quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Bepe Damasco: A tempestade perfeita e o cerco ao governo

As análises de algumas figuras públicas do PT e aliados sobre a queda vertiginosa da aprovação do governo federal, na última pesquisa Datafolha, apontam como principal causa uma "tempestade perfeita", formada pelo aumento dos preços dos alimentos, a subida do dólar (que já recuou de forma considerável) e a maior fake news de todos os tempos, a do PIX.

Embora toque em pontos cruciais e que realmente impactaram no crescimento da desaprovação ao governo, o problema dessa avaliação é que ela se limita a fatores eventuais e passageiros, quando também há causas mais estruturais que, pelo visto, o governo teima em não enxergar.

O massacre midiático incessante, por exemplo, é sem dúvida um dos elementos importantes do cerco ao governo que não vem merecendo a atenção devida. Canais de noticias 24 horas, como a GloboNews, dão tratamento editorial até às notícias mais banais, promovendo um autêntico vale tudo para desgastar Lula e seu governo.

Tudo é culpa do Lula, da falta de segurança nas cidades à ganância de empresários que não param de remarcar preços; das secas às enchentes; das doenças tropicais que há séculos fazem estrago no Brasil à negativa das pessoas em se vacinar.

No jogo pesado da manipulação, Lula e seu governo são taxados ora de frouxos por optarem pelo caminho da moderação diante das tarifas de Trump, ora como radicais quando Lula ameaça retaliar os EUA.

Não é jornalismo, é militância política de direita.

E o governo assiste a tudo passivamente, enquanto o sentimento popular "quem cala consente" avança. Claro que não se pode cercear a liberdade de expressão e a Globo, embora viole pilares básicos do bom jornalismo, tem o direito de seguir com sua cobertura politizada e parcial.

O que espanta é o governo não esboçar nenhum movimento para disputar a narrativa da agenda política e econômica do país diariamente com a imprensa comercial. Sem querer ser chato, mas já sendo, uma vez que já escrevi sobre isso neste espaço zilhões de vezes, repito a pergunta: por que Lula não nomeia uma porta-voz, para encontrar com os jornalistas todas as manhãs e contestar as visões distorcidas e manipuladas da mídia a respeito dos fatos do momento e até se antecipar a elas?

É importante fazer um diagnóstico amplo e reconhecer que o cerco ao governo, que produziu o resultado do Datafolha, é poderoso e envolve, além da imprensa, empenhada até a raiz dos cabelos em impedir que Lula seja reeleito em 2026, a Faria Lima, o agronegócio, a extrema-direita com sua máquina de fake news, as bigtechs e agora Trump, além das igrejas neopentecostais.

Isso sem falar na maioria reacionária do Congresso Nacional e no expressivo contingente de brasileiros irremediavelmente imbecilizados, capazes de acreditar nas mentiras mais toscas e grosseiras disseminadas nas redes pelos fascistas.

O jogo, portanto, não é para amadores. Já passou da hora de se combinar as realizações de governo (na minha opinião, Lula 3 é a gestão petista que mais entregou resultados em dois anos de mandato) com a adoção de uma linha de ação de confronto político com a extrema-direita.

São bem-vindas as medidas em benefício do povo, programadas para acontecer em breve, como o gás de graça para as famílias de baixa renda, o empréstimo consignado para trabalhadores da iniciativa privada e a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. No entanto, sumirão na poeira se o governo não entender que não vivemos tempos de paz e que cada ação sua deve ser instrumento de disputa política.

A denúncia de Bolsonaro pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, por golpe de Estado pode ser uma grande oportunidade para acuar os extremistas de direita. Aqui não cabe moderação, o negócio é empurrá-los precipício abaixo mesmo.

Outro ponto essencial para que o governo consiga sair das cordas é o preço da alimentação. O que li e ouvi até agora em termos de ideias para reverter o quadro são claramente insuficientes para mudar o humor das pessoas.

Sabemos todos que a carestia é um problema complexo. Experiências anteriores mostram que saídas heterodoxas, como o tabelamento de preços, acabam piorando a situação e provocando desabastecimento.

