Bolsonaro
denunciado: o que muda para a direita nas eleições de 2026?
O ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL) foi denunciado
criminalmente na
terça-feira (18/2) pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Ele é acusado de
ter liderado um suposto plano de
golpe de Estado após
ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
O ex-presidente nega.
Bolsonaro
está inelegível até 2030 após duas
condenações por crimes eleitorais em 2023.
Ainda assim,
bolsonaristas e o próprio ex-presidente não deixam de colocar seu nome
como uma candidatura
possível e viável para as próximas eleições. E aliados buscam abrir caminhos para
anistiar Bolsonaro no
Congresso Nacional.
Mas especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a denúncia da PGR, somada à sua
inelegibilidade, sela a inviabilidade do ex-presidente na disputa presidencial
de 2026.
A PGR pede que
Bolsonaro responda pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado
Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela
violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de
patrimônio tombado.
Ainda que um
movimento pró-anistia tente alimentar a expectativas da base bolsonarista em
trazer seu líder de volta ao jogo político, a denúncia criminal reforça a
gravidade da situação jurídica do ex-presidente, diz a cientista política
Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
"Havia um
movimento muito forte para dar esperança ao eleitorado bolsonarista de que
Bolsonaro poderia se livrar desse processo, ganhar a anistia e disputar a
eleição", diz a professora.
"Mas, agora,
com a denúncia, há uma concretude muito maior para os fatos que envolvem o
presidente na tentativa de golpe. Antes se falava muito em indícios, mas,
quando chega uma denúncia, com este volume de informações, dificilmente os
planos de Bolsonaro para 2026 vão vingar."
A Primeira Turma do
Superior Tribunal Federal (STF), formada por cinco membros da Corte, vai
analisar se aceita a denúncia e abre um processo contra o ex-presidente — mas
não há um prazo para essa decisão.
Integram essa turma
os ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Cármen Lúcia, Luiz Fux,
Cristiano Zanin e Flávio Dino.
O vácuo de poder
que pode ser deixado por Bolsonaro impulsiona uma disputa por sua sucessão no
campo político à direita.
Nomes como o do
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o governador de
Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) e até figuras
consideradas outsiders da política, como o coach Pablo
Marçal, tentam se projetar como líderes desse campo.
Santana avalia que
o desdobramento da denúncia contra o ex-presidente pode encorajar o surgimento
de novos nomes na direita para a disputa em 2026.
"Esse episódio
agora — e a depender da resposta que a defesa vai apresentar ao STF e se a
corte vai acatar a denúncia integralmente ou não — vai nos dar elementos mais
precisos sobre esse novo contexto", afirma a cientista política.
"Também pode
encorajar mais esses pré-candidatos ou nomes alternativos a Bolsonaro a se
apresentarem efetivamente."
· 'Condenação de
Bolsonaro é praticamente certa'
O cientista
político Claudio Couto avalia que a inelegibilidade do ex-presidente e uma
possível condenação antes das eleições devem forçar seu grupo político a buscar
alternativas para a disputa.
"Se já
contávamos com esse processo de denúncia, que sabíamos que iria começar, a
situação de Bolsonaro permanece praticamente a mesma: inelegível e, muito
provavelmente, preso antes de 2026, o que o deixaria
fora da disputa", afirma Couto.
A principal
questão, segundo Couto, é como Bolsonaro e seu grupo irão conduzir esse
processo sem que ele possa concorrer.
O cientista
político traça um paralelo com a estratégia adotada por Lula em 2018 na disputa
com o próprio Bolsonaro.
Antes de sua
prisão, Lula prolongou sua candidatura ao máximo antes de ser substituído por
Fernando Haddad (PT).
"Ele tentou
transferir seu prestígio eleitoral para Haddad, o que conseguiu, mas não o
suficiente para vencer a eleição", analisa Couto.
Bolsonaro, diz o
cientista político, tem duas possibilidades: a primeira seria seguir o mesmo caminho
de Lula e esticar a corda até onde for possível para tentar se manter como um
nome viável.
Mas isso vai
"bagunçar o campo da direita", na avaliação de Couto.
"Se ele seguir
a lógica do Lula, ele embola o meio de campo, porque é um nome inviável eleitoralmente,
mas muitos eleitores vão continuar acreditando que podem votar nele, pelo menos
em um primeiro turno", diz o analista.
"Para os
demais candidatos, não é interessante que ele se mantenha como o único nome
possível porque isso gera confusão e incerteza, o que vai prejudicar a direita
e beneficiar o campo adversário."
