quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Eliara Santana: De pesquisa e outros demônios

Tomo emprestado o título de um livro de Gabriel Garcia Marques que adoro, “De amor e outros demônios”, para comentar brevemente algumas questões relativas à ultima pesquisa Datafolha sobre a popularidade do presidente Lula. Quero de antemão adiantar que a intenção não é problematizar crer ou não crer em pesquisas – não entro em debate infrutífero só para marcar posicionamento. Quero trazer alguns aspectos para que possamos pensar de modo mais abrangente e encontrar caminhos de enfrentamento – porque sim, quero que o projeto que está tirando minimamente pessoas da miséria seja reeleito.

Primeiramente, saliento que somente insistir nos problemas específicos do governo como causadores da enorme queda de popularidade do presidente Lula não nos dá a necessária compreensão do contexto. Há problemas? Sem dúvida. Erros enormes na comunicação, erros com a taxação das blusinhas, a condução da questão do Pix, a quase ocultação dos feitos do governo, um certo distanciamento de Lula do contato com a população e na mídia, ingerência de quem não deveria estar palpitando, articulação política sofrível – quase uma desarticulação, e vários outros aspectos. No entanto, esse conjunto de equívocos, por si só, não explica a queda mostrada pela pesquisa.

Em segundo lugar, é preciso considerar que os números macro do governo são muito bons. Saímos de um período de trevas com Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (que estava recentemente sendo premiado) para uma realidade, em dois anos, de PIB crescendo e surpreendendo o Deus Mercado, desemprego em queda, aeroportos e rodoviárias lotados, consumo das famílias em alta – sim, lembrando a saudosa Maria da Conceição Tavares, “ninguém come PIB”, mas o aumento de agora está se refletindo na melhoria da economia em geral e da condição de vida das pessoas, com aumento de renda das famílias e aumento das ofertas de emprego. Sugiro que deem uma rápida caminhada pelas grandes cidades e vejam a quantidade de prédios gigantescos sendo construídos. Para quem, se a economia está tão ruim? A construção civil está enlouquecida investindo e construindo para ninguém?

Em relação ao preço dos alimentos: há sim aumento de preços no supermercado, no sacolão, no açougue que pesa no orçamento das famílias. Mas “carestia” é uma construção, até porque a inflação não está disparada. E sugiro outro passeio: olhem atentamente os supermercados que todos frequentamos, estão entupidos. Os aumentos sazonais sempre ocorreram, e as donas de casa sempre buscaram alternativas – não estou dizendo que deixam de comprar, não é isso, estou dizendo que há um rearranjo doméstico que movimenta na direção da escolha do mais barato. Por outro lado, o governo já sinalizou que vai utilizar os estoques reguladores – e aqui é importante lembrar que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) retomou, em 2023,  a formação de estoques públicos pelo governo federal, que estava totalmente destruída há seis anos. Também acho interessante lembrar que o agro é pop é apoiador de iniciativas golpistas.

Muito bem, há ainda questões estruturais relevantes para a compreensão dos resultados da pesquisa. É fato que a direita/extrema direita cresceu e vem crescendo muito no interior do Brasil – em concomitância ao enorme crescimento das igrejas evangélicas. Outro ponto: o PL Mulher, Michelle Bolsonaro à frente, tem contribuído muito para isso. Ressalto de novo o papel dela. Some-se a isso o escândalo das emendas parlamentares, distribuídas ao bel prazer dos parlamentares que alimentam suas bases no interior com muito dinheiro. E falta, ainda, um trabalho coerente de educação político-midiática que coloco como uma questão essencial para o Brasil – mas sempre ignorada. 

Dito isso tudo, chego então ao alerta que a pesquisa despertou em mim. Há novamente em curso uma fabricação de percepção negativa em relação ao governo, e em tudo semelhante, mesmos padrões, ao que já ocorreu em 2014. De novo: reconheço que há problemas sim, não estou tapando sol com a peneira nem fazendo torcida organizada, mas reafirmo que somente o conjunto de problemas mostrados não justifica essa queda na popularidade do presidente – ainda mais que a pesquisa Quaest mostrou que no quesito intenção de voto para 2026 Lula ganha de todos.

Nesse sentido, quero chamar atenção para que todos observem como foram tratados pela mídia os dados POSITIVOS da economia – são PROBLEMAS porque impactam a inflação. Queda no desemprego, aumento no consumo das famílias, PIB, tudo tratado como problema. Institui-se a ideia de “gastança” do governo. A economia passa a ser tratada pelo viés negativo deliberadamente. Não há assunto positivo, apenas um discurso martelando diuturnamente ideias como “descontrole”, “gastança”, “carestia” – e está criada a sensação de que tudo está ruim, e esse discurso toma conta do bar, do supermercado, da padaria, do sacolão.

