Eliara Santana: De
pesquisa e outros demônios
Tomo emprestado o
título de um livro de Gabriel Garcia Marques que adoro, “De amor e outros
demônios”, para comentar brevemente algumas questões relativas à ultima
pesquisa Datafolha sobre a popularidade do presidente Lula. Quero de antemão
adiantar que a intenção não é problematizar crer ou não crer em pesquisas – não
entro em debate infrutífero só para marcar posicionamento. Quero trazer alguns
aspectos para que possamos pensar de modo mais abrangente e encontrar caminhos
de enfrentamento – porque sim, quero que o projeto que está tirando minimamente
pessoas da miséria seja reeleito.
Primeiramente,
saliento que somente insistir nos problemas específicos do governo como
causadores da enorme queda de popularidade do presidente Lula não nos dá a
necessária compreensão do contexto. Há problemas? Sem dúvida. Erros enormes na
comunicação, erros com a taxação das blusinhas, a condução da questão do Pix, a
quase ocultação dos feitos do governo, um certo distanciamento de Lula do
contato com a população e na mídia, ingerência de quem não deveria estar
palpitando, articulação política sofrível – quase uma desarticulação, e vários
outros aspectos. No entanto, esse conjunto de equívocos, por si só, não explica
a queda mostrada pela pesquisa.
Em segundo lugar, é
preciso considerar que os números macro do governo são muito bons. Saímos de um
período de trevas com Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (que estava recentemente
sendo premiado) para uma realidade, em dois anos, de PIB crescendo e
surpreendendo o Deus Mercado, desemprego em queda, aeroportos e rodoviárias
lotados, consumo das famílias em alta – sim, lembrando a saudosa Maria da
Conceição Tavares, “ninguém come PIB”, mas o aumento de agora está se
refletindo na melhoria da economia em geral e da condição de vida das pessoas,
com aumento de renda das famílias e aumento das ofertas de emprego. Sugiro que
deem uma rápida caminhada pelas grandes cidades e vejam a quantidade de prédios
gigantescos sendo construídos. Para quem, se a economia está tão ruim? A
construção civil está enlouquecida investindo e construindo para ninguém?
Em relação ao preço
dos alimentos: há sim aumento de preços no supermercado, no sacolão, no açougue
que pesa no orçamento das famílias. Mas “carestia” é uma construção, até porque
a inflação não está disparada. E sugiro outro passeio: olhem atentamente os
supermercados que todos frequentamos, estão entupidos. Os aumentos sazonais
sempre ocorreram, e as donas de casa sempre buscaram alternativas – não estou
dizendo que deixam de comprar, não é isso, estou dizendo que há um rearranjo
doméstico que movimenta na direção da escolha do mais barato. Por outro lado, o
governo já sinalizou que vai utilizar os estoques reguladores – e aqui é
importante lembrar que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) retomou,
em 2023, a formação de estoques públicos pelo governo federal, que estava
totalmente destruída há seis anos.
Muito bem, há ainda
questões estruturais relevantes para a compreensão dos resultados da pesquisa.
É fato que a direita/extrema direita cresceu e vem crescendo muito no interior
do Brasil – em concomitância ao enorme crescimento das igrejas evangélicas.
Outro ponto: o PL Mulher, Michelle Bolsonaro à frente, tem contribuído muito
para isso. Ressalto de novo o papel dela. Some-se a isso o escândalo das
emendas parlamentares, distribuídas ao bel prazer dos parlamentares que
alimentam suas bases no interior com muito dinheiro. E falta, ainda, um
trabalho coerente de educação político-midiática que coloco como uma questão
essencial para o Brasil – mas sempre ignorada.
Dito isso tudo, chego
então ao alerta que a pesquisa despertou em mim. Há novamente em curso uma
fabricação de percepção negativa em relação ao governo, e em tudo semelhante,
mesmos padrões, ao que já ocorreu em 2014. De novo: reconheço que há problemas
sim, não estou tapando sol com a peneira nem fazendo torcida organizada, mas
reafirmo que somente o conjunto de problemas mostrados não justifica essa queda
na popularidade do presidente – ainda mais que a pesquisa Quaest mostrou que no
quesito intenção de voto para 2026 Lula ganha de todos.
Nesse sentido,
quero chamar atenção para que todos observem como foram tratados pela mídia os
dados POSITIVOS da economia – são PROBLEMAS porque impactam a inflação. Queda
no desemprego, aumento no consumo das famílias, PIB, tudo tratado como
problema. Institui-se a ideia de “gastança” do governo. A economia passa a ser
tratada pelo viés negativo deliberadamente. Não há assunto positivo, apenas um
discurso martelando diuturnamente ideias como “descontrole”, “gastança”,
“carestia” – e está criada a sensação de que tudo está ruim, e esse discurso
toma conta do bar, do supermercado, da padaria, do sacolão.
Vejam também o modo
como o presidente da Argentina, Javier Milei, acusado de golpe financeiro com
criptomoeda, que solapou direitos dos argentinos e jogou milhares na pobreza, é
tratado pela mídia brasileira: como exemplo de governo correto que promove
ajuste econômico! Vejam o que ocorreu com a alta do dólar, especulação pura,
sumiu de cena o assunto. Vejam as avaliações midiáticas sobre o aumento do PIB
e a queda no desemprego: problemas à vista. É a construção do consenso, como
nos ensinou Chomsky. O que aparece é apenas e tão somente negativo. Reeditaram
o repertório corrupção. A parceria mídia e Lava Jato está por aí querendo
voltar.
Foi assim lá atrás,
em 2014. Quando o Brasil crescia e Dilma Rousseff seguia plena para a
reeleição. Mesma dupla de repertórios – crise econômica (inflação sem controle)
e corrupção –, mesmo alinhamento midiático (com algumas nuances agora). Mesmo
desejo oculto: as elites não querem Lula candidato à reeleição – as elites não
querem desemprego em queda. Sigam o fio: primeiro, Lula era senil como
Biden e a idade prejudicava – não colou; depois, o governo promove “gastança”,
não controla contas, não controla dólar, não controla inflação – não pegou como
queriam; terceiro, há indícios de corrupção mostrada por uma ONG no mínimo
esquisita – não colou totalmente, mas lançou o germe da dúvida e da percepção
negativa de “governo corrupto”; quarto, apesar de tudo, pesquisa mostra que
Lula é favorito; quinto, é preciso incrementar a desconstrução da
imagem.
Repito: há
problemas no âmbito do Governo, mas desconsiderar a potência da ação das elites
financeiras que mobilizam os imaginários é trazer à tona uma análise capenga,
que não deu conta de perceber 2014, 2016, 2018. É preciso analisar as várias
camadas do resultado e da proposição da pesquisa e o contexto midiático, sem
arroubos de “sabemos o que estamos falando, as pesquisas são soberanas”. Há
equívocos do governo sim. Mas afirmo e reafirmo: somente esses equívocos não
justificam essa queda. Não justificam. Basta lembrar que sob o governo
Bolsonaro, mais de 700 mil brasileiros morreram na pandemia, e o Brasil voltou
ao mapa da fome da ONU. Nada disso abalou o então presidente, que chegou forte
como candidato à reeleição.
Por fim, quero
ainda enfatizar que há uma descrença na política que foi construída lá atrás,
ainda sob o manto da Lava Jato, que é instrumentalizada e incentivada e
que cria o caos e a desordem. A extrema direita bebe dessa fonte, mas não
apenas ela. Antes, a mídia tradicional já mobilizou essa força, e nos legou
Jair Bolsonaro.
É preciso criar a
reação, a contra-percepção, mostrar o que tem sido feito apesar do caos
encontrado. NÃO É GASTANÇA, É INVESTIMENTO EM SAÚDE, COM REMÉDIO DE GRAÇA. NÃO
É GASTANÇA, É INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO COM DINHEIRO PARA SEU FILHO ESTUDAR.
Algo assim, propositivo e de fácil entendimento.
Sigamos na
mobilização.
¨ É a política, estúpido! Por Luís Nassif
Ficou famosa a
frase do marqueteiro do Partido Democrata norte-americano: “é a economia,
estúpido!”. No atual processo de queda da popularidade de Lula, a frase correta
é: “É a política, estúpido!”.
Há um
contorcionismo extraordinário para tirar a responsabilidade do presidente da
República e jogá-la em fatores externos: ora a comunicação pública, ora o preço
dos alimentos.
Foge-se da questão
central: falta uma cara ao governo. É uma questão política. Por “política”
entenda-se a definição de um projeto de futuro abrangente, que junte a maioria
do país respondendo à questão essencial: o que queremos e podemos ser?
<><> O
jogo do impeachment
Para quem tem olhos
para ver: já começou o jogo do impeachment. Os indícios são os mesmos do
processo pré-impeachment de Dilma Rousseff. A estratégia consiste em atuar em
várias frentes, afastando todos os aliados ou grupos que meramente possam fazer
oposição ao processo de impeachment.
Uso da questão
fiscal, como já ocorreu com o programa Pé-de-Meia. De um lado monta-se um
terrorismo em torno da suposta gastança, deixa-se de lado a conta de juros e
esvaziam-se os programas distributivos. Cai a popularidade de Lula e, na outra
ponta, aguarda-se qualquer avanço de sinal no front fiscal para o TCU (Tribunal
de Contas da União) dar o bote.
