quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Jones Manoel: o deserto de ideas na Era Neolibberal

Começamos 2025. Um ano novo, mas com cenário velho. O Brasil segue dominado pela burguesia interna e pelo imperialismo. Um gigantesco moinho de gastar gente: lucros astronômicos para as minorias e violência, destruição e luta pela sobrevivência para o povo trabalhador – as maiorias. A nossa classe vive uma grande desorientação estratégica, tática e política. Alguém pode dizer que sempre foi assim, que vivemos essa realidade desde sempre. Discordo dessa afirmação. Na luta de classes, enquanto não conquistarmos o poder político, isto é, fizermos a Revolução Brasileira, não temos a vitória nas mãos; nesse caso, por definição, ainda estamos numa situação de derrota. Mas nem toda derrota é igual.

Não é o mesmo estarmos numa situação com a classe trabalhadora mobilizada, pautando seu projeto de país, numa ofensiva ou mesmo conseguindo oferecer fortes resistências aos interesses imediatos e estratégicos da burguesia e do imperialismo, e o cenário atual. No começo dos anos 1960, na década de 1980 e hoje, vivemos no capitalismo dependente brasileiro – um cenário, portanto, de contínua vitória da burguesia –, mas, nos dois primeiros exemplos, a classe trabalhadora estava na cena política atuando enquanto portadora de um projeto de país, com independência de classe, projetando o futuro, pautando e colocando em disputa um outro Brasil.

Um dos traços marcantes da conjuntura atual é que não temos a classe trabalhadora atuando enquanto sujeito político nacional, com independência de classe, forjando um projeto alternativo de país frente ao da burguesia e do imperialismo. Para efeitos didáticos, com algum simplismo, podemos dizer que o povo trabalhador brasileiro pode ser dividido em três grandes grupos:

a) os em situação de atomização total, absolutamente desorganizados e alheios a qualquer tecido coletivo além da sua dinâmica familiar/vizinhança;

b) os organizados em aparelhos de hegemonia controlados pela burguesia, ainda que normalmente se apresentem como apolíticos (pense, por exemplo, em igrejas evangélicas e ONGs assistencialistas);

c) e os organizados por aparelhos de hegemonia de esquerda (usando aqui a definição mais ampla possível de esquerda), como movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos, coletivos, associações, entidades e afins.

No grupo c), contudo, a força majoritária é do chamado progressismo, em particular o Partido dos Trabalhadores e as organizações políticas na sua órbita de influência. A chamada esquerda radical, onde me incluo, embora em crescimento, ainda é muito pequena e, no melhor dos cenários, tem capacidade de influir na defensiva, combatendo algum ataque liderado por governos progressistas – como o recente ataque ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) –, mas não consegue pautar um projeto na positiva, impondo uma agenda política aos progressistas.

A história recente desse campo progressista liderado pelo PT é um ótimo sintoma da tragédia brasileira. Sem intenção de resumir a história do petismo, podemos dizer que, depois da Carta ao Povo Brasileiro, no ano da eleição de 2002, Lula e o PT abrem mão de quaisquer compromissos reformistas e se comprometem a gerir o modelo neoliberal de reprodução do capitalismo brasileiro. A materialização da Carta ao Povo Brasileiro foi Henrique Meirelles (tucano e banqueiro) no Banco Central e Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. Tudo podia mudar, menos o essencial. Todas as contrarreformas de Fernando Henrique Cardoso – como as privatizações, abertura comercial, tripé macroeconômico, financeirização da economia etc. – seguiram intactas, e não haveria um “cavalo de pau” na economia.

Essa opção do PT e do Governo Lula não foi apenas uma tática eleitoral ou uma escolha de governabilidade. Foi a consolidação de uma virada estratégica, com o petismo assumindo plenamente o lugar de “ala esquerda” do sistema político dominante. A lógica era simples: mais ou menos preocupação social, mais ou menos preocupação nacional, mais ou menos participação popular no governo, mas com os marcos estruturais do capitalismo dependente brasileiro mantendo-se os mesmos.

