífera é uma indústria intensiva em capital que, sem políticas industriais bem desenhadas para a realidade da Margem Equatorial, importará máquinas e exportará petróleo cru, deixando apenas royalties, sobre os quais não há garantia alguma de que serão bem utilizados.

Por isso, a Foz do Amazonas não será a causa dos problemas climáticos brasileiros e também não será a solução milagrosa para o atraso econômico das regiões Norte e Nordeste, como tem prometido um desenvolvimentismo antiquado. O campo progressista brasileiro faria bem em olhar mais para os reais desafios de uma transição energética justa própria para a realidade brasileira.

 

Fonte: Opera Mundi

 

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