A decisão do TCU,
de investigar 11 (onze!) meses específicos da Previ (o fundo de pensão dos
funcionários do Banco do Brasil) é sinal nítido. A ideia é desalojar da
presidência um sindicalista ligado a Lula.
A decisão do
Procurador Geral da República, Paulo Gonet, de arquivar o inquérito contra a
Lava Jato, e a criação do GAECO (Grupo de Atuação Especial contra o Crime
Organizado) federal, mostram claramente a intenção de retomar o protagonismo
político do Ministério Público Federal. GAECO federal é relevante, essencial
para o combate ao crime organizado. O problema é a maneira como irá empoderar
um PGR claramente conservador, em um momento em que o presidencialismo de
coalizão deixa várias brechas abertas para futuras investigações, abrindo
espaço para manipulações tipo as ocorridas no mensalão e na Lava Jato. A
denúncia contra Bolsonaro não vai mudar nada. Há tempos a direita descartou o
ex-presidente.
Terrorismo com a
inflação. No período Dilma, o Jornal Nacional passou uma semana falando em
hiperinflação, devido ao estouro do preço do… tomate. Agora, monta-se um
terrorismo com uma inflação anual de menos de 5%, obrigando ao aumento da Selic
que, por sua vez, deflagra a contagem regressiva para a bomba da dívida
pública.
Os primeiros
ataques aos chamados blogs progressistas. Semana passada a Folha divulgou, como
denúncia (!), que bancos públicos também anunciam em portais fora do eixo da
mídia corporativa. Isso, em meio a publicidade da Sabesp, do governo do Estado,
da prefeitura de São Paulo e do próprio governo federal na Folha. Depois, O
Globo informando que o clipping que chega a Lula é preparado pela primeira-dama
Janja, só com matérias dos ditos jornais progressistas.
É curioso, aliás,
esse paradoxo da informação. Para evitar críticas e pressões, Lula se afastou
de todos aqueles que atuaram na linha de frente anti-impeachment, se afastou
dos antigos aliados, despolitizou totalmente o debate público – através da
Secom (Secretaria de Comunicação), da EBC, das manifestações do presidente -,
julgando que o país já teria aprendido com o fator Bolsonaro e aceitaria montar
a conciliação em torno da sua figura.
Fôsse um país
racional, o pacto seria aceito. Mas o preconceito contra Lula é extremamente
arraigado para ceder a qualquer movimento de bom senso.
Lula não conquistou
a confiança dos liberais-conservadores e está perdendo contato com a base. Daí
a necessidade urgente de uma mudança de rumo.
<><> As
estratégias
Há dois pontos a se
considerar.
O primeiro, é que
muito foi feito até agora, depois do desmonte promovido pelos governos Temer e
Bolsonaro. Conseguiu-se uma reforma tributária que estava pendente há anos.
Acertou-se a questão fiscal – cujo problema só sobrevive no terrorismo
midiático. Conseguiu-se levar o Banco Central aos trancos e barrancos, até a
saída de Roberto Campos Neto.
Além disso, há de
se considerar que as pesquisas de agora refletem alguns momentos ruins, como a
especulação cambial, a crise do Pix e a inflação de alimentos. Esses fatos
nublam os pontos positivos, a redução do desemprego, o crescimento do PIB,
apesar da Selic desmedida.
Mesmo assim, há um
movimento explícito da oposição-mercado-mídia de avançar em um discurso
preparatório do impeachment, caso não haja uma reação do governo. E o desafio
maior é dar uma cara ao governo, na construção de uma perspectiva de futuro.
Transição
energética, novas formas de industrialização, a geopolítica mundial, com a
disputa Estados Unidos x China, abrem espaço para um grande projeto, capaz de
contentar investidores brasileiros – que poderão ser sócios dos novos
empreendimentos -, gerar empregos, permitir os acordos amplos de tecnologia com
a China, fortalecer as políticas de apoio às pequenas empresas – as
industriais, a agricultura familiar, a organização das favelas. E,
principalmente, mostrar o futuro para a opinião pública.
Muitas coisas estão
sendo feitas, através de estruturas existentes – muitas plantadas nos primeiros
governos Lula. Mas o presidente ainda não acordou para seu potencial.
A saída é a criação
de grupos de trabalho interministerial, com participação de setores da
sociedade civil, aporte dos estudos acadêmicos, visando definir prioridades,
prazos e metas.
Lula sabe disso.
Descreveu perfeitamente no discurso na sessão de encerramento da 5ª Conferência
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Resta apenas romper com a inércia.
Fonte: Jornal GGN
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