sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Como sair da armadilha do “voo da galinha”

O crescimento do Brasil desde a pandemia (2021) tem superado a média dos anos anteriores – entre a Crise Financeira Global e 2024 a taxa anual de crescimento foi de 1,7%,  enquanto se comparáramos 2021 até o mesmo período a média subiu para 3,6% ao ano. Maior crescimento, paradoxalmente, é visto como um problema, pois aumenta as expectativas inflacionárias o que dispara, automaticamente, medidas de contenção monetária. A visão de que as pressões de preço têm por causa o excesso de demanda, implica diagnosticar o excesso de gasto público como um fator responsável pela elevação da inflação. Assim, na atual conjuntura, a manutenção do crescimento do PIB é interpretada como causa da inflação, levando a políticas de austeridade monetária e fiscal. Esse raciocínio é bastante incoerente, por pelo menos três razões.

Em primeiro lugar, interpretar a dinâmica inflacionaria no período recente requer considerar que a economia brasileira é uma economia periférica, ou seja, emissora de moeda com baixa conversibilidade, o que implica subordinação ao fluxo de capitais internacional. Com elevado grau de abertura aos fluxos financeiros internacionais, a taxa de câmbio apresenta elevada volatilidade, o que impacta na formação de preços domésticos. Movimentos acentuados na taxa de câmbio são, em grande medida, resultado de instabilidade no cenário internacional, como ocorrido no segundo semestre de 2024. A mudança na direção dos fluxos de capitais, sobre os quais o país não tem nenhum controle, pressiona o câmbio e consequentemente os preços domésticos, independente dos fundamentos da economia.

Em segundo lugar, as recorrentes crises climáticas provocam choques de oferta e pressionam preços pela via dos custos, em especial dos alimentos. Em 2024, as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul, as queimadas que afetaram vastas regiões do país, além das longas estiagens, têm impacto sobre a produção de alimentos, restringindo a oferta.

Em terceiro lugar, a desvalorização do real frente ao dólar como no ano passado, impacta positivamente a dinâmica das exportações brasileiras. Com o dólar valorizado, o exportador se beneficia com a venda para o mercado externo ao invés da comercialização no mercado nacional, o que reduz a oferta doméstica, pressionando preços internos.

Assim, o cenário inflacionário atual está muito pressionado tanto pelo câmbio, dado o elevado grau de abertura da economia e pela especialização de nossa pauta exportadora em commodities, como pela crise climática, e portanto, atribuir ao excesso de demanda, em especial de gasto público, é um diagnóstico que não identifica as reais causas da pressão inflacionária. O diagnóstico falho impede delinear os melhores instrumentos para o combate à inflação no curto prazo.

Além disso, o regime de metas inflacionárias adotado no Brasil é gerido de forma excessivamente conservadora. A meta de inflação de 3%, estabelecida pelo Copom em meados de 2024 é apontada por muitos especialistas como irreal. Não tem como referência a média histórica de inflação brasileira que, desde a implantação do regime de metas de inflação, é de 6,5%. A consequência de se perseguir uma meta tão baixa condena a economia brasileira, na melhor das hipóteses, a uma performance tipo “voo da galinha”.

O receituário ortodoxo para combater a inflação e a elevação das expectativas inflacionárias é elevar a taxa básica de juros. Com a meta de inflação estabelecida em patamar excessivamente baixo, a manutenção de elevados níveis de taxa de juros reais está contratado. Ora, se o diagnóstico de curto prazo para a aceleração inflação é inadequado, pois se abstrai da posição subordinada da economia brasileira no sistema financeiro internacional e dos efeitos duradouras da transição climática sobre uma economia especializada na exploração de bens intensivos em recursos naturais, o efeito da manutenção de elevada taxa real de juros compromete o desempenho da economia a longo prazo. A transição climática demanda elevados investimento para descarbonizar a economia e para a implementação de tecnologias para o uso mais eficiente e racional de recursos ambientais. Mas como investir em transformação produtiva com a taxa de juros real em patamar elevado?

