sábado, 22 de fevereiro de 2025

Trump está certo quando diz que os EUA são prejudicados no comércio exterior?

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ordenou que sua equipe elaborasse planos para impor tarifas sobre produtos que entram no país.

Trump quer introduzir "tarifas recíprocas", impostos sobre importações para os EUA que são definidos em uma taxa semelhante aos impostos que outros países colocam sobre produtos que importam dos EUA — o que inclui o Brasil.

O presidente diz que outros países geralmente têm tarifas mais altas sobre importações dos EUA do que o contrário e acredita que seu país "foi tratado injustamente por parceiros comerciais, amigos e inimigos".

A BBC investigou essas alegações.

·        Como os países definem tarifas sobre importações?

Primeiro, é importante entender as regras do comércio global.

Sob os termos de filiação à Organização Mundial do Comércio (OMC), os países têm permissão para impor tarifas sobre importações.

Essas tarifas são diferentes dependendo do item importado.

Por exemplo, uma nação pode impor uma taxa de 10% sobre importações de arroz e uma tarifa de 25% sobre importações de carros.

Mas sob as regras da OMC, eles não devem discriminar entre nações ao definir a tarifa que cobram sobre um determinado bem importado.

Então, por exemplo, o Egito não teria permissão para impor uma tarifa de 2% sobre o trigo vindo da Rússia, mas uma tarifa de 50% sobre o trigo vindo da Ucrânia.

Isso é conhecido como o princípio da "Nação Mais Favorecida" (NMF) no comércio internacional: todos devem estar sujeitos à mesma tarifa pelo país que impõe a tarifa.

Há uma exceção quando duas nações assinam um acordo de livre comércio entre elas que cobre a maior parte de seu comércio. Nessas circunstâncias, os países não podem cobrar tarifas sobre mercadorias que circulam entre eles, mas mantêm tarifas sobre mercadorias vindas de qualquer outro lugar do mundo.

·        Quais são as principais tarifas dos países atualmente?

Para cada país, as tarifas variam bastante de acordo com o produto importado.

Mas os países calculam a sua tarifa externa média, que é relatada à OMC. Esse número reflete a taxa tarifária média geral aplicada a todas as importações.

O Brasil tem uma das maiores tarifas externas médias do mundo: 11,2%, segundo dados de 2023.

Já os EUA tiveram uma tarifa externa média de 3,3% em 2023. Isso é abaixo da tarifa média da União Europeia de 5% e da tarifa média da China de 7,5%.

A tarifa média dos Estados Unidos é consideravelmente menor do que a tarifa média de alguns de seus outros parceiros comerciais. A tarifa média da Índia foi de 17%, enquanto a da Coreia do Sul foi de 13,4%.

A tarifa média dos Estados Unidos em 2023 foi menor do que a do México (6,8%) e do Canadá (3,8%), embora acordos comerciais entre os EUA e esses países signifiquem que as exportações americanas para eles não estão sujeitas a tarifas. O mesmo é verdade para a Coreia do Sul, com a qual os EUA têm um acordo de livre comércio.

Mas, falando de modo geral, é legítimo que Trump aponte que alguns países têm uma tarifa média mais alta sobre importações do que a dos EUA.

E essas tarifas aumentam o custo de muitas exportações americanas para esses países, o que pode ser considerado uma desvantagem para os exportadores dos EUA em relação aos exportadores desses países que vendem para os EUA.

No entanto, não está claro que isso indica que esse comércio prejudica os EUA.

A maioria dos economistas julga que os custos das tarifas de importação são, em última análise, pagos pelos consumidores no país que as impõe — porque os bens importados ficam mais caros.

Isso pode significar que as nações com tarifas externas médias mais altas do que os EUA estariam penalizando seus próprios consumidores em vez dos americanos.

·        Como funcionaria uma tarifa recíproca dos EUA?

No começo do mês, Trump sugeriu que isso poderia significar que os EUA imporiam a mesma tarifa externa média sobre importações de cada nação individual que esses países impõem.

Ele disse a repórteres: "Se eles nos cobrarem, nós cobraremos deles. Se eles estiverem em 25 (por cento), nós estaremos em 25. Se eles estiverem em 10, nós estaremos em 10."

Isso provavelmente violaria as regras de Nação Mais Favorável da OMC, que exigem que uma nação imponha a mesma tarifa sobre bens específicos, independentemente de onde eles vieram.

Se os EUA impusessem, digamos, uma tarifa de 9,4% sobre todos os bens vindos do Vietnã, mas 3,8% sobre todos os bens vindos do Reino Unido (o mesmo que suas próprias tarifas externas médias), isso seria uma violação das regras.

Se os EUA pudessem mostrar que o país alvo já estava violando as regras da organização de alguma forma, eles poderiam alegar que tarifas retaliatórias específicas contra esse país são justificadas pelas regras da OMC.

Mas simplesmente impor tarifas recíprocas como um princípio geral provavelmente constituiria uma violação.

