quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Quem é Hayden Davis, o empresário pivô do escândalo de criptomoedas que teria dito que 'controla' Milei

A primeira vez que muitos argentinos viram o rosto de Hayden Mark Davis foi em 30 de janeiro deste ano.

Naquele dia, o presidente da ArgentinaJavier Milei, teve uma reunião na Casa Rosada com o americano de 35 anos, que é CEO da Kelsier Ventures, uma empresa de consultoria e investimentos em criptomoedas e negócios digitais.

"Hoje tivemos uma conversa muito interessante com o empresário Hayden Mark Davis, que estava me assessorando sobre o impacto e as aplicações da tecnologia blockchain e da inteligência artificial no país. Continuamos trabalhando para acelerar o desenvolvimento tecnológico argentino, e fazer da Argentina uma potência tecnológica global", escreveu Milei no X (antigo Twitter), anexando uma foto com Davis.

Davis não era uma figura com um nome bem estabelecido no setor de criptomoedas, diz Santiago Siri, especialista neste tipo de tecnologia, à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

Vê-lo ao lado do presidente, e perceber que Milei estava recebendo conselhos de alguém praticamente desconhecido, despertou a curiosidade deste especialista argentino, que se propôs a saber mais sobre Davis.

"Não havia nenhuma informação a respeito. E no século 21, no ano de 2025, apagar seu rastro digital é uma coisa muito difícil de fazer, exigindo um esforço deliberado. Isso já levanta alguns sinais de alerta", conta Siri.

No próprio dia 30 de janeiro, ele postou uma mensagem no X sugerindo a natureza estranha do encontro.

"Será um cara que vai ser usado para criar uma moeda Milei? Vamos torcer para que não seja outra CoinX", escreveu Siri, referindo-se a um projeto de investimento digital fracassado que Milei promoveu em 2022, e do qual se desvinculou posteriormente.

Mas desde o fim de semana, o nome de Hayden Davis tem sido um dos que mais reverberam na Argentina, depois que o lançamento fracassado da criptomoeda $LIBRA levou, segundo veículos argentinos, dezenas de milhares de investidores a perderem quase US$ 90 milhões em questão de minutos.

Milei postou uma mensagem no X na última sexta-feira (14/2), divulgando — de acordo com sua defesa pessoal — a $LIBRA como um projeto de investimento que forneceria fundos para empreendimentos na Argentina.

Pouco tempo depois, ele deletou a mensagem, alegando que "não conhecia os detalhes do projeto".

Quando ele excluiu a mensagem, o valor da moeda já havia registrado uma alta de 1.300% e uma queda semelhante, o que levou aqueles que venderam suas moedas quando estava em alta a embolsar milhões de dólares, e todos os demais que não fizeram isso, a perdas astronômicas quando o valor despencou.

Mas, desde então, muitos indícios levam à conclusão de que Milei e seu círculo próximo, que inclui sua irmã e braço direito no governo, Karina Milei, tinham algum grau de conhecimento do projeto $LIBRA, com o qual o presidente, envolvido no escândalo, agora diz não ter nenhuma ligação.

·        O papel de Davis

Antes da aparição de Davis na Casa Rosada em 30 de janeiro, pouco se sabia sobre o empresário de criptomoedas americano.

Em uma entrevista recente, ele afirmou ter participado do lançamento da criptomoeda da primeira-dama dos EUA, Melania Trump, chamada $MELANIA. Sua alegação, no entanto, não pode ser corroborada de forma independente.

O site da empresa Kelsier Ventures não oferece informações sobre Davis, apenas uma descrição geral de como ela opera como uma empresa que "impulsiona a inovação na web3 por meio da sinergia entre experiência em comercialização, pesquisa aprofundada e investimentos direcionados".

Mas, com o escândalo na Argentina, começou a surgir a informação de que Davis liderou o lançamento da $LIBRA, sendo um dos patrocinadores do projeto.

"Ele era o provedor de liquidez, que atuava um pouco como o banco. Ele disse que havia fornecido US$ 100 bilhões", explica Siri, observando que há outros personagens envolvidos.

"Tem também o Mauricio Novelli, que há cerca de 5 anos faz esquemas de cripto com Milei, quando ele era deputado. E temos que ficar especialmente de olho na irmã de Javier Milei, Karina Milei, que sempre atuou como arrecadadora de fundos, tanto para o partido político quanto para a fundação ligada às ideias de Milei", acrescenta.

Novelli, fundador da N&W Professional Traders, também é conhecido por ter acesso à família presidencial argentina. No ano passado, ele compartilhou uma foto com Javier Milei.

Outros dois nomes mencionados são os dos empresários Manuel Terrones Godoy e Julian Peh, este último da empresa KIP Protocol.

