sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

STF TEM MISSÃO SIMILAR À DA ALEMANHA PÓS-NAZISMO EM JULGAMENTO DE BOLSONARO, DIZ PROFESSOR

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL julgará, em breve, a responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro na tentativa de um golpe de estado após as eleições de 2022. O julgamento, que deve ocorrer ainda em 2025, pode ter consequências históricas para a democracia brasileira.

Para o professor de Direito Constitucional Emilio Peluso, da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, a missão do STF neste caso se assemelha à da Corte Constitucional alemã no pós-guerra. Na época, o tribunal teve um papel crucial na defesa da democracia contra resquícios do regime nazista.

A Alemanha adotou, a partir de 1949, um modelo em que sua Constituição impõe barreiras para evitar ameaças institucionais. Decisões da corte alemã foram fundamentais para impedir a ascensão de grupos extremistas. Segundo Meyer, o STF enfrenta desafio semelhante ao lidar com uma tentativa de golpe de estado.

A comparação não significa que o Brasil viva um cenário idêntico ao da Alemanha do pós-guerra, mas sim que há paralelos no papel do judiciário em proteger a democracia de ataques internos. “O Supremo precisa demonstrar que a ordem constitucional não é negociável”, afirma o professor.

Um exemplo emblemático citado por ele é a decisão de 1952 da Corte Constitucional alemã, que baniu o Partido Socialista do Reich, de orientação neonazista, impedindo sua atuação antes que pudesse ganhar força política. Além da proibição de partidos extremistas, o tribunal estabeleceu princípios que reforçam a proteção da democracia em diferentes frentes.

Segundo Peluso, o paralelo com o caso brasileiro se dá na necessidade de o STF reafirmar, diante da tentativa de golpe de 2022, que a democracia não pode ser relativizada. Assim como na Alemanha, onde o tribunal não hesitou em impor limites a forças políticas que ameaçavam a estabilidade democrática, o Supremo agora tem a missão de demonstrar que ações contra a ordem constitucional terão consequências.

Em entrevista ao Intercept Brasil, Emilio Peluso Neder Meyer analisa a dimensão histórica do julgamento e a escolha do foro – já que a decisão sobre Bolsonaro ocorrerá na Primeira Turma do STF, o que tem gerado controvérsias.

Alguns ministros defendem que um julgamento de tamanha relevância deveria ser realizado pelo plenário do STF, mas a estratégia de Alexandre de Moraes parece ser garantir um julgamento mais célere e evitar possíveis impasses políticos.

<><> Leia a entrevista completa:

O julgamento de Bolsonaro será na Primeira Turma do STF. Há quem defenda que ele deveria ser julgado pelo plenário. Qual é sua avaliação?

Emilio Peluso – O caso deve ser julgado pela Primeira Turma do Supremo, um encaminhamento que já está sendo direcionado pelo ministro Alexandre de Moraes. Ocorre que os réus dos atos de 8 de janeiro foram julgados pelo plenário porque suas ações começaram antes de uma mudança regimental no final de 2023.

Já Bolsonaro, por não ser presidente em exercício, entra na nova regra e será julgado pela Primeira Turma. A mudança busca desafogar o plenário e tornar os julgamentos mais ágeis.

Alguns ministros já demonstraram insatisfação com essa decisão – e querem levar o caso ao plenário.

Sim, já há notícias indicando reclamação por parte de ministros como Nunes Marques e André Mendonça, que argumentam que um caso dessa magnitude deveria ser julgado pelo plenário. No entanto, não há razão jurídica para isso.

O Supremo pode decidir submeter casos ao plenário dependendo da repercussão, mas a estratégia do ministro Alexandre de Moraes parece ser evitar um prolongamento ainda maior do processo e garantir um julgamento mais certeiro na Primeira Turma, onde a composição tende a indicar uma condenação.

Historicamente, há algum julgamento semelhante a esse no Brasil?

Temos uma série de variáveis a considerar. Em termos de repercussão política, quando tivemos o julgamento do Mensalão, o que pudemos perceber foi um movimento próximo de autoridades muito ligadas ao presidente em exercício da República.

Isso gerou um impacto muito grande, com discussões sobre a necessidade de se lidar de forma mais severa com a corrupção, atraindo uma atenção da mídia que transformou o Supremo Tribunal Federal. Depois, os julgamentos relacionados a recursos e questões envolvidas no processo da Lava Jato também direcionaram toda a atenção para o Supremo.

