Enfim, uma alternativa aos opioides?
Em 2023, quando Terp Vairin acordou de
uma cirurgia em sua cavidade nasal, ela sentia como se tivesse levado um soco
forte no nariz. Quando o efeito da anestesia passou, Vairin pediu algo para
aliviar a dor e teve uma surpresa agradável. O medicamento que ela recebeu — um
novo tipo de analgésico administrado como parte de um ensaio clínico — aliviou
seu desconforto sem os efeitos de tontura ou náusea típicos de um opioide.
“Eu me senti muito lúcida”, diz Vairin,
uma artista de Decatur, no estado americano da Geórgia.
Agora, milhões de pessoas nos Estados
Unidos poderão ter acesso a esse analgésico — um medicamento chamado
suzetrigina que funciona bloqueando seletivamente os canais de sódio em células
nervosas sensíveis à dor e garantindo a supressão da dor no mesmo nível que os
opioides sem os riscos de dependência, sedação ou overdose associados a eles.
Na quinta-feira, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos
EUA, deu seu aval ao uso da suzetrigina para o tratamento da dor em curto
prazo, e ela passou a ser o primeiro medicamento analgésico dos últimos 20 ano
funcionar por meio de um mecanismo totalmente novo e receber aprovação
regulatória.
Especialistas saudaram a chegada de uma
alternativa potente, mas mais segura, aos opioides, que são responsáveis por
uma onda de
overdoses e mortes nos Estados Unidos e em outros países. “Qualquer coisa que
possamos adicionar ao conjunto de recursos que nos permite reduzir a
dependência de opioides é um avanço importante”, diz Paul White,
anestesiologista do Cedars-Sinai Medical Center em Los Angeles, Califórnia, que
participou do desenvolvimento da suzetrigina.
Enquanto isso, os desenvolvedores de
medicamentos veem a aprovação da suzetrigina como um indício de que atingir os
canais de sódio — uma estratégia que há muito desafia a indústria farmacêutica
— pode render sucesso. “É um grande passo à frente”, afirma Stephen Waxman,
neurocientista da Escola de Medicina de Yale em New Haven, Connecticut.
A suzetrigina, que recebeu o nome
comercial de Journavx, não é o primeiro medicamento direcionado aos canais de
sódio que passa a ser usado para o tratamento da dor. Compostos como a procaína
(Novocaína) e a lidocaína têm sido usados como anestesias confiáveis há mais de
um século. No entanto, os canais de sódio vêm em nove subtipos, e esses
medicamentos mais antigos bloqueiam todos os nove indiscriminadamente, então
devem ser administrados de forma local — por meio de injeções, cremes ou geis
para a pele — para evitar efeitos colaterais generalizados.
A busca por medicamentos mais seletivos
começou após a descoberta, na década de 1990, de que três dos canais de sódio
aparecem principalmente em neurônios sensíveis à dor — o que significa que eles
têm pouca atividade no coração ou no cérebro e, portanto, um risco muito menor
de toxicidade ou potencial de dependência.
Os canais de sódio operam como portões,
abrindo e fechando em resposta a sinais elétricos que fluem através das células
nervosas para deixar os íons de sódio passarem. Isso inicia uma cascata de
impulsos nervosos que transmitem sinais de dor ao cérebro.
Os primeiros esforços para direcionar
medicamentos a esses canais se concentraram amplamente em um subtipo chamado
NaV1.7. Waxman o compara ao fusível de um foguete, que amplifica a faísca
inicial de um sinal de dor. Isso, por sua vez, acende o NaV1.8, outro subtipo
de canal que age como propulsor de fogo, intensificando ainda mais o sinal e
retransmitindo-o, na forma de impulsos repetitivos, pelos nervos até a medula
espinhal e, finalmente, para o cérebro. Um terceiro canal, o NaV1.9, modula
ainda mais a intensidade e a duração do sinal.
Estudos genéticos de meados dos anos 2000
– que tiveram início em pacientes com uma condição de dor crônica chamada
“síndrome do homem em chamas” e depois passaram por pessoas com insensibilidade
completa à dor – indicaram que o NaV1.7 seria uma espécie de um regulador
mestre da percepção da dor. Essas foram descobertas “de tirar o fôlego” que, de
acordo com Waxman, levaram “a maior parte do dinheiro e da atenção” a serem
direcionados para esse subtipo de canal. No entanto, os esforços iniciais da
indústria farmacêutica para inibir o NaV1.7 produziram resultados clínicos
decepcionantes.
O NaV1.9 mostrou-se difícil de estudar em
laboratório, então a atenção se voltou para o NaV1.8. Após testar dois outros
inibidores seletivos de NaV1.8, a farmacêutica responsável pelas pesquisas se
inclinou para a suzetrigina (anteriormente conhecida como VX-548) — e descobriu
que ela bloqueia seu alvo de forma 30 mil vezes mais potente do que outros
canais de sódio.
“O VX-548 não surgiu do nada”, diz Marc
Rogers, consultor de descoberta de medicamentos em Cambridge, Reino Unido. “É
uma história de trabalho longo e árduo.”
Fonte: Revista Nature
Nenhum comentário:
Postar um comentário