Como sair da
armadilha do “voo da galinha”
O crescimento do
Brasil desde a pandemia (2021) tem superado a média dos anos anteriores – entre
a Crise Financeira Global e 2024 a taxa anual de crescimento foi de 1,7%,
enquanto se comparáramos 2021 até o mesmo período a média subiu para 3,6%
ao ano. Maior crescimento, paradoxalmente, é visto como um problema, pois
aumenta as expectativas inflacionárias o que dispara, automaticamente, medidas
de contenção monetária. A visão de que as pressões de preço têm por causa o
excesso de demanda, implica diagnosticar o excesso de gasto público como um
fator responsável pela elevação da inflação. Assim, na atual conjuntura, a
manutenção do crescimento do PIB é interpretada como causa da inflação, levando
a políticas de austeridade monetária e fiscal. Esse raciocínio é bastante
incoerente, por pelo menos três razões.
Em primeiro
lugar, interpretar a dinâmica inflacionaria no período recente requer considerar
que a economia brasileira é uma economia periférica, ou seja, emissora de moeda
com baixa conversibilidade, o que implica subordinação ao fluxo de capitais
internacional. Com elevado grau de abertura aos fluxos financeiros
internacionais, a taxa de câmbio apresenta elevada volatilidade, o que impacta
na formação de preços domésticos. Movimentos acentuados na taxa de câmbio são,
em grande medida, resultado de instabilidade no cenário internacional, como
ocorrido no segundo semestre de 2024. A mudança na direção dos fluxos de
capitais, sobre os quais o país não tem nenhum controle, pressiona o câmbio e
consequentemente os preços domésticos, independente dos fundamentos da
economia.
Em segundo
lugar, as recorrentes crises climáticas provocam choques de oferta e pressionam
preços pela via dos custos, em especial dos alimentos. Em 2024, as chuvas
que atingiram o Rio Grande do Sul, as queimadas que afetaram vastas regiões
do país, além das longas estiagens, têm impacto sobre a produção de alimentos,
restringindo a oferta.
Em terceiro
lugar, a desvalorização do real frente ao dólar como no ano passado, impacta
positivamente a dinâmica das exportações brasileiras. Com o dólar valorizado, o
exportador se beneficia com a venda para o mercado externo ao invés da
comercialização no mercado nacional, o que reduz a oferta doméstica,
pressionando preços internos.
Assim, o cenário
inflacionário atual está muito pressionado tanto pelo câmbio, dado o elevado
grau de abertura da economia e pela especialização de nossa pauta exportadora
em commodities, como pela crise climática, e portanto, atribuir ao excesso
de demanda, em especial de gasto público, é um diagnóstico que não identifica
as reais causas da pressão inflacionária. O diagnóstico falho impede delinear
os melhores instrumentos para o combate à inflação no curto prazo.
Além disso, o
regime de metas inflacionárias adotado no Brasil é gerido de forma
excessivamente conservadora. A meta de inflação de 3%, estabelecida pelo Copom
em meados de 2024 é apontada por muitos especialistas como irreal. Não tem como
referência a média histórica de inflação brasileira que, desde a implantação do
regime de metas de inflação, é de 6,5%. A consequência de se perseguir uma meta
tão baixa condena a economia brasileira, na melhor das hipóteses, a uma
performance tipo “voo da galinha”.
O receituário
ortodoxo para combater a inflação e a elevação das expectativas inflacionárias
é elevar a taxa básica de juros. Com a meta de inflação estabelecida em patamar
excessivamente baixo, a manutenção de elevados níveis de taxa de juros reais
está contratado. Ora, se o diagnóstico de curto prazo para a aceleração
inflação é inadequado, pois se abstrai da posição subordinada da economia
brasileira no sistema financeiro internacional e dos efeitos duradouras da
transição climática sobre uma economia especializada na exploração de bens
intensivos em recursos naturais, o efeito da manutenção de elevada taxa real de
juros compromete o desempenho da economia a longo prazo. A transição climática
demanda elevados investimento para descarbonizar a economia e para a
implementação de tecnologias para o uso mais eficiente e racional de recursos
ambientais. Mas como investir em transformação produtiva com a taxa de juros
real em patamar elevado?