Mas, por outro lado, é uma doce ilusão imaginar, como alguns ministros, que apenas a queda do dólar e a supersafra que está a caminho tenham o condão de derrubar os preços a ponto de reverter o desgaste do governo. É que os preços subiram tanto, especialmente no governo Bolsonaro, que se caírem apenas um pouco não será suficiente para melhorar a popularidade do governo.

É preciso que os preços sejam reduzidos a um patamar que caiba no orçamento das pessoas, ou seja, que faça a diferença no bolso do consumidor. Vejamos o caso do café: antes da pandemia, um pacote de meio quilo custava em torno de R$ 9. Agora custa R$ 31 ou R$ 32. De nada adiantará, por exemplo, cair para R$ 30.

Não sou especialista no assunto, mas não seria o momento de se apostar na volta dos estoques reguladores em larga escala? Ou em um esforço concentrado, e não apenas uma ou outra medida tópica, para turbinar a agricultura familiar? O abrandamento de tarifas de produtos importados que estejam mais caros no mercado interno é outra boa iniciativa.

Cabe ao governo usar a criatividade para conter os preços. O fato é que boa parte da sociedade comprou a versão de que Lula é o culpado pela carestia.

Estão fazendo falta, por outro lado, mobilizações dos movimentos sociais contra a anistia para golpistas e pelo fim da jornada de trabalho 6 x 1.

Penso que existe clima para se botar o bloco na rua. Pelo menos, é importante tentar.

 

¨      Governo pode virar o jogo da carestia; mas, para isso, precisa ousar. Por Jeferson Miola

A professora Isabella Weber, da Universidade de Massachusetts, entende que os governos do México e da Espanha venceram as eleições em 2024 porque conseguiram reverter a perda de popularidade causada pela inflação pós-pandemia e pelo aumento do custo de vida.

López Obrador e Pedro Sánchez venceram, em síntese, porque “tomaram medidas além do ajuste das taxas de juros para combater a inflação e porque comunicaram claramente ao público o que estavam fazendo para manter os preços baixos”.

 “Esses [dois] casos mostram que, na luta contra a inflação, existem alternativas reais para depender apenas da política monetária. Os governos podem se manifestar e proteger os cidadãos contra choques de custos em tempos de desastres, reforçando não apenas a economia, mas também as chances do partido governante nas urnas”, afirma.

Eles “adotaram medidas ousadas, incluindo controles de preços, subsídios e cortes e aumentos de impostos. Essas ações não apenas ajudaram a conter a inflação, mas também estimularam os partidos governantes à vitória, e, no caso da Espanha, ajudaram a afastar extremistas de direita”.

Dentre as medidas de emergência para compensar a perda do poder aquisitivo, López Obrador estabeleceu um acordo com os oligopólios do setor da alimentação, altamente concentrado, pelo qual foi definido um teto para o preço da cesta básica com 24 produtos essenciais – “a maioria dos itens eram alimentos básicos, incluindo quantidades definidas de arroz, óleo vegetal, peixe enlatado, carne fresca, frutas e vegetais de acordo com os hábitos de consumo semanal de uma família mexicana média. A cesta também incluía itens essenciais de higiene, como papel higiênico e sabão”.

O presidente mexicano comunicava à população todos os dias, no seu programa matinal de entrevistas [La Mañanera], sobre as empresas que cumpriam e as que descumpriam o acordo.

Além do controle da cesta básica, a administração López Obrador adotou outras políticas, como a garantia de preço mínimo e de estímulo à produção de agricultores familiares para a formação de estoques de emergência de milho, feijão, arroz e leite.

Ficaram limitados “os preços da gasolina, do diesel e do gás liquefeito de petróleo, bem como os preços da eletricidade para as famílias, por meio de subsídios que foram pagos em parte pelas altas receitas da empresa estatal de petróleo, PEMEX, em 2022”.

A sucessora de López Obrador, Claudia Sheinbaum, foi eleita com 60% dos votos e obteve maioria absoluta no Congresso.

A professora Isabella relata que “o custo total das políticas de inflação do México foi de 1,4% do PIB naquele ano [2023], ou cerca de US$ 20,4 bilhões, de acordo com estimativas do governo” – cifra que representa pouco mais de 10% dos quase 1 trilhão de reais desviados do Orçamento da União para pagamento dos juros exorbitantes da dívida pública brasileira.

