sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Milei x $LIBRA: o que a polêmica ensina sobre cuidados com novas criptomoedas e memecoins

O presidente da Argentina, Javier Milei, está no centro de uma polêmica que já rendeu acusações por fraude, abertura de investigações pelo próprio governo e pedidos de impeachment pela oposição.

Isso ocorre após o político promover em suas redes sociais, na noite da última sexta-feira (14), uma criptomoeda, batizada de $LIBRA, lançada apenas minutos antes da publicação.

Assim que Milei divulgou a criptomoeda, o ativo passou por uma supervalorização que levou sua cotação de US$ 0,25 para US$ 5,54 em poucos minutos. Somente algumas horas depois, porém, o valor da $LIBRA despencou para US$ 0,96, deixando milhares de pessoas no prejuízo.

Um dos responsáveis pelo lançamento da $LIBRA é o empresário americano Hayden Mark Davis, da Kelsen Ventures. Ele afirma que o projeto foi planejado em conjunto com o governo argentino. Já os investidores amargam as perdas e alguns já estão recorrendo à Justiça.

Para além das investigações sobre a suposta fraude e irregularidades cometidas pelos criadores da criptomoeda e por Milei, especialistas do universo de criptoativos garantem que essa polêmica pode ensinar algumas lições valiosas para quem pensa em investir — de entender os tipos de fraudes a identificar sinais de alerta de que o investimento pode ser uma furada.

·        O que aconteceu com a $LIBRA

Antes de falar sobre os cuidados na hora de investir, é importante dar um passo atrás para entender como a confusão envolvendo Milei e a criptomoeda se desenrolou.

Segundo apuração do jornal argentino "La Nación" com a ajuda do engenheiro de dados especializado em criptomoedas, Fernando Molina, a $LIBRA foi registrada e lançada na plataforma de criptoativos Solana às 18h37 da sexta-feira passada. Nos primeiros minutos de existência do ativo, nenhuma movimentação foi feita — ou seja, ninguém comprou nem vendeu a moeda.

Às 19h01 Milei publicou o tweet promovendo o ativo. Na rede social X, o presidente escreveu que a $LIBRA seria a base de um projeto para financiar pequenos negócios na Argentina, chamado “Viva la Libertad”, uma referência a seu famoso slogan de campanha. Ele também incluiu na postagem um link para a compra do ativo.

Assim que o tweet foi feito, há registros das primeiras compras da criptomoeda, todas em valores altos, de milhares a milhões de dólares, e algumas, inclusive, em cifras exatamente iguais.

Para Molina, esse movimento indica que a compra foi feita por robôs, que foram programados para comprar a criptomoeda assim que Milei fizesse o tweet. Para que os robôs realizassem essas compras, contudo, os investidores responsáveis por programá-los precisariam ter acesso a uma informação privilegiada: saber que Milei faria a tal publicação.

Esses primeiros investimentos e a corrida de outros milhares de investidores menores incentivados por Milei fizeram o valor da $LIBRA disparar em pouco mais de uma hora do seu lançamento.

Com essa supervalorização, os primeiros grandes investidores da criptomoeda passaram a vender enormes quantidades de $LIBRA, fazendo lucros milionários. E essa retirada do dinheiro fez o ativo colapsar e derreter — lucros para alguns e prejuízo para milhares.

·        O que é a "puxada de tapete"

Caio Leta, líder de conteúdo e pesquisa da empresa especializada em bitcoin Bipa, explica que as movimentações feitas com a $LIBRA parecem configurar uma fraude conhecida como "rug pull" (ou "puxada de tapete", no português).

O especialista explica que o "rug pull" é um golpe comum no ecossistema cripto, em que os desenvolvedores de um projeto (como os criadores da $LIBRA, por exemplo) abandonam repentinamente o projeto e embolsam o dinheiro dos investidores tardios.

"O termo vem da ideia de 'puxar o tapete' debaixo dos pés dos investidores, deixando-os sem liquidez e sem valor", destaca Leta.

No caso da $LIBRA, a suposição até aqui é que os criadores da criptomoeda lançaram o ativo pouco tempo antes de Milei publicar seu tweet para que conseguissem comprar uma grande quantidade da moeda antes de uma supervalorização causada pelo alto interesse de investidores.

Com isso, o ativo teve uma alta artificial, causada apenas pela chancela de Milei. Com a rentabilidade elevada, os criadores da criptomoeda, que detinham uma alta quantidade das cotas, vendem tudo ou quase tudo para efetivar os lucros. A queda é drástica na cotação porque muitas parcelas são vendidas simultaneamente.

