terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Carlos Castilho: A advocacy informativa contamina a imprensa no Brasil e no mundo

Advocacy é uma expressão inglesa, sem uma tradução exata para o português, usada para caracterizar a promoção de uma ideia, projeto, ação ou decisão através da comunicação. É mais ou menos o que está acontecendo atualmente com os jornais, semanários, telejornais e páginas noticiosas na internet, no caso da polêmica em torno da popularidade do presidente Lula.

A tradicional percepção de isenção e objetividade nas notícias está sendo substituída por formas diversas de militância ou advocacy informativa. Trata-se de um fenômeno, cada vez mais frequente e sofisticado, que está diretamente ligado à crescente complexidade do fluxo de informações fornecido pela imprensa e por jornalistas independentes ao conjunto da população aqui e no resto do mundo. Estamos sendo submetidos a um bombardeio informativo que nos desorienta e nos deixa inseguros sobre onde está a ‘verdade” no meio da avalanche de dados e versões diferentes sobre um mesmo fato.

Para complicar as coisas, a imprensa perdeu o monopólio da produção e disseminação de notícias, depois que as plataformas digitais e redes sociais independentes passaram a ser as principais fontes das chamadas “hard news”, jargão inglês para notícias de impacto. Os jornais, revistas, telejornais e sites acabaram limitados à condição de analistas e intérpretes de hard news, situação que os levou a praticar a advocacy informativa.

A grande imprensa brasileira e quase uma centena de projetos jornalísticos online deixam cada vez mais claro que praticam a militância informativa para debilitar a imagem do atual presidente da República visando ganhos políticos e eleitorais futuros. É uma estratégia de comunicação que usa a complexidade dos resultados de pesquisas de opinião ou de questões como o processo contra acusados de participar de atos golpistas e a situação da economia nacional para moldar a percepção da opinião pública segundo uma determinada visão de mundo.

<>< As pesquisas de opinião e a advocacy informativa

As pesquisas de opinião pública são um caso exemplar de complexidade informativa capaz de gerar percepções diferenciadas e muitas vezes distorcidas. Os especialistas em pesquisas de opinião sabem que os resultados vão depender do momento político e social em que a consulta é realizada, do tipo e formato das perguntas, do local onde são feitas as entrevistas, das técnicas de cruzamento das respostas e da amostra de público escolhida. São muitas as variáveis possíveis, mas as conclusões publicadas quase sempre se limitam a posicionamentos dicotômicos, estilo aumentou ou diminuiu, bom ou mau, aprovo ou desaprovo.

O resultado das últimas consultas sobre popularidade presidencial não ajuda a esclarecer o paradoxo entre notícias que mostram uma economia em expansão e indicadores numéricos apontando um decréscimo no prestígio do governo. As manchetes da imprensa destacaram que a popularidade de Lula despencou induzindo à percepção de que o governo está fragilizado e impotente diante dos problemas nacionais.

Os marqueteiros mais experientes sabem como usar uma pesquisa para colocar um tema na agenda pública de debates, com a justificativa de que os resultados expressam a opinião pública. Isto serve como gatilho para a imprensa entrar na discussão, aproveitando-se da diversidade de opiniões, para praticar a advocacy informativa.

A metáfora do copo meio cheio ou meio vazio é cada vez mais representativa da realidade que vivemos. O copo é o mesmo, a água idem, a diferença está em nossa mente. Num ambiente cada vez mais caracterizado pela diversidade e complexidade dos temas em debate pelo público é inevitável que as pessoas desenvolvem em suas mentes visões de mundo diferenciadas, logo promovam seus pontos de vista, praticando a advocacy informativa. Até aí nenhum problema.

A controvérsia sobre o uso dos mecanismos de advocacy surge quando a imprensa omite o fato de que está promovendo um determinado posicionamento sobre questões em debate pelo público. A maioria das pessoas ainda acredita que os jornais e revistas, bem como telejornais de grande audiência são uma espécie de ‘bíblia’ da verdade. Isto faz com que elas tenham a tendência a serem influenciadas pelo que leem, ouvem ou veem na imprensa, podendo assumir visões de mundo fora da realidade em que vivem.

 

¨      Crise de credibilidade. Por Marcos Fabrício Lopes da Silva

Numa passagem bastante citada do livro The press and foreign policy (1963), o cientista político Bernard Cohen (1914-2003) afirma que se a imprensa geralmente não diz ao eleitor “como” deve pensar, possui, contudo, uma grande capacidade em sugerir “sobre o que” pensar. A frase de Cohen resumia de modo feliz o fato de que a imprensa, em sua rotina produtiva, seleciona e divulga temas, acontecimentos e personagens que competem entre si pela atenção da mídia e, por extensão, da sociedade. A visibilidade e a proeminência de determinados temas em detrimento de outros num período delimitado (uma campanha eleitoral, por exemplo) foram definidas pelos pesquisadores estadunidenses Maxwell McCombs (1938-2024) e Donald Leslie Shaw (1930-2017) como a “agenda da mídia” e os temas discutidos e considerados importantes pelos indivíduos (audiência), como a “agenda do público” (Public Opinion Quarterly, n. 36, p. 176-187, 1972).

