Mais da metade dos
municípios não tem serviços de saneamento básico, afirma químico industrial
“Seriam necessários R$ 304 bilhões para água e
esgotos em 20 anos, ou seja, pouco mais de R$ 15 bilhões por ano. Estamos,
portanto, muito longe do necessário para ter essa infraestrutura básica em 20
anos”, adverte o presidente do Instituto Trata Brasil.
O monitoramento das
obras de saneamento básico realizadas pelos PAC
1 e PAC 2,
realizado pelo Instituto Trata Brasil, revela não só que a maioria das
obras estão atrasadas ou paralisadas, mas que “17% da população não recebe água
tratada e 51% não tem acesso à coleta de esgotos”, informa Édison
Carlos em
entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Das 219 obras
analisadas — 149 de esgotos e 70 de água — em municípios com população superior
a 500 mil habitantes, no período de 2007 a 2013, “foram 24% de obras de esgotos
do PAC 1 concluídas e 19% considerando a soma dos 2 PACs. Nas
obras de água, o cenário vai de 34% de obras concluídas no PAC 1 até
27% quando se consideram os 2 PACs”, diz.
O atraso das obras
está relacionado a problemas gerados pela apresentação de “projetos
desatualizados ou tecnicamente falhos”. “Nas primeiras inspeções e análises dos
técnicos, as obras foram paralisadas por problemas nos projetos. Passada esta
fase, muitos problemas foram detectados por conta da demora de licenças
ambientais, por deficiência técnica das empreiteiras, pela burocracia para os
recursos chegarem às obras, entre outros”, resume.
Édison
Carlos ressalta
que o atual quadro do saneamento básico no Brasil é explicado pelo “descaso
público por décadas”. “Prevaleceram primordialmente as obras de abastecimento
de água, e o esgoto foi deixado de lado”, pontua. Ele lembra ainda que “o
saneamento básico só ganhou uma Lei Federal em 2007, quando o setor ganhou
as novas diretrizes, obrigando os municípios, por exemplo, a fazerem
um Plano Municipal de Saneamento”. De acordo com o presidente do Instituto
Trata Brasil, os recursos financeiros para o saneamento básico já estão
disponíveis, os problemas, contudo, “estão na execução destas obras. Ainda
falta um caminho longo a percorrer, mas não há como negar que o saneamento
básico, hoje, tem um olhar mais crítico do que anos atrás. A Copa do
Mundo não ajudou em absolutamente nada o saneamento”.
Com a promulgação
da Lei
11.445/2007, Édison
Carlos diz que havia esperança de que os municípios levassem mais a sério
o setor, “mas não é bem isso que acontece atualmente. Pela Lei, por exemplo,
todas as cidades deveriam ter entregado seus Planos Municipais de Saneamento
Básico até 2010, prazo estendido a 2013 e há pouco novamente postergado a
2015. Mais da metade dos municípios não tem seus serviços regulados por
agências reguladoras (outra obrigação legal)”, conclui.
CONFIRA A
ENTREVISTA:
· Quais são os principais
apontamentos feitos pelo monitoramento “De Olho no PAC”, realizado pelo
Instituto Trata Brasil, especialmente em relação ao tratamento de água e
esgoto?
Édison Carlos
- Foram analisadas 219 obras do PAC nos municípios com uma
população superior a 500 mil habitantes; foram 149 obras de esgotos e 70 de
água. Nas obras de esgotos, de 2007 até dezembro de 2013, foram 24% de obras de
esgotos do PAC 1 concluídas e 19% considerando a soma dos 2
PACs. Nas obras de água, o cenário vai de 34% de obras concluídas no PAC
1 até 27% quando se consideram os 2 PACs.
· Quais são as
principais obras de saneamento desenvolvidas pelo PAC Saneamento?
Édison Carlos
- Geralmente, as obras de ampliação do sistema sanitário (redes de coleta
e estações de tratamento de esgotos) são mais evidentes nas cidades que
monitoramos dentro do relatório “De Olho no PAC”. Nas obras de água
prevalece a ampliação do sistema de abastecimento (de estações de tratamento,
adutoras e redes de distribuição).
· Por quais razões
54% das obras do PAC Saneamento estão atrasadas ou paradas?
Édison Carlos
- Na maior parte do PAC
1,
os maiores problemas foram gerados pela apresentação de projetos com problemas
(desatualizados ou tecnicamente falhos). Nas primeiras inspeções e análises dos
técnicos, as obras foram paralisadas por problemas nos projetos. Passada esta
fase, muitos problemas foram detectados por conta da demora de licenças
ambientais, por deficiência técnica das empreiteiras, pela burocracia para os
recursos chegarem às obras, entre outros. Quando as obras são paralisadas, os
recursos do governo federal ficam congelados e só voltam ao responsável da obra
quando tudo se normaliza.