Mas acho que, de fato, este caso é ainda mais significativo. Digo isso em termos de repercussão política, pois trata-se de um ex-presidente da República com um capital político ainda muito relevante. Lembremos que ele obteve um número expressivo de votos no primeiro e no segundo turno das eleições de 2022 e mantém um apoio popular importante, não apenas de setores conservadores, mas também de outras camadas da população que veem com certa desconfiança a atuação do PT e do governo Lula, que enfrenta baixa popularidade. Portanto, o resultado desse julgamento tem uma dimensão política crucial.

Agora, em termos de impacto histórico, é quase incomparável. Não encontramos outra situação em que tenha havido uma discussão sobre defesa da ordem democrática e condenação de pessoas envolvidas em planos de golpe para assegurar a proteção da ordem constitucional de forma tão incisiva como neste caso.

Não há precedentes semelhantes no histórico constitucional brasileiro. Nunca houve uma ocasião em que a questão tenha chegado a essa dimensão na principal corte do país, com um impacto político tão grande e a possibilidade de uma condenação por um crime que, historicamente, sempre foi tratado com tentativas de contemporização, anistia ou discursos de pacificação. 

Esse discurso reaparece agora, mas, neste caso, há fortes indícios de que o desfecho será diferente. É, portanto, um caso com uma dimensão ímpar, singular, sem comparação no cenário brasileiro.

E se olharmos para outros países?

Há casos importantes na história constitucional, como na Alemanha pós-1949, onde o Tribunal Constitucional foi constantemente pressionado a defender a concepção de democracia instituída pela lei contra o que o regime nazista representou.

Da mesma forma, no caso da Corte Constitucional colombiana, houve um fortalecimento da instituição para evitar a excessiva concentração de poderes no Presidente da República, especialmente quando vetou a possibilidade de um terceiro mandato de maneira decisiva.


"Se você cometeu o crime de que está sendo acusado, você será preso", diz Lula a Bolsonaro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta terça-feira (20), em entrevista à Rádio Tupi, no Rio de Janeiro, que Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados devem responder na Justiça pelas acusações de tentativa de golpe de Estado. Segundo Lula, se as denúncias forem provadas, a única consequência possível é a prisão dos envolvidos.

"Eu não tenho poder de falar pela Justiça. O que eu vi pela denúncia é que é grave, é muito grave. Outro dia eu estava dizendo que o Partido Comunista Brasileiro foi perseguido durante quase 50 anos sem ter feito 10% do que a equipe do ex-presidente tentou fazer neste país", afirmou o presidente.

Lula também ressaltou que as acusações contra Bolsonaro e sua equipe incluem a tentativa de homicídio de um ministro do Tribunal Superior Eleitoral, além de supostos planos para assassinar o presidente e o vice-presidente eleitos. "Se for provada a denúncia feita pelo PGR da tentativa de golpe, da participação do ex-presidente e do primeiro escalão dele na tentativa de morte de um ministro da Suprema Corte Eleitoral, da tentativa de assassinato de um presidente da República e do vice-presidente, é uma coisa extremamente grave", disse.

Ainda conforme Lula, não há outra solução para Bolsonaro e seus aliados caso as denúncias sejam confirmadas. "Se for provado, ele só tem uma saída: ser preso. Ele e quem participou dessa quadrilha, que não estava tentando governar, mas sim tomar conta do país como se fosse propriedade privada", afirmou.

O presidente também criticou os pedidos de anistia aos golpistas antes mesmo do julgamento dos acusados. Para Lula, isso equivale a uma confissão de culpa. "O que é engraçado é que essas pessoas estão se ‘autocondenando’ quando estão pedindo anistia antes de serem julgadas. A primeira coisa que eles têm que fazer é defender sua inocência. Eles nem foram julgados e já estão pedindo anistia. Ou seja, estão dizendo que são culpados", disse.

Lula afirmou, ainda, que os acusados deveriam se preocupar em reunir provas de sua inocência, em vez de tentar antecipar um perdão. "Se um cidadão está sendo acusado, ele não pode ficar pedindo perdão antes de ser julgado. Ele tem, primeiro, que provar que é inocente, tem que juntar provas, ter advogado. Eles estão com medo de ser condenados e estão pedindo anistia. Isso não existe", declarou.

O presidente destacou que o processo judicial deve seguir seu curso normal e que a punição cabível será aplicada caso a culpa seja confirmada. "Eles terão que ser julgados, vão ser condenados e depois se pode discutir o que fazer com eles. Uma boa cela, um tratamento com muitos direitos humanos é o que eles merecem se forem considerados culpados", afirmou.

