Elisabeth Lopes: O ajuste de
contas com a Democracia
O Brasil tem
enfrentado atribulações políticas desde os tempos difíceis que culminaram no
indevido impeachment da Presidenta Dilma por uma conspiração de políticos
inescrupulosos da direita liberal, entre outras forças do país, sobretudo da
elite financeira atrasada e seus asseclas. Essa turba articulou o caminho para
a derrocada final do governo liderado por uma mulher de conduta ilibada, cujo o
infortúnio foi o de não ceder às chantagens de políticos da bancada neoliberal
do congresso. Precisavam derrubar Dilma para colocar no seu lugar o golpista
manipulável Temer e o projeto emedebista ultraliberal Uma Ponte
para o Futuro, que não passou de uma ponte desastrosa de desmonte de
direitos sociais arduamente conquistados pelo povo.
A partir
das boas notícias dos últimos dias, com a conclusão do relatório da
Procuradoria Geral da República (PGR) e posterior apresentação da denúncia de
Bolsonaro e de mais 33 envolvidos no Golpe de Estado (militares de alta
patente, civis, e membros do governo bolsonarista), finalmente o povo
brasileiro vislumbrou uma alvissareira esperança de ajuste de contas com a
Democracia Brasileira.
Bolsonaro, se
condenado, poderá pegar uma pena de mais de quarenta anos pelos crimes
cometidos (abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com proposição
de golpe de Estado, organização criminosa).
Em um dos
trechos da peça de denúncia a PGR refere: “Evidenciou-se que os denunciados
integraram organização criminosa, cientes de seu propósito ilícito de
permanência autoritária no Poder. Em unidade de desígnios, dividiram-se em
tarefas e atuaram, de forma relevante, para obter a ruptura violenta da ordem
democrática e a deposição do governo legitimamente eleito, dando causa, ainda,
aos eventos criminosos de 8/1/2023 na Praça dos Três Poderes”. (Documento de
Denúncia pela prática de infrações penais – ASSCRIM/PGR N. 212310/2024 Petição
n. 12.100 – BRASÍLIA/DF PGR em 18/02/25, p.268).
Resta-nos
aguardar o desenrolar dos atos pós denúncia pelo relator do caso, Ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a partir da
seguinte tramitação: abertura de prazo de 15 dias para os advogados dos
denunciados oferecerem defesa e contestações; abertura de vista à PGR para
respostas com prazo de 5 dias; retorno da denúncia ao STF. Nesta fase o
Ministro Alexandre de Moraes analisará o conteúdo da denúncia e os pontos
apresentados pela defesa. Após, assim que avaliar que o caso está alinhado para
julgamento, encaminhará a denúncia para a 1ª Turma do STF, que analisará ponto
por ponto, decidindo se os denunciados passarão a ser ou não considerados réus.
Durante esta
semana, logo após o oferecimento da denúncia, nos deparamos com muitas
manifestações por parte dos bolsonaristas e demais parlamentares da extrema
direita fascista. Suas reações em defesa dos denunciados foram surreais. Além
dessas posturas contrárias ao teor da denúncia, essa turma extremista vem
turbinando revides contra o governo Lula, como impeachment. Atuam de modo
desesperado, mas organizado ao estilo fascista que os caracteriza.
Considerando
essas manifestações de apoio aos autores da tentativa violenta de golpe,
inclusive com planejamento de assassinato do Presidente Lula, do Vice Alkimin e
do Ministro Alexandre de Moraes, vale dizer o quanto nossa frágil democracia
teria sido devastada, se a organização criminosa, citada no relatório da PGR,
alcançasse sucesso.
Observa-se que
após o impeachment da Presidenta Dilma Roussef, a direita liberal, a turma
fascista de extrema direita e a elite econômica retrógada têm acentuado os
mecanismos de manipulação do povo por meio de evocações dos mais diversos
retrocessos, seja através da pauta de costumes, seja na supressão de direitos.
Por meio de ofensivas diárias às práticas progressistas de bem estar social,
essa trupe vai amealhando adeptos que repetem seus discursos
impensadamente.
A avalanche
antiprogressista é organizada. Ela não baixa a guarda nas redes sociais, nas
vozes dos templos do ópio do povo e na enxurrada de ataques
pela mídia coorporativa patrocinada. Por mais que boas evidencias das ações do
governo Lula surjam em direção contrária ao que criticam, permanece a repetição
de críticas destrutivas por essa súcia desprovida de honestidade e de respeito
ao povo.
Portanto, é
imprescindível que os brasileiros estejam atentos sobre qualquer prática que
possa resultar em prejuízo da democracia e dos rumos políticos do país.
Todavia, a
atitude de resistência torna-se cada vez mais árdua e, por vezes, exaustiva
contra as investidas dessa oposição corrosiva, mentirosa, vazia, mas faminta de
poder. Tem sido difícil conscientizar parte expressiva do povo sobre a
variedade de êxitos já conquistados pelo atual governo com relação a aspectos
fundantes para a reconstrução de uma sociedade inclusiva, que acolha seu povo
de modo sustentável e justo.
