SP:
servidor que pediu investigação sobre armadilhas da dengue é removido do cargo
Um dia depois de
a Agência Pública mostrar que a Controladoria-Geral do Município
(CGM) de São Paulo iniciou uma sindicância para apurar se armadilhas contra a
dengue compradas pela prefeitura podem ter aumentado o número de
casos na capital, o servidor responsável pelo pedido de investigação foi
removido de sua função.
O Diário Oficial do
município de 12 de fevereiro registrou que
Aldo Lúcio Santillo, auditor municipal de Controle Interno, foi removido da
Corregedoria-Geral do Município e realocado na Coordenadoria de Promoção da
Integridade e Boas Práticas, um setor interno da CGM que não atua diretamente
com sindicâncias.
A CGM é o órgão que
apura possíveis casos de corrupção na gestão municipal, e Santillo foi o
servidor responsável por analisar as suspeitas de irregularidades na compra das
armadilhas, que vêm sendo reveladas pela Pública desde
o ano passado.
Em dezembro de 2024, a CGM recebeu
o prazo de 30 dias para informar ao Ministério Público (MP) de São Paulo se
tomou providências sobre as suspeitas, que já haviam se tornado alvo de
investigação na promotoria desde janeiro.
De acordo com servidores da
CGM ouvidos pela reportagem em condição de anonimato, Santillo fez uma
pré-apuração, encontrou materialidade nas denúncias e recomendou que elas
fossem analisadas com mais profundidade em uma sindicância. Ele concluiu o
parecer em 20 de dezembro. Nos dias seguintes, seus argumentos receberam aval
do setor jurídico da CGM, da Corregedoria-Geral e, por fim, do
controlador-geral do município, Daniel Falcão, em 22 de janeiro – o pontapé
inicial para a investigação.
A Pública apurou
com servidores que houve pressão interna para que o auditor fosse penalizado,
depois da publicação da reportagem. Segundo as pessoas ouvidas, o prefeito
Ricardo Nunes (MDB-SP) teria ficado incomodado com o vazamento da sindicância
para a imprensa.
Santillo foi procurado, mas
não quis comentar. Seus colegas o descreveram como um servidor profissional e
imparcial.
“A sindicância vai seguir,
mas uma pressão dessas vindo pela chefia vai acabar impedindo uma apuração mais
correta”, disse uma das pessoas ouvidas. “Acho que a atuação da Controladoria
deveria ser o mais independente possível, e não é o que está ocorrendo”,
completou.
Em nota, a CGM não confirmou
se as investigações terão continuidade, mas informou que a movimentação do
servidor foi “uma ação administrativa de rotina, visando melhor organização dos
trabalhos”. “A Coordenadoria de Promoção da Integridade e Boas Práticas [para
onde Santillo foi realocado] é uma área fundamental para a CGM e tem como
principal atribuição promover a transparência pública e fomentar a participação
da sociedade civil na prevenção da corrupção”, diz o texto.
Também em nota, a Secretaria
de Saúde refutou que as armadilhas contra a dengue seriam ineficazes. O órgão
disse que teria havido uma redução de cerca de 20% nos casos de dengue em áreas
com as armadilhas se comparadas a outros territórios com características
similares. Em 2025, ainda segundo o município, a queda teria sido de 32,6% nos
primeiros 42 dias do ano. A secretaria, no entanto, não explicou como fez a
medição dos números, quais foram as áreas analisadas e os critérios usados para
comparação. A reportagem pediu duas vezes para ter acesso à íntegra dos dados,
mas isso não ocorreu até a publicação desta reportagem.
·
Falhas nas
armadilhas podem ter levado a aumento de mortes
De acordo com o relatório da
CGM, o fato mais grave foi a falta de manutenção nas armadilhas, que deveria
ocorrer a cada quatro semanas, segundo o fabricante, ou no máximo a cada três
meses, de acordo com a Secretaria de Saúde. Mas dados da mesma secretaria
mostram que a manutenção só aconteceu, em média, a cada sete meses – quando o
veneno que deveria matar o mosquito da dengue já estava vencido há bastante
tempo.
Com isso, as armadilhas, que
deveriam contaminar os insetos e matar suas larvas, podem ter se tornado
criadouros e aumentado a sua proliferação. O ano de 2024 foi o mais
mortífero em casos de dengue na capital. Foram 522 óbitos no período, um
aumento de mais de 5.000% em relação ao ano anterior – e muito superior a
todos os outros da série histórica, que começa em 2007.
O esperado é que 2025 seja
mais um ano epidêmico. Até o momento, houve uma morte confirmada no município,
de uma menina de 11 anos. Ela não havia tomado a vacina, disponível para
crianças de 10 a 14 anos em 1.932 municípios, entre eles São Paulo.
·
Vereador quer
CPI sobre armadilhas da dengue em SP
O vereador Toninho Vespoli
(PSOL) protocolou no último dia 14 um pedido para abrir uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar “se as armadilhas contra o
mosquito da dengue, em vez de combater sua proliferação, acabaram agravando a
epidemia na cidade, uma vez que possível ineficácia dessas armadilhas pode ter
exposto a população ao aumento expressivo de casos de dengue, colocando em
risco a saúde pública e a integridade dos cidadãos”.
O requerimento tem, até
agora, quatro assinaturas. Além de Vespoli, também assinaram Nabil Bonduki
(PT), Amanda Paschoal (PSOL) e Silvia Ferraro, da Bancada Feminista (PSOL). O
pedido precisa de 19 assinaturas para ser votado no plenário da Câmara
Municipal.
O vereador acredita que deve
conseguir o número necessário nos próximos dias, uma vez que os partidos de
oposição na Casa (PT, PSOL, Rede e PSB) somam 18 integrantes.
O empresário que vendeu as
armadilhas para a prefeitura, Marco Antônio Bertussi, é um velho conhecido de Ricardo Nunes. Os dois se conheceram antes
de o prefeito entrar na política. Em 2007, fundaram juntos uma associação de
empresas de controle de pragas. Quando era vereador, Nunes intermediou reuniões
para o amigo na Secretaria de Saúde.
Em uma das reuniões, a
prefeitura concordou em fazer um teste com as armadilhas. Os resultados foram
inconclusivos – um primeiro estudo indicou que a redução de mosquitos foi em
“níveis baixos”, e um segundo nunca teve resultados publicados. Ainda assim, o
teste foi a justificativa da prefeitura para abrir a licitação, já com Nunes
como prefeito, para comprar as armadilhas. A vencedora foi a Biovec, empresa de
Bertussi.
Mas a participação do amigo
de Nunes não se limitou a ganhar o contrato inicial de R$ 19 milhões – e que
posteriormente ganhou outros aditivos, totalizando mais de R$ 40 milhões.
Na fase de pesquisa de
preços da licitação, as três empresas que participaram tinham ligação com o
empresário. Além da Biovec, também participaram a TN Santos, outra empresa de
Bertussi, e a Biolive, uma empresa de Salvador ligada a um sócio de Bertussi.
A sindicância da CGM irá
verificar se houve prática de corrupção contra a administração pública e
prejuízo ao erário com a compra das armadilhas.
Fonte: Por Amanda Audi, da Agencia
Pública
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