Vejam também o modo como o presidente da Argentina, Javier Milei, acusado de golpe financeiro com criptomoeda, que solapou direitos dos argentinos e jogou milhares na pobreza, é tratado pela mídia brasileira: como exemplo de governo correto que promove ajuste econômico! Vejam o que ocorreu com a alta do dólar, especulação pura, sumiu de cena o assunto. Vejam as avaliações midiáticas sobre o aumento do PIB e a queda no desemprego: problemas à vista. É a construção do consenso, como nos ensinou Chomsky. O que aparece é apenas e tão somente negativo. Reeditaram o repertório corrupção. A parceria mídia e Lava Jato está por aí querendo voltar. 

Foi assim lá atrás, em 2014. Quando o Brasil crescia e Dilma Rousseff seguia plena para a reeleição. Mesma dupla de repertórios – crise econômica (inflação sem controle) e corrupção –, mesmo alinhamento midiático (com algumas nuances agora). Mesmo desejo oculto: as elites não querem Lula candidato à reeleição – as elites não querem desemprego em queda.  Sigam o fio: primeiro, Lula era senil como Biden e a idade prejudicava – não colou; depois, o governo promove “gastança”, não controla contas, não controla dólar, não controla inflação – não pegou como queriam; terceiro, há indícios de corrupção mostrada por uma ONG no mínimo esquisita – não colou totalmente, mas lançou o germe da dúvida e da percepção negativa de “governo corrupto”; quarto, apesar de tudo, pesquisa mostra que Lula é favorito; quinto, é preciso incrementar a desconstrução da imagem.  

Repito: há problemas no âmbito do Governo, mas desconsiderar a potência da ação das elites financeiras que mobilizam os imaginários é trazer à tona uma análise capenga, que não deu conta de perceber 2014, 2016, 2018. É preciso analisar as várias camadas do resultado e da proposição da pesquisa e o contexto midiático, sem arroubos de “sabemos o que estamos falando, as pesquisas são soberanas”. Há equívocos do governo sim. Mas afirmo e reafirmo: somente esses equívocos não justificam essa queda. Não justificam. Basta lembrar que sob o governo Bolsonaro, mais de 700 mil brasileiros morreram na pandemia, e o Brasil voltou ao mapa da fome da ONU. Nada disso abalou o então presidente, que chegou forte como candidato à reeleição.

Por fim, quero ainda enfatizar que há uma descrença na política que foi construída lá atrás, ainda sob o manto da Lava Jato, que é instrumentalizada e incentivada e que  cria o caos e a desordem. A extrema direita bebe dessa fonte, mas não apenas ela. Antes, a mídia tradicional já mobilizou essa força, e nos legou Jair Bolsonaro.

É preciso criar a reação, a contra-percepção, mostrar o que tem sido feito apesar do caos encontrado. NÃO É GASTANÇA, É INVESTIMENTO EM SAÚDE, COM REMÉDIO DE GRAÇA. NÃO É GASTANÇA, É INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO COM DINHEIRO PARA SEU FILHO ESTUDAR. Algo assim, propositivo e de fácil entendimento.

Sigamos na mobilização.

 

¨      É a política, estúpido! Por Luís Nassif

Ficou famosa a frase do marqueteiro do Partido Democrata norte-americano: “é a economia, estúpido!”. No atual processo de queda da popularidade de Lula, a frase correta é: “É a política, estúpido!”.

Há um contorcionismo extraordinário para tirar a responsabilidade do presidente da República e jogá-la em fatores externos: ora a comunicação pública, ora o preço dos alimentos.

Foge-se da questão central: falta uma cara ao governo. É uma questão política. Por “política” entenda-se a definição de um projeto de futuro abrangente, que junte a maioria do país respondendo à questão essencial: o que queremos e podemos ser?

<><> O jogo do impeachment

Para quem tem olhos para ver: já começou o jogo do impeachment.  Os indícios são os mesmos do processo pré-impeachment de Dilma Rousseff. A estratégia consiste em atuar em várias frentes, afastando todos os aliados ou grupos que meramente possam fazer oposição ao processo de impeachment.

