Das jornadas de
junho ao 8 de janeiro: como os grandes protestos mundiais foram cooptados
Dos protestos de junho de 2013 no Brasil à
Primavera Árabe, da onda de protestos na Ucrânia à revolta no Chile, a última
década foi marcada por uma onda global de mobilizações populares. Milhões de
pessoas tomaram as ruas exigindo mudanças, mas, passados alguns anos, o que
restou dessas revoltas? Em muitos casos, os movimentos não apenas fracassaram
em alcançar seus objetivos, como também abriram caminho para forças políticas
que representavam o oposto do que defendiam.
Agora, em 2025, os desdobramentos dessa década de
protestos seguem sendo sentidos. A possível prisão de Jair Bolsonaro, após sua
inelegibilidade, gera expectativas sobre o futuro do bolsonarismo e da extrema
direita no Brasil. Nos Estados Unidos, a volta de Donald Trump ao poder expôs a
dificuldade da esquerda em mobilizar resistência efetiva contra ele.
No cenário internacional, a Guerra da Ucrânia continua
sem um desfecho claro, mais de dois anos após a invasão russa. Paralelamente,
as relações entre Egito, Israel e EUA se complicam, com o governo do egípcio
Abdel Fattah al-Sisi enfrentando pressões internas e externas em meio à
escalada da crise no Oriente Médio.
Diante desse cenário, a pergunta que Vincent Bevins
levanta em A
Década da Revolução Perdida permanece mais atual do que nunca: por que
os movimentos populares da última década não conseguiram transformar sua
energia inicial em mudanças concretas e duradouras?
Essa é a questão central do novo livro do jornalista,
autor do aclamado O Método Jacarta. Baseado em mais de 200 entrevistas em 12
países, o novo livro de Bevins investiga como protestos que começaram como
revoltas progressistas contra governos e sistemas falidos acabaram resultando
na ascensão da extrema direita, na intensificação da repressão e, em muitos
casos, no agravamento das crises que buscavam resolver.
No Brasil, a transformação das manifestações de junho
de 2013 em um fenômeno que fortaleceu a direita ilustra esse paradoxo. Bevins,
que cobriu os protestos como jornalista, analisa como a falta de liderança
clara e a organização horizontalizada — elementos muitas vezes celebrados nos
levantes populares — podem ter se tornado fraquezas fatais, tornando os
movimentos mais vulneráveis à manipulação e à repressão. Seu diagnóstico se
aplica não apenas ao Brasil, mas a revoltas em todo o mundo, onde o entusiasmo
inicial deu lugar à desilusão e, em alguns casos, ao autoritarismo.
Bevins também discute o papel das redes sociais nos
protestos. Se por um lado elas possibilitaram mobilizações rápidas e massivas,
por outro, criaram ciclos de indignação efêmeros, dificultaram a construção de
estratégias de longo prazo e facilitaram o trabalho de contra-insurgência dos
governos. Para ele, o modelo descentralizado de ativismo foi uma vantagem no
início, mas mostrou-se frágil quando confrontado com Estados que rapidamente se
adaptaram e passaram a manipular o próprio ambiente digital.
A década de 2010 foi também um período de esgotamento
do neoliberalismo. Para Bevins, a esquerda falhou em oferecer respostas
organizadas e estruturadas para essa crise, enquanto a extrema direita soube se
apropriar do descontentamento popular e canalizá-lo para suas próprias agendas.
Em diversos momentos da história recente, argumenta ele, as ruas foram tomadas
por manifestantes exigindo mudanças, mas sem uma estratégia clara para
transformar protesto em poder político, deixando um vácuo que foi ocupado por
aqueles que já tinham estruturas prontas para explorar o caos.
Ao longo da entrevista ao Intercept Brasil, Bevins discorreu sobre os padrões
comuns que unem as revoltas populares da última década, a repressão estatal, a
influência da tecnologia e, principalmente, as lições que podem ser extraídas
desses levantes para evitar que os erros do passado se repitam.