Contudo,
depois da denúncia da PGR ressurge a esperança de quem sonha com uma democracia
forte. Nesse horizonte que ainda parece distante é inegável o quanto o país
necessita desenvolver bases sólidas em inúmeras configurações do ponto de vista
ético-político, econômico, social, educacional e cultural para o alcance de um
Estado verdadeiramente soberano.
Enquanto
convivermos com a desumana desigualdade social e suas recorrentes
consequências, nos submeteremos à escolha de políticos desprezíveis, como
Bolsonaro (PL) e sua trupe familiar, como o lacrador de mentiras na rede
social, Nikolas Ferreira (PL), como as nefastas Bia Kicis (PL), Carla
Zambelli(PL), Damares Alves (Republicanos) esta absurdamente recém nomeada para
Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) pelos
parlamentares da direita liberal e extrema direita, maioria eleita para a
Câmara de Deputados por brasileiros iludidos pela absoluta incapacidade de
avaliar de modo crítico e consciente o histórico de práticas desses
políticos. É difícil entender como parte do povo tenha caído num grande cilada
ao escolher representantes tão vis para representa-lo.
A trágica onda
bolsonarista antidemocrática produz um panorama temerário no congresso, com
resultados complicados para o país, como a recente proposta de um Projeto de
Lei da anistia para livrar os golpistas de seus crimes. Pelo menos, segundo
declarações Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), esse projeto
de anistia, liderado por Bolsonaro, não é assunto dos brasileiros (Disponível
em:
https://www.brasil247.com/brasil/alcolumbre-descarta-anistia-aos-golpistas-nao-e-assunto).
Apesar dos
pesares, a profícua denúncia da PGR e o futuro julgamento dos civis e militares
de alta patente pelos recentes atos cometidos contra o Estado de Direito, é um
enorme avanço civilizatório em defesa da democracia.
Encerro este
texto misto de indignação e esperança com a frase da página cinco da
denúncia da PGR: “Uma
democracia que não se protege não resiste às pulsões de violência que a
insatisfação com os seus métodos, finalidades e modo de ser podem gerar nos
seus descontentes”.
Espera-se,
portanto, que os descontentes, se condenados, silenciem no cárcere.
¨ É cedo para
festejar: a denúncia da gangue não é o ponto de chegada. Por Roberto Amaral
A denúncia da
PGR contra a choldra liderada pelo capitão delinquente, tão esperada, não chega
a constituir surpresa, mas implica profundo corte no cenário político. De um
lado, pode despertar a esquerda (tomada em plano mais geral) de sua letargia;
de outro, deve impor à direita — até aqui fogosa por não enfrentar adversário à
altura — um recuo ao canto do ringue, onde hoje se encontra o governo, enredado
em sua insegurança estratégica.
Embora o
contentamento com o início da ação seja compreensível (temos viva a lembrança
do que foi a longa noite bolsonarista), não há razões para soltarmos balões e
foguetes, festejando uma vitória ainda por se efetivar — e de cuja construção a
esquerda e os progressistas em geral ainda não participaram. Até aqui, o
sujeito do processo e depositário das esperanças democráticas é o Poder
Judiciário, quando a questão fundamental, que diz respeito ao governo, às
esquerdas e ao país, não é jurídica, mas política e, por consequência, só se
resolverá na política — onde vimos falhando.
Antes de nós,
essa distinção, nada sutil, foi percebida pela direita troglodita, que, na
impossibilidade de defender o indefensável — a vasta teia de crimes penais e
políticos cometidos e prometidos pela caterva chefiada pelo ex-presidente —,
levantou a bandeira de uma anistia bastarda. Isca que a esquerda prontamente
mordeu, dedicando-se a combatê-la e desviando-se do foco central, qual seja: a
denúncia dos crimes do bolsonarismo, concebida como instrumento de combate ao
avanço da direita, nosso adversário estratégico. Sem clareza sobre o processo
histórico e de seu papel nele, a esquerda se torna reativa, e assim sua práxis
passa a ser condicionada pelo campo adversário.
É como
enfrentamento à direita (a dita civilizada e a troglodita) que devem ser
compreendidos a denúncia e o combate à choldra bolsonarista e seu contencioso
de crimes.
Cumpre à
esquerda, valendo-se da oportunidade que se abre, politizar o debate,
destrinchar para o povo o conteúdo e o significado da grave denúncia, explicar
os crimes do neofascismo como coletivos e pressionar o STF para a aceitação da
denúncia, agora, e amanhã o processo. Deve esclarecer a opinião pública e
pressionar o Judiciário, mas tudo isso como ação política, cujo objetivo, no
curto, médio e longo prazos é a desmoralização política e moral da direita e
seus agentes — direita fascista que já estava enraizada entre nós antes da
liderança do capitão e aqui permanecerá, mais forte ou mais fraca, mais
perigosa ou não, alimentada pelos avanços que vem logrando desde 2018 e, agora,
impulsionada pelo trumpismo em ascensão que encontra no viralatismo ideológico
da classe dominante terreno fértil para a semeadura.
