quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Precariedade docente: remuneração e racismo estrutural

A cada lançamento do relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acerca da educação na escala mundial, Education at a Glance, replica-se no cenário nacional efêmeras informações acerca do salário mensal-anual dos-as professores-as brasileiros-as por meio da óbvia conclusão, como em 2024 que a remuneração anual dos-as docentes brasileiros-as que atuaram nos Anos Finais do Ensino Fundamental esteve aquém da metade da média dos países da OCDE, além de trabalharem 92 horas a mais por ano e em turmas com maior quantitativo de estudantes – mediana de nove discentes a mais. Se por um lado a notícia em si já demonstra um percalço que impetra a continuidade da crise estrutural da educação brasileira por meio da intensificação da precariedade docente, que também pode ser enveredada para outras questões como a estrutura das escolas, o currículo, acessibilidade à internet de banda larga, o absenteísmo-adoecimento dos-as profissionais da educação, etc., por outro oblitera uma questão mais profunda: o racismo estrutural e a desigualdade de gênero, no qual tomarei os-as professores-as de Geografia que lecionaram na etapa de ensino da Educação Básica em questão.

Considerando o universo total de trabalhadores-as no Brasil, de acordo com o Boletim sobre a Desigualdade Racial no Mercado de Trabalho[3], identificamos diferentes contradições coetâneas no-do mercado de trabalho brasileiro ao longo do último quinquênio (2019-2024) que podem servir, mesmo que introdutoriamente, para o exame dos-as professores-as de Geografia que atuaram nos Anos Finais do Ensino Fundamental nos últimos anos. Dentre as múltiplas informações contidas, destacamos que “no 2º trimestre de 2024, as taxas de participação (ocupados + desocupado/população de 15 anos e mais) brasileiras mostram participação mais elevada para os homens 72,4% (negros e não negros) e menor para mulheres: 54,1% para as não negras e 51,3% para as negras” (MTE, 2024a, p. 3), sendo as mulheres não negras a maior variação de trabalhadoras com Ensino Superior Completo – com acréscimo de 1.825.630 no período acima discriminado –, enquanto a variação da pior escolaridade – Ensino Fundamental Incompleto – recai negativamente sobre os homens negros em 2.035.289.

Em relação à desocupação, observa-se no mesmo relatório a significante queda deste dado a partir do primeiro trimestre de 2021. Dentre as mulheres negras o decréscimo demarcado foi de 22,1% para 10,1% no último quinquênio, sendo estas no último trimestre de 2024 a maior porção desocupada com 5,5% acima dos homens não negros (4,6%) – as mulheres não negras e os homens negros se situaram em 6,7%. O mesmo ocorreu em relação aos subocupados em 2024, que alcançou o total de 5,1 milhões de trabalhadores-as, sendo 7,5% para homens não negros e 16,7% para mulheres negras.

Acerca da informalidade e do rendimento médio mensal ao longo do período acima discriminado, as conclusões são próximas. No último semestre de 2024, 44,1% dos homens negros estavam ocupados informalmente, e as mulheres negras 41%, enquanto os homens não negros eram 34,6% e as mulheres não negras 31,9%. Em relação ao rendimento por hora trabalhada, considerando sexo e raça-etnia, o melhor quantum se situou entre os homens não negros em 22,86 reais, seguido das mulheres não negras – R$ 19,17 –, homens negros – 13,45 reais –, e as mulheres negras com o pior rendimento – 12,13 da mesma espécie monetária. Sendo que isso não se relaciona com a quantidade de horas trabalhadas de forma proporcional entre os gêneros em sua especificidade, pois a diferença entre homens não negros, homens negros, mulheres não negras, e mulheres negras foi de uma hora semanal, 41, 40, 37 e 36 horas respectivamente. Em outros termos, a mulher negra recebeu 53% a menos que o homem não negro trabalhando semanalmente cinco horas a menos.

Indo aos fatos específicos deste artigo podemos afirmar, por meio dos dados do Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS), a preponderância do sexo feminino entre os-as docentes de Geografia dos Anos Finais do Ensino Fundamental, assim como o significativo acréscimo desde o ano de 2015 em 7.429 docentes, com declínio nos anos de 2019 e 2020 – acredita-se que a causa para ambos foi a retração das contratações no período pandêmico provocado pelo SARS-CoV-2. Os dados apresentam uma proporção superior de homens quando comparado à totalidade dos-as professores-as desta etapa de ensino de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

A presença inferior de docentes de Geografia negros-as nesta etapa da Educação Básica é simétrica ao quadro geral da População Economicamente Ativa (PEA) ante à absorção destes em trabalhos que demandam, mesmo que com devidas contradições em relação à adequação da função docente, formação superior. Sobre este tema, a totalidade dos homens com formação superior somaram 88,87% dos docentes que lecionaram Geografia nos Anos Finais do Ensino Fundamental em 2022, enquanto as mulheres eram 86,49%. Ressaltamos que este número, discrepante em raso percentual entre os gêneros, estava aquém do percentual de funções docentes com Ensino Superior – 92,6% em 2022 (INEP, 2024) –, mas apresentam no recorte temporal adotado significativo acréscimo bruto e relativo, assim como nos demais componentes curriculares que compõem o cotidiano da escola básica no Brasil.

