sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Bolsonaro denunciado: o que muda para a direita nas eleições de 2026?

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi denunciado criminalmente na terça-feira (18/2) pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ele é acusado de ter liderado um suposto plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ex-presidente nega.

Bolsonaro está inelegível até 2030 após duas condenações por crimes eleitorais em 2023.

Ainda assim, bolsonaristas e o próprio ex-presidente não deixam de colocar seu nome como uma candidatura possível e viável para as próximas eleições. E aliados buscam abrir caminhos para anistiar Bolsonaro no Congresso Nacional.

Mas especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a denúncia da PGR, somada à sua inelegibilidade, sela a inviabilidade do ex-presidente na disputa presidencial de 2026.

A PGR pede que Bolsonaro responda pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Ainda que um movimento pró-anistia tente alimentar a expectativas da base bolsonarista em trazer seu líder de volta ao jogo político, a denúncia criminal reforça a gravidade da situação jurídica do ex-presidente, diz a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

"Havia um movimento muito forte para dar esperança ao eleitorado bolsonarista de que Bolsonaro poderia se livrar desse processo, ganhar a anistia e disputar a eleição", diz a professora.

"Mas, agora, com a denúncia, há uma concretude muito maior para os fatos que envolvem o presidente na tentativa de golpe. Antes se falava muito em indícios, mas, quando chega uma denúncia, com este volume de informações, dificilmente os planos de Bolsonaro para 2026 vão vingar."

A Primeira Turma do Superior Tribunal Federal (STF), formada por cinco membros da Corte, vai analisar se aceita a denúncia e abre um processo contra o ex-presidente — mas não há um prazo para essa decisão.

Integram essa turma os ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

O vácuo de poder que pode ser deixado por Bolsonaro impulsiona uma disputa por sua sucessão no campo político à direita.

Nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) e até figuras consideradas outsiders da política, como o coach Pablo Marçal, tentam se projetar como líderes desse campo.

Santana avalia que o desdobramento da denúncia contra o ex-presidente pode encorajar o surgimento de novos nomes na direita para a disputa em 2026.

"Esse episódio agora — e a depender da resposta que a defesa vai apresentar ao STF e se a corte vai acatar a denúncia integralmente ou não — vai nos dar elementos mais precisos sobre esse novo contexto", afirma a cientista política.

"Também pode encorajar mais esses pré-candidatos ou nomes alternativos a Bolsonaro a se apresentarem efetivamente."

·       'Condenação de Bolsonaro é praticamente certa'

O cientista político Claudio Couto avalia que a inelegibilidade do ex-presidente e uma possível condenação antes das eleições devem forçar seu grupo político a buscar alternativas para a disputa.

"Se já contávamos com esse processo de denúncia, que sabíamos que iria começar, a situação de Bolsonaro permanece praticamente a mesma: inelegível e, muito provavelmente, preso antes de 2026, o que o deixaria fora da disputa", afirma Couto.

A principal questão, segundo Couto, é como Bolsonaro e seu grupo irão conduzir esse processo sem que ele possa concorrer.

O cientista político traça um paralelo com a estratégia adotada por Lula em 2018 na disputa com o próprio Bolsonaro.

Antes de sua prisão, Lula prolongou sua candidatura ao máximo antes de ser substituído por Fernando Haddad (PT).

"Ele tentou transferir seu prestígio eleitoral para Haddad, o que conseguiu, mas não o suficiente para vencer a eleição", analisa Couto.

Bolsonaro, diz o cientista político, tem duas possibilidades: a primeira seria seguir o mesmo caminho de Lula e esticar a corda até onde for possível para tentar se manter como um nome viável.

Mas isso vai "bagunçar o campo da direita", na avaliação de Couto.

"Se ele seguir a lógica do Lula, ele embola o meio de campo, porque é um nome inviável eleitoralmente, mas muitos eleitores vão continuar acreditando que podem votar nele, pelo menos em um primeiro turno", diz o analista.

"Para os demais candidatos, não é interessante que ele se mantenha como o único nome possível porque isso gera confusão e incerteza, o que vai prejudicar a direita e beneficiar o campo adversário."

Outra alternativa, diz Couto, seria começar a construir uma alternativa tão logo seja condenado.

