Jones Manoel: o deserto de ideas na Era Neolibberal
Começamos 2025. Um ano novo,
mas com cenário velho. O Brasil segue dominado pela burguesia interna e pelo
imperialismo. Um gigantesco moinho de gastar gente: lucros astronômicos para as
minorias e violência, destruição e luta pela sobrevivência para o povo
trabalhador – as maiorias. A nossa classe vive uma grande desorientação
estratégica, tática e política. Alguém pode dizer que sempre foi assim, que
vivemos essa realidade desde sempre. Discordo dessa afirmação. Na luta de
classes, enquanto não conquistarmos o poder político, isto é, fizermos a
Revolução Brasileira, não temos a vitória nas mãos; nesse caso, por definição,
ainda estamos numa situação de derrota. Mas nem toda derrota é igual.
Não é o mesmo estarmos numa
situação com a classe trabalhadora mobilizada, pautando seu projeto de país,
numa ofensiva ou mesmo conseguindo oferecer fortes resistências aos interesses
imediatos e estratégicos da burguesia e do imperialismo, e o cenário atual. No
começo dos anos 1960, na década de 1980 e hoje, vivemos no capitalismo
dependente brasileiro – um cenário, portanto, de contínua vitória da burguesia
–, mas, nos dois primeiros exemplos, a classe trabalhadora estava na cena
política atuando enquanto portadora de um projeto de país, com independência de
classe, projetando o futuro, pautando e colocando em disputa um outro Brasil.
Um dos traços marcantes da
conjuntura atual é que não temos a classe trabalhadora atuando enquanto sujeito
político nacional, com independência de classe, forjando um projeto alternativo
de país frente ao da burguesia e do imperialismo. Para efeitos didáticos, com
algum simplismo, podemos dizer que o povo trabalhador brasileiro pode ser
dividido em três grandes grupos:
a) os em situação de atomização
total, absolutamente desorganizados e alheios a qualquer tecido coletivo além
da sua dinâmica familiar/vizinhança;
b) os organizados em aparelhos
de hegemonia controlados pela burguesia, ainda que normalmente se apresentem
como apolíticos (pense, por exemplo, em igrejas evangélicas e ONGs
assistencialistas);
c) e os organizados por
aparelhos de hegemonia de esquerda (usando aqui a definição mais ampla possível
de esquerda), como movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos,
coletivos, associações, entidades e afins.
No grupo c), contudo, a força
majoritária é do chamado progressismo, em particular o Partido dos
Trabalhadores e as organizações políticas na sua órbita de influência. A
chamada esquerda radical, onde me incluo, embora em crescimento, ainda é muito
pequena e, no melhor dos cenários, tem capacidade de influir na defensiva,
combatendo algum ataque liderado por governos progressistas – como o recente
ataque ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) –, mas não consegue pautar um
projeto na positiva, impondo uma agenda política aos progressistas.
A história recente desse campo
progressista liderado pelo PT é um ótimo sintoma da tragédia brasileira. Sem
intenção de resumir a história do petismo, podemos dizer que, depois da Carta
ao Povo Brasileiro, no ano da eleição de 2002, Lula e o PT abrem mão de
quaisquer compromissos reformistas e se comprometem a gerir o modelo neoliberal
de reprodução do capitalismo brasileiro. A materialização da Carta ao Povo
Brasileiro foi Henrique Meirelles (tucano e banqueiro) no Banco Central e
Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. Tudo podia mudar, menos o essencial.
Todas as contrarreformas de Fernando Henrique Cardoso – como as privatizações,
abertura comercial, tripé macroeconômico, financeirização da economia etc. –
seguiram intactas, e não haveria um “cavalo de pau” na economia.
Essa opção do PT e do Governo
Lula não foi apenas uma tática eleitoral ou uma escolha de governabilidade. Foi
a consolidação de uma virada estratégica, com o petismo assumindo plenamente o
lugar de “ala esquerda” do sistema político dominante. A lógica era simples:
mais ou menos preocupação social, mais ou menos preocupação nacional, mais ou
menos participação popular no governo, mas com os marcos estruturais do
capitalismo dependente brasileiro mantendo-se os mesmos.