Mais ainda, como os investimentos em transição climática carregam um alto grau de incerteza, o investimento público deveria liderar o processo de retomada e sustentação do investimento agregado. Ou seja, o investimento em infraestrutura promovido pelo setor público seria o componente de demanda mais adequado para liderar o processo de transformação produtiva na direção da descarbonização e maior eficiência no uso dos recursos naturais. A longo prazo, tal movimento deve contribuir de forma positiva para o controle da inflação. Porém, o espaço fiscal para o governo gastar em investimentos estruturantes é limitado, tendo em vista o custo imposto sobre a dívida pública pela elevada taxa de juros.

Para se recuperar a capacidade de crescer de forma sustentada, um novo arranjo de política econômica deve ser implementado. O objetivo do novo arranjo seria ampliar o espaço da política econômica por meio da coordenação das políticas monetária, fiscal (no sentido amplo, incorporando a política tributária, de subsídios e a política de gasto público) e cambial para recuperar a capacidade do Estado em gastar em projetos transformadores da estrutura produtiva. Nesse sentido, a política monetária, coordenada com a política fiscal, deveria conduzir a política de juros que desestimulasse o rentismo e não comprometesse a capacidade de endividamento público. A coordenação de política exitosa alimentaria expectativas empresariais positivas sobre o desempenho futuro da economia, garantido a sustentação do pleno emprego com estabilidade de preços.

Em conclusão, um cenário de crescimento do tipo “voo da galinha” é típico de uma economia periférica, integrada financeiramente, onde o avanço dos interesses financeiros predomina. Isto explica o foco na estabilidade de preços e uma política de austeridade fiscal permanente. Resta saber até quando o atual modelo de política econômica se sustenta, frente à necessidade urgente de transformação produtiva para o enfrentamento das crises climáticas.

 

¨      O incrível plano de metas que o governo esconde. Por Luís Nassif

É inacreditável! Ontem conversei longamente com Rafael Dubeux, advogado da União e responsável pelo Plano de Transformação Ecológica, sob coordenação do Ministério da Fazenda, mas envolvendo vários ministérios.

Sabe tudo aquilo que vimos cobrando há tempos: a necessidade de um Plano de Metas, de um Grupo de Trabalho Interministerial, planejando o futuro? Pois existe, está avançando em várias frentes, mas inexplicavelmente escondido.

O fato de não estar na centralidade do governo, só tem uma explicação: uma disputa interna autofágica, batendo no muro de pedra da Casa Civil. Aparentemente, só se conseguiu montar o plano comendo pelas bordas.

Mas ele é a demonstração cabal de tudo aquilo que vimos falando há tempos: o Estado brasileiro tem capacitação técnica e o país tem estruturas relevantes para aproveitar as enormes possibilidades trazidas pela transição ambiental. Faltava só um plano articulado. Que, como se verá em seguida, já existe e está em andamento.

<><> A lógica da Fazenda

A Fazenda partiu de uma concepção da economia abrangente, presente, aliás, em várias discussões sobre o papel do Banco Central. Na Argentina dos anos 40, por exemplo, Raul Prebisch imaginava o BC não apenas cuidando da política monetária, mas também do financiamento de projetos prioritários, dentro de planos de desenvolvimento.

A Fazenda tem duas funções das quais é diretamente responsável:

# Equilíbrio macroeconômico.

# Melhoria no ambiente dos negócios

Em relação ao equilíbrio macroeconômico, implementou medidas como a recomposição de receitas e a tributação de fundos offshore. Trouxe resultados positivos, na melhora dos indicadores macroeconômicos. O país alcançou números mínimos históricos de desemprego e pobreza. E, apesar do ligeiro aumento da inflação, a situação econômica permanece controlada.

Em relação à melhoria do ambiente de negócios, foi aprovada a reforma tributária. Tudo isso visando corrigir desequilíbrios do passado.

As duas primeiras etapas são preparatórias. O objetivo final caminha junto, mas define o futuro:  o Plano de Transformação Ecológica.

<><>A estrutura do plano

A Fazenda tem um conjunto de ferramentas ao seu dispor, basicamente ferramentas tributárias e regulatórias. A maior parte das medidas depende de outros ministérios. O Plano foi montado, portanto, com a participação de outros ministérios e agentes em suas áreas de competência.

