7 vezes em que
potências negociaram o futuro de países e territórios sem contar com as
populações afetadas
A Ucrânia não foi
convidada para a reunião-chave entre
autoridades dos Estados Unidos e da Rússia na Arábia Saudita na semana
passada para decidir como poderia ser a paz no país.
O presidente
ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que a
Ucrânia "nunca aceitará" qualquer decisão sem sua participação nas
negociações para encerrar a guerra com a Rússia.
A decisão de
negociar a soberania dos ucranianos sem eles – assim como a tentativa
notoriamente desproporcional do presidente dos EUA, Donald Trump, de
reivindicar metade da riqueza de minerais raros da Ucrânia como preço pelo
contínuo apoio americano – revela muito sobre como Trump vê a Ucrânia e a
Europa.
Mas esta não é a
primeira vez que grandes potências conspiram para negociar novas fronteiras ou
esferas de influência sem a participação das pessoas que vivem nesses
territórios.
Essa política de
poder autoritária raramente termina bem para os afetados, como mostram estes
sete exemplos históricos:
>>> 1. A
partilha da África
No inverno de
1884-1885, o líder alemão Otto von Bismarck convidou as potências europeias a
Berlim para uma conferência onde seria formalizada a divisão de todo o
continente africano entre elas.
Nenhum africano esteve
presente na conferência, que ficaria conhecida como "A Partilha da
África".
Entre outras
consequências, a conferência levou à criação do Estado Livre do Congo, sob
controle da Bélgica, onde ocorreram terríveis atrocidades coloniais e milhões de
pessoas morreram.
A Alemanha também
estabeleceu a colônia do Sudoeste Africano (atual Namíbia), onde mais tarde foi
perpetrado o primeiro genocídio
do século 20 contra
povos colonizados.
>>> 2.
Divisão da Samoa
Não foi apenas a
África que foi dividida dessa maneira. Em 1899, a Alemanha e os Estados Unidos
realizaram uma conferência e forçaram os samoanos a aceitar um acordo que
dividia suas ilhas no Pacífico entre as duas potências.
Isso aconteceu
apesar de os samoanos terem expressado seu desejo de autogoverno ou de uma
confederação de Estados do Pacífico com o Havaí.
Como
"compensação" por não ter obtido Samoa, o Reino Unido
recebeu o controle de Tonga, hoje um país
independente.
A Samoa Alemã ficou
sob domínio da Nova Zelândia após a Primeira Guerra Mundial e permaneceu assim
até 1962, quando se tornou independente. Já a Samoa Americana (assim como
outras ilhas do Pacífico) continua sendo um território dos Estados Unidos até
os dias de hoje.
>>> 3. Fim
do Império Otomano
Durante o auge da
Primeira Guerra Mundial, representantes britânicos e franceses se reuniram para
decidir como dividiriam o Império Otomano, com sede na atual
Turquia, após o fim do conflito.
Como potência
inimiga, os otomanos não foram convidados para as negociações.
O diplomata
britânico Mark Sykes e o francês François Georges-Picot redesenharam as
fronteiras do Oriente Médio com base nos interesses de seus respectivos países.
Os franceses
ficariam com o Líbano e a Síria, enquanto os britânicos assumiriam o controle
do Iraque e da Palestina.
O Acordo Sykes-Picot contrariava
compromissos assumidos pelo Reino Unido na correspondência Hussein-McMahon, na
qual prometia apoiar a independência árabe do domínio turco.
Além disso, o
acordo também entrava em conflito com as promessas britânicas feitas na Declaração de Balfour, que apoiava os
sionistas na criação de uma pátria judaica na Palestina otomana.
O Acordo
Sykes-Picot se tornou a origem de décadas de conflitos e má gestão colonial no
Oriente Médio, cujas consequências ainda são sentidas hoje.
>>> 4. O
acordo da Tchecoslováquia
Em setembro de
1938, o primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlain, e o primeiro-ministro
francês, Édouard Daladier, se reuniram com o ditador fascista italiano Benito
Mussolini e com o alemão Adolf Hitler para assinar o que ficaria conhecido como
o Acordo de Munique.