Leta pontua que essa é uma das três formas mais populares de usar a manobra do "rug pull". "É a venda massiva pelos próprios criadores. Os fundadores mantêm uma grande quantidade de tokens e, depois de atrair investidores, despejam suas moedas no mercado, fazendo o preço despencar".

<<<< As outras formas de "puxar o tapete" são:

·        Excesso de controle sobre a liquidez (que é a capacidade e facilidade do ativo de ser convertido em dinheiro real): os criadores da criptomoeda colocam seus tokens (unidades da moeda) em uma corretora descentralizada (DEX, na sigla em inglês). Mas, quando o valor do ativo sobe, eles retiram o dinheiro disponível para negociação, impossibilitando outros investidores de vender seus ativos.

·        Código malicioso: o sistema do projeto tem comandos escondidos que permitem aos criadores gerar quantos tokens da criptomoeda quiserem, o que desvaloriza o preço da moeda, ou até impedir que os investidores vendam os seus ativos.

·        Por que o universo cripto é palco para diversos golpes

"Esse tipo de golpe é extremamente comum no ecossistema das criptomoedas", comenta Caio Leta.

Um estudo da corretora de criptomoedas Bitget mostrou que, do início de 2022 a junho de 2024, as perdas no mercado de criptomoedas por operações fraudulentas já totalizam US$ 79,1 bilhões (cerca de R$ 429,4 bilhões, na cotação da época).

O especialista destaca que isso acontece com facilidade porque o ecossistema dos criptoativos não é regulado. Na prática, isso significa que é fácil para os golpistas, que podem passar ilesos muitas vezes, fazer propagandas enganosas.

"É como se uma lanchonete pudesse anunciar que seu x-burguer cura o câncer, pois não existe um Procon regulando e a proibindo de fazer isso", compara Leta.

Outras fraudes populares também rondam o universo cripto, com destaque para os esquemas de pirâmide financeira — quando uma pessoa promete altos retornos, mas, para isso, outras precisam entrar no esquema e fazer o mesmo investimento. Assim, as primeiras pessoas que entram no esquema e atraem outros investidores conseguem obter bons retornos, mas quando o processo para de atrair novas pessoas, a rentabilidade deixa de existir.

"Cada uma dessas práticas tem mecanismos distintos, mas a essência pode ser semelhante: os criadores dos ativos se aproveitam da ganância e busca por lucro rápido das pessoas para vender 'oportunidades'. Pode-se dizer que um rug pull é uma versão moderna e mais rápida de pirâmide", explica Leta.

Além das fraudes, outro fator que pode gerar prejuízos expressivos para os investidores mais desatentos é o ciclo de vida muito curto de um tipo de criptomoedas: as memecoins.

Memecoins – também conhecidas como moedas-meme –, são criptomoedas normalmente inspiradas em memes, personagens ou tendências da internet. Como não há regulamentação no mercado cripto, qualquer um pode criar e ter sua memecoin.

Para que as memecoins atraiam investidores e tenham boa rentabilidade, um fator importante é a forte adesão pública, muitas vezes impulsionada pelo apoio de figuras públicas, como o que aconteceu com Milei e a $LIBRA.

Por não terem segurança e serem ativos extremamente voláteis, com grande possibilidade de quedas e prejuízos enormes, as memecoins morrem muito rápido.

Um estudo da plataforma cripto Chainplay de 2024 com mais de 30 mil memecoins mostrou que 97% de todas elas já morreram. A expectativa de vida média desse tipo de ativo é de apenas um ano, enquanto o tempo estimado par outros projetos cripto é de três anos.

Outros números alarmantes revelados pelo estudo é que pelo menos um terço dos investidores que já apostaram nas memecoins perderam dinheiro e cerca de 55% das memecoins já criadas são projetos maliciosos.

·        Quais os cuidados necessários na hora de investir em criptomoedas

Em um cenário que pode ser tão arriscado para os investidores, é consenso entre especialistas que é preciso ter cuidado antes de colocar dinheiro em um criptoativo.

O primeiro e mais importante ponto de atenção, segundo Murilo Cortina, diretor comercial da QR Asset Management, é que o dinheiro para investir em um criptoativo novo só pode ser uma quantia que não faça diferença na vida e nas contas do investidor.

"Nunca é aconselhável tomar muito risco e prejudicar sua vida financeira com investimentos com promessa de valorização extrema em um curtíssimo prazo", comenta Cortina.

