Carlos Castilho: A
advocacy informativa contamina a imprensa no Brasil e no mundo
Advocacy é uma
expressão inglesa, sem uma tradução exata para o português, usada para
caracterizar a promoção de uma ideia, projeto, ação ou decisão através da
comunicação. É mais ou menos o que está acontecendo atualmente com os jornais,
semanários, telejornais e páginas noticiosas na internet, no caso da polêmica
em torno da popularidade do presidente Lula.
A tradicional
percepção de isenção e objetividade nas notícias está sendo substituída por
formas diversas de militância ou advocacy informativa. Trata-se de um
fenômeno, cada vez mais frequente e sofisticado, que está diretamente ligado à
crescente complexidade do fluxo de informações fornecido pela imprensa e por
jornalistas independentes ao conjunto da população aqui e no resto do mundo.
Estamos sendo submetidos a um bombardeio informativo que nos desorienta e nos
deixa inseguros sobre onde está a ‘verdade” no meio da avalanche de dados e
versões diferentes sobre um mesmo fato.
Para complicar as
coisas, a imprensa perdeu o monopólio da produção e disseminação de notícias,
depois que as plataformas digitais e redes sociais independentes passaram a ser
as principais fontes das chamadas “hard news”, jargão inglês para notícias de
impacto. Os jornais, revistas, telejornais e sites acabaram limitados à
condição de analistas e intérpretes de hard news, situação que os levou a
praticar a advocacy informativa.
A grande imprensa
brasileira e quase uma centena de projetos jornalísticos online deixam cada vez
mais claro que praticam a militância informativa para debilitar a imagem do
atual presidente da República visando ganhos políticos e eleitorais futuros. É
uma estratégia de comunicação que usa a complexidade dos resultados de
pesquisas de opinião ou de questões como o processo contra acusados de
participar de atos golpistas e a situação da economia nacional para moldar a
percepção da opinião pública segundo uma determinada visão de mundo.
<>< As
pesquisas de opinião e a advocacy informativa
As pesquisas de
opinião pública são um caso exemplar de complexidade informativa capaz de gerar
percepções diferenciadas e muitas vezes distorcidas. Os especialistas em
pesquisas de opinião sabem que os resultados vão depender do momento político e
social em que a consulta é realizada, do tipo e formato das perguntas, do local
onde são feitas as entrevistas, das técnicas de cruzamento das respostas e da
amostra de público escolhida. São muitas as variáveis possíveis, mas as
conclusões publicadas quase sempre se limitam a posicionamentos dicotômicos,
estilo aumentou ou diminuiu, bom ou mau, aprovo ou desaprovo.
O resultado das
últimas consultas sobre popularidade presidencial não ajuda a esclarecer o
paradoxo entre notícias que mostram uma economia em expansão e indicadores
numéricos apontando um decréscimo no prestígio do governo. As manchetes da
imprensa destacaram que a popularidade de Lula despencou induzindo à percepção
de que o governo está fragilizado e impotente diante dos problemas nacionais.
Os marqueteiros
mais experientes sabem como usar uma pesquisa para colocar um tema na agenda
pública de debates, com a justificativa de que os resultados expressam a
opinião pública. Isto serve como gatilho para a imprensa entrar na discussão,
aproveitando-se da diversidade de opiniões, para praticar a advocacy informativa.
A metáfora do copo
meio cheio ou meio vazio é cada vez mais representativa da realidade que
vivemos. O copo é o mesmo, a água idem, a diferença está em nossa mente. Num
ambiente cada vez mais caracterizado pela diversidade e complexidade dos temas
em debate pelo público é inevitável que as pessoas desenvolvem em suas mentes
visões de mundo diferenciadas, logo promovam seus pontos de vista, praticando
a advocacy informativa. Até aí nenhum problema.
A controvérsia
sobre o uso dos mecanismos de advocacy surge quando a imprensa omite
o fato de que está promovendo um determinado posicionamento sobre questões em
debate pelo público. A maioria das pessoas ainda acredita que os jornais e
revistas, bem como telejornais de grande audiência são uma espécie de ‘bíblia’
da verdade. Isto faz com que elas tenham a tendência a serem influenciadas pelo
que leem, ouvem ou veem na imprensa, podendo assumir visões de mundo fora da
realidade em que vivem.
¨ Crise de credibilidade. Por Marcos Fabrício Lopes da Silva
Numa passagem
bastante citada do livro The press and foreign policy (1963), o
cientista político Bernard Cohen (1914-2003) afirma que se a imprensa geralmente
não diz ao eleitor “como” deve pensar, possui, contudo, uma grande capacidade
em sugerir “sobre o que” pensar. A frase de Cohen resumia de modo feliz o fato
de que a imprensa, em sua rotina produtiva, seleciona e divulga temas,
acontecimentos e personagens que competem entre si pela atenção da mídia e, por
extensão, da sociedade. A visibilidade e a proeminência de determinados temas
em detrimento de outros num período delimitado (uma campanha eleitoral, por
exemplo) foram definidas pelos pesquisadores estadunidenses Maxwell McCombs
(1938-2024) e Donald Leslie Shaw (1930-2017) como a “agenda da mídia” e os
temas discutidos e considerados importantes pelos indivíduos (audiência), como
a “agenda do público” (Public Opinion Quarterly, n. 36, p. 176-187, 1972).