Uso da questão fiscal, como já ocorreu com o programa Pé-de-Meia. De um lado monta-se um terrorismo em torno da suposta gastança, deixa-se de lado a conta de juros e esvaziam-se os programas distributivos. Cai a popularidade de Lula e, na outra ponta, aguarda-se qualquer avanço de sinal no front fiscal para o TCU (Tribunal de Contas da União) dar o bote.

A decisão do TCU, de investigar 11 (onze!) meses específicos da Previ (o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) é sinal nítido. A ideia é desalojar da presidência um sindicalista ligado a Lula.

A decisão do Procurador Geral da República, Paulo Gonet, de arquivar o inquérito contra a Lava Jato, e a criação do GAECO (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado) federal, mostram claramente a intenção de retomar o protagonismo político do Ministério Público Federal. GAECO federal é relevante, essencial para o combate ao crime organizado. O problema é a maneira como irá empoderar um PGR claramente conservador, em um momento em que o presidencialismo de coalizão deixa várias brechas abertas para futuras investigações, abrindo espaço para manipulações tipo as ocorridas no mensalão e na Lava Jato. A denúncia contra Bolsonaro não vai mudar nada. Há tempos a direita descartou o ex-presidente.

Terrorismo com a inflação. No período Dilma, o Jornal Nacional passou uma semana falando em hiperinflação, devido ao estouro do preço do… tomate. Agora, monta-se um terrorismo com uma inflação anual de menos de 5%, obrigando ao aumento da Selic que, por sua vez, deflagra a contagem regressiva para a bomba da dívida pública.

Os primeiros ataques aos chamados blogs progressistas. Semana passada a Folha divulgou, como denúncia (!), que bancos públicos também anunciam em portais fora do eixo da mídia corporativa. Isso, em meio a publicidade da Sabesp, do governo do Estado, da prefeitura de São Paulo e do próprio governo federal na Folha. Depois, O Globo informando que o clipping que chega a Lula é preparado pela primeira-dama Janja, só com matérias dos ditos jornais progressistas.

É curioso, aliás, esse paradoxo da informação. Para evitar críticas e pressões, Lula se afastou de todos aqueles que atuaram na linha de frente anti-impeachment, se afastou dos antigos aliados, despolitizou totalmente o debate público – através da Secom (Secretaria de Comunicação), da EBC, das manifestações do presidente -, julgando que o país já teria aprendido com o fator Bolsonaro e aceitaria montar a conciliação em torno da sua figura.

Fôsse um país racional, o pacto seria aceito. Mas o preconceito contra Lula é extremamente arraigado para ceder a qualquer movimento de bom senso.

Lula não conquistou a confiança dos liberais-conservadores e está perdendo contato com a base. Daí a necessidade urgente de uma mudança de rumo.

<><> As estratégias

Há dois pontos a se considerar. 

O primeiro, é que muito foi feito até agora, depois do desmonte promovido pelos governos Temer e Bolsonaro. Conseguiu-se uma reforma tributária que estava pendente há anos. Acertou-se a questão fiscal – cujo problema só sobrevive no terrorismo midiático. Conseguiu-se levar o Banco Central aos trancos e barrancos, até a saída de Roberto Campos Neto.

Além disso, há de se considerar que as pesquisas de agora refletem alguns momentos ruins, como a especulação cambial, a crise do Pix e a inflação de alimentos. Esses fatos nublam os pontos positivos, a redução do desemprego, o crescimento do PIB, apesar da Selic desmedida.

Mesmo assim, há um movimento explícito da oposição-mercado-mídia de avançar em um discurso preparatório do impeachment, caso não haja uma reação do governo. E o desafio maior é dar uma cara ao governo, na construção de uma perspectiva de futuro.

Transição energética, novas formas de industrialização, a geopolítica mundial, com a disputa Estados Unidos x China, abrem espaço para um grande projeto, capaz de contentar investidores brasileiros – que poderão ser sócios dos novos empreendimentos -, gerar empregos, permitir os acordos amplos de tecnologia com a China, fortalecer as políticas de apoio às pequenas empresas – as industriais, a agricultura familiar, a organização das favelas. E, principalmente, mostrar o futuro para a opinião pública.

Muitas coisas estão sendo feitas, através de estruturas existentes – muitas plantadas nos primeiros governos Lula. Mas o presidente ainda não acordou para seu potencial.

A saída é a criação de grupos de trabalho interministerial, com participação de setores da sociedade civil, aporte dos estudos acadêmicos, visando definir prioridades, prazos e metas.

Lula sabe disso. Descreveu perfeitamente no discurso na sessão de encerramento da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Resta apenas romper com a inércia.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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