"Caso isso ocorra ainda em 2025, faria sentido para esse setor iniciar 2026 já com um nome de substituto", diz Couto, ressaltando que esta é uma alternativa mais provável, embora seja difícil prever os movimentos do ex-presidente.

"Não acredito que ele vá tentar emular o Lula, mas é uma aposta, até porque Bolsonaro tem um pouco da psicologia do jogador inveterado, ele tenta, arrisca, age intuitivamente para ver se dá certo", prossegue.

"Ele não obedece uma estratégia completamente racional o tempo todo, por isso tem um certo grau de imprevisibilidade."

Para Couto, não é realista acreditar que Bolsonaro conseguirá recuperar seus direitos políticos judicialmente.

"Ele aposta em uma anistia no Congresso, mas, no âmbito judicial, isso não vai acontecer", afirma o cientista político.

"Se alguém imagina que o Supremo vai mudar essa decisão e permitir que ele concorra, precisa rever seus cálculos. A condenação é praticamente certa."

Ele também avalia que o impacto político de seu julgamento, em relação à tentativa de golpe de Estado, pode dificultar a tentativa de aprovação de uma anistia.

"A tendência é que o julgamento seja transmitido, assim como ocorreu no mensalão", diz Couto, em referência ao escândalo de corrupção envolvendo a compra de apoio político no Congresso no primeiro governo Lula.

"Isso tem um impacto político muito grande e pode reduzir o apoio à anistia entre parlamentares que hoje flertam com essa ideia."

·       Quem substituiria Bolsonaro?

Diante desse cenário, Couto acredita que Bolsonaro deve indicar um substituto dentro do próprio grupo familiar.

"O bolsonarismo é um empreendimento político-familiar. Se ele tiver que abençoar um substituto, seria Eduardo Bolsonaro, que é seu filho mais articulado internacionalmente e tem um perfil político semelhante ao do pai", avalia.

Eduardo Bolsonaro é atualmente deputado federal por São Paulo. Seu irmão, Flávio Bolsonaro, é senador pelo Rio de Janeiro. E Carlos Bolsonaro é vereador no Rio de Janeiro. Os três são filiados ao mesmo partido de Bolsonaro, o PL.

"Acho muito pouco provável que seja qualquer um dos outros. O Flávio é muito mais um operador. E o Carlos opera, eu diria, em outra dimensão."

No entanto, a decisão deve envolver outros cálculos, como a viabilidade eleitoral.

"Não se trata apenas de quem Bolsonaro prefere, mas de quem tem mais chances de vencer. As pesquisas precisarão ser analisadas", diz Couto.

" O Tarcísio de Freitas, por exemplo, é um nome mais forte que Ronaldo Caiado, mas não se pode descartar que ambos concorram."

Tarcísio teria afirmado a aliados, segundo apurou o jornal Folha de S. Paulo junto a pessoas próximas do governador paulista, que aceitaria disputar a Presidência caso Bolsonaro chancelasse sua candidatura, embora preferisse tentar se reeleger ao governo de São Paulo.

Mas Tarcísio negou publicamente essa possibilidade após o jornal publicar a reportagem a respeito: "Não sou candidato, não tenho interesse".

Depois da denúncia de Bolsonaro pela PGR, o governador manifestou apoio ao ex-presidente em suas redes sociais.

Tarcísio disse que Bolsonaro é a "principal liderança política do Brasil" e que Bolsonaro "jamais compactou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do estado democrático de direito".

Luciana Santana também observa que, enquanto a direita bolsonarista mais fiel aguarda os desdobramentos da denúncia, nomes mais ao centro já começam a se movimentar de forma mais independente.

"No campo da centro-direita, a gente já vê candidaturas sendo apresentadas de forma mais natural e independente. É o caso do Caiado. Para mim, é o exemplo mais ilustrativo de todos", afirma a cientista política.

"Claro que essa definição mais real de nomes não vai acontecer agora. Haverá um momento de testar a opinião pública e ver quem tem mais chances de mexer com o jogo eleitoral em 2026."

Sobre a possibilidade de um outsider, como o cantor Gusttavo Lima, que colocou o próprio nome à disposição para concorrer à Presidência da República, Santana vê a movimentação mais como um teste do que uma candidatura presidencial viável.