Com o passar dos anos, certos
temas foram sumindo, debates proibidos e houve um rebaixamento teórico
generalizado. Desapareceram do vocabulário dos progressistas palavras como
imperialismo, dependência, luta de classes, soberania produtiva e tecnológica,
integração latino-americana, democratização da mídia, poder popular etc. A
dinâmica estabelecida é do cinismo eleitoral. Em época de eleição, tudo é
prometido. Todos os debates que ficam adormecidos por quatro anos voltam com
tudo, e são tiradas da gaveta as velhas ideias que poderiam começar a construir
um Brasil novo. Passada a eleição, todas as promessas de campanha são tratadas
não como um compromisso programático com o povo trabalhador e os eleitores, mas
apenas como peças publicitárias, ditas a partir da indicação de um marqueteiro,
o necessário para ganhar a eleição; e, agora, para governar, é indispensável
esquecer tudo que foi prometido. A cada quatro anos temos um “esqueçam o que
escrevi” – FHC tem muitos discípulos.
A depender da conjuntura, a
desculpa para o estelionato eleitoral do momento muda. No passado, quando, por
exemplo, Lula tinha 80% de aprovação, maioria no Congresso Nacional, a
presidência da Câmara dos Deputados e o PT crescia eleitoralmente de forma
consistente, a justificativa oficial era que o partido não tinha hegemonia ou
maioria de esquerda na sociedade e não era possível pautar reformas e
transformações substantivas só a partir do aparato institucional. Agora, com a
situação desfavorável no aparelho do Estado burguês, em particular na Câmara
dos Deputados, o “argumento” preferido é a ausência de maioria no Congresso. A
lógica de fundo é escolher uma situação ideal para, a partir daí, começar a
luta. Como essa situação ideal nunca chega – e nunca chegará, pois, no
capitalismo, não existe situação ideal para a luta popular –, temos um eterno
adiamento.
A partir disso, para justificar
um supostamente ser de esquerda, mesmo sem a correspondência na prática
política, temos que constantemente rebaixar o horizonte político, teórico e
estratégico e ficar numa eterna espera messiânica de que um dia teremos uma
“guinada à esquerda” de Lula e do PT. Em paralelo, frente à força da extrema
direita, temos um apelo abstrato em defesa da democracia, instituições e do
Estado de Direito. A legitimidade eleitoral, social e política do campo
progressista é, no geral, dada para evitar um “mal maior” e, em ano eleitoral,
excitar uma parcela da sua base com promessas de esquerda e da tal guinada –
lembrem que em 2022 Lula prometeu, por exemplo, revogar a contrarreforma
trabalhista, previdenciária, do ensino médio e o teto de gastos aprovado por Michel
Temer. Desnecessário falar do destino dessas promessas passados dois anos de
governo.
Em suma, seja numa perspectiva
revolucionária ou reformista, a burguesia brasileira e o imperialismo não estão
pressionados com um projeto alternativo de país. Salvo exceções, como a atuação
do MST no campo brasileiro, a perspectiva dominante nas esquerdas brasileiras,
lideradas pelo progressismo, é uma mera gestão da miséria que vivemos,
buscando, no máximo, melhorar alguns índices e fazer políticas públicas cada vez
mais limitadas e de baixo alcance. No final, essa ausência sistemática de outro
futuro para o Brasil é funcional para a classe dominante brasileira e o
imperialismo e também, por mais que pareça paradoxal para alguns, para o campo
progressista: os dois ficam confortáveis com a gestão do existente.
¨ Os super-ricos no lugar do Estado: uma ameaça à democracia. Por
Stefano Zamagni
De Trump
a Musk,
o capitalismo “woke” está
implementando um plano para tomar o lugar do bem-estar público em troca de
impostos mais baixos. Uma revolução tecnológica e oligárquica. O papel
crescente de uma restrita elite na reformulação da ordem social,
política e econômica.
