Carnaval das bets:
casas de apostas bancam festas, mas não divulgam valores
O Carnaval no
Brasil já virou terreno das casas de aposta. As bets, como são chamadas as
empresas que movimentaram cerca de R$ 240 bilhões de brasileiros em 2024,
segundo estimativas do Banco
Central do Brasil (Bacen), já se uniram às cervejarias e hoje injetam dinheiro
em algumas das maiores festas do país.
No Recife, a casa
de apostas Esportes da Sorte anunciou que será patrocinadora oficial do Galo da
Madrugada, considerado o maior bloco
carnavalesco de rua do mundo. A empresa divulgou que irá bancar um carro
alegórico especial e a apresentação do cantor Michel Teló. Mesmo agora, antes
do Carnaval, a decoração dos espaços destinados às apresentações já contam com
o logo da bet, que faz menção também a referências locais, como a La Ursa.
Neste ano, a Esportes da Sorte está bancando um show do cantor João Gomes no
palco do Marco Zero, no dia 28.
A Agência
Pública questionou a prefeitura do Recife sobre o valor do patrocínio da
bet – que não é divulgado nas comunicações oficiais. Contudo, até a
publicação, a assessoria da prefeitura não respondeu. A reportagem procurou
também a comunicação da Esportes da Sorte, que não revelou o valor. A
assessoria da bet reconheceu que essa é terceira vez que a empresa é
patrocinadora master do Carnaval da cidade.
Há pouco mais de um
mês, a Esportes da Sorte estava impedida de operar no Brasil, pois tinha
entrado na lista do Ministério da Fazenda de bets irregulares. Em janeiro
deste ano, a empresa conseguiu liberação da Justiça
para operar, em um processo que tramita em segredo.
No ano passado, em
setembro, a casa de apostas foi alvo da Operação
Integration, da Polícia Civil de Pernambuco, por suposto esquema de lavagem de
dinheiro e prática ilegal do jogo do bicho. Na época, 16 pessoas foram
presas. Entre elas, o dono da Esportes da Sorte, Darwin Filho, a advogada e
influenciadora Deolane Bezerra e sua mãe, Solange Bezerra. O cantor e empresário
Gustavo Lima também foi indiciado. No inquérito policial
consta que a organização criminosa usaria várias empresas de eventos,
publicidades, casas de câmbio e seguros para lavagem de dinheiro por meio de
depósitos e transações bancárias.
Além de no Recife,
a Esportes da Sorte está no tradicional Carnaval da vizinha, Olinda. A
empresa tem ações por todo o sítio histórico, por onde desfilam as troças,
blocos, maracatus e principais agremiações da folia. De acordo com a Secretaria
de Patrimônio e Cultura de Olinda, há cerca de 1,5 mil blocos cadastrados.
Postagens no site e nas redes sociais da prefeitura mostram a logo da
Esportes da Sorte em todos os posts de divulgação do Carnaval 2025 da cidade.
<><>
Por que isso importa?
As bets, como são
chamadas as casas de apostas, estão dominando as festas de Carnaval pelo
Brasil, mas os valores investidos não são divulgados, nem pelas prefeituras nem
pelas empresas.
A reportagem
questionou também a assessoria de imprensa da prefeitura de Olinda sobre os
valores dos patrocínios, que respondeu apenas que “irá receber R$ 15
milhões de patrocínio pelo Carnaval”, sem discriminar quanto será pago pela
Esportes da Sorte.
Além do Recife e
Olinda, a Esportes da Sorte está patrocinando 17 trios do Carnaval de Salvador,
dez blocos em São Paulo e um bloco de pré-Carnaval no Rio de Janeiro.
·
Bet
Bahia
Em Salvador, no dia
21 de fevereiro, o prefeito Bruno Reis (União Brasil) e a vice-prefeita e
secretária de Cultura, Ana Paula Matos (PDT), anunciaram a programação do
Carnaval deste ano – além da lista de patrocinadores. Entre as nove empresas
confirmadas, como Zé Delivery, 99 e Mercado Pago, está também a Bet
Nacional, que tem como “garoto-propaganda” o jornalista Galvão Bueno. Ao menos
desde o ano passado, a casa de apostas tem patrocinado festividades na capital
e no estado, como o ano
novo da
cidade.
A reportagem
questionou a prefeitura sobre o valor do patrocínio, que não respondeu até a
publicação.
Além do patrocínio
junto à prefeitura, as bets estão bancando os camarotes do Carnaval de
Salvador. No ano passado, a casa de apostas Bora Jogar foi a patrocinadora
oficial dos camarotes da capital baiana. No site, eles divulgavam uma promoção
exclusiva de Carnaval, em que era preciso depositar um valor inicial a partir
de R$ 50 para receber 20 tentativas no jogo. Além disso, o jogador recebia um
voucher-surpresa exclusivo a cada cinco depósitos do valor mínimo.
Já neste ano,
a Pública descobriu que os patrocinadores masters serão
divididos entre a H2Bet e a cervejaria Petra. Produzida pela FunPlace, os
preços dos ingressos para os seis dias de festa são de R$ 21 mil para homens e
R$ 15 mil para mulheres. Entre os patrocinados, também está a BYD, montadora de
carros elétricos da China que foi denunciada pela Pública por
maus-tratos a operários chineses na fábrica da Bahia e por
vigiar os
funcionários após a denúncia.