Com o passar dos anos, certos temas foram sumindo, debates proibidos e houve um rebaixamento teórico generalizado. Desapareceram do vocabulário dos progressistas palavras como imperialismo, dependência, luta de classes, soberania produtiva e tecnológica, integração latino-americana, democratização da mídia, poder popular etc. A dinâmica estabelecida é do cinismo eleitoral. Em época de eleição, tudo é prometido. Todos os debates que ficam adormecidos por quatro anos voltam com tudo, e são tiradas da gaveta as velhas ideias que poderiam começar a construir um Brasil novo. Passada a eleição, todas as promessas de campanha são tratadas não como um compromisso programático com o povo trabalhador e os eleitores, mas apenas como peças publicitárias, ditas a partir da indicação de um marqueteiro, o necessário para ganhar a eleição; e, agora, para governar, é indispensável esquecer tudo que foi prometido. A cada quatro anos temos um “esqueçam o que escrevi” – FHC tem muitos discípulos.

A depender da conjuntura, a desculpa para o estelionato eleitoral do momento muda. No passado, quando, por exemplo, Lula tinha 80% de aprovação, maioria no Congresso Nacional, a presidência da Câmara dos Deputados e o PT crescia eleitoralmente de forma consistente, a justificativa oficial era que o partido não tinha hegemonia ou maioria de esquerda na sociedade e não era possível pautar reformas e transformações substantivas só a partir do aparato institucional. Agora, com a situação desfavorável no aparelho do Estado burguês, em particular na Câmara dos Deputados, o “argumento” preferido é a ausência de maioria no Congresso. A lógica de fundo é escolher uma situação ideal para, a partir daí, começar a luta. Como essa situação ideal nunca chega – e nunca chegará, pois, no capitalismo, não existe situação ideal para a luta popular –, temos um eterno adiamento.

A partir disso, para justificar um supostamente ser de esquerda, mesmo sem a correspondência na prática política, temos que constantemente rebaixar o horizonte político, teórico e estratégico e ficar numa eterna espera messiânica de que um dia teremos uma “guinada à esquerda” de Lula e do PT. Em paralelo, frente à força da extrema direita, temos um apelo abstrato em defesa da democracia, instituições e do Estado de Direito. A legitimidade eleitoral, social e política do campo progressista é, no geral, dada para evitar um “mal maior” e, em ano eleitoral, excitar uma parcela da sua base com promessas de esquerda e da tal guinada – lembrem que em 2022 Lula prometeu, por exemplo, revogar a contrarreforma trabalhista, previdenciária, do ensino médio e o teto de gastos aprovado por Michel Temer. Desnecessário falar do destino dessas promessas passados dois anos de governo.

Em suma, seja numa perspectiva revolucionária ou reformista, a burguesia brasileira e o imperialismo não estão pressionados com um projeto alternativo de país. Salvo exceções, como a atuação do MST no campo brasileiro, a perspectiva dominante nas esquerdas brasileiras, lideradas pelo progressismo, é uma mera gestão da miséria que vivemos, buscando, no máximo, melhorar alguns índices e fazer políticas públicas cada vez mais limitadas e de baixo alcance. No final, essa ausência sistemática de outro futuro para o Brasil é funcional para a classe dominante brasileira e o imperialismo e também, por mais que pareça paradoxal para alguns, para o campo progressista: os dois ficam confortáveis com a gestão do existente.

 

¨      Os super-ricos no lugar do Estado: uma ameaça à democracia. Por Stefano Zamagni

De Trump a Musk, o capitalismo “woke” está implementando um plano para tomar o lugar do bem-estar público em troca de impostos mais baixos. Uma revolução tecnológica e oligárquica. O papel crescente de uma restrita elite na reformulação da ordem social, política e econômica.