Além disso, Caio Leta, da Bipa, destaca sete sinais de alerta que devem ser observados antes de tomar uma decisão de investimento em uma criptomoeda:

1 Se o projeto promete rendimentos fixos ou retornos garantidos, esse é o maior sinal de alerta, porque as criptomoedas são ativos de renda variável e não há como saber qual será a rentabilidade na hora de investir — não dá para saber sequer se investimento dará lucro ou prejuízo.

2 A criptomoeda que tem desenvolvedores anônimos ou, mesmo que conhecidos, não tenham um histórico confiável, é sempre um sinal de alerta. Além disso, o investidor precisa desconfiar se o site oficial do projeto não apresentar informações claras sobre a equipe. Também vale buscar os perfis profissionais dos fundadores nas redes sociais.

3Poucas carteiras de investidores possuem grandes quantidades de tokens (unidades) do criptoativo — o que supostamente aconteceu com a $LIBRA. Taxas de transferência ou de venda excessivamente altas também podem indicar que será difícil se desfazer daquele ativo.

4Pressão de marketing para o investimento no ativo, com muitas figuras públicas estimulando a compra e mensagens que criem uma sensação de que o investidor tem que aproveitar a oportunidade rapidamente.

5Uma documentação técnica do ativo mal escrita ou confusa e nebulosa. Um bom projeto de criptomoeda deve ter descrições originais e bem escritas, com explicações claras sobre seus objetivos e utilidades, além de disponibilizar e auditar seu código-fonte.

6Comunidades criadas para a criptomoeda dominadas por robôs ou contas falsas e censura à realização de perguntas críticas ou técnicas.

7estrutura do projeto também deve ser analisada, com atenção a três principais pontos que devem ser evitados: mecanismos complexos de "recompensa" pouco explicados, dependência de novos investidores para gerar retornos, ausência de caso de uso real além da especulação.

Mesmo com os golpes que existem, os especialistas ouvido pelo g1 concordam que o universo de criptomoedas pode oferecer boas oportunidades, quando bem analisadas e colocando uma quantia de dinheiro que não vai afetar o bom funcionamento da vida financeira.

Para Murilo Cortina, da QR Asset, "deixar de investir em criptoativos significa perder a chance de participar de uma tecnologia que promete revolucionar nosso mundo, assim como a internet fez no passado. Podemos encarar o blockchain como a próxima evolução da internet".

"Da mesma forma que, ao investir na bolsa, não há uma única ação ou poucas que sejam as melhores para qualquer cenário, o universo cripto também requer composição diversificada de ativos, que pode variar conforme o mercado se movimenta. Por isso, o mais recomendado é contar com ajuda profissional para navegar nesse contexto de forma consciente e focada no longo prazo", conclui Cortina.

¨      Entenda a cronologia da polêmica

Presidente argentino se envolveu em polêmica ao promover uma criptomoeda em suas redes sociais. Pouco tempo depois, os preços despencaram e agora Milei enfrenta acusações por participação em fraude.

1 Às 19h01 da última sexta-feira, o presidente da Argentina, Javier Milei, publicou um tweet no X promovendo uma nova criptomoeda chamada $LIBRA. Ele afirmou que o ativo seria a base de um projeto para financiar pequenos negócios na Argentina, chamado “Viva la Libertad”, uma referência a seu famoso slogan de campanha.

A postagem, que incluía um link para a compra do ativo, foi feita apenas alguns minutos após a criação e lançamento da criptomoeda, às 18h37 do mesmo dia.

"Este projeto privado será dedicado a incentivar o crescimento da economia argentina, financiando pequenos negócios e empreendimentos argentinos. O mundo quer investir na Argentina. $LIBRA", dizia a postagem.

Com o apoio do presidente, que conferiu credibilidade estatal ao ativo, a cotação da criptomoeda valorizou rapidamente, passando de US$ 0,25 para US$ 5,54 em questão de minutos. Antes da postagem, o ativo não registrava nenhuma movimentação.

2 Assim que Milei fez a publicação, a plataforma Solana, em que a $LIBRA foi registrada, começou a registrar as primeiras compras da criptomoeda. Essa informação foi apurada pelo jornal “La Nación” com a ajuda do engenheiro de dados especializado em criptomoedas, Fernando Molina.

O que chama a atenção é que as primeiras compras da $LIBRA foram de valores elevados: uma única compra de mais de US$ 3,5 milhões e outras quatro compras idênticas de US$ 250 mil cada.