Muito já foi dito e
continua a ser dito sobre as consequências geoeconômicas da nova presidência
dos EUA. O que ainda está faltando é uma consideração adequada sobre os
efeitos, tanto na frente política quanto ética, dos eventos que se tornaram de
conhecimento público nos últimos meses. Esses eventos, no entanto, têm raízes
antigas que remontam à década de 1990.
Não se deve,
portanto, cair no erro de pensar que o fenômeno Trusk (Trump + Musk)
seria uma espécie de relâmpago em céu sereno, algo inesperado. Na verdade, nos
últimos trinta anos, foi se afirmando uma postura dupla, a partir
da Califórnia, entre os segmentos mais altos da escala social, em relação
ao modelo de ordem social para o qual tende o mundo ocidental.
Por um lado, aquela
dos patriotas milionários e, por outro, aquela dos capitalistas woke.
Trata-se de sujeitos que pertencem à categoria dos super-ricos. O lema dos
primeiros é: “In tax we trust” (Confiamos nos impostos).
Eles pedem aos
governos que aumentem a pressão fiscal sobre eles (até 60% da renda
auferida) para fornecer o que é necessário para financiar o bem-estar, com a
condição de que sejam “deixados em paz” em suas atividades. Não há necessidade
de ser mais explícito sobre isso. (Veja-se a entrevista com Giorgiana
Notarbartolo no Avvenire de maio de 2024, descendente da
família Marzotto e primeira signatária do apelo Patriotic
Millionaires,
para uma exposição concisa, mas eficaz, da filosofia que orienta a ação dos 260
signatários do apelo).
A proposta
apresentada pelos capitalistas woke, entretanto, é diferente. (Cf. C.
Rhodes, Il Capitalismo Woke, Turim, 2023). Sua consideração é que, como a
política democrática não está mais apta a atender às expectativas de bem-estar
dos cidadãos e como as entidades do Terceiro Setor não têm a força,
embora tenham a vontade, para suprir a necessidade, os ricos e
super-ricos devem substituir o Estado no cumprimento de suas tarefas na
área de bem-estar, desde que não sejam sobrecarregados por um imposto fiscal
sobre a renda acima de 15%.
Peter
Thiel,
bilionário digital do PayPal e da Polantir, ditou em 2009 o
“Manifesto Político do Vale do Silício Oligárquico”, no qual lemos, entre
outras coisas: “Não acredito que a liberdade e a democracia sejam compatíveis
entre si porque os subsídios e a assistência aos pobres, o voto às mulheres
(sic!) e aos grupos hostis às ideias libertárias tornam a democracia
capitalista impossível”. E mais adiante: “A Revolução Francesa já
está obsoleta. Para que a Revolução Tecnológica triunfe, é necessária
uma oligarquia, onde homens, brancos, empresários coordenem a vida dos súditos
consumidores, sem burocracias de qualquer tipo”. O think
tank dos capitalistas woke, um grupo que inclui pessoas como J.
D. Vance -
atual vice-presidente dos EUA -, C. Yarwin, D. Sacks e, mais
recentemente, E.
Musk,
é o “Claremont Institute”, fundado pelos seguidores do filósofo
ultraconservador Leo Strauss. Nunca se deve esqueça que magnificência não
é a mesma coisa que munificência. A primeira significa transformar riqueza
privada em benefício público a fim de reivindicar a honra e o direito de
governar. (Cosimo de' Medici de fato salvou, sim, Florença da
bancarrota, mas por meio de sua compra!).
A segunda, por
outro lado, refere-se ao conceito de dom como gratuidade. Há muitos
episódios que confirmam essa tendência. Basta pensar nas fundações empresariais
e na nova filantropia, no marketing social e assim por diante. A ideia é
estimular a filantropia a se tornar estratégica, em vez de reativa, canalizando
recursos profissionalmente para projetos que sejam sinérgicos com as próprias
empresas e com a Administração Pública. (Veja-se o último relatório
do Observatório Eutax, o Centro de Estudos Europeu dirigido
por Gabriel
Zucman).
Resulta disso que não se questionam os meios, ou seja, como a riqueza é obtida
pelos grandes filantropos, porque o fim justifica os meios - mesmo que não se
tenha coragem de admitir isso.