Confira a entrevista a seguir:
·
Seu primeiro livro, O Método Jacarta, trata do
genocídio indonésio e de como as técnicas de repressão desenvolvidas naquele
contexto foram exportadas para ditaduras ao redor do mundo. Já A Década da Revolução
Perdida analisa
as manifestações da década passada em vários países. Existe uma relação entre
os dois livros?
Vincent Bevins – Sim, e essa relação
é central para entender o que aconteceu nos últimos anos. O Método Jacarta
explora como os EUA e seus aliados ajudaram a destruir a esquerda organizada no
Sul Global durante a Guerra Fria, um processo que culminou na consolidação do
neoliberalismo e na ideia de que não havia alternativas reais ao sistema.
A Década da Revolução Perdida, por sua vez, investiga o
que aconteceu quando multidões tomaram as ruas contra esse mesmo sistema, mas
sem estruturas organizadas que pudessem canalizar sua energia para
transformações políticas duradouras. Enquanto o primeiro livro termina no “fim
da história”, o segundo começa no “fim do fim da história”, no momento em que o
neoliberalismo entra em crise, mas sem uma alternativa clara para substituí-lo.
·
Você estudou protestos em contextos muito
distintos, do Brasil ao Egito, passando por Grécia e Hong Kong. Há elementos
comuns entre esses levantes?
Sim, e é isso que torna esse fenômeno tão fascinante.
Apesar das enormes diferenças entre os países, os protestos da década passada
compartilharam uma forma específica de organização: foram descentralizados,
coordenados principalmente pelas redes sociais e rejeitaram hierarquias
tradicionais. Isso não aconteceu por acaso.
Esses movimentos surgiram dentro do mesmo sistema
global e digital, e, em alguns casos, houve tentativas explícitas de replicar
táticas de outros países. O que se viu foi uma espécie de “receita” de protesto
se tornando dominante – um modelo que teve impacto imediato, mas que, na
maioria dos casos, falhou em criar mudanças estruturais. Alguns conquistaram
vitórias pontuais, mas, sem organizações fortes para sustentá-las, esses ganhos
foram rapidamente desfeitos.
·
No livro, você analisa tanto a repressão
violenta quanto as formas mais sutis de cooptação. Poderia dar exemplos?
A resposta a esses movimentos varia amplamente, desde
vitórias moderadas até guinadas à direita e intervenções estrangeiras. A
relação entre as manifestações e os poderes globais é sempre importante, mas,
em alguns casos, como na Líbia, a OTAN utilizou reivindicações legítimas sobre
o governo de Gaddafi para justificar uma operação de mudança de regime,
resultando na destruição do país.
No Egito, um grupo fingiu ser uma revolta popular para
organizar um golpe de estado com apoio dos Emirados Árabes e dos Estados
Unidos, instaurando o regime de Al-Sisi, que respondeu com violência, matando
quase um milhar de pessoas. No Brasil, o MBL tentou manipular o significado das
ruas, com esse jogo de siglas com o Movimento Passe Livre.
·
Qual sua opinião sobre a dimensão cultural
das lutas hoje, considerando o cansaço e a rejeição ao cinismo?
Há um movimento anti-woke e uma rejeição da hegemonia
cultural do Partido Democrata nos Estados Unidos. No Brasil, a elite cultural
parece unida contra a leitura da história apresentada por Bolsonaro. O exemplo
evidente é o sucesso e aclamação unânime do filme Ainda Estou Aqui, que confronta
diretamente a narrativa bolsonarista e militarista. E, note, no Brasil, há uma
vitória, mesmo que defensiva e relativa, frente à extrema direita.
Ganhar no campo cultural não garante uma vitória
concreta na política, mas ajuda. Inclusive porque hoje há uma cisão entre
universos epistêmicos, com bolsonaristas e progressistas vivendo em universos
paralelos, em setores da internet que não se encontram. De toda forma, a
renovação cultural é possível e necessária, mas difícil de prever.