·
Bets
apostam no Carnaval sudestino
Não é só nos
estados do Nordeste que as bets têm patrocinado grandes eventos culturais.
No
Rio, a
Superbet é uma das patrocinadoras do Carnaval 2025. Contudo, a
participação da casa de apostas nos camarotes das escolas de samba gerou
disputa. A Liesa, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio, vetou a
exposição das marcas das bets nos abadás e nos espaços externos aos
camarotes. Gabriel David, o presidente mais jovem da Liga, é filho
do bicheiro Anísio Abraão
David, que já foi preso três vezes por lavagem de dinheiro. A reportagem
procurou a assessoria da Liesa, que não retornou até a publicação.
Segundo informações
originalmente publicadas no portal
LeoDias,
o Camarote N1, o mais caro do Sambódromo da Sapucaí, havia firmado um contrato publicitário
de mais de R$ 2 milhões com uma casa de apostas. A Pública procurou o
portal, que confirmou a retirada da notícia do site. Atualmente, o site recebe
patrocínio da Viva Sorte Bet.
Neste ano, além do
Carnaval do Rio, a Superbet Nacional irá colocar dinheiro em sete grandes
campeonatos do futebol brasileiro: Copa do Nordeste, Baianão, Sergipano,
Cearense, Capixabão, Gauchão e Carioca. Desde o ano passado, os times do
Fluminense e do São Paulo são patrocinados por contratos
milionários que chegam a R$ 42 milhões fixos no caso do time carioca, e R$ 52
milhões no do paulista. Os valores podem variar a depender do desempenho
que obtiverem nos campeonatos. A bet coloca dinheiro também no The Town, um
grande festival de música em São Paulo, sem revelar os valores.
Em São Paulo, um
dos maiores blocos da cidade, o Casa Comigo, é patrocinado pela primeira
vez pela bet Cassino. Novamente, os comunicados do acordo não divulgam
valores. A reportagem questionou a assessoria de imprensa da prefeitura de São
Paulo. Após a publicação da reportagem, a Prefeitura respondeu que a Ambev é a
patrocinadora oficial do Carnaval de Rua da cidade e que os blocos podem buscar
“individualmente e de forma independente patrocínios”. Segundo a assessoria,
patrocínios para os eventos no Sambódromo são responsabilidade é de
responsabilidade da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo.
Já no Sambódromo do
Anhembi Morumbi, na zona norte da cidade, e na Fábrica do Samba e num camarote,
a Galera Bet será a patrocinadora. O contrato
firmado prevê que por quatro anos, até 2027, a empresa vai financiar a festa.
Antes disso, a marca já esteve presente como parceira no Camarote Bar Brahma do
Sambódromo, onde as escolas de samba do grupo especial se apresentam.
Já em Belo
Horizonte, um dos maiores blocos, o Baianas Ozadas, não terá patrocínio de bets
neste ano, segundo a Pública apurou com integrantes do grupo.
No ano
passado,
de acordo com reportagem de O Tempo, 26 blocos receberam apoio da Bet7K. O
grupo chegou a vestir o símbolo do bloco, uma baiana, com a logo da casa de
apostas.
·
CPI
das bets só depois que o Carnaval passar
Em outubro do ano
passado, o Ministério da Fazenda, que regula o mercado de apostas de quota fixa
(o nome técnico para as bets), bloqueou sites de quase 2 mil empresas
consideradas irregulares pelo governo. Na época, o governo acionou a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que pediu o bloqueio dos sites
pelas operadoras de internet.
Além disso, o
governo proibiu que as
empresas aceitem pagamento de apostas por meio de cartões de crédito. Também é
proibido que crianças e adolescentes utilizem as plataformas de apostas.
Reportagem do Portal
Lunetas republicada
pela Pública mostrou que estudantes adolescentes estão se
endividando e alguns têm usado a verba de R$ 200 do programa Pé-de-Meia em
jogos de azar, como versões do famoso Jogo do Tigrinho.
Segundo levantamento da
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 1,8
milhão de brasileiros se tornaram inadimplentes por conta de apostas em
bets. O estudo aponta que as famílias com menor renda foram as mais
afetadas.
Em novembro do ano
passado, o Senado instalou a CPI das Bets para investigar as empresas, “além da
possível associação com organizações criminosas envolvidas em práticas de
lavagem de dinheiro, bem como o uso de influenciadores digitais na promoção e
divulgação dessas atividades”.
Nesta terça, 25 de
fevereiro, a CPI das Bets foi adiada e deve retomar os trabalhos apenas
depois do Carnaval. A relatora da comissão, a senadora Soraya Thronicke
(Podemos-MS), disse estar
sofrendo ameaças do crime organizado e pressões internas dentro da Casa. “Estou
sentindo toda dificuldade de trabalhar, fazendo meu relatório em absoluto
sigilo”, disse a senadora, que afirmou estar andando com escolta e carros
blindados. Após o Carnaval, a comissão vai convidar influencers para discutir.
As bets foram
autorizadas a atuar no Brasil durante o final do governo de Michel Temer
(2018), quando o ex-presidente sancionou a Lei
13.756,
que fala sobre os produtos de arrecadação das loterias.
Fonte: Por Bruno
Fonseca e Danilo Queiroz, da Agencia Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário