Precariedade docente:
remuneração e racismo estrutural
A cada lançamento do relatório da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acerca da educação na escala
mundial, Education
at a Glance, replica-se no cenário nacional efêmeras
informações acerca do salário mensal-anual dos-as professores-as brasileiros-as por meio da óbvia conclusão,
como em 2024 que a remuneração anual dos-as docentes brasileiros-as que atuaram
nos Anos Finais do Ensino Fundamental esteve aquém da metade da média dos
países da OCDE, além de trabalharem 92 horas a mais por ano e em turmas com
maior quantitativo de estudantes – mediana de nove discentes a mais. Se por um
lado a notícia em si já demonstra um percalço que impetra a continuidade da
crise estrutural da educação brasileira por meio da intensificação da
precariedade docente, que também pode ser enveredada para outras questões como
a estrutura das escolas, o currículo, acessibilidade à internet de banda larga,
o absenteísmo-adoecimento dos-as profissionais da educação, etc., por outro
oblitera uma questão mais profunda: o racismo estrutural e a desigualdade de
gênero, no qual tomarei os-as professores-as de Geografia que lecionaram na
etapa de ensino da Educação Básica em questão.
Considerando
o universo total de trabalhadores-as no Brasil, de acordo com o Boletim sobre a
Desigualdade Racial no Mercado de Trabalho[3], identificamos
diferentes contradições coetâneas no-do mercado de trabalho brasileiro ao longo
do último quinquênio (2019-2024) que podem servir, mesmo que introdutoriamente,
para o exame dos-as professores-as de Geografia que atuaram nos Anos Finais do
Ensino Fundamental nos últimos anos. Dentre as múltiplas informações contidas,
destacamos que “no 2º trimestre de 2024, as taxas de participação (ocupados +
desocupado/população de 15 anos e mais) brasileiras mostram participação mais
elevada para os homens 72,4% (negros e não negros) e menor para mulheres: 54,1%
para as não negras e 51,3% para as negras” (MTE, 2024a, p. 3), sendo as
mulheres não negras a maior variação de trabalhadoras com Ensino Superior
Completo – com acréscimo de 1.825.630 no período acima discriminado –, enquanto
a variação da pior escolaridade – Ensino Fundamental Incompleto – recai
negativamente sobre os homens negros em 2.035.289.
Em
relação à desocupação, observa-se no mesmo relatório a significante queda deste
dado a partir do primeiro trimestre de 2021. Dentre as mulheres negras o
decréscimo demarcado foi de 22,1% para 10,1% no último quinquênio, sendo estas
no último trimestre de 2024 a maior porção desocupada com 5,5% acima dos homens
não negros (4,6%) – as mulheres não negras e os homens negros se situaram em
6,7%. O mesmo ocorreu em relação aos subocupados em 2024, que alcançou o total
de 5,1 milhões de trabalhadores-as, sendo 7,5% para homens não negros e 16,7%
para mulheres negras.
Acerca
da informalidade e do rendimento médio mensal ao longo do período acima
discriminado, as conclusões são próximas. No último semestre de 2024, 44,1% dos
homens negros estavam ocupados informalmente, e as mulheres negras 41%,
enquanto os homens não negros eram 34,6% e as mulheres não negras 31,9%. Em
relação ao rendimento por hora trabalhada, considerando sexo e raça-etnia, o
melhor quantum se situou entre os homens não negros em
22,86 reais, seguido das mulheres não negras – R$ 19,17 –, homens negros –
13,45 reais –, e as mulheres negras com o pior rendimento – 12,13 da mesma
espécie monetária. Sendo que isso não se relaciona com a quantidade de horas
trabalhadas de forma proporcional entre os gêneros em sua especificidade, pois
a diferença entre homens não negros, homens negros, mulheres não negras, e
mulheres negras foi de uma hora semanal, 41, 40, 37 e 36 horas respectivamente.
Em outros termos, a mulher negra recebeu 53% a menos que o homem não negro
trabalhando semanalmente cinco horas a menos.
Indo
aos fatos específicos deste artigo podemos afirmar, por meio dos dados do
Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS), a preponderância do sexo
feminino entre os-as docentes de Geografia dos Anos Finais do Ensino
Fundamental, assim como o significativo acréscimo desde o ano de 2015 em 7.429
docentes, com declínio nos anos de 2019 e 2020 – acredita-se que a causa para
ambos foi a retração das contratações no período pandêmico provocado pelo
SARS-CoV-2. Os dados apresentam uma proporção superior de homens quando
comparado à totalidade dos-as professores-as desta etapa de ensino de acordo
com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP).
A
presença inferior de docentes de Geografia negros-as nesta etapa da Educação
Básica é simétrica ao quadro geral da População Economicamente Ativa (PEA) ante
à absorção destes em trabalhos que demandam, mesmo que com devidas contradições
em relação à adequação da função docente, formação superior. Sobre este tema, a
totalidade dos homens com formação superior somaram 88,87% dos docentes que
lecionaram Geografia nos Anos Finais do Ensino Fundamental em 2022, enquanto as
mulheres eram 86,49%. Ressaltamos que este número, discrepante em raso
percentual entre os gêneros, estava aquém do percentual de funções docentes com
Ensino Superior – 92,6% em 2022 (INEP, 2024) –, mas apresentam no recorte
temporal adotado significativo acréscimo bruto e relativo, assim como nos
demais componentes curriculares que compõem o cotidiano da escola básica no
Brasil.