Embora tenham sido apontados publicamente como os cabeças da $LIBRA, até agora nenhum deles foi formalmente acusado de qualquer crime. O governo argentino prometeu uma investigação.

Para Siri, o fato de o presidente Milei ter se cercado de pessoas "inexperientes, desconhecidas e improvisadas", mas que têm acesso a ele por meio de outros intermediários, foi o início do desastre no lançamento da $LIBRA.

"A consequência de se juntar a aplaudidores e pessoas sem vocação para fazê-lo enxergar as diferentes nuances de um projeto tecnológico altamente complexo como este, é que o presidente toma decisões ruins", diz Siri

·        'Eu controlo Milei'

Em entrevistas, Davis garantiu que era apenas um conselheiro do presidente, e que não houve nenhuma ação fraudulenta no lançamento da $LIBRA — ele disse não saber por que Milei retirou intempestivamente seu apoio.

No mundo das "memecoins", como estes tipos de criptomoedas são chamadas, o apoio de figuras públicas é vital para manter ou aumentar seu valor.

"Não tenho nenhum desejo de ser o inimigo número um. Não estou me beneficiando com isso. Minha vida está em jogo", disse Davis ao jornalista Stephen Findeisen.

Em outra entrevista, ele afirmou ter US$ 100 milhões prontos para injetar na $LIBRA, um capital que "é da Argentina", sem dar detalhes sobre a origem do dinheiro, mas garantindo que não ganhou nada com a queda da criptomoeda.

"Teremos que ver o que Davis quer dizer quando afirma que esse dinheiro é da Argentina", diz Siri.

Embora Davis tenha tentado tranquilizar os argentinos com sua mensagem, o site de notícias especializado em criptomoedas CoinDesk publicou na terça-feira (18/2) supostas mensagens de Davis, nas quais o americano supostamente se gabava em dezembro do ano passado de ter controle sobre o presidente Milei.

"Eu controlo esse ****", disse Davis sobre o presidente, em uma das mensagens que a imprensa argentina, como o jornal La Nación, afirma ter visto, mas que a BBC não conseguiu verificar de forma independente.

"Enviei $$ para a irmã dele, e ele assina qualquer coisa, e faz o que eu quero. Uma loucura", ele acrescenta, em uma mensagem de texto para um destinatário desconhecido.

Até agora, não foi publicada nenhuma evidência de que Davis tenha enviado dinheiro ao presidente ou aos que estão à sua volta.

A Casa Rosada chegou, inclusive, a se dissociar da ideia de que Davis era assessor do chefe de Estado argentino: "Davis não tinha e não tem nenhum vínculo com o governo argentino, ele foi apresentado pelos representantes da KIP Protocol como um de seus sócios no projeto".

Além das acusações que podem surgir das investigações, uma questão que permanece no ar é se aqueles que investiram dinheiro na $LIBRA vão conseguir recuperar o que até agora parece ter sido perdido.

Para Siri, isso é altamente improvável. "Eu vejo isso como algo muito complexo. A menos que os tribunais consigam confiscar os fundos de Davis e seja feita uma compensação, provando que o dono de uma carteira interagiu com isso, é complexo. Se quiséssemos reverter as transações, há um custo imenso de comissões que são pagas sobre essas transações", ressalta.

"Houve mais de US$ 1,5 bilhão em transações nesta moeda Milei. A moeda atingiu uma capitalização de mercado de US$ 4 bilhões, teve uma liquidez de US$ 800 milhões e pagou mais de US$ 20 milhões em comissões aos sistemas que se ofereceram para trocar essas moedas por outras."

"Então, reverter essas transações é francamente muito complexo, e a Justiça teria que confiscar os fundos de Davis para reembolsar os investidores por meio de um processo de reversão de tudo isso", conclui.

¨      Criador de criptomoeda diz que mandava dinheiro para irmã de Milei e que ele faria o que ela mandasse

Mensagens obtidas pelo jornal argentino La Nacion e pelo site de notícias especializado em criptomoedas CoinDesk relatam que um dos criadores da criptomoeda $Libra fazia pagamentos ao governo de Javier Milei. Nas trocas de mensagens com empresários acessadas pelos portais, Hayden Davis, com quem Milei chegou a se reunir presencialmente na Casa Rosada no ano passado, diz especificamente que envia dinheiro à irmã de Milei, Karina, que também é secretária-geral da Presidência, destaca reportagem da Folha de S.Paulo.

Davis falou em mensagens trocadas com empresários como utilizou sua influência sobre o mandatário argentino. Em uma delas, datada de 11 de dezembro, Davis se gabava de controlar Milei e afirmou: "Envio dinheiro à sua irmã e ele assina o que eu digo e faz o que quero."