Muito já foi dito e continua a ser dito sobre as consequências geoeconômicas da nova presidência dos EUA. O que ainda está faltando é uma consideração adequada sobre os efeitos, tanto na frente política quanto ética, dos eventos que se tornaram de conhecimento público nos últimos meses. Esses eventos, no entanto, têm raízes antigas que remontam à década de 1990.

Não se deve, portanto, cair no erro de pensar que o fenômeno Trusk (Trump + Musk) seria uma espécie de relâmpago em céu sereno, algo inesperado. Na verdade, nos últimos trinta anos, foi se afirmando uma postura dupla, a partir da Califórnia, entre os segmentos mais altos da escala social, em relação ao modelo de ordem social para o qual tende o mundo ocidental.

Por um lado, aquela dos patriotas milionários e, por outro, aquela dos capitalistas woke. Trata-se de sujeitos que pertencem à categoria dos super-ricos. O lema dos primeiros é: “In tax we trust” (Confiamos nos impostos).

Eles pedem aos governos que aumentem a pressão fiscal sobre eles (até 60% da renda auferida) para fornecer o que é necessário para financiar o bem-estar, com a condição de que sejam “deixados em paz” em suas atividades. Não há necessidade de ser mais explícito sobre isso. (Veja-se a entrevista com Giorgiana Notarbartolo no Avvenire de maio de 2024, descendente da família Marzotto e primeira signatária do apelo Patriotic Millionaires, para uma exposição concisa, mas eficaz, da filosofia que orienta a ação dos 260 signatários do apelo).

A proposta apresentada pelos capitalistas woke, entretanto, é diferente. (Cf. C. Rhodes, Il Capitalismo Woke, Turim, 2023). Sua consideração é que, como a política democrática não está mais apta a atender às expectativas de bem-estar dos cidadãos e como as entidades do Terceiro Setor não têm a força, embora tenham a vontade, para suprir a necessidade, os ricos e super-ricos devem substituir o Estado no cumprimento de suas tarefas na área de bem-estar, desde que não sejam sobrecarregados por um imposto fiscal sobre a renda acima de 15%.

Peter Thiel, bilionário digital do PayPal e da Polantir, ditou em 2009 o “Manifesto Político do Vale do Silício Oligárquico”, no qual lemos, entre outras coisas: “Não acredito que a liberdade e a democracia sejam compatíveis entre si porque os subsídios e a assistência aos pobres, o voto às mulheres (sic!) e aos grupos hostis às ideias libertárias tornam a democracia capitalista impossível”. E mais adiante: “A Revolução Francesa já está obsoleta. Para que a Revolução Tecnológica triunfe, é necessária uma oligarquia, onde homens, brancos, empresários coordenem a vida dos súditos consumidores, sem burocracias de qualquer tipo”. O think tank dos capitalistas woke, um grupo que inclui pessoas como J. D. Vance - atual vice-presidente dos EUA -, C. Yarwin, D. Sacks e, mais recentemente, E. Musk, é o “Claremont Institute”, fundado pelos seguidores do filósofo ultraconservador Leo Strauss. Nunca se deve esqueça que magnificência não é a mesma coisa que munificência. A primeira significa transformar riqueza privada em benefício público a fim de reivindicar a honra e o direito de governar. (Cosimo de' Medici de fato salvou, sim, Florença da bancarrota, mas por meio de sua compra!).

A segunda, por outro lado, refere-se ao conceito de dom como gratuidade. Há muitos episódios que confirmam essa tendência. Basta pensar nas fundações empresariais e na nova filantropia, no marketing social e assim por diante. A ideia é estimular a filantropia a se tornar estratégica, em vez de reativa, canalizando recursos profissionalmente para projetos que sejam sinérgicos com as próprias empresas e com a Administração Pública. (Veja-se o último relatório do Observatório Eutax, o Centro de Estudos Europeu dirigido por Gabriel Zucman). Resulta disso que não se questionam os meios, ou seja, como a riqueza é obtida pelos grandes filantropos, porque o fim justifica os meios - mesmo que não se tenha coragem de admitir isso.