Ele foi dividido em 6 eixos.

>>> Eixo 1 – finanças sustentáveis

Criação de ferramentas para direcionar recursos a atividades sustentáveis a taxas de juros civilizadas. 

Aqui, procuraram resolver dois problemas: conseguir funding barato, para projetos enquadrados na economia verde; e criar ferramentas de hedge contra as variações cambiais.

No primeiro ponto, houve a emissão de títulos soberanos sustentáveis. São títulos da dívida brasileira, com custo Brasil e uma redução referente ao fundo verde. Esses recursos vão para o Fundo Clima, administrado pelo BNDES, que financia empresas enquadradas nos objetivos da sustentabilidade.

Historicamente, o Fundo Clima tinha um desembolso de R$ 200 milhões de reais por ano. Com esse instrumento, saltou para R$10 bilhões por ano, um aumento de 50 vezes.

Recentemente, o BNDES fez uma chamada para financiar projetos de biocombustíveis. Separou algo como R$ 6 bilhões, mas a demanda de projetos qualificados superou os R$150 bilhões.

Mostra que tem projeto suficiente no Brasil, com alta capacidade de competir internacionalmente nas mais diversas áreas, como o SAB (“sustainable aviation fuel”), usado para aviação, a substituição do bunker oil, para transporte marítimo, o etanol de segunda geração, com biodiesel.

Outro programa já lançado é o Ecoinvest Brasil, destinado a reduzir os riscos cambiais. Um dos receios dos investidores institucionais de investirem no país é a volatilidade do dólar. O programa foi desenhado com a equipe técnica do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e do Banco Mundial, para criar uma solução que mitiga o risco cambial.

Hoje em dia, existe hedge cambial no mercado por um ou dois anos, mas não para um projeto novo (“greenfield”), que exige prazos mais longos.

O Ecoinvest tem quatro linhas diferentes. Uma é baseada em derivativos. Outra é baseada na chamada liquidity finance (alta liquidez). É uma linha que garante a cobertura se o câmbio passar de determinado nível. 

Outra linha é a “blended finance”, ou financiamento combinado, um modelo engenhoso. A Fazenda oferece uma taxa barata. Mas, para o banco privado ter acesso a ela – e financiar seu cliente – ele tem que oferecer um múltiplo do recurso solicitado. O múltiplo mínimo é 6 vezes, mas muitos bancos oferecem até 10, engordando significativamente o fundo – e os financiamentos.

Finalmente, haverá a expansão do mercado organizado de carbono – diferente do mercado atual, de comercialização de créditos sem auditoria. Haverá um teto para a venda de crédito de carbono, com os recursos canalizados para o Fundo Clima.

O fundo só será oferecido a projetos de transição energética, como a produção de hidrogênio de baixo carbono, fabricação de ônibus elétrico etc.

>>> Eixo 2 – adensamento tecnológico

Foco na inovação e na parceria universidade-empresa através da reativação de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para projetos tecnológicos e estratégicos de conteúdo local.

O objetivo é desenvolver uma estratégia de inovação contínua, que integre ensino superior e setor privado.

Uma das ferramentas é o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Logo no início do governo, conseguiu-se uma medida do Lula colocando o fundo a salvo de qualquer contingenciamento.

Outro instrumento é a TR para inovação – uma taxa de juros especial, abaixo das taxas do BNDES. Foram alocados entre 5 a 6 bilhões de reais por ano.

Importante: o plano vem trabalhando com a regra de conteúdo local.

No governo Dilma, chegou a ser estruturado um setor para produzir equipamentos para energia eólica. São vários componentes sendo produzidos por diversas empresas, a nacelle (gôndola), que fica no topo da torres; o gerador, a caixa de engrenagens, que controla a rotação do eixo, o sistema de freio, as pás, o sistema de pitch (que ajusta o ângulo das pás para otimizar a captação do vento).

Todo esse esforço foi água abaixo com o impeachment e com a decisão do governo Temer de reduzir as alíquotas para importação de painéis solares.

Agora, luta-se para reverter o processo. Houve uma recalibragem das tarifas de importação e a montagem de uma estrutura de financiamento com os fundos regionais, garantindo as etapas mais relevantes da cadeia.