Mais ainda, como os
investimentos em transição climática carregam um alto grau de incerteza, o
investimento público deveria liderar o processo de retomada e sustentação do
investimento agregado. Ou seja, o investimento em infraestrutura promovido pelo
setor público seria o componente de demanda mais adequado para liderar o
processo de transformação produtiva na direção da descarbonização e maior
eficiência no uso dos recursos naturais. A longo prazo, tal movimento deve
contribuir de forma positiva para o controle da inflação. Porém, o espaço
fiscal para o governo gastar em investimentos estruturantes é limitado, tendo
em vista o custo imposto sobre a dívida pública pela elevada taxa de juros.
Para se recuperar a
capacidade de crescer de forma sustentada, um novo arranjo de política
econômica deve ser implementado. O objetivo do novo arranjo seria ampliar o
espaço da política econômica por meio da coordenação das políticas monetária,
fiscal (no sentido amplo, incorporando a política tributária, de subsídios e a
política de gasto público) e cambial para recuperar a capacidade do Estado em
gastar em projetos transformadores da estrutura produtiva. Nesse sentido, a
política monetária, coordenada com a política fiscal, deveria conduzir a
política de juros que desestimulasse o rentismo e não comprometesse a
capacidade de endividamento público. A coordenação de política exitosa
alimentaria expectativas empresariais positivas sobre o desempenho futuro da
economia, garantido a sustentação do pleno emprego com estabilidade de preços.
Em conclusão, um
cenário de crescimento do tipo “voo da galinha” é típico de uma economia
periférica, integrada financeiramente, onde o avanço dos interesses financeiros
predomina. Isto explica o foco na estabilidade de preços e uma política de
austeridade fiscal permanente. Resta saber até quando o atual modelo de
política econômica se sustenta, frente à necessidade urgente de transformação
produtiva para o enfrentamento das crises climáticas.
¨ O incrível plano de metas que o governo esconde. Por
Luís Nassif
É inacreditável!
Ontem conversei longamente com Rafael Dubeux, advogado da União e responsável
pelo Plano de Transformação Ecológica, sob coordenação do Ministério da
Fazenda, mas envolvendo vários ministérios.
Sabe tudo aquilo
que vimos cobrando há tempos: a necessidade de um Plano de Metas, de um Grupo
de Trabalho Interministerial, planejando o futuro? Pois existe, está avançando
em várias frentes, mas inexplicavelmente escondido.
O fato de não estar
na centralidade do governo, só tem uma explicação: uma disputa interna
autofágica, batendo no muro de pedra da Casa Civil. Aparentemente, só se
conseguiu montar o plano comendo pelas bordas.
Mas ele é a
demonstração cabal de tudo aquilo que vimos falando há tempos: o Estado
brasileiro tem capacitação técnica e o país tem estruturas relevantes para
aproveitar as enormes possibilidades trazidas pela transição ambiental. Faltava
só um plano articulado. Que, como se verá em seguida, já existe e está em
andamento.
<><> A
lógica da Fazenda
A Fazenda partiu de
uma concepção da economia abrangente, presente, aliás, em várias discussões
sobre o papel do Banco Central. Na Argentina dos anos 40, por exemplo, Raul
Prebisch imaginava o BC não apenas cuidando da política monetária, mas também
do financiamento de projetos prioritários, dentro de planos de desenvolvimento.
A Fazenda tem duas
funções das quais é diretamente responsável:
# Equilíbrio
macroeconômico.
# Melhoria no
ambiente dos negócios
Em relação ao
equilíbrio macroeconômico, implementou medidas como a recomposição de receitas
e a tributação de fundos offshore. Trouxe resultados positivos, na melhora dos
indicadores macroeconômicos. O país alcançou números mínimos históricos de
desemprego e pobreza. E, apesar do ligeiro aumento da inflação, a situação
econômica permanece controlada.
Em relação à
melhoria do ambiente de negócios, foi aprovada a reforma tributária. Tudo isso
visando corrigir desequilíbrios do passado.
As duas primeiras
etapas são preparatórias. O objetivo final caminha junto, mas define o
futuro: o Plano de Transformação Ecológica.
<><>A
estrutura do plano
A Fazenda tem um
conjunto de ferramentas ao seu dispor, basicamente ferramentas tributárias e
regulatórias. A maior parte das medidas depende de outros ministérios. O Plano
foi montado, portanto, com a participação de outros ministérios e agentes em
suas áreas de competência.