O escândalo, conhecido como “criptogate”, já gerou enorme repercussão na Argentina e motivou um pedido formal de impeachment contra Milei. A Justiça abriu investigações, e a gravidade das denúncias aumenta à medida que as chances de o Congresso avançar no processo são grandes.

A situação de Milei se agravou com a revelação de que ele promoveu uma criptomoeda fraudulenta $Libra, que, após sua propaganda, teve um aumento momentâneo de valor antes de despender, prejudicando consideravelmente os investidores. Pressionado, Milei apagou a publicação e tentou minimizar o caso, anunciando um suposto "escritório anticorrupção" dentro do próprio governo – medida amplamente criticada por opositores, que aciona uma manobra para encobrir o escândalo.

Com a crescente revolta popular e pressão política, a queda de Milei se torna provável. A Justiça Argentina avança na investigação, e sua prisão pode ser apenas uma questão de tempo. O ultradireitista, que tentou vender uma imagem de "caçador de corruptos", agora se vê no centro de um dos maiores casos de corrupção da história recente do país, e seu governo pode estar com os dias contados.

Diante do aprofundamento das investigações e da pressão crescente sobre o governo, o destino de Javier Milei se torna cada vez mais incerto. Parlamentares oposicionistas, fortalecidos pelo escândalo, articulam novas estratégias para acelerar o processo de impeachment.

A Justiça argentina, que já tem acesso às mensagens comprometedoras, pode convocar Karina Milei para prestar esclarecimentos sobre os repasses financeiros. A irmã do presidente, que concentra grande influência dentro do governo, poderá ser indiciada por corrupção e lavagem de dinheiro, o que também comprometeria diretamente Milei. Caso a comprovação dos pagamentos se fortaleça, a prisão preventiva do mandatário argentino se tornará uma possibilidade real, especialmente diante da gravidade das acusações.

Enquanto isso, a população reage com indignação. Os protestos começaram a se espalhar pelas principais cidades da Argentina, com manifestantes exigindo a renúncia imediata de Milei. O descontentamento se soma à crise econômica que já atinge duramente os argentinos, com inflação elevada e políticas ultraliberais que aprofundaram a miséria e o desemprego.

No Congresso, o pedido de impeachment já protocolado pode ganhar força com a adesão de novos parlamentares da oposição e até mesmo de setores moderados que inicialmente enxergam Milei como um risco para a estabilidade do país. Embora a governança de Milei já tenha sido fragilizada, o escândalo do "criptogate" pode ser o golpe final em sua gestão, acelerando seu afastamento e abrindo caminho para um novo governo.

Nos bastidores, analistas políticos avaliam que, caso Milei tente resistir e se recuse a deixar o poder, sua remoção poderá ocorrer de maneira ainda mais dramática. A Justiça pode determinar sua detenção preventiva antes mesmo da conclusão do processo de impeachment, caso entenda que ele representa um risco à investigação ou tente obstruir a Justiça.

A derrocada de Milei, que se apresentou como um líder "anticorrupção", mas agora está atolada em um dos maiores escândalos políticos da história argentina, parece decisiva. O país pode estar à beira de uma nova fase política, como o fim prematuro do governo ultradireitista e o início de um novo ciclo.

¨      A criptomoeda que virou escândalo para Milei

No momento em que o presidente da Argentina, Javier Milei, compartilhou em suas redes sociais o lançamento de uma nova criptomoeda, Clemente Varas Collado, de 25 anos, investiu US$ 12 mil (R$ 68,4 mil) rapidamente.

Algumas horas depois, Clemente havia perdido a metade.

"Achei que a $LIBRA era uma versão mais segura porque foi promovida pelo presidente argentino. Não parecia uma memecoin [criptomoeda originada de um meme da internet], mas algo mais sério", diz à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, o investidor chileno radicado em Miami.

De acordo com uma denúncia penal apresentada na segunda-feira (17/2) na Argentina, Milei teria integrado uma "associação ilícita" que gerou prejuízo a "mais de 40 mil pessoas, com perdas superiores a US$ 4 bilhões". Milei nega as acusações e afirma que não são mais de 5 mil as pessoas afetadas.

"O mundo das criptomoedas entrou em colapso depois disso. Muitas pessoas perderam muito dinheiro", diz Varas, que visitou Buenos Aires em outubro passado para participar do Argentina Fintech Forum 2024, um evento da indústria de tecnologia financeira.

"Milei é alguém que é muito respeitado no mundo das criptomoedas", diz ele, e afirma que isso afeta negativamente a imagem internacional do presidente argentino no mundo das finanças.

De todo modo, para ele não se trata de uma tentativa de fraude por parte do mandatário, mas sim de uma possível falta de informação. Algumas horas depois, a primeira entrevista com Milei foi publicada na imprensa local após o escândalo.