Na Espanha, Pedro Sánchez também trilhou um caminho ousado, e na contramão da maioria dos países europeus. Para compensar a explosão do preço do gás, que multiplicou por dez devido à guerra na Ucrânia, ele fixou “um teto de preço para o gás usado na geração de energia”, e “desvinculou os preços da energia dos preços do gás”, ela descreve.

O governo espanhol “também proibiu os proprietários de aumentar os aluguéis em mais de dois por cento, reduziu drasticamente os custos de transporte público e eliminou temporariamente o imposto sobre itens alimentares essenciais”. Sánchez ainda criou um organismo “para monitorar os lucros corporativos e introduziu impostos sobre lucros inesperados em empresas de energia e bancos”.

Com estas escolhas, a inflação caiu na Espanha e o PIB cresceu 2,7% em 2023, contra 0,4% da média de crescimento dos países da zona do Euro.

Na eleição parlamentar de 2023, o PSOE, partido de Sánchez, ganhou “um milhão de votos adicionais, enquanto o partido de extrema direita Vox perdeu 19 de suas 52 cadeiras no Congresso”, destaca Isabella.

De outra parte, o governo Biden, nos EUA, o Partido Conservador na Inglaterra e o Partido Liberal Democrata, no Japão, amargaram derrotas nas respectivas eleições presidenciais e parlamentares porque não conseguiram lidar com a inflação. Na Índia, o partido do Povo Indiano, do primeiro-ministro Narendra Modi, perdeu a maioria absoluta no parlamento devido ao mal-estar relativo da população com a carestia econômica.

“Quando as pessoas descobrem que, sem culpa própria, os bens sem os quais não conseguem viver de repente se tornam dramaticamente mais caros, elas perdem a confiança no sistema. Donald Trump triunfou em parte porque sinalizou aos eleitores que entendia sua angústia econômica”, […], ao passo que “os democratas falharam em reconhecer a profundidade da crise e se esquivaram de adotar totalmente políticas que poderiam ter aliviado a pressão sobre os americanos comuns”, que representam a maioria da população e do eleitorado.

Lula experimenta um dos mais baixos níveis de aprovação dos seus governos. O desgaste com a carestia anda de braços com uma crise de credibilidade e confiança desatada no episódio do PIX.

A recomendação de Lula para as pessoas não comprarem alimentos caros e substituírem por outros mais baratos não foi uma resposta política adequada para a inflação de alimentos. E, além disso, aumentou a desconfiança de que o governo não cumpre suas promessas – é inevitável, neste sentido, a lembrança da picanha prometida na campanha eleitoral.

A experiência internacional no combate à inflação pós-pandemia mostra que o governo Lula pode virar o jogo da carestia e vencer a eleição em 2026. Mas, para isso, precisa ousar com medidas efetivas – como, por exemplo, aquelas adotadas pelos governos da Espanha e, principalmente, do México, com o controle do preço da cesta básica, redução do preço da energia e política de estoques de alimentos.

As famílias que vivem com até dois salários mínimos, que representam 70% da população brasileira, comprometem quase 60% do salário mínimo com a cesta básica. O que dizer, então, da dificuldade das 20,5 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa-Família.

O rol de remédios considerados pelo governo até o momento para enfrentar o problema da carestia – juros altos, crédito consignado e passividade com o comportamento do mercado em relação ao dólar e aos efeitos da supersafra– mostram-se contra produtivos.

O mercado, a mídia hegemônica e os conglomerados econômicos pressionam o governo por mais ortodoxia e austeridade ao invés de medidas de “fora da caixa neoliberal”.

Esses setores, adeptos do capitalismo de rapinagem e engajados na candidatura presidencial do bolsonarista Tarcísio de Freitas, não têm compromisso algum com a democracia, e apostam no desgaste terminal de Lula e na derrota do governo em 2026.

¨      Oposição quer colar agenda de 'ostentação' no governo

O governo costuma usar analogias do futebol para ilustrar a atual crise. No entanto, o cenário está mais para uma luta de boxe. A oposição vem conseguindo encaixar um golpe atrás do outro, e o governo não consegue rebater, sequer levantar.