Ele foi dividido em
6 eixos.
>>> Eixo 1
– finanças sustentáveis
Criação de
ferramentas para direcionar recursos a atividades sustentáveis a taxas de juros
civilizadas.
Aqui, procuraram
resolver dois problemas: conseguir funding barato, para projetos enquadrados na
economia verde; e criar ferramentas de hedge contra as variações cambiais.
No primeiro ponto,
houve a emissão de títulos soberanos sustentáveis. São títulos da dívida
brasileira, com custo Brasil e uma redução referente ao fundo verde. Esses
recursos vão para o Fundo Clima, administrado pelo BNDES, que financia empresas
enquadradas nos objetivos da sustentabilidade.
Historicamente, o
Fundo Clima tinha um desembolso de R$ 200 milhões de reais por ano. Com esse
instrumento, saltou para R$10 bilhões por ano, um aumento de 50 vezes.
Recentemente, o
BNDES fez uma chamada para financiar projetos de biocombustíveis. Separou algo
como R$ 6 bilhões, mas a demanda de projetos qualificados superou os R$150
bilhões.
Mostra que tem
projeto suficiente no Brasil, com alta capacidade de competir
internacionalmente nas mais diversas áreas, como o SAB (“sustainable aviation
fuel”), usado para aviação, a substituição do bunker oil, para transporte
marítimo, o etanol de segunda geração, com biodiesel.
Outro programa já
lançado é o Ecoinvest Brasil, destinado a reduzir os riscos cambiais. Um dos
receios dos investidores institucionais de investirem no país é a volatilidade
do dólar. O programa foi desenhado com a equipe técnica do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) e do Banco Mundial, para criar uma solução
que mitiga o risco cambial.
Hoje em dia, existe
hedge cambial no mercado por um ou dois anos, mas não para um projeto novo
(“greenfield”), que exige prazos mais longos.
O Ecoinvest tem
quatro linhas diferentes. Uma é baseada em derivativos. Outra é baseada na
chamada liquidity finance (alta liquidez). É uma linha que garante a cobertura
se o câmbio passar de determinado nível.
Outra linha é a
“blended finance”, ou financiamento combinado, um modelo engenhoso. A Fazenda
oferece uma taxa barata. Mas, para o banco privado ter acesso a ela – e
financiar seu cliente – ele tem que oferecer um múltiplo do recurso solicitado.
O múltiplo mínimo é 6 vezes, mas muitos bancos oferecem até 10, engordando
significativamente o fundo – e os financiamentos.
Finalmente, haverá
a expansão do mercado organizado de carbono – diferente do mercado atual, de
comercialização de créditos sem auditoria. Haverá um teto para a venda de
crédito de carbono, com os recursos canalizados para o Fundo Clima.
O fundo só será
oferecido a projetos de transição energética, como a produção de hidrogênio de
baixo carbono, fabricação de ônibus elétrico etc.
>>> Eixo 2
– adensamento tecnológico
Foco na inovação e
na parceria universidade-empresa através da reativação de recursos do FAT
(Fundo de Amparo ao Trabalhador) para projetos tecnológicos e estratégicos de
conteúdo local.
O objetivo é
desenvolver uma estratégia de inovação contínua, que integre ensino superior e
setor privado.
Uma das ferramentas
é o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Logo no
início do governo, conseguiu-se uma medida do Lula colocando o fundo a salvo de
qualquer contingenciamento.
Outro instrumento é
a TR para inovação – uma taxa de juros especial, abaixo das taxas do BNDES.
Foram alocados entre 5 a 6 bilhões de reais por ano.
Importante: o plano
vem trabalhando com a regra de conteúdo local.
No governo Dilma,
chegou a ser estruturado um setor para produzir equipamentos para energia
eólica. São vários componentes sendo produzidos por diversas empresas, a
nacelle (gôndola), que fica no topo da torres; o gerador, a caixa de
engrenagens, que controla a rotação do eixo, o sistema de freio, as pás, o
sistema de pitch (que ajusta o ângulo das pás para otimizar a captação do
vento).
Todo esse esforço
foi água abaixo com o impeachment e com a decisão do governo Temer de reduzir
as alíquotas para importação de painéis solares.
Agora, luta-se para
reverter o processo. Houve uma recalibragem das tarifas de importação e a
montagem de uma estrutura de financiamento com os fundos regionais, garantindo
as etapas mais relevantes da cadeia.