·        E quanto às tarifas recíprocas sobre bens individuais?

Outra possibilidade é que Trump poderia tentar igualar não as taxas médias de tarifas nacionais, mas as taxas de tarifas sobre itens individuais impostas por diferentes países.

Por exemplo, imagine que a União Europeia (UE) imponha uma tarifa de 10% sobre todos os carros importados de fora do bloco, incluindo dos EUA. Mas os EUA impõem apenas uma tarifa de 2,5% sobre carros importados, incluindo aqueles da UE.

Os EUA podem decidir impor uma tarifa de 10% sobre carros da UE para igualar as condições.

No entanto, se os EUA tentassem igualar tarifas sobre cada tipo de importação com cada país diferente, isso seria um exercício extremamente longo e complexo, dada a vasta gama de bens envolvidos no comércio global e os distintos regimes tarifários operados pelos 166 membros da OMC.

O memorando oficial de Trump sobre o tema afirma que as tarifas recíprocas também podem ser projetadas para compensar as chamadas "barreiras não tarifárias" ao comércio — como regulamentações de outros países, subsídios domésticos, cotações de moedas e Impostos sobre Valor Agregado (IVA).

Os EUA não cobram IVA sobre bens, mas a maioria das outras nações o faz. Isso pode tornar o exercício de projetar as tarifas ainda mais complexo.

O Brasil está em um processo de adotar um IVA, como parte de sua reforma tributária.

Embora os economistas concordem que regulamentações e subsídios domésticos podem constituir importantes barreiras não tarifárias ao comércio, eles insistem que o IVA não se enquadra nessa categoria porque é cobrado sobre todos os bens vendidos internamente e, portanto, não leva a nenhuma desvantagem de custo relativa para importações dos EUA.

A OMC não lista o IVA como uma barreira comercial.

·        As tarifas dos EUA podem acabar caindo?

Se Trump levasse a sério a correspondência exata de tarifas individuais, ele também poderia, em teoria, exigir que os EUA reduzissem algumas tarifas, não as aumentassem.

Os EUA têm tarifas mais altas sobre certos produtos agrícolas do que alguns de seus parceiros comerciais.

Por exemplo, os EUA atualmente impõem tarifas efetivas sobre muitas importações de leite de mais de 10%. Mas a Nova Zelândia, um grande produtor global de leite, tem tarifas de 0% sobre suas importações de laticínios.

As tarifas sobre o leite dos EUA são projetadas para proteger os produtores de leite dos EUA, incluindo muitos no Estado de Wisconsin (que é crucial na eleição americana). Reduzir a tarifa para exportadores de leite da Nova Zelândia provavelmente enfrentaria resistência política de políticos do Estado.

Da mesma forma, um regime tarifário genuinamente recíproco dos EUA com base em bens individuais criaria dificuldades para a indústria automotiva dos EUA.

Os EUA impõem uma tarifa de 25% sobre caminhões importados, incluindo da UE.

Mas a própria tarifa da UE sobre caminhões importados, incluindo dos EUA, é de apenas 10%.

Então, uma tarifa recíproca dos EUA com a UE sobre caminhões importados significaria, em teoria, que os EUA teriam de diminuir sua tarifa.

Uma tarifa recíproca sobre carros da UE pode ser bem-vinda pelas montadoras americanas, uma tarifa recíproca sobre caminhões da UE pode não ser.

No entanto, Trump deixou claro que algumas de suas tarifas planejadas, como sobre aço e alumínio, seriam acima de suas tarifas recíprocas, sugerindo que a verdadeira reciprocidade no comércio não é, de fato, seu principal objetivo.

 

¨      Vilmar Debona: O otimismo atroz de Elon Musk

“Otimismo” é substantivo do latim optimum, “o melhor”. “Pessimismo”, como substantivo de pessimus, “o pior”, nasceu na condição de mero neologismo, mas bem poderia ser assumido como um neologismo de resistência.

Na seara filosófica ou sob as mais diversas camadas culturais que acabaram por dinamizá-lo, pessimismo resiste à afirmação do que se pretende maravilhoso, sumo, Absoluto. Foi criado para contestar as teses do “melhor dos mundos”, com o que, de partida, denuncia quem fica para trás ou não cabe nesse suposto tão atrativo mundo. Não foi cunhado para registrar lamúrias e desesperanças. Pessimismo contesta a absolutização da razão, do saber, da ciência e da técnica, ao tempo em que aponta para as vítimas que o bem permite. Em termos críticos, não tem muito a dizer do futuro, mas pode ajudar a desentranhar o mal do presente, ao tempo em que atesta a impossibilidade de compensar o mal do passado.

Em meio a tantos crápulas com superpoderes, autoafirmados como absolutos, hoje, está Elon Musk com suas máquinas. Por acaso ou não, consciente ou não sobre a etimologia, sabem como se chamada o robô humanoide de Musk? Optimus! Se o mundo humano revela o pessimus, é certo que parte disso se deve a humanos autoproclamados sem limites, como Elon Musk, agora secretário da “eficiência trumpista”.