Lula também ironizou a postura de Bolsonaro diante das investigações, sugerindo que o ex-mandatário tenta minimizar sua responsabilidade. "Ele deveria estar falando: ‘eu vou provar minha inocência’. Mas como ele é mentiroso, mentiroso contumaz, porque mentia 11 vezes por dia quando era presidente, esse cidadão deveria estar dizendo: ‘eu sou inocente, vou provar minha inocência’. Mas ele está pedindo anistia. Ou seja, ele está dizendo: ‘gente, eu sou culpado, eu tentei bolar um plano para matar o Lula, para matar o Alckmin, o Alexandre de Moraes; não deu certo porque eu tive uma diarreia no dia, fiquei com medo, tive que voar para os Estados Unidos para não dar posse ao meu adversário; então, por favor, me perdoem antes de eu ser condenado’", ironizou.

O presidente reforçou que a lei deve valer para todos, sem distinção. "Não, você vai conhecer que, neste país, a lei verdadeiramente é para todos, e se você cometeu o crime de que está sendo acusado, você será preso. É isso que ele tem que ouvir", afirmou Lula.

Lula também comentou a forma como Bolsonaro enxerga o poder político, comparando sua atuação à de um governante que deseja manter sua família no controle do país. "Ele age como se fosse dono. ‘Ah, se eu não puder fazer uma coisa, vai ser minha mulher que vai fazer, vai ser meu filho’. Como se fosse uma moradia, como se fosse uma coisa hierárquica, que ele não só quer para ele, mas quer transformar em uma questão hereditária, com sua família governando este país", afirmou.

O presidente lembrou que Bolsonaro passou anos atacando o sistema eleitoral, mas só questiona as urnas quando perde. "Ele passou dois anos dizendo que a urna podia ser falseada, que podia enganar o povo brasileiro. Ora, ele nunca questionou a eleição do filho dele, a eleição que ele teve. Só quando perde ele começa a colocar dúvida sobre os outros, e isso a gente não pode deixar", concluiu Lula.

A cadeia espera Bolsonaro. Por Luis Felipe Miguel

O indiciamento de Jair projeta sua condenação pela tentativa de golpe no final de seu (trágico) mandato presidencial.

As evidências de que as tramas golpistas foram comandadas por ele e por seu círculo íntimo são abundantes e irrefutáveis.

Nem ele disfarça o cinismo quando afirma sua própria inocência. De fato, sua aposta não é em uma absolvição – que atestaria sua inocência diante da Justiça. Sua aposta é em uma anistia com motivação política.

Não custa lembrar que Lula, quando preso injustamente, recusou qualquer tratativa para conseguir uma diminuição de pena. Só aceitava a anulação dos julgamentos farsescos de Moro & acólitos.

Verifica-se aí uma, entre tantas, diferenças entre as duas personagens.

A direita faz um esforço para comover a opinião pública com o drama de bagrinhos presos pelo 8 de janeiro. Gente teleguiada pelo discurso de ódio, inocentes úteis, em geral não tão inocentes, que receberam penas elevadas por atos aparentemente desprovidos de maior gravidade, como pichar uma estátua.

Mas é claro que para Bolsonaro e os seus, essa gente não tem importância. Querem usá-los uma vez mais, como desde sempre os usaram para ameaçar a democracia, para obter o que lhes interessa: a impunidade dos chefes.

Essa é a verdadeira batalha da anistia.

Caso o Brasil permita que gente, tanto civil quanto fardada, que tentou impedir a posse de um presidente eleito permaneça sem condenação, sem sequer reconhecerem seus crimes – daí podemos dizer adeus a qualquer esperança de democracia.

Não se trata das eleições do ano que vem. O que está em jogo é a possibilidade de reconstrução de um ambiente de disputa política minimamente são.

Por isso, cabe ao governo Lula cobrar de todos os seus aliados de ocasião uma postura cristalina em favor da punição de Bolsonaro e seus cúmplices. Não dá para ficar em cima do muro: é uma questão que não permite tergiversação.

Está em jogo um dos compromissos fundantes do governo, a restauração da ordem constitucional fraturada com o golpe de 2016 e emporcalhada ao longo dos governos de Temer e de Bolsonaro.


Fonte: Por Paulo Motoryn, em The Intercept/Brasil 247/Amanhã não existe ainda


 

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