O prodigioso desenvolvimento dos meios de comunicação, ao longo do século XX, modificou todo o ambiente político. O contato entre líderes políticos e sua base, a relação dos cidadãos com o universo das questões públicas e mesmo o processo de governo sentiram, e muito, o impacto da evolução tecnológica da mídia. Em seu livro pioneiro, publicado na década de 1920, Walter Lippmann (1889-1974) lamentava o fato de que “a ciência política é ensinada nas faculdades como se os jornais não existissem” (Public Opinion, 1922). Cem anos depois, é possível dizer que a ciência política já reconhece a existência do jornal, bem como do rádio, da televisão e até da internet. Mas em geral não vê neles maior importância.

O conceito de “democracia” é envolto em polêmica. Por um lado, a palavra significa “governo do povo”. Por outro, ela se refere a um conjunto de instituições políticas, em particular a eleição popular para as posições de poder. Os dois sentidos não se casam. Nos regimes que em geral aceitamos como “democráticos”, o povo não governa. Sua influência nas decisões políticas é filtrada por mecanismos de intermediação – que podem ser, e geralmente são, enviesados em favor de alguns interesses e grupos sociais e em detrimento de outros.

Um desses mecanismos de intermediação é a representação política. Outro é a mídia. Os meios de comunicação de massa são (1) a principal fonte de informação dos cidadãos sobre o mundo social, (2) o principal canal de difusão dos discursos dos líderes políticos e (3) o principal ambiente em que se dá o debate político. Sua centralidade na política contemporânea é admitida pelo público em geral e comprovada pela atenção obsessiva que os candidatos às posições de liderança dedicam à gestão de sua imagem nos meios, mas é, em geral, negligenciada pelos modelos da ciência política – e, claro, negada pela própria mídia. 

A maioria dos brasileiros (56,5%) se diz insatisfeita ou muito insatisfeita com o funcionamento da democracia hoje no país, enquanto outros 38% se declaram satisfeitos ou muito satisfeitos; 5% preferiram não responder à questão. Apesar da insatisfação, 58,3% dos brasileiros concordam que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo (A Cara da Democracia, 2024). Os dados integram os estudos do Instituto da Democracia (INCT-IDDC), formado por pesquisadores das universidades UFMG, Unicamp, UnB e Uerj. Realizada anualmente desde 2018, a pesquisa faz um retrato atualizado de como o brasileiro enxerga a democracia no país, como se apropria de informação política e como se posiciona em relação a valores e temas em destaque a cada ano.

Por sua vez, em pesquisa realizada pelo Reuters Institute (2023), a respeito do consumo pessoal de notícias e de conteúdo no País, 41% dos brasileiros evitam consumir informação de veículos jornalísticos. O meio digital, incluindo as redes sociais, são a principal fonte de informação para 79% dos brasileiros. A televisão é citada como fonte principal de notícias para 57% dos entrevistados brasileiros no estudo, enquanto veículos impressos (jornais e revistas) são a fonte principal de informação de 12% das pessoas. Convém frisar que é antiga a crise de credibilidade enfrentada pelos meios de mediação midiática. Por sinal, o sistema falacioso costuma ser implacável, tomando conta de todas as atividades humanas que se afugentam da ética.

A propósito, pelo caminho da ironia enquanto recurso crítico dos costumes sociais, Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), em A carteira de meu tio (1855), já lançava denúncia sobre o problema da corrupção generalizada:

“Se não fosse a mentira, como se sustentariam as facções políticas?… como viveria a imprensa diária?… como se haveriam as direções e os diretores de teatros?… como fariam as moças pazes com os seus namorados?… como os advogados teriam causas de que tratar, e os escrivães custas que cobrar?… A mentira esconde-se por detrás dos reposteiros de todas as secretarias de Estado, dentro da manga do frade, no acolchoado da casaca do taful, nos postiços da moça casquilha, no carmim das faces da matrona desbotada, na cabeleira do velho careca, nos atestados de muitos médicos, em todos os diplomas eleitorais, nos protestos de todos os atores, nas declarações dos candidatos às deputações, nos títulos de nobreza de todos os fidalgos, no pincel dos pintores, na pena dos romancistas, no capelo dos bacharéis e doutores, nas lágrimas das viúvas, nos sorrisos das donzelas, nas cortesias dos diplomatas, nas promessas dos ministros de Estado, nos desenganos de todas as mulheres, nas palavras dos vivos e nos epitáfios dos mortos!”. Não à toa, para o exercício da Ética na prática, devemos antes definir o que seria uma ação antiética: é toda conduta praticada por uma pessoa ou grupo de indivíduos que seu resultado irá refletir em qualquer forma de prejuízo a outro cidadão ou grupo de pessoas.