Os líderes tentaram
evitar a propagação da guerra por toda a Europa depois que os nazistas de
Hitler fomentaram um levante e começaram a atacar as áreas de fala alemã da
então Tchecoslováquia (hoje dividida entre República Tcheca e Eslováquia)
conhecidas como os Sudetos. Fizeram isso com o pretexto de proteger as minorias
alemãs.
Nenhum
tchecoslovaco foi convidado para a reunião.
Muitos ainda
consideram a reunião como a "traição de Munique", um exemplo clássico
de uma tentativa falha de apaziguar uma potência beligerante com a falsa
esperança de evitar a guerra.
>>> 5.
Judeus na Europa
Em 1938, 32 países
se reuniram em Évian-les-Bains, França, para decidir o que fazer com os
refugiados judeus que fugiam da perseguição na Alemanha nazista.
Antes de a
conferência começar, Reino Unido e Estados Unidos haviam acordado não
pressionar um ao outro para aumentar a cota de judeus que aceitariam em solo
americano ou na Palestina britânica.
Embora Golda Meir
(a futura líder israelense) tenha participado da conferência como observadora,
nem ela nem qualquer outro representante do povo judeu foram autorizados a
participar das negociações.
Os participantes em
grande parte não conseguiram chegar a um acordo sobre a aceitação de refugiados
judeus, com exceção da República Dominicana. E a maioria dos judeus na Alemanha
não pôde sair antes que o nazismo desse início ao Holocausto.
>>> 6. O
pacto entre URSS e Alemanha
Enquanto Hitler
planejava sua invasão da Europa Oriental, ficou claro que seu principal
obstáculo era a União Soviética. Sua resposta foi assinar um tratado improvável
de não agressão com a URSS.
O tratado, que leva
o nome de Vyacheslav Molotov e Joachim von
Ribbentrop (os ministros de Relações Exteriores soviético e alemão), garantiu
que a União Soviética não reagiria quando Hitler invadisse a Polônia.
Ele também dividiu
a Europa em esferas nazista e soviética. Isso permitiu que os soviéticos se expandissem
para a Romênia e os Estados Bálticos, atacassem a Finlândia e tomassem sua
própria parte do território polonês.
Não é de se
surpreender que alguns vejam as atuais conversas entre Estados Unidos e Rússia
sobre o futuro da Ucrânia como o renascimento desse tipo de diplomacia secreta
que dividiu as nações menores da Europa entre as grandes potências na Segunda
Guerra Mundial.
>>> 7.
Conferência de Yalta
Com a iminente
derrota da Alemanha nazista, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, o
ditador soviético Josef Stalin e o presidente dos Estados Unidos Franklin D.
Roosevelt se reuniram em 1945 para decidir o destino da Europa pós-guerra.
Essa reunião ficou
conhecida como a Conferência de
Yalta.
Juntamente com a
Conferência de Potsdam, alguns meses depois, Yalta criou a arquitetura política
que levaria à divisão da Europa durante a Guerra Fria.
Em Yalta, na
península da Crimeia - território ucraniano anexado pela Rússia em 2014 - os
"três grandes" decidiram a divisão da Alemanha, enquanto a Stalin
também foi oferecida uma esfera de interesse na Europa Oriental.
Isso assumiu a
forma de uma série de Estados-tampão controlados politicamente pela URSS na
Europa Oriental, um modelo que alguns acreditam que Putin pretende emular hoje.
¨ Quais os planos do mundo árabe para a reconstrução da
Faixa de Gaza?
O Egito e vários
países árabes estão trabalhando em propostas de reconstrução para a
Faixa de Gaza,
buscando garantir que o povo palestino permaneça na região sem ser deslocado e
estabelecer um mecanismo de governança sem o envolvimento do Hamas.