Além disso, hoje em dia há escala suficiente para a fabricação interna de painéis solares.

Também há um plano em vista para atrair pesquisadores relevantes de outros países. Em breve será lançado um programa, chamado de visto verde, para facilitar o acesso ao visto para o investidor em projetos verdes ou para o técnico altamente qualificado, visando simplificar o processo e casar com outros instrumentos para estímulo a incorporação deles em empresas e institutos de pesquisa brasileiros. 

>>> Eixo 3 – a bioeconomia

Considerando que a maior parte das emissões no Brasil vêm do desmatamento e do agro, a proposta é criar um modelo de desenvolvimento sustentável que converta a floresta em oportunidades econômicas. 

 Além das medidas repressivas para coibir o desmatamento legal que estão sendo tomadas, só é duradouro se criar um novo modelo de desenvolvimento que torne viável a pessoa prosperar e ter emprego de qualidade e geração de renda com a floresta em pé. 

O modelo envolve concessão de florestas, integração lavoura-pecuária-floresta e linhas de crédito do Banco da Amazônia (BASA) e Banco do Nordeste, voltada para esse tipo de atividade, com taxas de juros mais baratas.

>>> Eixo 4 – transição energética

O Brasil já é líder em energias renováveis, mas ainda há espaço para avançar na descarbonização do transporte e na eletrificação da frota. Políticas para aumentar o uso de biocombustíveis e desenvolver novas tecnologias energéticas estão em andamento.

Na transição energética, do ponto de vista da eletricidade, o Brasil já está bem avançado na área, algo como 90% da nossa geração de eletricidade já vem de fontes renováveis. Essa é a meta dos países ricos para 2040, já é a realidade no Brasil hoje. 

Do ponto de vista do setor de transporte, o uso interno de biocombustíveis é muito superior ao de qualquer outro país. Nenhum país chega a 10% de uso de biocombustível. A maioria fica em torno de 3, 4, 5%. O Brasil tem 22% de biocombustíveis na frota.

Mesmo assim, tem que trilhar um caminho a mais, porque isso ainda não é suficiente para chegar ao Net Zero em 2050.

>>> Eixo 5 – a economia circular

O modelo atual, da economia linear, segue o roteiro –> extração de recursos naturais –> manufatura –> uso e –> descarte. Gera muita demanda por recursos naturais e produz muito resíduo. 

O objetivo é conseguir cada vez mais a reutilização, a remanufatura, ou reciclagem, recuperação energética para diminuir a demanda por novos recursos naturais e produzir menos rejeito.

Há várias medidas regulatórias, tributárias e de crédito que estão sendo implementadas. Com a reforma tributária, praticamente acabaram todos os créditos presumidos. Uma das únicas exceções é possibilitar o crédito recebido para reciclagem. 

>>> Eixo 6 – adaptação à mudança climática

A fim de preparar a infraestrutura e a saúde pública, estão sendo tomadas medidas para lidar com os impactos das mudanças climáticas, reconhecendo que parte da mudança climática já está contratada. E aí tem um conjunto de medidas para viabilizar o financiamento para adaptação à mudança do clima, seja com aval da União para os municípios fazerem isso, ou seja, preparação de defesa civil, as obras do PAC, que boa parte delas estão direcionadas também para lidar com áreas de encosta de morro, áreas sujeitas à inundação e por aí vai.

O Brasil, talvez de maneira singular no restante do mundo, pode aproveitar isso como uma oportunidade de promover desenvolvimento econômico, distribuição de renda e agregação de valor e de tecnologia aqui no número do país.

<><> A estrutura

Há uma equipe no Ministério da Fazenda coordenando o plano. Cada Eixo está sendo construído com o Ministério envolvido. A maioria dos temas é transversal. Então, para cada um dos temas há um grupo envolvendo ministérios participantes, setor privado, ONGs.

No ano passado foi aprovado o marco regulatório do carbono, a lei do hidrogênio de baixo carbono, a lei do combustível do futuro, a lei do Ecoinvest, do Mover. 

 

Fonte: Por Carmem Feijó e Fernanda Feil, no Jornal GGN

 

Nenhum comentário: