Bepe Damasco:
A tempestade perfeita e o cerco ao governo
As análises de algumas figuras públicas do PT e aliados sobre a queda
vertiginosa da aprovação do governo federal, na última pesquisa Datafolha,
apontam como principal causa uma "tempestade perfeita", formada pelo
aumento dos preços dos alimentos, a subida do dólar (que já recuou de forma
considerável) e a maior fake news de todos os tempos, a do PIX.
Embora toque em pontos cruciais e que realmente impactaram no
crescimento da desaprovação ao governo, o problema dessa avaliação é que ela se
limita a fatores eventuais e passageiros, quando também há causas mais
estruturais que, pelo visto, o governo teima em não enxergar.
O massacre midiático incessante, por exemplo, é sem dúvida um dos
elementos importantes do cerco ao governo que não vem merecendo a atenção
devida. Canais de noticias 24 horas, como a GloboNews, dão tratamento editorial
até às notícias mais banais, promovendo um autêntico vale tudo para desgastar
Lula e seu governo.
Tudo é culpa do Lula, da falta de segurança nas cidades à ganância de
empresários que não param de remarcar preços; das secas às enchentes; das
doenças tropicais que há séculos fazem estrago no Brasil à negativa das pessoas
em se vacinar.
No jogo pesado da manipulação, Lula e seu governo são taxados ora de
frouxos por optarem pelo caminho da moderação diante das tarifas de Trump, ora
como radicais quando Lula ameaça retaliar os EUA.
Não é jornalismo, é militância política de direita.
E o governo assiste a tudo passivamente, enquanto o sentimento popular
"quem cala consente" avança. Claro que não se pode cercear a
liberdade de expressão e a Globo, embora viole pilares básicos do bom jornalismo,
tem o direito de seguir com sua cobertura politizada e parcial.
O que espanta é o governo não esboçar nenhum movimento para disputar a
narrativa da agenda política e econômica do país diariamente com a imprensa
comercial. Sem querer ser chato, mas já sendo, uma vez que já escrevi sobre
isso neste espaço zilhões de vezes, repito a pergunta: por que Lula não nomeia
uma porta-voz, para encontrar com os jornalistas todas as manhãs e contestar as
visões distorcidas e manipuladas da mídia a respeito dos fatos do momento e até
se antecipar a elas?
É importante fazer um diagnóstico amplo e reconhecer que o cerco ao
governo, que produziu o resultado do Datafolha, é poderoso e envolve, além da
imprensa, empenhada até a raiz dos cabelos em impedir que Lula seja reeleito em
2026, a Faria Lima, o agronegócio, a extrema-direita com sua máquina de fake
news, as bigtechs e agora Trump, além das igrejas neopentecostais.
Isso sem falar na maioria reacionária do Congresso Nacional e no
expressivo contingente de brasileiros irremediavelmente imbecilizados, capazes
de acreditar nas mentiras mais toscas e grosseiras disseminadas nas redes pelos
fascistas.
O jogo, portanto, não é para amadores. Já passou da hora de se combinar
as realizações de governo (na minha opinião, Lula 3 é a gestão petista que mais
entregou resultados em dois anos de mandato) com a adoção de uma linha de ação
de confronto político com a extrema-direita.
São bem-vindas as medidas em benefício do povo, programadas para
acontecer em breve, como o gás de graça para as famílias de baixa renda, o
empréstimo consignado para trabalhadores da iniciativa privada e a isenção de
Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. No entanto, sumirão na poeira se
o governo não entender que não vivemos tempos de paz e que cada ação sua deve
ser instrumento de disputa política.
A denúncia de Bolsonaro pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet,
por golpe de Estado pode ser uma grande oportunidade para acuar os extremistas
de direita. Aqui não cabe moderação, o negócio é empurrá-los precipício abaixo
mesmo.
Outro ponto essencial para que o governo consiga sair das cordas é o
preço da alimentação. O que li e ouvi até agora em termos de ideias para
reverter o quadro são claramente insuficientes para mudar o humor das pessoas.
Sabemos todos que a carestia é um problema complexo. Experiências
anteriores mostram que saídas heterodoxas, como o tabelamento de preços, acabam
piorando a situação e provocando desabastecimento.
Mas, por outro lado, é uma doce ilusão imaginar, como alguns ministros,
que apenas a queda do dólar e a supersafra que está a caminho tenham o condão
de derrubar os preços a ponto de reverter o desgaste do governo. É que os
preços subiram tanto, especialmente no governo Bolsonaro, que se caírem apenas
um pouco não será suficiente para melhorar a popularidade do governo.
É preciso que os preços sejam reduzidos a um patamar que caiba no
orçamento das pessoas, ou seja, que faça a diferença no bolso do consumidor.
Vejamos o caso do café: antes da pandemia, um pacote de meio quilo custava em
torno de R$ 9. Agora custa R$ 31 ou R$ 32. De nada adiantará, por exemplo, cair
para R$ 30.
Não sou especialista no assunto, mas não seria o momento de se apostar
na volta dos estoques reguladores em larga escala? Ou em um esforço concentrado,
e não apenas uma ou outra medida tópica, para turbinar a agricultura familiar?
O abrandamento de tarifas de produtos importados que estejam mais caros no
mercado interno é outra boa iniciativa.
Cabe ao governo usar a criatividade para conter os preços. O fato é que
boa parte da sociedade comprou a versão de que Lula é o culpado pela carestia.
Estão fazendo falta, por outro lado, mobilizações dos movimentos sociais
contra a anistia para golpistas e pelo fim da jornada de trabalho 6 x 1.
Penso que existe clima para se botar o bloco na rua. Pelo menos, é
importante tentar.
¨ Governo
pode virar o jogo da carestia; mas, para isso, precisa ousar. Por Jeferson
Miola
A
professora Isabella Weber, da Universidade de Massachusetts, entende que os
governos do México e da Espanha venceram as eleições em 2024 porque conseguiram
reverter a perda de popularidade causada pela inflação pós-pandemia e pelo
aumento do custo de vida.
López
Obrador e Pedro Sánchez venceram, em síntese, porque “tomaram medidas além do ajuste
das taxas de juros para combater a inflação e porque comunicaram claramente ao
público o que estavam fazendo para manter os preços baixos”.
“Esses [dois] casos mostram que, na luta
contra a inflação, existem alternativas reais para depender apenas da política
monetária. Os governos podem se manifestar e proteger os cidadãos contra
choques de custos em tempos de desastres, reforçando não apenas a economia, mas
também as chances do partido governante nas urnas”, afirma.
Eles
“adotaram medidas ousadas, incluindo controles de preços, subsídios e cortes e
aumentos de impostos. Essas ações não apenas ajudaram a conter a inflação, mas
também estimularam os partidos governantes à vitória, e, no caso da Espanha,
ajudaram a afastar extremistas de direita”.
Dentre
as medidas de emergência para compensar a perda do poder aquisitivo, López
Obrador estabeleceu um acordo com os oligopólios do setor da alimentação,
altamente concentrado, pelo qual foi definido um teto para o preço da cesta
básica com 24 produtos essenciais – “a maioria dos itens eram alimentos
básicos, incluindo quantidades definidas de arroz, óleo vegetal, peixe
enlatado, carne fresca, frutas e vegetais de acordo com os hábitos de consumo
semanal de uma família mexicana média. A cesta também incluía itens essenciais
de higiene, como papel higiênico e sabão”.
O
presidente mexicano comunicava à população todos os dias, no seu programa
matinal de entrevistas [La Mañanera], sobre as empresas que cumpriam e as que
descumpriam o acordo.
Além
do controle da cesta básica, a administração López Obrador adotou outras
políticas, como a garantia de preço mínimo e de estímulo à produção de
agricultores familiares para a formação de estoques de emergência de milho,
feijão, arroz e leite.
Ficaram
limitados “os preços da gasolina, do diesel e do gás liquefeito de petróleo,
bem como os preços da eletricidade para as famílias, por meio de subsídios que
foram pagos em parte pelas altas receitas da empresa estatal de petróleo,
PEMEX, em 2022”.
A
sucessora de López Obrador, Claudia Sheinbaum, foi eleita com 60% dos votos e
obteve maioria absoluta no Congresso.
A
professora Isabella relata que “o custo total das políticas de inflação do
México foi de 1,4% do PIB naquele ano [2023], ou cerca de US$ 20,4 bilhões, de
acordo com estimativas do governo” – cifra que representa pouco mais de 10% dos
quase 1 trilhão de reais desviados do Orçamento da União para pagamento dos
juros exorbitantes da dívida pública brasileira.
Na
Espanha, Pedro Sánchez também trilhou um caminho ousado, e na contramão da
maioria dos países europeus. Para compensar a explosão do preço do gás, que
multiplicou por dez devido à guerra na Ucrânia, ele fixou “um teto de preço
para o gás usado na geração de energia”, e “desvinculou os preços da energia
dos preços do gás”, ela descreve.
O
governo espanhol “também proibiu os proprietários de aumentar os aluguéis em
mais de dois por cento, reduziu drasticamente os custos de transporte público e
eliminou temporariamente o imposto sobre itens alimentares essenciais”. Sánchez
ainda criou um organismo “para monitorar os lucros corporativos e introduziu
impostos sobre lucros inesperados em empresas de energia e bancos”.
Com
estas escolhas, a inflação caiu na Espanha e o PIB cresceu 2,7% em 2023, contra
0,4% da média de crescimento dos países da zona do Euro.
Na
eleição parlamentar de 2023, o PSOE, partido de Sánchez, ganhou “um milhão de
votos adicionais, enquanto o partido de extrema direita Vox perdeu 19 de suas
52 cadeiras no Congresso”, destaca Isabella.
De
outra parte, o governo Biden, nos EUA, o Partido Conservador na Inglaterra e o
Partido Liberal Democrata, no Japão, amargaram derrotas nas respectivas
eleições presidenciais e parlamentares porque não conseguiram lidar com a
inflação. Na Índia, o partido do Povo Indiano, do primeiro-ministro Narendra
Modi, perdeu a maioria absoluta no parlamento devido ao mal-estar relativo da
população com a carestia econômica.
“Quando
as pessoas descobrem que, sem culpa própria, os bens sem os quais não conseguem
viver de repente se tornam dramaticamente mais caros, elas perdem a confiança
no sistema. Donald Trump triunfou em parte porque sinalizou aos eleitores que
entendia sua angústia econômica”, […], ao passo que “os democratas falharam em
reconhecer a profundidade da crise e se esquivaram de adotar totalmente
políticas que poderiam ter aliviado a pressão sobre os americanos comuns”, que
representam a maioria da população e do eleitorado.
Lula
experimenta um dos mais baixos níveis de aprovação dos seus governos. O
desgaste com a carestia anda de braços com uma crise de credibilidade e
confiança desatada no episódio do PIX.
A
recomendação de Lula para as pessoas não comprarem alimentos caros e
substituírem por outros mais baratos não foi uma resposta política adequada
para a inflação de alimentos. E, além disso, aumentou a desconfiança de que o
governo não cumpre suas promessas – é inevitável, neste sentido, a lembrança da
picanha prometida na campanha eleitoral.
A
experiência internacional no combate à inflação pós-pandemia mostra que o
governo Lula pode virar o jogo da carestia e vencer a eleição em 2026. Mas,
para isso, precisa ousar com medidas efetivas – como, por exemplo, aquelas
adotadas pelos governos da Espanha e, principalmente, do México, com o controle
do preço da cesta básica, redução do preço da energia e política de estoques de
alimentos.
As
famílias que vivem com até dois salários mínimos, que representam 70% da
população brasileira, comprometem quase 60% do salário mínimo com a cesta
básica. O que dizer, então, da dificuldade das 20,5 milhões de famílias
beneficiárias do Bolsa-Família.
O rol
de remédios considerados pelo governo até o momento para enfrentar o problema
da carestia – juros altos, crédito consignado e passividade com o comportamento
do mercado em relação ao dólar e aos efeitos da supersafra– mostram-se contra
produtivos.
O
mercado, a mídia hegemônica e os conglomerados econômicos pressionam o governo
por mais ortodoxia e austeridade ao invés de medidas de “fora da caixa
neoliberal”.
Esses
setores, adeptos do capitalismo de rapinagem e engajados na candidatura
presidencial do bolsonarista Tarcísio de Freitas, não têm compromisso algum com
a democracia, e apostam no desgaste terminal de Lula e na derrota do governo em
2026.
¨
Oposição quer colar agenda de 'ostentação' no governo
O governo costuma usar analogias do futebol para
ilustrar a atual crise. No entanto, o cenário está mais para uma luta de boxe.
A oposição vem conseguindo encaixar um golpe atrás do outro, e o governo não
consegue rebater, sequer levantar.
A oposição parece ter encontrado uma boa combinação
para explorar: a inflação dos alimentos aliada aos gastos do governo. Ao passar
uma ideia de ostentação, se critica a falta de conexão com o drama real das
pessoas.
Em um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG)
que já atingiu mais de 30 milhões de visualizações, ele simula que está em um
escritório trabalhando, e a legenda diz: "Quando estou estressado no
trabalho, lembro que tenho duas pessoas para sustentar". Ele olha o
celular, e no fundo de tela estão Lula e Janja.
Em conversa com o blog, Nikolas chama Janja ironicamente de “camisa 10” e “faixa”. Tradicionalmente, esta é a camisa usada pelo jogador mais habilidoso
do time.
A oposição comemora e explora erros do governo --
nos meios digitais, ele ainda patina por ser analógico.
Em carta aberta enviada para aliados e apoiadores, revelada pelo blog,
o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, analisa como o terceiro
mandato de Lula mudou em relação aos primeiros. "Está isolado, capturado.
É outro Lula".
O criminalista é um dos mais próximos advogados do
PT. Foi na casa dele que Lula comemorou sua diplomação em 2022.
“O Lula do 3º mandato , por circunstâncias
diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está
isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que
ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que
tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a
cena política.”
Seja jogando futebol ou lutando boxe, o técnico
precisa encontrar um novo caminho.
¨ Lula será
candidato à reeleição. Por Emir Sader
Estranha
a posição da direita: considera que Lula tem apenas 24% de apoio, que estaria
liquidado política. Mas, ao mesmo tempo, quer que Lula desista de ser
candidato.
Se
acreditam na pesquisa, deveriam se candidatar contra o Lula e não tratar de que
outro possa ser candidato. Seria apenas ter um candidato contra o Lula e venceriam.
Será
que é assim? Todos os índices econômicos e sociais são positivos. Lula
derrotaria a todos os outros eventuais adversários.
Mas
não se trata apenas disso para que Lula seja candidato à reeleição. Ele foi o
melhor presidente que o Brasil já teve. É o principal personagem da história
política do país.
Lula
encontrou a melhor forma de lutar contra o neoliberalismo e a hegemonia do
capital especulativo, raiz das tentativas de preservação das grandes
desigualdades que caracterizam o Brasil. Os governos de Lula e Dilma
implementaram a prioridade das políticas sociais, promovendo a retomada do
crescimento econômico e o pleno emprego.
Falta
que as pessoas tenham plena consciência disso. Que compreendam que, se as suas
condições de vida melhoraram, foi devido a essas políticas. Políticas que estão
naturalizadas.
A que
se contrapõem a campanha contra a política, contra o Estado, “contra tudo isso
que está ai”. Que é a forma que adquiriu a campanha contra o Lula e o PT.
Sabem
que se não debilitam a imagem do Lula, a extrema direita nunca poderá voltar ao
governo. Haviam chegado ao governo, quando conseguiram, por um processo fajuto,
reconhecido hoje pelo Judiciário: prender o Lula.
Lula
será candidato à reeleição. Porque faz um ótimo governo, que precisa de continuidade.
E porque é o melhor candidato, apesar da sistemática campanha da direita, tendo
na mídia seu setor mais ativo nessa campanha.
Porque
o que o Brasil precisa agora é não apenas manter a prioridade das políticas
sociais, como avançar para quebrar o peso que tem o capital especulativo na
economia e poder passar do antineoliberalismo ao pós-neoliberalismo. Isto é, a
superação do neoliberalismo. Retomando a prioridade do desenvolvimento
econômico, promover a esfera pública, em que o sujeito é o cidadão – sujeitos
de direitos – contra a esfera mercantil – em que o sujeito é o especulador.
Sem
isso, o Brasil não conseguirá retomar um ciclo longo expansivo da economia, o
que a direita trata de evitar. Porque sabe que Lula é o presidente que pode
levar a cabo esse projeto.
Fonte: Brasil 247/g1
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