O trabalho em torno
das propostas é uma resposta ao plano apresentado
pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que inclui realocar palestinos para o
Egito, Jordânia e possivelmente outros países, bem como assumir o controle de
Gaza, transformando-a no que ele chamou de "Riviera do Oriente
Médio".
Segundo a agência
de notícias Reuters, pelo menos quatro propostas foram elaboradas. Mas o plano
egípcio é atualmente a base para o esforço árabe de oferecer uma alternativa
às ideias de Trump.
De acordo com
fontes da BBC, Cairo está perto de finalizar os detalhes técnicos do plano, que
envolve limpar os escombros, reconstruir Gaza, determinar como os palestinos
viverão durante esse período e elaborar os mecanismos de governança após a
guerra.
No entanto, o
futuro das facções armadas em Gaza, particularmente o Hamas e a Jihad Islâmica, continua em
discussão.
O Egito disse que o
plano será desenvolvido em cooperação com a administração dos EUA.
Fontes egípcias também
disseram à BBC que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Europeia
(UE) desempenharão um papel no plano.
O Egito consultou
vários países árabes, incluindo Jordânia e Arábia Saudita, sobre os detalhes do
plano em preparação para uma reunião regional em Riad em 21 de fevereiro.
Esta reunião deve
ser seguida por uma cúpula árabe de emergência no Cairo. O encontro estava
inicialmente marcado para 27 de fevereiro, mas foi adiado, supostamente por
razões logísticas, sem que uma nova data fosse definida.
<><>
Como o plano funcionará sem deslocamento em massa?
Uma fonte egípcia
disse à BBC que as consultas árabes já começaram para preparar uma futura
conferência sobre a reconstrução de Gaza com ampla participação europeia.
A fonte acrescentou
que o plano egípcio está focado principalmente na reconstrução da Faixa de Gaza
e na divisão da região em três zonas humanitárias, cada uma com 20 grandes
acampamentos para os residentes viverem, com o fornecimento de necessidades
básicas, como água e eletricidade.
De acordo com o
plano, dezenas de milhares de casas móveis e estruturas semelhantes a tendas
serão introduzidas em áreas seguras para acomodação por seis meses, juntamente
com a remoção dos escombros causados pela guerra.
No entanto, essas
ações não são atualmente permitidas pelos israelenses, segundo a fase inicial
do acordo de cessar-fogo negociado entre o governo de Benjamin Netanyahu e o Hamas.
O plano egípcio
também enfatizará a necessidade de permitir regularmente que combustível e
materiais de reconstrução entrem em Gaza.
De acordo com o
projeto, a reconstrução será financiada por doadores árabes e internacionais,
com cerca de 50 empresas multinacionais especializadas em construção fornecendo
unidades habitacionais seguras dentro de 18 meses nas três zonas propostas de
Gaza.
E o financiamento
será administrado por um comitê composto por representantes árabes e
internacionais.
A proposta também
inclui a criação de uma zona tampão e uma barreira para obstruir a escavação de
túneis ao longo da fronteira de Gaza com o Egito, seguida pela remoção de
entulho e o estabelecimento de 20 áreas habitacionais temporárias nas áreas
norte, centro e sul da faixa.
Tarek al-Nabarawi,
presidente do Sindicato dos Engenheiros Egípcios, disse à BBC que o plano pode
levar de três a cinco anos para ser concluído, considerando o número de partes
envolvidas e o custo.
No entanto, em 15
de fevereiro, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu anunciou que não
permitiria casas móveis e equipamentos de construção na Faixa de Gaza, citando
questões de segurança. A condição também é uma disposição do recente acordo de
cessar-fogo.
<><> O
futuro do Hamas
Mas uma fonte
egípcia disse à BBC que a questão pendente mais significativa é o futuro do
Hamas e de outros grupos armados na Faixa de Gaza.
A fonte explicou
que uma proposta do plano do Cairo envolve o desarmamento desses grupos assim
que um Estado palestino for declarado dentro das fronteiras que existiam antes
da Guerra dos Seis
Dias.