Seja do ponto
de vista material, seja do ponto de vista ideológico, a extrema-direita (nativa
e importada) jamais esteve tão forte política e eleitoralmente, tão bem
aparelhada financeiramente e tão vinculada à nova ordem internacional, que,
ascendente na Europa e nos EUA, favorece o avanço das correntes neofascistas em
todo o mundo.
No Brasil, o
reacionarismo controla as duas casas do Congresso, a maioria dos estados (como
SP, RJ e MG), as prefeituras e câmaras municipais. Tem atrás de si o grande
capital, além de infiltração nas forças armadas do Estado brasileiro.
Dispensado falar no controle dos grandes meios de comunicação e das redes
sociais, bem como da inefável ajuda do neopentecostalismo comercial. Combatê-lo
é o objetivo da esquerda — e deveria ser o ânimo do governo e dos liberais,
caso ainda existam, e da socialdemocracia, se esta não houvesse se suicidado.
A condenação
penal e moral dos principais próceres da extrema-direita, a começar pelo
capitão delinquente, será um instrumento valioso de luta e mobilização popular,
mas apenas um ponto de partida. O momento, ou seja, o cavalo que passa selado
diante de nós, exige uma revisão corajosa do governo e da esquerda, que não
podem permanecer letárgicos, nem celebrar uma vitória que ainda não chegou.
Há trabalho
pela frente.
O governo
precisa discutir o conceito de frente ampla — uma frente para ganhar eleições e
outra para governar —, e sustentar essa frente eleitoral com um projeto
aglutinador e diretor. Sem definição, o governo, que já não podia ser de
centro-esquerda, se descobre sob as diretivas de um projeto alheio e perde sua
identificação com o eleitorado que foi base da eleição de Lula e deveria ser
sua sustentação política hoje, como foi na conjuntura do chamado “mensalão”.
(A crise é
política, e não de comunicação, que no entanto continua inexistente, pois
comunicação de governo envolve questões que os marqueteiros não costumam
perceber, como projeto politico e programa de governo dele servidor.)
O combate ao
avanço da direita, seja qual for o desfecho dos julgamentos do STF, depende do
desempenho político do governo e da ressurreição das esquerdas, da retomada do
trabalho de organização sem o qual não há mobilização popular, ponto de partida
indispensável para a batalha ideológica que a direita tem vencido sem combate
efetivo.
Uma urgência é
livrar-se da pauta conservadora imposta pelo sistema e construir a nossa, mas
isso depende, nas circunstâncias, de um governo com visão estratégica e comando
a ela adequado, como de estruturas partidárias vinculadas à luta social, e não
ao cotidiano das disputas internas de facções sem perspectivas históricas,
apegadas ao aqui e agora e à disputa de espaços irrelevantes nas estruturas
institucionais. O velho fratricídio da micropolítica.
Se o governo
Lula não conseguiu, até aqui, organizar-se em torno de um projeto de país, a
esquerda tampouco formulou ou defendeu um programa de mudança voltado à crise
estrutural do capitalismo dependente, dirigindo-se à sociedade e enfrentando o
desafio ideológico colocado pela direita em ascensão. Terminamos, ao fim e ao
cabo, repetindo os passos que historicamente condenávamos na antiga
socialdemocracia, ou seja, trabalhamos para tornar o capitalismo suportável. É
o que fazemos quando deixamos de enxergar a luta de classes, quando deixamos de
denunciar a iniquidade do capitalismo, quando renunciamos a apontar
alternativas. A desigualdade social, assim, toma a aparência de fenômeno
natural.
Nessa toada,
refazemos os passos vencidos dos caminhantes sem esperanças: revolucionários,
reformistas... por fim conservadores. E nos espantamos quando os explorados não
reconhecem mais nosso discurso, e menos ainda nossos governos.
Perdida a
utopia fundante, a esquerda se queda no desamparo ideológico, e assim se
descobre à mercê do discurso que nega e que ao mesmo tempo a nega. No governo,
é presa do neoliberalismo.
Disfunções à
parte, a grande vitória do capitalismo se deu e se renova no plano
político-ideológico: a adoção de seus valores por aqueles que deveriam combater
esse sistema iníquo. No rasto dessa vitória caminha a direita, com suas
expressões distintas entre em si, porém irmãs: aquela que “joga dentro das
quatro linhas”, e assim se apresenta como civilizada, e a tresloucada, que
atinge sua máxima expressão na figura do capitão delinquente e sua súcia de
assassinos.
Fonte: Brasil 247
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