Antes de se reduzir a “metade cheia do copo”, o otimismo afirma; antes de se reduzir a “metade vazia do copo”, o pessimismo nega. O otimismo afirma e positiva; o pessimismo nega e resiste ao positivado e aos positivadores. O otimismo domina, o pessimismo pode ajudar a libertar os dominados. Nesse sentido, Donald Trump, Elon Musk, Steve Bannon e Mark Zuckerberg são exemplos flagrantes de quem encarna o otimismo opressor. Suas vítimas não são apenas imigrantes, refugiados, clandestinos deportados acorrentados, LGBTQIA+, trabalhadores empobrecidos em geral. São todos os manipulados por suas máquinas de poderes mil, realizadoras do mais avançado progresso positivo. Todas essas vítimas, crentes de serem beneficiárias, encarnam e atualizam o pessimus como peças manipuláveis.

O otimismo, em especial o de Elon Musk, supõe a liberdade como positiva e irrestrita, e oprime em nome dela; o pessimismo assume a liberdade como negativa: só existe na medida em que nega a opressão. O novo-velho otimismo oficial domina o globo desde sempre, mas acabou de assumir o poder da nação – supostamente ainda – mais poderosa. Ele busca cegamente “a justiça”, tem certeza prévia do que é justiça, de quem é digno dela, e faz triagem para aplicá-la. O pessimismo é afeito às lutas por menos injustiças.

O otimismo sorri e faz um gesto nazista. O pessimismo não se afasta para fora da possibilidade do alcance do braço em gesto nazista, não lamenta nem chora. O pessimismo denuncia o motivo do gesto, o alcance do braço e a perversidade do riso.

O otimismo justifica a dor em nome de um “futuro melhor”; o pessimismo é especialista em dores do mundo, individuais ou sociais, e gostaria de garantir que nenhuma fosse justificada. O otimismo, não por acaso, faz par perfeito com o capitalismo – em suas mais variadas formas e fases. O pessimismo, se pudesse tanto, sufocaria a sanha incontrolável dos – velhos e novos – donos do capital. Secaria seus quereres insaciáveis, esgotaria suas inesgotáveis energias positivas, privatistas e acumuladoras; gostaria de derrotá-los em praça pública.

O otimismo, grandiloquente e falsamente incondicionado, coloniza Marte e instala Starlink na Floresta Amazônica. O pessimismo, esse pessimismo anti-conformista, espelha a canção de Caetano Veloso, em que “um índio descerá de uma estrela colorida”, e “pousará no coração do Hemisfério Sul, na América”. O otimismo multibilionário de Elon Musk e Jeff Bezos garantirá o futuro uniforme, liso e plano, embrulhado em plástico bolha, controlado por Big Techs. O pessimismo da resistência, esperançoso sem pretender a vitória histórica, garantirá o passado da diversidade, com “a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”.

Elon Musk, com seu otimismo infalível e como membro do governo de Donald Trump, será um ótimo secretário de Eficiência Governamental. A ineficiência, comumente identificada com o pessimismo do common sense, associada a derrota, teria de ser, hoje, a mais desejada das incapacidades. A eficiência de Elon Musk e Donald Trump impõe a liberdade estratosférica de alguns indivíduos – a deles próprios. O pessimismo dos sufocados, voz do negativo da história, continuará acusando a farsa insana ao falar em nome dos inimigos, dos perseguidos e da morte coletiva em potencial.

Foi pensando a negatividade histórica que Max Horkheimer, o fundador da Teoria Crítica, afirmou algo em uma nota de 1956 que nos choca por sua atualidade: “Os espíritos negativos, negativistas, que veem e dizem apenas o que é horrível, apenas o que não deve ser, que têm medo de nominar Deus, o que esses espíritos, afinal, desejam? Que as coisas melhorem! Os positivistas agem em Seu nome, dizem sim ao mundo e ao Criador. Unem-se – não são contra os sacros valores. Os têm sempre na ponta da língua. Assim Hitler uniu os alemães, fazendo dos judeus a vítima designada; Nasser os árabes, designando Israel ao papel de vítima” (Notizen, 1956).

O que poderemos diante dos neonazis que se unem hoje e, com seus robôs absolutamente Optimus, unem a humanidade?

O otimismo de Elon Musk e dos multipoderosos das Big Techs é atroz. O pessimismo existe para denunciar, inclusive, suas atrocidades. Atenta a essa resistência pessimista, nos anos 1980 a filósofa brasileira Olgária Matos sintetizava a ideia ao investigar o Arthur Schopenhauer de Max Horkheimer: “O que une os homens é o desconsolo e o desamparo; o que os separa são os fanatismos e as divisões políticas”.

Pessimistas de todo o mundo, uni-vos!

 

Fonte: BBC Verify/A Terra é Redonda

 

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