O prodigioso
desenvolvimento dos meios de comunicação, ao longo do século XX, modificou todo
o ambiente político. O contato entre líderes políticos e sua base, a relação
dos cidadãos com o universo das questões públicas e mesmo o processo de governo
sentiram, e muito, o impacto da evolução tecnológica da mídia. Em seu livro
pioneiro, publicado na década de 1920, Walter Lippmann (1889-1974) lamentava o
fato de que “a ciência política é ensinada nas faculdades como se os jornais
não existissem” (Public Opinion, 1922). Cem anos depois, é possível dizer que a
ciência política já reconhece a existência do jornal, bem como do rádio, da
televisão e até da internet. Mas em geral não vê neles maior importância.
O conceito de
“democracia” é envolto em polêmica. Por um lado, a palavra significa “governo
do povo”. Por outro, ela se refere a um conjunto de instituições políticas, em
particular a eleição popular para as posições de poder. Os dois sentidos não se
casam. Nos regimes que em geral aceitamos como “democráticos”, o povo não
governa. Sua influência nas decisões políticas é filtrada por mecanismos de
intermediação – que podem ser, e geralmente são, enviesados em favor de alguns
interesses e grupos sociais e em detrimento de outros.
Um desses
mecanismos de intermediação é a representação política. Outro é a mídia. Os
meios de comunicação de massa são (1) a principal fonte de informação dos
cidadãos sobre o mundo social, (2) o principal canal de difusão dos discursos
dos líderes políticos e (3) o principal ambiente em que se dá o debate
político. Sua centralidade na política contemporânea é admitida pelo público em
geral e comprovada pela atenção obsessiva que os candidatos às posições de
liderança dedicam à gestão de sua imagem nos meios, mas é, em geral, negligenciada
pelos modelos da ciência política – e, claro, negada pela própria mídia.
A maioria dos
brasileiros (56,5%) se diz insatisfeita ou muito insatisfeita com o
funcionamento da democracia hoje no país, enquanto outros 38% se declaram
satisfeitos ou muito satisfeitos; 5% preferiram não responder à questão. Apesar
da insatisfação, 58,3% dos brasileiros concordam que a democracia é preferível
a qualquer outra forma de governo (A Cara da Democracia, 2024). Os dados
integram os estudos do Instituto da Democracia (INCT-IDDC), formado por
pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj. Realizada anualmente
desde 2018, a pesquisa faz um retrato atualizado de como o brasileiro enxerga a
democracia no país, como se apropria de informação política e como se posiciona
em relação a valores e temas em destaque a cada ano.
Por sua vez, em
pesquisa realizada pelo Reuters Institute (2023), a respeito do consumo pessoal
de notícias e de conteúdo no País, 41% dos brasileiros evitam consumir
informação de veículos jornalísticos. O meio digital, incluindo as redes
sociais, são a principal fonte de informação para 79% dos brasileiros. A
televisão é citada como fonte principal de notícias para 57% dos entrevistados
brasileiros no estudo, enquanto veículos impressos (jornais e revistas) são a
fonte principal de informação de 12% das pessoas. Convém frisar que é antiga a
crise de credibilidade enfrentada pelos meios de mediação midiática. Por sinal,
o sistema falacioso costuma ser implacável, tomando conta de todas as atividades
humanas que se afugentam da ética.
A propósito, pelo
caminho da ironia enquanto recurso crítico dos costumes sociais, Joaquim Manuel
de Macedo (1820-1882), em A carteira de meu tio (1855), já lançava
denúncia sobre o problema da corrupção generalizada:
“Se não fosse a
mentira, como se sustentariam as facções políticas?… como viveria a imprensa
diária?… como se haveriam as direções e os diretores de teatros?… como fariam
as moças pazes com os seus namorados?… como os advogados teriam causas de que
tratar, e os escrivães custas que cobrar?… A mentira esconde-se por detrás dos
reposteiros de todas as secretarias de Estado, dentro da manga do frade, no
acolchoado da casaca do taful, nos postiços da moça casquilha, no carmim das
faces da matrona desbotada, na cabeleira do velho careca, nos atestados de
muitos médicos, em todos os diplomas eleitorais, nos protestos de todos os
atores, nas declarações dos candidatos às deputações, nos títulos de nobreza de
todos os fidalgos, no pincel dos pintores, na pena dos romancistas, no capelo
dos bacharéis e doutores, nas lágrimas das viúvas, nos sorrisos das donzelas,
nas cortesias dos diplomatas, nas promessas dos ministros de Estado, nos
desenganos de todas as mulheres, nas palavras dos vivos e nos epitáfios dos mortos!”.
Não à toa, para o exercício da Ética na prática, devemos antes definir o que
seria uma ação antiética: é toda conduta praticada por uma pessoa ou grupo de
indivíduos que seu resultado irá refletir em qualquer forma de prejuízo a outro
cidadão ou grupo de pessoas.