Jerusalém Oriental
será a capital desse Estado e haverá uma zona tampão — cuja localização ainda
não foi determinada — para garantir a Israel que nenhuma ameaça emanará de
Gaza.
Nesse ínterim, a
proposta também envolve a formação de um comitê palestino para governar Gaza
sem a participação do Hamas.
As forças árabes e
internacionais ajudariam temporariamente o comitê na gestão da Faixa de Gaza.
O Hamas declarou
anteriormente que estava disposto a ceder a governança de Gaza a um comitê
nacional, mas queria ter um papel na escolha de seus membros e não aceitaria o
envio de nenhuma força terrestre sem seu consentimento.
A fonte egípcia
também enfatizou que, de acordo com o plano, os países árabes apoiariam a
Autoridade Palestina no treinamento de seu pessoal em colaboração com a UE.
<><> E
o plano de Trump?
O presidente dos
EUA declarou repetidamente seu plano de realocar palestinos de Gaza,
justificando isso como uma oportunidade de transformar a terra em uma área de
investimento turístico e como um benefício para os próprios palestinos, já que
eles não estariam mais vivendo em meio a escombros.
Trump até ameaçou
interromper a ajuda ao Egito e à Jordânia se eles não acolhessem palestinos.
Dan Perry,
ex-editor para o Oriente Médio da Associated Press no Cairo, escreveu em um
artigo para o Israeli Jerusalem Post que o plano de Trump para realocar os
palestinos de Gaza é uma forma de pressionar os países árabes e os palestinos
em Gaza a remover o Hamas do poder.
Também visa
interromper o apoio financeiro ao Hamas de países árabes, especialmente do
Catar.
Depois de uma
recente reunião em Washington entre Trump e o rei Abdullah II da Jordânia, a
porta-voz do presidente dos EUA, Caroline Levitt, disse que o rei Abdullah
deixou claro para Trump que prefere que os palestinos permaneçam em Gaza
durante o processo de reconstrução.
Oficialmente, Trump
ainda prefere realocar os palestinos para fora de Gaza.
Perry acredita que
Trump pode concordar com a permanência dos palestinos em Gaza em troca de
bilhões de dólares pela reconstrução de Gaza e da remoção do Hamas.
Perry também
acredita que um governo civil de tecnocratas poderia ser formado em Gaza,
vinculado à Autoridade Palestina na Cisjordânia e cooperando com o Egito e os
países do Golfo.
<><>
Que vantagem o mundo árabe tem em relação a Trump?
Mubarak Al-Ati,
analista político saudita, acredita que qualquer envolvimento dos EUA levará em
conta seus interesses significativos na região, particularmente na Arábia
Saudita e no Egito.
Ele acrescentou que
as relações pessoais entre os governantes do Egito, dos EUA e da Arábia Saudita
permitiriam que eles encontrassem um terreno comum, especialmente com a próxima
visita de Trump à Arábia Saudita, que moldará as futuras relações
árabe-americanas.
Hassan Mneimneh,
analista político de Washington, acredita que se Trump cortar a ajuda militar e
econômica ao Egito e à Jordânia em resposta a qualquer plano árabe, esses
países devem responder.
A Arábia Saudita,
por exemplo, pode interromper seus investimentos nos EUA, abrindo assim as
portas para o engajamento econômico com a China, a Rússia, a UE, a África e a
América do Sul.
Al-Ati destacou o
apelo para os EUA da oferta da Arábia Saudita de normalizar relações com
Israel, que tem sido usada por Riad como uma tática de negociação para
pressionar pelo estabelecimento de um Estado palestino com fronteiras de 1967.
A fonte egípcia
observa que a recente sugestão do Cairo de cancelar o tratado de paz de Camp
David com Israel, assinado em 1979, também pode ser eficaz contra Washington se
Trump rejeitar qualquer plano árabe futuro.
Fonte: Por Matt
Fitzpatrick, para The Conversation /BBC News
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