segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Como a COVID levou uma geração de jovens para a direita

Por décadas, os jovens eleitores estadunidenses têm sido profunda e notoriamente progressistas. Em 2008, um terremoto juvenil mandou Barack Obama para a Casa Branca. Em 2016, os eleitores de 18 a 29 anos que votaram em Hillary Clinton garantiram para ela 18 pontos. Em 2020, deram a Joe Biden 24 pontos. Em 2024, Donald Trump reduziu a diferença, perdendo entre os eleitores com menos de 30 anos por uma margem de 51–47. Em uma pesquisa recente da CBS, os estadunidenses com menos de 30 anos não estavam apenas divididos igualmente entre os partidos. Eles eram ainda mais pró-Trump do que os Boomers com mais de 65 anos.

Fazer pesquisas precisas com adolescentes e jovens de 20 e poucos anos é uma tarefa arriscada; algumas pesquisas sugerem que a vantagem de Trump entre os jovens pode já estar desaparecendo. Mas a aparente guinada para a direita dos jovens não é uma tendência exclusiva dos estadunidenses.

“Os partidos de extrema direita estão surgindo por toda a Europa — e os jovens eleitores estão comprando seus discursos”, escreveu a jornalista Hanne Cokelaere para o Politico no ano passado. Na França, Alemanha, Finlândia, entre outros países, os jovens eleitores estão mudando seu apoio para partidos de extrema direita com discursos anti-sistema “em números iguais e até mesmo excedendo os eleitores mais velhos”. Na Alemanha, uma pesquisa de 2024 com 2.000 pessoas mostrou que os jovens adotaram uma “visão sombria” relativamente nova sobre o futuro. Não é surpresa, então, que o partido de extrema direita Alternative für Deutschland tenha se tornado o partido mais popular entre os alemães com menos de 30 anos. Como a maioria dos fenômenos intrigantes, este até ganhou um nome alemão: Rechtsruck, ou mudança para a direita.

O que impulsiona esse Rechtsruck global? É difícil dizer com certeza. Talvez o mundo inteiro esteja dando um voto de protesto após vários anos de inflação. O ano passado tivemos a maior taxa de não reeleição de mandatários no mundo desenvolvido desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Questões mais profundas, não foi a inflação por si só, mas sim a combinação de fraco crescimento econômico real e imigração recorde que preparou o solo para novatos de extrema direita, que podem gerar uma opinião crítica sobre os governos progressistas em ambos os lados do Atlântico por falharem em cuidar primeiro de seus próprios cidadãos.

Há outro potencial impulsionador da virada global à direita: a pandemia.

As pandemias podem não parecer inicialmente gerar ganhos em nenhuma direção política específica. Afinal, na primavera de 2020, uma possível implicação da pandemia parecia ser que ela uniria as pessoas em torno de uma visão de sacrifício coletivo — ou, pelo menos, apreciação coletiva por profissionais da saúde, ou pelo efeito das vacinas para reduzir doenças graves entre adultos. Mas a ciência política sugere que as pandemias têm mais probabilidade de reduzir do que construir confiança nas autoridades científicas. Uma análise entre países publicada pelo Systemic Risk Center da London School of Economics descobriu que pessoas que vivenciam epidemias entre 18 e 25 anos têm menos confiança em suas lideranças científica e política. Essa perda de confiança persiste por anos, até décadas, em parte porque a ideologia política tende a se solidificar na faixa dos 20 anos de idade.

O artigo certamente corresponde às evidências da pesquisa de intenção de voto entre jovens estadunidenses. Os que votaram pela primeira vez em 2024 estavam “mais cansados ​​do que nunca sobre o estado da liderança estadunidense”, de acordo com a Harvard Political Review. Uma análise de 2024 feita entre estadunidenses com menos de 30 anos encontrou os “menores níveis de confiança na maior parte das instituições públicas desde o início da pesquisa”. Somente na última década, a confiança dos jovens estadunidenses no presidente caiu 60%, enquanto sua confiança na Suprema Corte, em Wall Street e no Congresso caiu mais de 30%.

Outra maneira pela qual a COVID pode ter acelerado o Rechtsruck” dos jovens nos EUA e ao redor do mundo foi reduzindo drasticamente sua socialização no mundo físico. Isso levou, por sua vez, a grandes aumentos no tempo dispendido em redes sociais que garotos e garotas passavam sozinhos. O pesquisador norueguês Ruben B. Mathisen escreveu que “as redes sociais [criam] esferas online distintas para homens e mulheres”. Ao trocar o convívio de gênero misto em bares e restaurantes por espaços online segregados por gênero, a política dos homens jovens se tornou mais distintamente pró-masculina — e, mais precisamente, antifeminista, de acordo com Mathisen. Os rapazes noruegueses estão cada vez mais atraídos pela política de direita, um fenômeno “impulsionado em grande parte por uma nova onda de antifeminismo politicamente potente”, ele escreveu. Embora Mathisen tenha se concentrado na juventude nórdica, ele observou que sua pesquisa se baseou em outros estudos que mostram que “a distância ideológica entre homens e mulheres jovens se acelerou em vários países”.

Essas mudanças podem não ser duráveis. Mas as preferências políticas de muitas pessoas se solidificam quando elas estão na adolescência e na faixa dos 20 anos; assim como outros gostos e comportamentos, como preferências musicais e até hábitos de consumo. Mais notoriamente, os chamados bebês da Depressão, que cresceram na década de 1930, economizaram mais quando adultos, e há algumas evidências de que os gerentes corporativos nascidos na década de 30 eram incomumente pouco inclinados a tomar empréstimos. Talvez a faixa dos 18 a 25 anos, cuja juventude foi lançada perturbada pela COVID, adote um conjunto de suposições sociopolíticas que formam um novo tipo de ideologia que ainda não tem um nome. Como Anne Applebaum, do The Atlantic, escreveu, muitos partidos populistas europeus emergentes agora misturam ceticismo em relação às vacinas, misticismo de “magia popular” e profundo sentimento anti-imigração. “Líderes espirituais estão se tornando políticos, e atores políticos se voltaram para o ocultismo”, escreveu ela.

Novas ideologias são confusas de descrever e ainda mais confusas de nomear. Mas em alguns anos, o que nos acostumamos a chamar de Geração Z pode revelar-se como contendo um subgrupo: Geração C, afetada pela COVID e, por enquanto, surpreendentemente conservadora. Para essa microgeração de jovens nos Estados Unidos e em todo o Ocidente, as redes sociais serviram como um cadinho onde várias tendências se fundiram: declínio da confiança nas autoridades políticas e científicas, raiva em relação aos pretensos excessos do feminismo e da justiça social e uma preferência política pela direita.

 

Fonte: Por Derek Thompson – Tradução de Pedro Silva, para Jacobin Brasil

 

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