Em relação à faixa etária não se observa o mesmo movimento dos-as docentes do Geografia que atuaram nos Anos Finais do Ensino Fundamental considerando a totalidade – em processo de redução quantitativa dos jovens –, mas com diferenciação do ritmo de acréscimo do-as professores-as entre 18 e 29 anos de modo reduzido dos segmentos etários posteriores. No universo total de professoras até 24 anos, ocorreu a retração de 2,78% entre 2011 e 2023, e de 5,42% das docentes entre 25 e 29 anos, enquanto no caso em análise houve a ampliação tímida entre 18 e 24 anos e 25 e 29 anos, e muito significativa nos anos sucessivos. Já entre os professores de Geografia da etapa de ensino em exame é visível tímida redução dos docentes até 29 anos entre 2015 e 2020, o que obedece a tendência já exposta de parca absorção de jovens no magistério por meio do acréscimo tendencial da faixa etária entre 40 e 64 anos em comparação aos segmentos demográficos antecessores.

Ao analisarmos as possíveis variáveis disponíveis em relação à remuneração dos-as docentes de Geografia dos Anos Finais do Ensino Fundamental entre 2015 e 2022 – último ano disponível pelo relatório –, considerando o gênero e a raça-etnia, alcançamos conclusões próximas ao exposto pelo Boletim sobre a Desigualdade Racial no Mercado de Trabalho. Acerca da dimensão proporcional em comparação ao exposto pelo Boletim acima mencionado, o rendimento mensal efetivo por hora das mulheres não negras alcançou, no último trimestre de 2024, 83,86% em comparação aos homens não negros, enquanto dos homens negros 58,84%, e das mulheres negras 53,06%. No caso dos-as professores-as aqui em análise se observa a ascensão salarial contínua somente dos homens não negros ao longo do marco histórico adotado, inexorável das diferenciações significativas – o rendimento efetivo por hora dos homens não negros cresceu percentualmente quase o dobro das mulheres negras, que sentiram forte impacto após 2021. Em suma, a disparidade racial-étnica é abrupta, sendo verificada em 62,19% de diferença entre os homens não negros e  mulheres negras, e com maior aumento para as mulheres não negras.

Sobre a remuneração mensal dos-as professores-as de Geografia dos Anos Finais do Ensino Fundamental a conclusão é próxima da análise realizada acima tanto no quantitativo salarial no ano de 2022, quanto em relação ao aumento no recorte temporal adotado. De modo geral cabe destacar que a ascensão salarial tem um ritmo contínuo até o ano de 2021, sendo rebaixado posteriormente, onde se observa menor impacto para os homens não negros. Comparativamente, tomando o ano de 2022 como referência, o salário da mulher não negra supera o salário mensal do homem não negro em 0,9%, 22,66% dos homens negros, e 29,44% das mulheres negras com tendência de ampliação ao longo dos anos em virtude do percentual de reajuste médio. De todo modo, o salário mensal exposto pelo RAIS está muito aquém do salário mínimo necessário estipulado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos para o mês de dezembro de 2022, estimado em R$ 6.647,63, da média de rendimentos mensais de pessoas com o Ensino Superior completo de acordo com o Programa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD-IBGE), estipulado em 5.612 reais, e pífio quando comparado aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, ficando à frente apenas da Hungria e da Eslováquia.

Por fim, a comparação do rendimento médio mensal dos professores de Geografia dos Anos Finais do Ensino Fundamental entre os diferentes estados do Brasil no ano de 2022, de acordo com os dados do RAIS, nos leva a conclusão de que havia – e ainda há – elevadíssima diferença entre os entes e a presença dos-as mesmos-as professores-as em unidades federativas com o salário médio mensal aquém do piso nacional do magistério – estipulado em R$ 3.845,63 naquele ano. Fato visível no gráfico abaixo, no qual podemos afirmar que 10 estados não cumpriram o piso mencionado em 2022, assim como constrói ressalvas geográficas sobre a diferença média salarial considerando gênero e raça-etnia.

Enquanto isso, as reações para a “valorização” da carreira se institucionaliza por meio do acréscimo da carga horária que, por conseguinte, reduz o horário para planejamento das atividades pedagógicas em sua totalidade, da acentuação do receituário meritocrático-gerencial fincado através de acordo de metas-resultados, da ofensiva ideológica com tons de criminalização, e da responsabilização pela prestação de contas ante os resultados aferidos pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica correlata à possível bonificação. Como óbvia consequência, professores-as se afastam das salas de aula por diferentes motivos físicos, psiquiátricos,  e psicológicos – 112 por dia no estado de São Paulo em 2023. E ainda querem as razões para o “apagão docente”.

 

Fonte: Por Rodrigo Coutinho Andrade, no Le Monde

 

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