"O nome dele surgiu mais como uma dobradinha, uma articulação nesse campo que está desenhado por Ronaldo Caiado", diz Santana.

Após as declarações do cantor, o governador de Goiás convidou Lima a se filiar a seu partido, o União Brasil.

"É muito mais um teste, talvez não para a Presidência, mas, a depender da adesão, ele pode ser um candidato ao Senado e um cabo eleitoral importante."

A cientista política Carolina Botelho, pesquisadora do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que para ocupar o espaço deixado por Bolsonaro é necessário um candidato alinhado à direita radical.

"Podemos ter vários níveis neste espectro, desde que seja alguém que aceite fazer algum tipo de política um pouco mais diplomática", explica Botelho.

Na sua visão, uma nova liderança pode emergir, mas ela precisará ter habilidade política.

"Pode emergir um Pablo Marçal, mas ele também tem problemas sérios na Justiça e não sei se tem estofo e vigor político para liderar uma campanha à Presidência", avalia Botelho.

Para ela, o bolsonarismo se divide em dois segmentos: um núcleo radical e uma base mais pragmática dentro dos partidos.

"O bolsonarismo base é diferente dos partidos e dos políticos, que até agora seguraram na mão dele, mas estão no Congresso votando outras pautas e querem ficar no poder", avalia.

·       E a centro-esquerda?

Para o governo Lula, a denúncia da PGR representa um alívio, diz Claudio Couto.

"Tira um pouco o foco do momento difícil que o governo enfrenta e coloca a atenção nos problemas do adversário", analisa o cientista político.

Além disso, a crise no campo bolsonarista pode abrir espaço para o governo reconstruir sua imagem e focar na entrega de políticas públicas, diz Couto.

"A política é feita de contrastes. Se o outro lado está muito mal, o governo tende a ser visto de maneira mais positiva", diz Couto.

Botelho afirma que Lula segue como a principal liderança para a centro-esquerda.

No entanto, há desafios, como a idade do presidente e o busca por um sucessor à altura.

"Ainda não está sendo construído um nome que tenha a liderança que ele mantém", pondera Botelho.

Santana também enxerga Lula, neste momento, como o único nome com força eleitoral no campo da centro-esquerda.

"Fala-se de nomes dentro do próprio PT, como o Fernando Haddad, mas sem a mesma adesão — até pela posição que ele ocupa e pelo desgaste da imagem devido ao cargo", diz Santana.

"Mesmo governadores ou ministros que têm protagonismo, como Camilo Santana [do Ceará] e Renan Filho [de Alagoas], ainda são nomes muito localizados e não ganharam dimensão nacional para disputar uma eleição presidencial."

Para Santana, o desgaste do governo Lula não ameaça sua posição de favorito no pleito de 2026 no momento.

"Se a eleição fosse hoje, o cenário seria conturbado, porque ele vem sofrendo desgaste por várias decisões e fatos recentes. Mas, mesmo com todas as críticas e problemas, ele ainda é o nome que não seria batido, pelo menos não no primeiro turno."

Mas ela reforça que ainda há muitas peças a serem encaixadas para 2026.

"A eleição está perto, mas, ao mesmo tempo, longe. Ainda é preciso mais definições. Os candidatos precisam se apresentar de fato como candidatos."

 

¨      Diretora de inteligência de Bolsonaro propôs compra de reconhecimento facial pouco antes da tentativa de golpe

Uma integrante do alto escalão do governo de Jair Bolsonaro, indiciada e denunciada por envolvimento na tentativa de golpe, foi a autora da proposta inicial que resultou na aquisição do software Clearview, uma tecnologia controversa de reconhecimento facial que já foi proibida em vários países europeus.

Diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas, a Seopi, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, a delegada da Polícia Federal Marília Alencar assinou, em agosto de 2022, o “documento de oficialização de demanda” por uma tecnologia de reconhecimento facial com busca em fontes abertas, a base para a compra do Clearview.

Dois meses depois, ela auxiliou o então ministro da Justiça, Anderson Torres, na elaboração de um plano para bloquear rodovias em regiões com maior concentração de eleitores do PT durante o segundo turno das eleições presidenciais, em 31 de outubro. A informação consta na denúncia da Procuradoria Geral da República e em relatórios da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe bolsonarista.