 

¨      A democracia infiltrada. Por Julia V. Kurtz

A palavra utopia já entrou no vocabulário do brasileiro médio. Neste artigo, vamos falar sobre sua irmã e antônima, a distopia.

Uma distopia é, em suma, uma utopia que deu errado, um lugar onde os sonhos morreram, em que a liberdade foi tolhida, em que poucos pisam em muitos.

Os exemplos mais comuns são os livros Admirável Novo Mundo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell (este último deu origem ao termo “big brother” de BBB e há uma crítica social oculta nesse fato). Leitores mais jovens também devem identificar obras como V de Vendetta e The Hunger Games.

O gênero cyberpunk é um exemplo primoroso de um cenário contrário, em que a democracia faliu e os governos ou deixaram de existir ou se tornaram marionetes. É o que acontece em Neuromancer, o clássico de William Gibson.

Feito esse preâmbulo, convém responder a uma pergunta que implora para ser respondida: o que isso tem a ver com o mundo atual?

<><> A ficção explica a política

Grosso modo, a luta eterna entre a direita e a esquerda pode ser resumida a um único fator: o tamanho do Estado. O primeiro grupo defende uma intervenção mínima ou mesmo a abolição das burocracias, que consideram um empecilho para o que chamam de “desenvolvimento tecnológico”.

Já o último acredita que um Estado forte é imperativo para o desenvolvimento da sociedade. Já estamos habituados a saber o que acontece nos cenários apocalípticos, reais ou não, em que este grupo vence a guerra.

O que ninguém fala é no verdadeiro impacto que a falência do governo traria para a sociedade. Um dos fatores importantes é entender o Estado como o último escudo contra o domínio completo da lógica capitalista nas relações sociais.

Um governo é responsável pela criação de políticas públicas que, ao menos em tese, protegem a população de efeitos nocivos das ideias mais recentes de nossos luminários tecnológicos.

Por exemplo, vimos como a União Europeia implementou regras rígidas para limitar o uso de dados por big techs e a responsabilização destas empresas em casos de abusos via redes sociais.

Pouco depois, Google, Meta, X (ex-Twitter) e amiguinhos começaram uma campanha de desmoralização contra o PL 2630/20, que trata da transparência das redes sociais. Elas sabem que precisam impedir a onda que começou na Europa antes que ela atinja o resto do mundo e limite o alcance de suas ações.

Nós sabemos que a praça pública, na era da internet, foi privatizada por essas empresas na forma de redes sociais. Circula nesses ambientes grande parte dos dados gerados hoje em dia, algo que, para essas empresas, é uma fonte de dinheiro.

É por isso que a eleição de Donald Trump fez com que estas empresas se prostrassem perante o novo presidente dos EUA antes mesmo de sua posse. Sua plataforma, em resumo, é jogar no lixo toda a regulamentação e transformar o mercado em uma terra sem lei na qual big techs podem fazer o que quiser sem repercussões.

<><> A corrosão começa por dentro

Não há exemplo melhor para isso do que o grupo DOGE (Departamento de Eficiência do Governo) de Elon Musk. O grupo é um órgão privado que recebeu acesso do governo Trump para analisar e destruir todas as áreas do governo que considerarem um empecilho para seus planos.

Oficialmente, o grupo procura pontos em que há gastos excessivos e desnecessários do governo com o objetivo de aumentar sua eficiência. Ao mesmo tempo, várias pessoas que têm ligações com Musk ocupam altos cargos em agências oficiais.

A separação do público e privado costumava ser uma diretriz importante na democracia. O discurso da demonização do Estado, entretanto, criou um falso inimigo que precisa ser combatido pelos iluminados do mercado.

Esse processo não começou do nada, muito menos na política. Nós estamos vendo há anos como o discurso extremista, no Brasil, começou a cavar seu espaço lentamente nas redes sociais, até atingir um ponto de ebulição que lhe permitiu conquistar uma eleição presidencial.

De agressão a agressão, essas ideias se normalizaram em parte da população até que as pessoas por trás delas pudessem expressá-las em público sem medo de repercussão. O que era nefasto, assim, tornou-se comum.

A boa notícia é que a destruição da democracia não vai acontecer da noite para o dia. Ela é um processo demorado e há forças lutando contra este tipo de ação.

A má notícia é que não se fala mais em impedir que alguém tente algo nesse sentido: a infiltração do totalitarismo começou há anos. Ela ocupou a mente dos eleitores antes de infiltrar as estruturas de governo.

A ação das big techs contra redes sociais não foi meramente uma questão econômica, elas sabiam que o controle começa através da comunicação.

Em poucas palavras, a corrosão já começou e precisa ser impedida. Não podemos nos esquecer de que essa é apenas a vanguarda do atraso.

O que vem depois é muito pior.

 

Fonte: Observatório da Imprensa

 

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