· Como entender os
problemas com saneamento nos últimos anos, em que o Estado investiu dinheiro
público em obras da Copa, por exemplo?
Édison Carlos
- É importante entendermos que o saneamento foi um setor que sofreu com o
descaso público por décadas; prevaleceram primordialmente as obras de
abastecimento de água, e o esgoto foi deixado de lado. O saneamento básico só
ganhou uma Lei Federal em 2007, quando o setor ganhou as novas diretrizes,
obrigando os municípios, por exemplo, a fazerem um Plano Municipal de
Saneamento. Os recursos financeiros existem por parte do Governo Federal,
bilhões de reais já foram destinados para as obras do PAC, por exemplo,
entretanto os problemas estão na execução destas obras. Ainda falta um caminho
longo a percorrer, mas não há como negar que o saneamento básico, hoje, tem um
olhar mais crítico do que anos atrás. A Copa
do Mundo não
ajudou em absolutamente nada o saneamento.
· O
monitoramento “De
olho no PAC” analisou
a situação do saneamento básico em cidades com mais de 500 mil habitantes. É
possível traçar um perfil dessas cidades? Quais indicativos apontam para a
falta de saneamento básico em regiões populosas?
Édison Carlos
- São as grandes cidades brasileiras; parte delas são capitais e as outras
são grandes cidades das regiões metropolitanas. Os problemas variam de cidade
para cidade; em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, ainda
há condomínios luxuosos que não são conectados às redes de esgotos e trabalham
no sistema de fossa e até mesmo de poços artesianos como fonte de água; porém,
são estados que também sofrem com as áreas irregulares, não contempladas com os
serviços de saneamento devido a questões judiciais.
Nas regiões
do Nordeste e Norte, a ausência do saneamento é histórica; ainda
existem municípios em que a população não aceita pagar por uma taxa mínima para
se ligar à rede
de esgoto,
ou seja, precisamos informar melhor a população sobre a importância de ter
saneamento como forma de melhorar nossa qualidade de vida.
· O Instituto Trata
Brasil assinala as capitais João Pessoa, Natal, Belém e Fortaleza como as que
enfrentam maiores dificuldades em relação ao enfrentamento dessa questão. Qual
a situação dessas capitais? Por que a questão do saneamento está atrasada em
relação às demais capitais?
Édison Carlos
- Praticamente todas as obras destas capitais estão paralisadas ou
atrasadas por questões contratuais. Eu ressalto que a própria Região Sul
do Brasil também enfrenta sérios problemas com o saneamento básico,
principalmente Santa Catarina. Não é uma questão econômica, é mais uma
questão cultural.
· O Instituto Trata
Brasil chama a atenção para o valor de 121 milhões gastos em 2013 para tratar
de pacientes que sofreram com infecções gastrointestinais por conta da poluição
da água. Quais são, por outro lado, os gastos com saneamento?
Édison Carlos
- De acordo com o Governo Federal, os investimentos em saneamento em
2012 foram de R$ 9,7 bilhões, mas este valor ainda é muito baixo comparando-se
com os valores necessários para universalizar os serviços até 2033, segundo
o Plano
Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB do Governo Federal.
Pelo PLANSAB seriam necessários R$ 304 bilhões para água e esgotos em
20 anos, ou seja, pouco mais de R$ 15 bilhões por ano. Estamos, portanto, muito
longe do necessário para ter essa infraestrutura básica em 20 anos.
· De acordo com
a pesquisa
do Trata Brasil,
34 milhões de pessoas não são atendidas com rede de água e 103 milhões de
brasileiros não estão conectados às redes de esgoto. O que isso significa
considerando a população brasileira?
Édison Carlos
- 17% da população não recebe água tratada e 51% não tem acesso à coleta
de esgotos.
· Há soluções
práticas para resolver a questão do saneamento básico no Brasil no curto prazo?
Édison Carlos
- Saneamento não se resolve da noite para o dia, mas tudo começa sendo
prioridade para prefeitos e governadores. Existem leis, mas não há punição para
quem não as cumpre. Com a Lei
11.445/2007,
a esperança era de que os municípios levassem mais a sério o setor, mas não é
bem isso que acontece atualmente. Pela Lei, por exemplo, todas as cidades
deveriam ter entregado seus Planos Municipais de Saneamento
Básico até 2010, prazo estendido a 2013 e há pouco novamente postergado a
2015. Mais da metade dos municípios não tem seus serviços regulados por
agências reguladoras (outra obrigação legal).
Quem tem o poder de
mudar a situação, portanto, é o cidadão. Precisamos cobrar providências aos
nossos governantes. O papel do Instituto Trata Brasil é o de informar
a população para sensibilizar cada pessoa de que saneamento é um problema a ser
discutido em conjunto com o poder público. Com as eleições se aproximando, é
importante que sejam analisadas as propostas dos candidatos e que no futuro
sejam cobradas as suas ações.
Fonte: Entrevista com Édison Carlos, para IHU
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