É fácil entender
qual seria o resultado na frente da democracia - corretamente entendida, como
sempre se deveria fazer, de governo do povo, pelo povo e para o povo - se
tendências desse tipo viessem a se consolidar e se difundir. Sinais
premonitórios disso já podem ser vistos. O recuo
dos investimentos sustentáveis (ESG) anunciado pela Larry Fink, o patrono
do Black
Rock (o
fundo que administra um patrimônio que corresponde a seis vezes o PIB da
Itália!); a fuga
da Meta (Facebook,
Instagram, Thread) das políticas em favor da inclusão e da defesa da diversidade;
a declaração de Peter Thiel no início do ano ao Financial Times,
segundo a qual, graças à chegada de Trump à Casa Branca, “os segredos
do antigo regime serão revelados”.
O Federal
Reserve já se retirou da Rede de Bancos Centrais e Supervisores (Ngfs)
para tornar mais “verde” o sistema financeiro. A decisão do Federal Reserve vem
depois de uma decisão semelhante dos grandes bancos de Wall
Street (Goldman Sachs, Wells Gargo, Citi, Bank of
America, Morgan Stanley e J.P. Morgan). Para os capitalistas
woke, finalmente chegou o momento em que as “verdades alternativas” serão
difundidas, por meio da eliminação da verificação de fatos profissional nas
principais plataformas, a fim de “combater a censura”. Não só isso, mas um
tratado ONU, também assinado pelos EUA, declara o espaço sideral como
Patrimônio da Humanidade. Ele agora é violado pelo monopólio
de Musk com seus atuais 7.000 satélites.
É motivo de grande
preocupação para aqueles que consideram a democracia um valor inalienável o
resultado de uma pesquisa recente da consultoria britânica Fgs
Global (publicada no final de janeiro), que mostra que 21%
dos Millennials e da Geração Z prefeririam um sistema
político baseado em um líder forte em vez do tradicional modelo democrático. O
mesmo que dizer que um em cada cinco jovens do Reino Unido não
acredita mais na democracia (em nível da população como um todo, a
opção autoritária é apoiada por 14% dos britânicos). O fato
é que a democracia não pode suportar a atual concentração de poder político, econômico e
tecnológico nas mãos de poucos sujeitos.
O novo capitalismo
não precisa mais da democracia liberal - como precisava até meio
século atrás - para continuar a acumular lucros. E o grande risco é que as
empresas também se alinhem ao novo espírito dos tempos em termos de
sustentabilidade. Em outras palavras, o verdadeiro risco é que as empresas que
se reconhecem no capitalismo woke se tornem o Estado, colocando uma
hierarquia privada (a empresa) para desempenhar tarefas de interesse público.
Essa é a desdemocratização da democracia. Dessa autêntica res nova, o mundo da
intelectualidade e especialmente aqueles dedicados a investigar a realidade
econômica e social deveriam tomar ciência, intervindo com mais força e
independência no debate público. É motivo de satisfação, nesse sentido, tornar
conhecida a recente decisão de cerca de sessenta instituições acadêmicas e de
pesquisa alemãs em Hessen de abandonar a plataforma
social X (antigo Twitter). A motivação é a incompatibilidade entre os
valores fundamentais das instituições acadêmicas e a nova orientação imposta
por Musk à plataforma, cujo algoritmo é voltado para a desinformação
e, acima de tudo, para a manipulação de mentes. Esta é, portanto, uma
batalha em que o mundo católico, mas não só, deveria se engajar. Assim como há
oito séculos a Grã-Bretanha conseguiu introduzir o direito ao habeas
corpus - do qual conhecemos o grande impacto positivo -, hoje é necessário
lutar para ver afirmado o habeas mentem, introduzindo na declaração universal
dos direitos humanos o direito de não ser submetido à manipulação da mente,
como está fazendo a crescente massa de fake truths (não confundir com
fake news). O cristão, se não quiser trair sua fonte, não pode aceitar que isso
aconteça.
Fonte: Opera Mundi/Avvenire
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