Ao jornal, o especialista explicou que as transações indicam um comportamento de robôs, que ativam a compra a partir de um determinado estímulo. A teoria de Molina é que eles foram programados para comprar grandes quantidades de $LIBRA assim que Milei promovesse o investimento.

Para que os robôs realizassem essas compras, contudo, os investidores responsáveis por programá-los precisariam ter acesso a uma informação privilegiada: saber que Milei faria a tal publicação.

3 Menos de uma hora após o lançamento do post de Milei, o fluxo de investidores era tão grande que a $LIBRA atingiu uma capitalização de US$ 4,5 bilhões. A capitalização de mercado é calculada multiplicando o preço do ativo pela quantidade de unidades em circulação.

4 A partir daí, os primeiros grandes investidores da criptomoeda passaram a vender enormes quantidades de $LIBRA, fazendo lucros milionários.

Por volta das 20h10, foram realizadas duas vendas que se desfizeram de cerca de mais de US$ 7 milhões da criptomoeda.

5 Por volta das 20h45, a $LIBRA colapsou, conforme os primeiros investidores, que detinham as maiores quantidades do ativo, embolsaram seus lucros. A cotação da criptomoeda passou dos US$ 5,54 para apenas US$ 0,96.

Como funcionou a suposta fraude

Especialistas acreditam que a movimentação rápida de compra e venda de $LIBRA, logo após a publicação de Milei, pode ter sido uma fraude. As autoridades argentinas vão investigar essa possibilidade.

<><> E por que há suspeita de fraude?

 Suspeita-se que tenha ocorrido um "Rug Pull" (ou "puxada de tapete"). Esse golpe ocorre quando os criadores de uma criptomoeda vendem grandes quantidades do ativo após inflacionar seu valor, deixando os investidores no prejuízo.

Nesse caso, o post de Milei teria servido para inflar o fluxo de investimentos no ativo, aumentando seu preço. Assim, o pequeno grupo que criou e investiu primeiro no ativo vende suas participações por um alto valor, obtendo lucros milionários.

¨      De quem é a $LIBRA e o que o criador diz

Um dos responsáveis pelo lançamento da $LIBRA é o empresário americano Hayden Mark Davis, da Kelsen Ventures. Ele afirmou nas redes sociais que estava trabalhando com Milei em projetos de tokenização de ativos na Argentina.

Inicialmente, Davis culpou a Kelsen Ventures pelo fracasso da criptomoeda e prometeu reinvestir US$ 100 milhões para dar liquidez à $LIBRA (isto é, facilitar a conversão do ativo em dinheiro real).

Ele também culpou Milei pelo colapso da moeda, dizendo que a retirada de seu apoio público prejudicou a credibilidade do projeto.

Davis deu entrevistas a canais de personalidades norte-americanas famosas no YouTube, em que expôs mais detalhes do projeto e de um suposto envolvimento do próprio governo argentino.

Ele afirmou que estava em contato com a equipe de Milei para o lançamento do projeto e que o plano de valorização da criptomoeda consistia em três etapas:

1.    O primeiro tweet de Milei, logo após o lançamento da $LIBRA, promovendo a criptomoeda;

2.    Um segundo tweet do presidente argentino com um vídeo também falando sobre o ativo;

3.    Várias personalidades influentes também passariam a promover a $LIBRA.

Davis disse que, ao perceber que Milei não faria o segundo tweet devido às reações negativas, começou a traçar outros planos para garantir a sustentabilidade da criptomoeda.

Ele afirmou que foi mal orientado sobre o que fazer com os US$ 100 milhões de custódia, para assegurar a liquidez do ativo. Segundo Davis, esse dinheiro não é dele, mas sim da Argentina, e foi a própria equipe de Milei que o orientou a não investir o dinheiro em meio ao colapso da criptomoeda.

Por fim, Davis afirmou ter medo do que pode acontecer com ele e disse que não quer mais se envolver em projetos políticos com criptomoedas.

Javier Milei apoia moedas digitais há muito tempo, e não é o único. Em 2021, El Salvador aceitou o bitcoin como moeda legal, mas retirou o status em janeiro deste ano.

Já Donald Trump, um referencial para Milei, também passou a apoiar criptoativos e até lançou sua moeda, a $TRUMP, que também colapsou.

Milei já promoveu outros ativos criptográficos que acabaram em escândalos, como a CoinX, acusada de ser um golpe de pirâmide.

 

Fonte: g1

 

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