Além disso, hoje em
dia há escala suficiente para a fabricação interna de painéis solares.
Também há um plano
em vista para atrair pesquisadores relevantes de outros países. Em breve será
lançado um programa, chamado de visto verde, para facilitar o acesso ao visto
para o investidor em projetos verdes ou para o técnico altamente qualificado,
visando simplificar o processo e casar com outros instrumentos para estímulo a
incorporação deles em empresas e institutos de pesquisa brasileiros.
>>> Eixo 3
– a bioeconomia
Considerando que a
maior parte das emissões no Brasil vêm do desmatamento e do agro, a proposta é
criar um modelo de desenvolvimento sustentável que converta a floresta em
oportunidades econômicas.
Além das
medidas repressivas para coibir o desmatamento legal que estão sendo tomadas,
só é duradouro se criar um novo modelo de desenvolvimento que torne viável a
pessoa prosperar e ter emprego de qualidade e geração de renda com a floresta
em pé.
O modelo envolve
concessão de florestas, integração lavoura-pecuária-floresta e linhas de
crédito do Banco da Amazônia (BASA) e Banco do Nordeste, voltada para esse tipo
de atividade, com taxas de juros mais baratas.
>>> Eixo 4
– transição energética
O Brasil já é líder
em energias renováveis, mas ainda há espaço para avançar na descarbonização do
transporte e na eletrificação da frota. Políticas para aumentar o uso de
biocombustíveis e desenvolver novas tecnologias energéticas estão em andamento.
Na transição
energética, do ponto de vista da eletricidade, o Brasil já está bem avançado na
área, algo como 90% da nossa geração de eletricidade já vem de fontes
renováveis. Essa é a meta dos países ricos para 2040, já é a realidade no
Brasil hoje.
Do ponto de vista
do setor de transporte, o uso interno de biocombustíveis é muito superior ao de
qualquer outro país. Nenhum país chega a 10% de uso de biocombustível. A
maioria fica em torno de 3, 4, 5%. O Brasil tem 22% de biocombustíveis na
frota.
Mesmo assim, tem
que trilhar um caminho a mais, porque isso ainda não é suficiente para chegar
ao Net Zero em 2050.
>>> Eixo 5
– a economia circular
O modelo atual, da
economia linear, segue o roteiro –> extração de recursos naturais –>
manufatura –> uso e –> descarte. Gera muita demanda por recursos naturais
e produz muito resíduo.
O objetivo é
conseguir cada vez mais a reutilização, a remanufatura, ou reciclagem,
recuperação energética para diminuir a demanda por novos recursos naturais e
produzir menos rejeito.
Há várias medidas
regulatórias, tributárias e de crédito que estão sendo implementadas. Com a
reforma tributária, praticamente acabaram todos os créditos presumidos. Uma das
únicas exceções é possibilitar o crédito recebido para reciclagem.
>>> Eixo 6
– adaptação à mudança climática
A fim de preparar a
infraestrutura e a saúde pública, estão sendo tomadas medidas para lidar com os
impactos das mudanças climáticas, reconhecendo que parte da mudança climática
já está contratada. E aí tem um conjunto de medidas para viabilizar o
financiamento para adaptação à mudança do clima, seja com aval da União para os
municípios fazerem isso, ou seja, preparação de defesa civil, as obras do PAC,
que boa parte delas estão direcionadas também para lidar com áreas de encosta
de morro, áreas sujeitas à inundação e por aí vai.
O Brasil, talvez de
maneira singular no restante do mundo, pode aproveitar isso como uma
oportunidade de promover desenvolvimento econômico, distribuição de renda e
agregação de valor e de tecnologia aqui no número do país.
<><> A
estrutura
Há uma equipe no
Ministério da Fazenda coordenando o plano. Cada Eixo está sendo construído com
o Ministério envolvido. A maioria dos temas é transversal. Então, para cada um
dos temas há um grupo envolvendo ministérios participantes, setor privado,
ONGs.
No ano passado foi
aprovado o marco regulatório do carbono, a lei do hidrogênio de baixo carbono,
a lei do combustível do futuro, a lei do Ecoinvest, do Mover.
Fonte: Por Carmem
Feijó e Fernanda Feil, no Jornal GGN
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