É fácil entender qual seria o resultado na frente da democracia - corretamente entendida, como sempre se deveria fazer, de governo do povo, pelo povo e para o povo - se tendências desse tipo viessem a se consolidar e se difundir. Sinais premonitórios disso já podem ser vistos. O recuo dos investimentos sustentáveis (ESG) anunciado pela Larry Fink, o patrono do Black Rock (o fundo que administra um patrimônio que corresponde a seis vezes o PIB da Itália!); a fuga da Meta (Facebook, Instagram, Thread) das políticas em favor da inclusão e da defesa da diversidade; a declaração de Peter Thiel no início do ano ao Financial Times, segundo a qual, graças à chegada de Trump à Casa Branca, “os segredos do antigo regime serão revelados”.

O Federal Reserve já se retirou da Rede de Bancos Centrais e Supervisores (Ngfs) para tornar mais “verde” o sistema financeiro. A decisão do Federal Reserve vem depois de uma decisão semelhante dos grandes bancos de Wall Street (Goldman Sachs, Wells Gargo, Citi, Bank of America, Morgan Stanley e J.P. Morgan). Para os capitalistas woke, finalmente chegou o momento em que as “verdades alternativas” serão difundidas, por meio da eliminação da verificação de fatos profissional nas principais plataformas, a fim de “combater a censura”. Não só isso, mas um tratado ONU, também assinado pelos EUA, declara o espaço sideral como Patrimônio da Humanidade. Ele agora é violado pelo monopólio de Musk com seus atuais 7.000 satélites.

É motivo de grande preocupação para aqueles que consideram a democracia um valor inalienável o resultado de uma pesquisa recente da consultoria britânica Fgs Global (publicada no final de janeiro), que mostra que 21% dos Millennials e da Geração Z prefeririam um sistema político baseado em um líder forte em vez do tradicional modelo democrático. O mesmo que dizer que um em cada cinco jovens do Reino Unido não acredita mais na democracia (em nível da população como um todo, a opção autoritária é apoiada por 14% dos britânicos). O fato é que a democracia não pode suportar a atual concentração de poder político, econômico e tecnológico nas mãos de poucos sujeitos.

O novo capitalismo não precisa mais da democracia liberal - como precisava até meio século atrás - para continuar a acumular lucros. E o grande risco é que as empresas também se alinhem ao novo espírito dos tempos em termos de sustentabilidade. Em outras palavras, o verdadeiro risco é que as empresas que se reconhecem no capitalismo woke se tornem o Estado, colocando uma hierarquia privada (a empresa) para desempenhar tarefas de interesse público. Essa é a desdemocratização da democracia. Dessa autêntica res nova, o mundo da intelectualidade e especialmente aqueles dedicados a investigar a realidade econômica e social deveriam tomar ciência, intervindo com mais força e independência no debate público. É motivo de satisfação, nesse sentido, tornar conhecida a recente decisão de cerca de sessenta instituições acadêmicas e de pesquisa alemãs em Hessen de abandonar a plataforma social X (antigo Twitter). A motivação é a incompatibilidade entre os valores fundamentais das instituições acadêmicas e a nova orientação imposta por Musk à plataforma, cujo algoritmo é voltado para a desinformação e, acima de tudo, para a manipulação de mentes. Esta é, portanto, uma batalha em que o mundo católico, mas não só, deveria se engajar. Assim como há oito séculos a Grã-Bretanha conseguiu introduzir o direito ao habeas corpus - do qual conhecemos o grande impacto positivo -, hoje é necessário lutar para ver afirmado o habeas mentem, introduzindo na declaração universal dos direitos humanos o direito de não ser submetido à manipulação da mente, como está fazendo a crescente massa de fake truths (não confundir com fake news). O cristão, se não quiser trair sua fonte, não pode aceitar que isso aconteça.

 

Fonte: Opera Mundi/Avvenire

 

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