Outra alternativa,
diz Couto, seria começar a construir uma alternativa tão logo seja condenado.
"Caso isso
ocorra ainda em 2025, faria sentido para esse setor iniciar 2026 já com um nome
de substituto", diz Couto, ressaltando que esta é uma alternativa mais
provável, embora seja difícil prever os movimentos do ex-presidente.
"Não acredito
que ele vá tentar emular o Lula, mas é uma aposta, até porque Bolsonaro tem um
pouco da psicologia do jogador inveterado, ele tenta, arrisca, age
intuitivamente para ver se dá certo", prossegue.
"Ele não
obedece uma estratégia completamente racional o tempo todo, por isso tem um
certo grau de imprevisibilidade."
Para Couto, não é
realista acreditar que Bolsonaro conseguirá recuperar seus direitos políticos
judicialmente.
"Ele aposta em
uma anistia no Congresso, mas, no âmbito judicial, isso não vai
acontecer", afirma o cientista político.
"Se alguém
imagina que o Supremo vai mudar essa decisão e permitir que ele concorra,
precisa rever seus cálculos. A condenação é praticamente certa."
Ele também avalia
que o impacto político de seu julgamento, em relação à tentativa de golpe de
Estado, pode dificultar a tentativa de aprovação de uma anistia.
"A tendência é
que o julgamento seja transmitido, assim como ocorreu no mensalão", diz
Couto, em referência ao escândalo de corrupção envolvendo a compra de apoio
político no Congresso no primeiro governo Lula.
"Isso tem um
impacto político muito grande e pode reduzir o apoio à anistia entre
parlamentares que hoje flertam com essa ideia."
· Quem substituiria
Bolsonaro?
Diante desse
cenário, Couto acredita que Bolsonaro deve indicar um substituto dentro do
próprio grupo familiar.
"O
bolsonarismo é um empreendimento político-familiar. Se ele tiver que abençoar
um substituto, seria Eduardo Bolsonaro, que é seu filho mais articulado
internacionalmente e tem um perfil político semelhante ao do pai", avalia.
Eduardo Bolsonaro é
atualmente deputado federal por São Paulo. Seu irmão, Flávio Bolsonaro, é
senador pelo Rio de Janeiro. E Carlos Bolsonaro é vereador no Rio de Janeiro.
Os três são filiados ao mesmo partido de Bolsonaro, o PL.
"Acho muito
pouco provável que seja qualquer um dos outros. O Flávio é muito mais um
operador. E o Carlos opera, eu diria, em outra dimensão."
No entanto, a
decisão deve envolver outros cálculos, como a viabilidade eleitoral.
"Não se trata
apenas de quem Bolsonaro prefere, mas de quem tem mais chances de vencer. As
pesquisas precisarão ser analisadas", diz Couto.
" O Tarcísio
de Freitas, por exemplo, é um nome mais forte que Ronaldo Caiado, mas não se
pode descartar que ambos concorram."
Tarcísio teria
afirmado a aliados, segundo apurou o jornal Folha de S. Paulo junto a pessoas
próximas do governador paulista, que aceitaria disputar a Presidência caso
Bolsonaro chancelasse sua candidatura, embora preferisse tentar se reeleger ao
governo de São Paulo.
Mas Tarcísio negou
publicamente essa possibilidade após o jornal publicar a reportagem a respeito:
"Não sou candidato, não tenho interesse".
Depois da denúncia
de Bolsonaro pela PGR, o governador manifestou apoio ao ex-presidente em suas
redes sociais.
Tarcísio disse que
Bolsonaro é a "principal liderança política do Brasil" e que
Bolsonaro "jamais compactou com qualquer movimento que visasse a
desconstrução do estado democrático de direito".
Luciana Santana
também observa que, enquanto a direita bolsonarista mais fiel aguarda os
desdobramentos da denúncia, nomes mais ao centro já começam a se movimentar de
forma mais independente.
"No campo da
centro-direita, a gente já vê candidaturas sendo apresentadas de forma mais
natural e independente. É o caso do Caiado. Para mim, é o exemplo mais
ilustrativo de todos", afirma a cientista política.
"Claro que
essa definição mais real de nomes não vai acontecer agora. Haverá um momento de
testar a opinião pública e ver quem tem mais chances de mexer com o jogo
eleitoral em 2026."
Sobre a
possibilidade de um outsider, como o cantor Gusttavo Lima, que colocou o
próprio nome à disposição para concorrer à Presidência da República, Santana vê
a movimentação mais como um teste do que uma candidatura presidencial viável.