A Seopi foi um órgão central na estrutura de vigilância de Bolsonaro. O órgão encabeçou uma série de iniciativas de monitoramento de inimigos políticos, como o dossiê antifascista, que listava opositores do governo, e os sistemas Córtex e Excel, que vigiam localizações e celulares e são questionados por violação de privacidade.

Como revelado pelo Intercept Brasil, a compra do Clearview pelo ministério foi finalizada já sob a gestão de Lula. Ela visava integrar o Projeto Excel.

Alencar entrou na mira da Polícia Federal nas investigações sobre as blitzes ilegais no dia do segundo turno nas eleições de 2022. A PF encontrou no celular dela um relatório com as cidades onde Lula teve mais de 75% de votos no primeiro turno.

Também havia uma mensagem da delegada enviada logo após a confecção do relatório: “eu tô em reunião séria do Excel no GAB”, que as investigações interpretaram como uma referência às planilhas de votação e ao gabinete do ministro, mas poderia se referir também a uma reunião do Projeto Excel, liderado pela Seopi.

Segundo as investigações, Alencar usou a estrutura da Seopi para confeccionar um boletim de inteligência que mapeou os municípios mais lulistas. O relatório foi entregue diretamente para Anderson Torres e serviu como base para as blitzes ilegais na votação em segundo turno.

Em 31 de outubro de 2022, quando foi realizado o segundo turno, a Polícia Rodoviária Federal realizou um policiamento direcionado na região Nordeste, onde há predominância de eleitores do então candidato Lula, que enfrentava Bolsonaro nas urnas.

A delegada não só cumpria ordens, como tinha envolvimento ideológico com a tentativa de impedir que eleitores de Lula votassem. Segundo a denúncia feita pela Procuradoria Geral da República, ela atuou diretamente na confecção do planejamento das blitzes ilegais e coordenou o trabalho em um grupo de WhatsApp chamado “Em Off”, que tinha a participação de servidores.

“Belford roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar pf. (…). Menos 25.000 votos no nove”, escreveu em uma mensagem no grupo, fazendo referência ao candidato do PT.

·       ‘Apenas o de Lula’

O servidor Clebson Vieira, que na época era subordinado a Alencar e também assinou o documento de solicitação do software, foi um dos responsáveis por elaborar diretamente a planilha que orientou as blitzes da PRF. Ele chegou a ser citado pela PF, mas não foi indiciado ou denunciado, entrando apenas no rol de testemunhas.

“Chegou uma hora que foi solicitado diretamente pela delegada Marília, que fosse impresso [o mapa de votação] acerca de um candidato, qual seja o candidato Lula. Ela requereu que fosse impresso apenas o de Lula”, disse ele, em depoimento para a PF.

A Polícia Federal indiciou Alencar em agosto do ano passado, no mesmo inquérito que investigou as blitzes eleitorais, no qual também foram indiciados Anderson Torres e o ex-diretor da PRF Silvinei Vasques. Todos foram denunciados pela PGR, junto do ex-presidente Bolsonaro e outros aliados, na noite de terça-feira, 18.

·       Silêncio após revelação

A delegada Marília Alencar nunca foi escrutinada de forma pública sobre as blitzes contra o PT no segundo turno das eleições. Ela não compareceu para a convocação da CPMI do Congresso sobre os atos golpistas porque ganhou autorização do ministro do STF Nunes Marques para faltar à sessão.

Ela até chegou a ser ouvida na CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Distrital, que é o legislativo do Distrito Federal, mas, na época, ainda não havia sido descoberto o mapa das eleições em seu celular. Segundo a CNN, Alencar inclusive apagou o mapa do aparelho, mas ele foi recuperado pela Polícia Federal.

Em 2023, já fora do Ministério da Justiça, Alencar foi nomeada subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal por Anderson Torres, que havia assumido o cargo de secretário. Ela foi investigada por sua possível participação na facilitação dos atos golpistas de 8 de janeiro em Brasília, mas o inquérito foi arquivado.

Procurada, a defesa de Marília Alencar afirmou que não iria se manifestar. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública também foi contatado, mas não retornou até a publicação desta reportagem.

 

Fonte: BBC News Brasil/The Intercept

 

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