A oposição parece ter encontrado uma boa combinação para explorar: a inflação dos alimentos aliada aos gastos do governo. Ao passar uma ideia de ostentação, se critica a falta de conexão com o drama real das pessoas.

Em um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) que já atingiu mais de 30 milhões de visualizações, ele simula que está em um escritório trabalhando, e a legenda diz: "Quando estou estressado no trabalho, lembro que tenho duas pessoas para sustentar". Ele olha o celular, e no fundo de tela estão Lula e Janja.

Em conversa com o blogNikolas chama Janja ironicamente de “camisa 10” e “faixa”. Tradicionalmente, esta é a camisa usada pelo jogador mais habilidoso do time.

A oposição comemora e explora erros do governo -- nos meios digitais, ele ainda patina por ser analógico.

Em carta aberta enviada para aliados e apoiadores, revelada pelo blog, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, analisa como o terceiro mandato de Lula mudou em relação aos primeiros. "Está isolado, capturado. É outro Lula".

O criminalista é um dos mais próximos advogados do PT. Foi na casa dele que Lula comemorou sua diplomação em 2022.

“O Lula do 3º mandato , por circunstâncias diversas, políticas e principalmente pessoais, é outro. Não faz política. Está isolado. Capturado. Não tem ao seu lado pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir. Não recebe mais os velhos amigos políticos e perdeu o que tinha de melhor: sua inigualável capacidade de seduzir, de ouvir, de olhar a cena política.”

Seja jogando futebol ou lutando boxe, o técnico precisa encontrar um novo caminho.

 

¨      Lula será candidato à reeleição. Por Emir Sader

Estranha a posição da direita: considera que Lula tem apenas 24% de apoio, que estaria liquidado política. Mas, ao mesmo tempo, quer que Lula desista de ser candidato.

Se acreditam na pesquisa, deveriam se candidatar contra o Lula e não tratar de que outro possa ser candidato. Seria apenas ter um candidato contra o Lula e venceriam.

Será que é assim? Todos os índices econômicos e sociais são positivos. Lula derrotaria a todos os outros eventuais adversários.

Mas não se trata apenas disso para que Lula seja candidato à reeleição. Ele foi o melhor presidente que o Brasil já teve. É o principal personagem da história política do país.

Lula encontrou a melhor forma de lutar contra o neoliberalismo e a hegemonia do capital especulativo, raiz das tentativas de preservação das grandes desigualdades que caracterizam o Brasil. Os governos de Lula e Dilma implementaram a prioridade das políticas sociais, promovendo a retomada do crescimento econômico e o pleno emprego.

Falta que as pessoas tenham plena consciência disso. Que compreendam que, se as suas condições de vida melhoraram, foi devido a essas políticas. Políticas que estão naturalizadas.

A que se contrapõem a campanha contra a política, contra o Estado, “contra tudo isso que está ai”. Que é a forma que adquiriu a campanha contra o Lula e o PT.

Sabem que se não debilitam a imagem do Lula, a extrema direita nunca poderá voltar ao governo. Haviam chegado ao governo, quando conseguiram, por um processo fajuto, reconhecido hoje pelo Judiciário: prender o Lula.

Lula será candidato à reeleição. Porque faz um ótimo governo, que precisa de continuidade. E porque é o melhor candidato, apesar da sistemática campanha da direita, tendo na mídia seu setor mais ativo nessa campanha.

Porque o que o Brasil precisa agora é não apenas manter a prioridade das políticas sociais, como avançar para quebrar o peso que tem o capital especulativo na economia e poder passar do antineoliberalismo ao pós-neoliberalismo. Isto é, a superação do neoliberalismo. Retomando a prioridade do desenvolvimento econômico, promover a esfera pública, em que o sujeito é o cidadão – sujeitos de direitos – contra a esfera mercantil – em que o sujeito é o especulador.

Sem isso, o Brasil não conseguirá retomar um ciclo longo expansivo da economia, o que a direita trata de evitar. Porque sabe que Lula é o presidente que pode levar a cabo esse projeto.

 

Fonte: Brasil 247/g1

 

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