"O nome dele
surgiu mais como uma dobradinha, uma articulação nesse campo que está desenhado
por Ronaldo Caiado", diz Santana.
Após as declarações
do cantor, o governador de Goiás convidou Lima a se filiar a seu partido, o
União Brasil.
"É muito mais
um teste, talvez não para a Presidência, mas, a depender da adesão, ele pode
ser um candidato ao Senado e um cabo eleitoral importante."
A cientista
política Carolina Botelho, pesquisadora do Laboratório de Estudos Eleitorais,
de Comunicação Política e de Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (Uerj), avalia que para ocupar o espaço deixado por Bolsonaro é
necessário um candidato alinhado à direita radical.
"Podemos ter
vários níveis neste espectro, desde que seja alguém que aceite fazer algum tipo
de política um pouco mais diplomática", explica Botelho.
Na sua visão, uma
nova liderança pode emergir, mas ela precisará ter habilidade política.
"Pode emergir
um Pablo Marçal, mas ele também tem problemas sérios na Justiça e não sei se
tem estofo e vigor político para liderar uma campanha à Presidência",
avalia Botelho.
Para ela, o
bolsonarismo se divide em dois segmentos: um núcleo radical e uma base mais
pragmática dentro dos partidos.
"O
bolsonarismo base é diferente dos partidos e dos políticos, que até agora
seguraram na mão dele, mas estão no Congresso votando outras pautas e querem
ficar no poder", avalia.
· E a
centro-esquerda?
Para o governo
Lula, a denúncia da PGR representa um alívio, diz Claudio Couto.
"Tira um pouco
o foco do momento difícil que
o governo enfrenta e
coloca a atenção nos problemas do adversário", analisa o cientista
político.
Além disso, a crise
no campo bolsonarista pode abrir espaço para o governo reconstruir sua imagem e
focar na entrega de políticas públicas, diz Couto.
"A política é
feita de contrastes. Se o outro lado está muito mal, o governo tende a ser
visto de maneira mais positiva", diz Couto.
Botelho afirma que
Lula segue como a principal liderança para a centro-esquerda.
No entanto, há
desafios, como a idade do presidente e o busca por um sucessor à altura.
"Ainda não
está sendo construído um nome que tenha a liderança que ele mantém",
pondera Botelho.
Santana também
enxerga Lula, neste momento, como o único nome com força eleitoral no campo da
centro-esquerda.
"Fala-se de
nomes dentro do próprio PT, como o Fernando Haddad, mas sem a mesma adesão —
até pela posição que ele ocupa e pelo desgaste da imagem devido ao cargo",
diz Santana.
"Mesmo
governadores ou ministros que têm protagonismo, como Camilo Santana [do Ceará]
e Renan Filho [de Alagoas], ainda são nomes muito localizados e não ganharam
dimensão nacional para disputar uma eleição presidencial."
Para Santana, o
desgaste do governo Lula não ameaça sua posição de favorito no pleito de 2026
no momento.
"Se a eleição
fosse hoje, o cenário seria conturbado, porque ele vem sofrendo desgaste por
várias decisões e fatos recentes. Mas, mesmo com todas as críticas e problemas,
ele ainda é o nome que não seria batido, pelo menos não no primeiro
turno."
Mas ela reforça que
ainda há muitas peças a serem encaixadas para 2026.
"A eleição
está perto, mas, ao mesmo tempo, longe. Ainda é preciso mais definições. Os
candidatos precisam se apresentar de fato como candidatos."
¨ Diretora de inteligência de Bolsonaro propôs compra de
reconhecimento facial pouco antes da tentativa de golpe
Uma integrante do alto escalão do governo de
Jair Bolsonaro, indiciada e denunciada por envolvimento na tentativa de golpe,
foi a autora da proposta inicial que resultou na aquisição do software
Clearview, uma tecnologia controversa de reconhecimento facial que já foi
proibida em vários países europeus.
Diretora de Inteligência da Secretaria de Operações
Integradas, a Seopi, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública do
governo Bolsonaro, a delegada da Polícia Federal Marília Alencar assinou, em agosto de
2022, o “documento de oficialização de demanda” por uma tecnologia de
reconhecimento facial com busca em fontes abertas, a base para a compra do
Clearview.
Dois meses depois, ela auxiliou o então ministro da
Justiça, Anderson Torres, na elaboração de um plano para bloquear rodovias em
regiões com maior concentração de eleitores do PT durante o segundo turno das
eleições presidenciais, em 31 de outubro. A informação consta na denúncia da
Procuradoria Geral da República e em relatórios da Polícia Federal sobre a
tentativa de golpe bolsonarista.