·
Seu livro dá grande atenção ao Brasil, mas
foi lançado primeiro em inglês. Como a história brasileira tem sido recebida no
exterior?
Existe um interesse crescente pelo Brasil na esquerda
internacional. Comparado a outros países, o Brasil conseguiu impedir um golpe
em 2022 e manter uma estrutura democrática minimamente funcional, algo que
contrasta com desfechos mais trágicos em outros lugares. Isso gerou uma espécie
de “brasiliofilia”, uma curiosidade sobre o que aconteceu aqui e que lições
podem ser tiradas.
Nos Estados Unidos, a recepção do livro tem sido
positiva, especialmente entre setores progressistas e do movimento
pró-Palestina, que veem paralelos entre as lutas políticas no Brasil e em
outras partes do mundo. No entanto, alguns dos elementos ideológicos criticados
no livro – como a ênfase excessiva na espontaneidade e na horizontalidade –
ainda têm muita força nos EUA, o que torna esse debate mais difícil por lá.
·
Qual sua avaliação sobre a questão da
liderança nos processos políticos e a tensão entre horizontalidade e
verticalidade?
Movimentos concretamente horizontais crescem
rapidamente, mas grupos horizontalistas têm dificuldades em crescer devido à
falta de estrutura burocrática. Uma receita de resistência com manifestações de
massa, sem líderes, coordenadas digitalmente e horizontalmente estruturadas,
tornou-se hegemônica. Essa combinação é eficaz para atrair pessoas às ruas, mas
os organizadores iniciais raramente se beneficiam das oportunidades geradas.
Quando o movimento é horizontal, pode crescer rápido, mas não consegue se
representar bem frente ao poder existente e não é capaz de se defender contra
ataques contra revolucionários. Há uma dificuldade de construir um saldo
organizativo em um curto período de tempo.
·
Quais os aprendizados que a década de 2010
pode oferecer aos novos movimentos?
A organização é fundamental. É preciso organizar-se
enquanto parece que nada está acontecendo. Há menos fé na espontaneidade e no
horizontalismo como elementos sempre positivos. A combinação de movimentos
espontâneos, sem líderes, coordenados digitalmente e horizontalmente
estruturados não é mais vista como ideal. Houve mudanças ideológicas nos
movimentos, com uma tentativa de construir estruturas e decidir quem falará com
a imprensa. No entanto, continua sendo muito mais fácil mobilizar do que
organizar.
¨ Denúncia da
PGR sobre intentona golpista deve envolver 27 militares. Veja quem são
A denúncia da
Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os envolvidos na trama golpista
investigada pela Polícia Federal (PF) atinge diretamente militares em um
momento delicado para as Forças Armadas, cuja aprovação pela população
apresenta viés de baixa, segundo pesquisas recentes. As informações são da
coluna do jornalista Fabio Serapião, do Metrópoles.
A denúncia da
PGR deve ser apresentada em breve e deve envolver pelo menos 27 militares
indiciados pela PF. Entre eles está Jair Bolsonaro (PL), capitão reformado do
Exército.
Entre os
militares que podem ser denunciados, seis são generais, posto mais alto do
Exército. São eles os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno
(Gabinete de Segurança Institucional) e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
(Defesa), além dos generais Mario Fernandes, Estevam Theophilo e Nilton Diniz –
todos da reserva.
Também consta
na lista o almirante da reserva Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha
durante o governo Bolsonaro.
Todos os
indiciados são investigados pelos crimes de abolição violenta do Estado
Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
De acordo com
o relatório final da Polícia Federal referente às investigações, o grupo
participou de uma conspiração com o objetivo de manter Jair Bolsonaro no poder
por meio de um golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito,
restringindo o funcionamento do Poder Judiciário e impedindo a posse do
presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo
levantamento da AtlasIntel divulgado nesta semana, apenas 24% dos brasileiros
afirmam confiar nas Forças Armadas. Já a pesquisa do Datafolha, realizada em
dezembro de 2024, apontou que a confiança nos militares era de 34%, enquanto a
desconfiança atingia 24% da população.
>>>>
Veja a Lista de militares que podem ser denunciados pela PGR:
Capitão
reformado Jair Bolsonaro
General da
reserva Braga Netto
General da
reserva Augusto Heleno
General da
reserva Mario Fernandes
General da
reserva Estevam Theophilo
General da
reserva Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
General Nilton
Diniz Rodrigues
Almirante da
reserva Almir Garnier Santos
Tenente-coronel
Mauro Cid
Coronel da
reserva Marcelo Costa Câmara
Tenente-coronel
Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros
Coronel da
reserva Laércio Vergílio
Capitão
reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros
Coronel
Cleverson Ney Magalhães
Coronel
Fabrício Moreira de Bastos
Subtenente
Giancarlo Gomes Rodrigues
Major da
reserva Ângelo Martins Denicoli
Coronel
Bernardo Romão Corrêa Neto
Coronel
Alexandre Castilho Bitencourt da Silva
Coronel
Anderson Lima de Moura
Coronel da
reserva Carlos Giovani Delevati Pasini
Tenente-coronel
Ronald Ferreira de Araújo Júnior
Tenente-coronel
Hélio Ferreira Lima
Tenente-coronel
Guilherme Marques Almeida
Major Rafael
Martins de Oliveira
Tenente-coronel
Rodrigo Bezerra Azevedo
Tenente
Aparecido Andrade Portela
¨ "Câmara
já tem quórum para aprovar a anistia", diz Bolsonaro sobre projeto que
beneficia golpistas do 8/1
Jair Bolsonaro
(PL) afirmou nesta terça-feira (18) que já há maioria na Câmara dos Deputados
para aprovar a anistia aos envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de
2023. A declaração ocorre em meio à expectativa de que ele seja denunciado
ainda nesta semana pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de
golpe de Estado.Bolsonaro reuniu-se com parlamentares da oposição no Senado e
indicou que recebeu o aval do presidente do PSD, Gilberto Kassab, para avançar
com a pauta.
“Há dez dias
conversei com Kassab, conversa reservada. Ele falou já parte do que aconteceu.
Hoje o que eu sinto, conversando com parlamentares, como os do PSD, é que a
maioria votaria favorável. Acho que na Câmara já tem quórum para aprovar a
anistia”, disse Bolsonaro, de acordo com o jornal O Globo.
Durante o
encontro, Bolsonaro também reagiu à condenação imposta pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), que o tornou inelegível por ataques à lisura do pleito de
2022. “Por que eu estou inelegível pela Justiça Eleitoral? Por ter me reunido
com embaixadores? Eu não me reuni com traficantes no morro do Alemão. Por que
discursei no 7 de Setembro? Usei os meios do 7 de Setembro para angariar
eleitores? Acabou o desfile, entreguei a faixa, subi no carro de som e fui
falar com o povo. Isso é motivo de inelegibilidade? Eles querem negar a
democracia e me proibir de disputar a eleição. Estão com medo do quê? A
pesquisa hoje diz que estou cinco pontos na frente do ‘nove dedos’ (Lula),
inclusive a dona Michelle (Bolsonaro) na frente dele. É sinal que ele (Lula)
está derretendo, é incompetente, o povo está sofrendo”, afirmou.
A PEC da
anistia aos condenados pelos atos golpistas do 8 de Janeiro está
paralisada na Câmara dos Deputados. No final do ano passado, o então presidente
da Casa, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a instalação de uma comissão especial
para analisar o assunto. A Comissão, porém, ainda não foi formalizada.
O
ex-mandatário também atacou a lei da Ficha Limpa, vista por ele aliados como
uma chance de reverter a decisão do TSE que o tornou inelegível até 2030 pelo
TSE por crimes eleitorais “O pessoal está entendendo que a Lei da Ficha Limpa é
usada para perseguir a direita”, disparou.
Fonte: Por Caio
Almendra, em The Intercept/Brasil 247
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