Combate à desertificação: O Brasil
avança a passos lentos
A imagem de paraíso que percorre as estrofes de “País
Tropical”, um dos maiores sucessos da MPB, não combina com as cenas de
desertificação do nosso “Patropi, abençoado por Deus e bonito por natureza”.
Bem, a natureza realmente foi generosa com o Brasil, mas o uso do solo que
deste o período colonial tem sido feito no Brasil deixa suas marcas em áreas
extensas que agora já beiram o que se pode chamar de deserto.
Tecnicamente desertos são biomas quentes ou frios
formados por terras secas nas quais a precipitação chuvosa é menor do que
25 centímetros de chuva por ano. O Saara é um deserto arenoso, mas a
Antártida e do Ártico são desertos polares. A desertificação avança
rapidamente.
Segundo Ibrahim Thiaw, secretário
executivo da UNCCD, “[a] cada segundo, o mundo perde o equivalente a quatro
campos de futebol de terra saudável devido à destruição da vegetação nativa e
ao mau gerenciamento da terra. Anualmente, isso totaliza 100 milhões de
hectares”. Thiaw, que é da Mauritânia, afirmou ainda que, para atingir a
neutralidade na degradação de terras, seria necessário restaurar 1,5 bilhão de
hectares de terra até 2030.
No Brasil, o bioma Semiárido é um forte candidato à
desertificação. Para além de suas regiões centrais – no interior da região
Nordeste e no norte de Minas Gerais – esse bioma pode abranger regiões que
incluem o norte da Bahia, sul de Pernambuco e outras regiões semiáridas que
avançaram para condições de clima árido.
Essas são as regiões mais críticas, mas o processo de
desertificação no Brasil pode atingir também algumas áreas do Pantanal e do
norte do estado do Rio de Janeiro. “A retirada da vegetação deixa o solo
exposto ao vento, ao sol, à própria chuva, isso tudo vai degradando o solo ao
longo do tempo”, afirma Alexandre Pires, biólogo e educador popular, diretor do
Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e
Mudança do Clima (MMA), em entrevista à Rede de Estudos Rurais.
Na COP16 da UNCCD, o Brasil se apresentou como líder
global na recuperação de áreas degradadas. Afirmação essa, talvez superlativa,
está baseada em políticas públicas de restauração ambiental de larga escala que
estão em curso. E também no enfoque “humanizador” do modelo de restauração que
o Brasil desenvolve. Vamos por partes.
·
A política brasileira de
restauração ambiental
Desde 2017, o Brasil vem implementando o Plano Nacional
de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que tem como meta a recuperação
de 12 milhões de hectares de vegetação até 2030, alinhado o país ao Acordo de
Paris e à meta de neutralidade na degradação do solo.
Até 2024 o programa alcançou um marco que o governo
apresenta como “significativo”: a identificação de 23,8 milhões de hectares
aptos à restauração. Para o período 2025-2028 o governo tem como prioridades
reforçar a coordenação intersetorial e ampliar ações para atender a metas de
restauração, alinhadas às políticas de preservação e uso sustentável da
biodiversidade. A ideia é chegar em 2030 tendo cumprido as metas definidas para
aquele ano de atingir ao desmatamento (líquido) zero e restaurar 30% dos
ecossistemas degradados. Esses objetivos fazem parte do Acordo de Paris e
do Quadro Global de Biodiversidade de
Kunming-Montreal,
e, pelo andar da carruagem, a velocidade atual não permitirá ao país atingir
essas metas.
O governo afirma que o novo Planaveg 2025-2028 poderá
“destravar a demanda pela recuperação em escala” por meio de um novo modelo de
operação que concilia quatro “Estratégias Transversais” com três “Arranjos de
Implementação”. As estratégias buscam tornar efetiva a agenda de recuperação da
vegetação nativa que possui os objetivos específicos de monitoramento, fomento
à cadeia produtiva e financiamento e pesquisa.
Por sua vez, os arranjos são o elemento central para
fazer a agenda andar. Eles incluem o “efetivo avanço na implementação de leis
como a LPVN (Lei de Proteção da Vegetação Nativa/Código Florestal), o SNUC
(Sistema Nacional de Unidade de Conservação), a PNGATI (Política Nacional de
Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas), entre outras.”