A Seopi foi um órgão central na estrutura de vigilância
de Bolsonaro. O órgão encabeçou uma série de iniciativas de monitoramento de
inimigos políticos, como o dossiê antifascista, que listava
opositores do governo, e os sistemas Córtex e Excel, que vigiam
localizações e celulares e são questionados por violação de privacidade.
Como revelado pelo Intercept
Brasil, a compra do Clearview pelo ministério foi finalizada já sob a gestão de
Lula. Ela visava integrar o Projeto Excel.
Alencar entrou na mira da Polícia Federal nas
investigações sobre as blitzes ilegais no dia do segundo turno nas eleições de
2022. A PF encontrou no celular dela um relatório com as cidades onde Lula teve
mais de 75% de votos no primeiro turno.
Também havia uma mensagem da delegada enviada logo após
a confecção do relatório: “eu tô em reunião séria do Excel no GAB”, que as
investigações interpretaram como uma referência às planilhas de votação e ao
gabinete do ministro, mas poderia se referir também a uma reunião do Projeto
Excel, liderado pela Seopi.
Segundo as investigações, Alencar usou a estrutura da
Seopi para confeccionar um boletim de inteligência que mapeou os municípios
mais lulistas. O relatório foi entregue diretamente para Anderson Torres e
serviu como base para as blitzes ilegais na votação em segundo turno.
Em 31 de outubro de 2022, quando foi realizado o
segundo turno, a Polícia Rodoviária Federal realizou um policiamento
direcionado na região Nordeste, onde há predominância de eleitores do então
candidato Lula, que enfrentava Bolsonaro nas urnas.
A delegada não só cumpria ordens, como tinha
envolvimento ideológico com a tentativa de impedir que eleitores de Lula
votassem. Segundo a denúncia feita pela Procuradoria Geral da República, ela
atuou diretamente na confecção do planejamento das blitzes ilegais e coordenou
o trabalho em um grupo de WhatsApp chamado “Em Off”, que tinha a participação
de servidores.
“Belford roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar
pf. (…). Menos 25.000 votos no nove”, escreveu em uma mensagem no grupo,
fazendo referência ao candidato do PT.
·
‘Apenas o de Lula’
O servidor Clebson Vieira, que na época era subordinado
a Alencar e também assinou o documento de solicitação do software, foi um dos
responsáveis por elaborar diretamente a planilha que orientou as blitzes da
PRF. Ele chegou a ser citado pela PF, mas não foi indiciado ou denunciado, entrando
apenas no rol de testemunhas.
“Chegou uma hora que foi solicitado diretamente pela
delegada Marília, que fosse impresso [o mapa de votação] acerca de um
candidato, qual seja o candidato Lula. Ela requereu que fosse impresso apenas o
de Lula”, disse ele, em depoimento para a PF.
A Polícia Federal indiciou Alencar em
agosto do ano passado, no mesmo inquérito que investigou as blitzes eleitorais,
no qual também foram indiciados Anderson Torres e o ex-diretor da PRF Silvinei
Vasques. Todos foram denunciados pela PGR, junto do ex-presidente Bolsonaro e
outros aliados, na noite de terça-feira, 18.
·
Silêncio após revelação
A delegada Marília Alencar nunca foi escrutinada de
forma pública sobre as blitzes contra o PT no segundo turno das eleições. Ela
não compareceu para a convocação da CPMI do Congresso sobre os atos golpistas
porque ganhou autorização do ministro
do STF Nunes Marques para faltar à sessão.
Ela até chegou a ser ouvida na CPI dos Atos Antidemocráticos
da Câmara Distrital,
que é o legislativo do Distrito Federal, mas, na época, ainda não havia sido
descoberto o mapa das eleições em seu celular. Segundo a CNN, Alencar inclusive
apagou o mapa do aparelho, mas ele foi recuperado pela Polícia Federal.
Em 2023, já fora do Ministério da Justiça, Alencar foi
nomeada subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do
Distrito Federal por Anderson Torres, que havia assumido o cargo de secretário.
Ela foi investigada por sua possível participação na facilitação dos atos
golpistas de 8 de janeiro em Brasília, mas o inquérito foi arquivado.
Procurada, a defesa de Marília Alencar afirmou que não
iria se manifestar. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública também foi
contatado, mas não retornou até a publicação desta reportagem.
Fonte: BBC News
Brasil/The Intercept
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