Nela, o presidente disse: "Se você vai ao cassino e perde dinheiro, qual é a reclamação, se você sabia que ele tinha essas características?"

LEIA A E ENTREVISTA:

·        Por que você investiu nessa criptomoeda?

Clemente Varas Collado - Porque na sexta-feira à tarde, vi que Milei estava promovendo-a em sua conta do X [antigo Twitter].

Pensei que fosse outra versão das memecoins de Donald Trump, que era um projeto apoiado por Milei para explorar o mundo das criptos, e pensei que a $LIBRA fosse parte desse plano.

Então, com toda essa informação, decidi comprar essa moeda e investir dinheiro.

·        Você perdeu muito dinheiro?

Varas - Perdi a metade. Investi US$ 12 mil. Tenho amigos que perderam até US$ 100 mil, pessoas que tinham ido muito bem com as moedas de Trump.

·        O risco do investimento era muito alto...

Varas - É o mais arriscado que existe no mundo das criptomoedas. Esse tipo de moeda pode cair ou subir muito em poucas horas. A maioria vai a zero em poucos dias.

Por isso, quero ressaltar que somos responsáveis por todas as coisas que fazemos. E é muito arriscado comprar essas moedas. Elas podem subir de preço muito rápido ou cair de preço muito rápido.

·        De novo, por que você investiu?

Varas - Porque já tinha investido na criptomoeda de Trump. Essa foi a primeira vez que tivemos um presidente criando uma moeda enquanto estava no cargo.

Pensei que fosse algo parecido. Pensei que fosse uma versão do bitcoin, mas mais segura.

Pensei que me sairia melhor porque estava relacionado a Milei. Ou seja, à primeira vista, não era uma memecoin, mas algo mais sério.

·        Você já conhecia Milei?

Varas - Sim. E eu gostava dele. Todos diziam que ele estava fazendo um bom trabalho. Eu o via de uma maneira muito positiva.

·        Ele te passava confiança?

Varas - Sim, Milei é alguém respeitado no mundo das criptomoedas.

Em outubro passado, estive em Buenos Aires, em uma conferência de blockchain [tecnologia de registro digital descentralizado], onde algumas pessoas que estavam muito envolvidas no tema me disseram que estavam se comunicando com a equipe de Milei para criar a moeda.

·        Na sua opinião, a divulgação do $LIBRA foi uma fraude?

Varas - Não, não acho que tenha sido uma fraude de Milei com o mundo das criptos. Acho que foi do criador [da criptomoeda].

Acredito que Milei não entende bem o mundo das criptos.

Penso que Milei não entendeu muito bem e disse "vamos fazer isso", e depois entendeu a magnitude de promover uma criptomoeda como essa.

·        Então, o presidente não entendeu o que estava compartilhando em suas redes?

Varas - Há duas opções. A primeira é que fizeram uma fraude com ele, que se encontrou com essa equipe e não sabia o que estava acontecendo. Se essa for a justificativa de Milei, então ele está demostrando incompetência em um tema importante.

A segunda opção é que ele diga que foi um experimento, que estavam testando e não deu certo. Mas aí ele mentiu na sexta-feira, quando disse que não tinha nada a ver com isso.

Então, ou ele diz que foi enganado ou diz que realmente tinha algo a ver com isso. É uma situação muito complicada para ele.

·        Muitos falam de um rug pull, que é quando os promotores de uma criptomoeda atraem compradores só para interromper a atividade comercial, sair e ficar com o dinheiro. Você vê dessa forma?

Varas - Olha, eu não sei. Não acho que ele tenha entendido o que estava fazendo.

Acredito que ele publicou esse tuíte e, algumas horas depois, alguém falou com ele, imagino que alguém da sua equipe, e explicou melhor o que estava acontecendo. Depois ele apagou e fiquei muito surpreso.

·        Você acha que o escândalo que estamos vendo enfraquece o mundo das criptomoeadas?

Varas - O mundo das criptomoedas colapsou depois disso. Muitas pessoas perderam muito.

Mas o mais difícil foi que havia pessoas que compraram essa moeda antes de Milei publicar o tuíte. E ganharam. Ganharam muita, muita grana.

As pessoas que ganharam tinham uma vantagem porque sabiam disso antes, sabiam que vinha uma moeda da Argentina.

Então elas estavam esperando e, quando viram que era essa, compraram imediatamente e ganharam.

·        Qual a conclusão que você tira de tudo isso?

Varas - Acho que estamos aprendendo que esse mundo das memecoins não é tão justo quanto parecia; nem todos competem com a mesma informação, com os mesmos recursos. Existem pessoas que têm uma vantagem gigante.

Ou seja, se você não tem a informação privilegiada, está jogando um jogo com uma desvantagem muito grande.

 

Fonte: BBC News Mundo/Brasil 247

 

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