Em
relação à faixa etária não se observa o mesmo movimento dos-as docentes do
Geografia que atuaram nos Anos Finais do Ensino Fundamental considerando a
totalidade – em processo de redução quantitativa dos jovens –, mas com
diferenciação do ritmo de acréscimo do-as professores-as entre 18 e 29 anos de
modo reduzido dos segmentos etários posteriores. No universo total de
professoras até 24 anos, ocorreu a retração de 2,78% entre 2011 e 2023, e de
5,42% das docentes entre 25 e 29 anos, enquanto no caso em análise houve a
ampliação tímida entre 18 e 24 anos e 25 e 29 anos, e muito significativa nos
anos sucessivos. Já entre os professores de Geografia da etapa de ensino em
exame é visível tímida redução dos docentes até 29 anos entre 2015 e 2020, o
que obedece a tendência já exposta de parca absorção de jovens no magistério
por meio do acréscimo tendencial da faixa etária entre 40 e 64 anos em
comparação aos segmentos demográficos antecessores.
Ao
analisarmos as possíveis variáveis disponíveis em relação à remuneração dos-as
docentes de Geografia dos Anos Finais do Ensino Fundamental entre 2015 e 2022 –
último ano disponível pelo relatório –, considerando o gênero e a raça-etnia,
alcançamos conclusões próximas ao exposto pelo Boletim sobre a Desigualdade
Racial no Mercado de Trabalho. Acerca da dimensão proporcional em comparação ao
exposto pelo Boletim acima mencionado, o rendimento mensal efetivo por hora das
mulheres não negras alcançou, no último trimestre de 2024, 83,86% em comparação
aos homens não negros, enquanto dos homens negros 58,84%, e das mulheres negras
53,06%. No caso dos-as professores-as aqui em análise se observa a ascensão
salarial contínua somente dos homens não negros ao longo do marco histórico
adotado, inexorável das diferenciações significativas – o rendimento efetivo
por hora dos homens não negros cresceu percentualmente quase o dobro das
mulheres negras, que sentiram forte impacto após 2021. Em suma, a disparidade
racial-étnica é abrupta, sendo verificada em 62,19% de diferença entre os
homens não negros e mulheres negras, e com maior aumento para as mulheres
não negras.
Sobre
a remuneração mensal dos-as professores-as de Geografia dos Anos Finais do
Ensino Fundamental a conclusão é próxima da análise realizada acima tanto no
quantitativo salarial no ano de 2022, quanto em relação ao aumento no recorte
temporal adotado. De modo geral cabe destacar que a ascensão salarial tem um
ritmo contínuo até o ano de 2021, sendo rebaixado posteriormente, onde se
observa menor impacto para os homens não negros. Comparativamente, tomando o ano
de 2022 como referência, o salário da mulher não negra supera o salário mensal
do homem não negro em 0,9%, 22,66% dos homens negros, e 29,44% das mulheres
negras com tendência de ampliação ao longo dos anos em virtude do percentual de
reajuste médio. De todo modo, o salário mensal exposto pelo RAIS está muito
aquém do salário mínimo necessário estipulado pelo Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos para o mês de dezembro de 2022,
estimado em R$ 6.647,63, da média de rendimentos mensais de pessoas com o
Ensino Superior completo de acordo com o Programa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(PNAD-IBGE), estipulado em 5.612 reais, e pífio quando comparado aos países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, ficando à frente
apenas da Hungria e da Eslováquia.
Por
fim, a comparação do rendimento médio mensal dos professores de Geografia dos
Anos Finais do Ensino Fundamental entre os diferentes estados do Brasil no ano
de 2022, de acordo com os dados do RAIS, nos leva a conclusão de que havia – e
ainda há – elevadíssima diferença entre os entes e a presença dos-as mesmos-as
professores-as em unidades federativas com o salário médio mensal aquém do piso
nacional do magistério – estipulado em R$ 3.845,63 naquele ano. Fato visível no
gráfico abaixo, no qual podemos afirmar que 10 estados não cumpriram o piso
mencionado em 2022, assim como constrói ressalvas geográficas sobre a diferença
média salarial considerando gênero e raça-etnia.
Enquanto
isso, as reações para a “valorização” da carreira se institucionaliza por meio
do acréscimo da carga horária que, por conseguinte, reduz o horário para
planejamento das atividades pedagógicas em sua totalidade, da acentuação do
receituário meritocrático-gerencial fincado através de acordo de
metas-resultados, da ofensiva ideológica com tons de criminalização, e da
responsabilização pela prestação de contas ante os resultados aferidos pelo
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica correlata à possível bonificação.
Como óbvia consequência, professores-as se afastam das salas de aula por
diferentes motivos físicos, psiquiátricos, e psicológicos – 112 por dia
no estado de São Paulo em 2023. E
ainda querem as razões para o “apagão docente”.
Fonte: Por Rodrigo Coutinho Andrade, no Le Monde
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