Os arranjos são a peça central do programa do governo
de consecução do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, e incluem:
(i) Recuperação da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente (APP),
de Reserva Legal (RL) e de Uso Restrito (AUR); (ii) Recuperação da vegetação em
áreas rurais de baixa produtividade, a partir do fomento a sistemas integrados
de produção (Sistemas Agroflorestais, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta,
Silvicultura de Nativas) e (iii) Recuperação da vegetação nativa em áreas
públicas (Unidades de Conservação, Territórios Indígenas e outros territórios
coletivos).
Embora louvável, o esforço previsto no Planaveg não
consegue dialogar com as dinâmicas de terras de grande tamanho, em poder
particular, degradadas e em risco desertificação. O arranjo de Recuperação da
vegetação em áreas rurais de baixa produtividade esbarra na realidade do
pequeno produtor rural e no camponês, que estão nessa condição devido a
pressões de estresse crônico. Tal situação deriva da necessidade de repartição
da terra entre descendentes, da competição com médios e grandes produtores
tecnificados e de novos padrões de alimentação baseados em alimentos
industrializados (em geral) e nos ultraprocessados.
·
Brasil aprova introdução da
participação pública na gestão da UNCCD
Serão essas medidas suficientes para que o Brasil se
apresente como líder mundial da restauração ambiental? Ainda que sejam, deve-se
notar que o problema de perda da qualidade ambiental conducente à
desertificação é bem maior em diversos outros países.
No entanto, o que a delegação brasileira presente na
Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca (UNCCD) apresentou cono grande avanço do país no tema deve-se
mais a um processo de gestão da política do que a resultados tangíveis de
combate à desertificação, ou redução da desertificação existente.
O Brasil apresentou uma moção que foi
aprovada na UNCCD referente à criação de espaços para que representantes de
povos indígenas e comunidades tradicionais possam compartilhar seus
conhecimentos sobre as áreas em desertificação. O argumento é que essas
populações devem ter suas experiências reconhecidas e valorizadas,
especialmente naquilo que elas podem contribuir para a implementação de
políticas públicas voltadas ao enfrentamento da desertificação e à mitigação
dos impactos das secas.
Tais experiências podem, também, conferir maior
visibilidade às adversidades que tais populações enfrentam para realizar seus
meios de vida em condições de clima árido e processo de desertificação.
A delegação brasileira lembrou que no âmbito da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e da
Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica foram aprovadas
a criação de assembleias, ou caucus, compostos por povos indígenas e
comunidades tradicionais.
Segundo Edel Moraes, Chefe da
Delegação do Brasil e Secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e
Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do
Clima, “a manifestação da sociedade civil e de suas organizações durante
o People’s Day serve
como uma convocação para a criação do caucus de povos indígenas e comunidades
locais no âmbito da UNCCD”.
Agora, cabe aos membros da UNCCD discutir os critérios
de elegibilidade e seleção de membros, bem como a composição e a estrutura do
caucus, que deve ser instalado na próxima COP17 da Desertificação, que será
realizada na Mongólia, em 2026.
·
Liderança?
Enfim, o governo do Brasil logrou estabelecer um marco
de gestão de políticas de restauração ambiental que devem contribuir
efetivamente para a melhoria dos ambientes degradados e reduzir as
possibilidades de os mesmos caminharem para a desertificação. A adoção na UNCCD
de um modelo de gestão que inclua a participação de populações locais é mais do
que louvável, é um imperativo para a condução e regimes internacionais com
maior conteúdo democrático.
No entanto, para que o Brasil se estabeleça como um
líder no combate aos processos de desertificação diversas entregas necessitam
ser feitas. Veja-se, por exemplo, os amplos e impressionantes resultados que
países subsaarianos têm obtido com a criação de um transcontinental cinturão
verde, ou as iniciativas de vegetação que a China está implementando em suas
áreas desérticas.
Assim, o Brasil pode ter colocado os pilares para uma
certa liderança global no tema – certa porque as áreas em desertificação ou o
problema da existência de desertos são muito maiores em outros países. É louvável
a iniciativa brasileira, mas ela precisa de fato lograr obter restauração
ambiental em larga escala, e não apenas dentro de áreas públicas que, diga-se,
não deveriam estar degradadas.
Fonte:
Por Olympio Barbanti Jr., no Observatório da Política Externa e
Inserção Internacional do Brasil (OPEB), parceiro editorial do Outras
Palavras
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