¨ A democracia infiltrada. Por Julia V. Kurtz
A palavra utopia já
entrou no vocabulário do brasileiro médio. Neste artigo, vamos falar sobre sua
irmã e antônima, a distopia.
Uma distopia é, em
suma, uma utopia que deu errado, um lugar onde os sonhos morreram, em que a
liberdade foi tolhida, em que poucos pisam em muitos.
Os exemplos mais
comuns são os livros Admirável Novo Mundo, de Aldous Huxley, e 1984, de George
Orwell (este último deu origem ao termo “big brother” de BBB e há uma crítica
social oculta nesse fato). Leitores mais jovens também devem identificar obras
como V de Vendetta e The Hunger Games.
O gênero cyberpunk
é um exemplo primoroso de um cenário contrário, em que a democracia faliu e os
governos ou deixaram de existir ou se tornaram marionetes. É o que acontece em
Neuromancer, o clássico de William Gibson.
Feito esse
preâmbulo, convém responder a uma pergunta que implora para ser respondida: o
que isso tem a ver com o mundo atual?
<><> A
ficção explica a política
Grosso modo, a luta
eterna entre a direita e a esquerda pode ser resumida a um único fator: o
tamanho do Estado. O primeiro grupo defende uma intervenção mínima ou mesmo a
abolição das burocracias, que consideram um empecilho para o que chamam de
“desenvolvimento tecnológico”.
Já o último
acredita que um Estado forte é imperativo para o desenvolvimento da sociedade.
Já estamos habituados a saber o que acontece nos cenários apocalípticos, reais
ou não, em que este grupo vence a guerra.
O que ninguém fala
é no verdadeiro impacto que a falência do governo traria para a sociedade. Um
dos fatores importantes é entender o Estado como o último escudo contra o
domínio completo da lógica capitalista nas relações sociais.
Um governo é
responsável pela criação de políticas públicas que, ao menos em tese, protegem
a população de efeitos nocivos das ideias mais
recentes de
nossos luminários tecnológicos.
Por exemplo, vimos
como a União Europeia implementou regras
rígidas para limitar o uso de dados por big techs e a responsabilização destas
empresas em casos de abusos via redes sociais.
Pouco depois,
Google, Meta, X (ex-Twitter) e amiguinhos começaram uma campanha de
desmoralização contra o PL 2630/20, que trata da transparência das redes
sociais. Elas sabem que precisam impedir a onda que começou na Europa antes que
ela atinja o resto do mundo e limite o alcance de suas ações.
Nós sabemos que a
praça pública, na era da internet, foi privatizada por essas empresas na forma
de redes sociais. Circula nesses ambientes grande parte dos dados gerados hoje
em dia, algo que, para essas empresas, é uma fonte de dinheiro.
É por isso que a
eleição de Donald Trump fez com que estas empresas se prostrassem perante o
novo presidente dos EUA antes mesmo de sua posse. Sua plataforma, em resumo, é
jogar no lixo toda a regulamentação e transformar o mercado em uma terra sem
lei na qual big techs podem fazer o que quiser sem repercussões.
<><> A
corrosão começa por dentro
Não há exemplo
melhor para isso do que o grupo DOGE (Departamento de Eficiência do Governo) de
Elon Musk. O grupo é um órgão privado que recebeu acesso do governo Trump
para analisar e destruir todas as
áreas do governo que considerarem um empecilho para seus planos.
Oficialmente, o
grupo procura pontos em que há gastos excessivos e desnecessários do governo
com o objetivo de aumentar sua eficiência. Ao mesmo tempo, várias pessoas que
têm ligações com Musk ocupam altos cargos em agências oficiais.
A separação do
público e privado costumava ser uma diretriz importante na democracia. O
discurso da demonização do Estado, entretanto, criou um falso inimigo que
precisa ser combatido pelos iluminados do mercado.
Esse processo não
começou do nada, muito menos na política. Nós estamos vendo há anos como o
discurso extremista, no Brasil, começou a cavar seu espaço lentamente nas redes
sociais, até atingir um ponto de ebulição que lhe permitiu conquistar uma eleição
presidencial.
De agressão a
agressão, essas ideias se normalizaram em parte da população até que as pessoas
por trás delas pudessem expressá-las em público sem medo de repercussão. O que
era nefasto, assim, tornou-se comum.
A boa notícia é que
a destruição da democracia não vai acontecer da noite para o dia. Ela é um
processo demorado e há forças lutando contra este tipo de ação.
A má notícia é que
não se fala mais em impedir que alguém tente algo nesse sentido: a infiltração
do totalitarismo começou há anos. Ela ocupou a mente dos eleitores antes de
infiltrar as estruturas de governo.
A ação das big
techs contra redes sociais não foi meramente uma questão econômica, elas sabiam
que o controle começa através da comunicação.
Em poucas palavras,
a corrosão já começou e precisa ser impedida. Não podemos nos esquecer de que
essa é apenas a vanguarda do atraso.
O que vem depois é
muito pior.
Fonte: Observatório
da Imprensa
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