A IA veio para ficar. Mas quem está no
comando?
Todo mundo está falando sobre a revolução
da inteligência artificial (IA). A crescente onipresença da IA é inegável: ela está se infiltrando em todos os gadgets
e plataformas — de nossas geladeiras (elas realmente precisam ser
“inteligentes”?) — a aplicativos com mais implicações, como usos militares e
automação de empregos. Essas narrativas alarmistas parecem refletir um
mal-estar generalizado sobre o impacto da IA —
o que é justificado, mas também ofusca discussões mais otimistas sobre o
potencial de ganhos de produtividade e aumento do tempo para lazer, se
acertarmos a dinâmica do controle.
No que parece um reconhecimento impressionante do
direito das pessoas de serem céticas em relação à IA, os bilionários que
possuem e controlam a tecnologia estão falando sobre a revisão do contrato social.
Notavelmente ausente dessas reflexões sobre como a IA irá reconectar a
sociedade estão as discussões sobre a emancipação humana. As previsões anteriores
sobre como a IA servirá como uma ajudante multifacetada da humanidade — em
áreas que vão da medicina à energia verde — praticamente desapareceram. Nos
últimos dois anos, passamos do persuasivo potencial da IA para uma coercitiva visão transumanista obstinada.
Suas reflexões recentes equivalem essencialmente a um encolher de ombros com o
aviso: “É melhor segurarmos firme”. Ainda assim, apesar das ameaças muito
reais, ainda há promessa — se formos ousados o
suficiente para agarrá-la.
· Um novo contrato
social? Escrito por quem?
Na semana passada, quando o CEO da OpenAI,
Sam Altman, repetiu sua crença de
que a IA inaugurará mudanças suficientes para que os Estados necessitem
de um novo contrato social , os
observadores ficaram alarmados com razão. Altman apoia uma renda
básica universal, provavelmente porque espera que a IA leve a demissões em
massa à medida que as máquinas substituem o trabalho. Ele não está sozinho na
previsão de uma mudança enorme; Dario Amodei, o CEO da empresa de IA Anthropic,
também alertou sobre
mudanças massivas no relacionamento entre trabalhadores e tecnologia. Sem
parecer perceber, essas previsões estão atingindo notas distópicas de ficção
científica. O balbucio sincero de Amodei sobre para onde a IA está indo incluiu
a admissão descarada de que os
criadores da IA — essas são as
pessoas com os pés no acelerador, lembre-se — esperam que ela em breve seja
“melhor do que os humanos em quase tudo”.
Embora a oligarquia tecnológica possa, em sua excitação
ofegante, estar enganada sobre este ou aquele detalhe, o arco do desenvolvimento
tecnológico e sua captura de aparelhos estatais ao redor do mundo torna difícil
apostar contra eles. Revoltas parecem inevitáveis.
Uma mudança em direção a uma economia e sistema de
produção dominados pela IA exigirá de fato uma reavaliação abrangente do
contrato social — Altman está correto a esse respeito. Se novas tecnologias de
produção forem adotadas rápida e completamente, elas podem deslocar
trabalhadores em todos os setores — dos colarinhos azuis aos colarinhos
brancos. Tornou-se amplamente aceito que a “revolução” da IA é essencialmente uma nova Revolução Industrial, que promete ser
tão disruptiva quanto as principais transformações industriais que se repetiram
desde o século XVIII.
Claro, qualquer revisão do contrato social deve incluir
supervisão e controle democráticos. No entanto, dizer que deveria não é o mesmo
que garantir que isso acontecerá. Controlar o que acontece a seguir exigirá
luta e determinação. E, não importa o que a oligarquia tecnológica nos diga,
isso envolverá antagonismos de classe no nível estatal e no local de trabalho.
Esta será ao mesmo tempo uma batalha nova e antiga.
· Marx estava certo
sobre os robôs
Marx reconheceu no século XIX que a
mecanização — uma espécie de proto-IA — substituiria os trabalhadores e
serviria como uma ferramenta para a classe capitalista explorar os
trabalhadores. A maquinaria intensificou a exploração e a disciplina e
desqualificou o trabalho, o que contribuiu para a alienação. No entanto, ele
também viu o potencial da mecanização para nos libertar da labuta cotidiana.
Sob diferentes relações sociais, tais tecnologias e seus ganhos de
produtividade a elas associados podem libertar os trabalhadores do trabalho sem
fim, permitindo-nos o uso do tempo recém-conquistado para atividades mais
gratificantes. Mas esse resultado dependeria, é claro, de quem tivesse o
controle sobre essas tecnologias e com que finalidade.
No século XX, teóricos críticos — particularmente
alguns membros da Escola de Frankfurt — identificaram tanto a promessa quanto o
perigo da maquinaria contemporânea. Herbert Marcuse, ecoando os insights de
Marx, notou essa natureza dupla da tecnologia. Em Eros e Civilização, ele argumenta: “O
próprio progresso da civilização sob o princípio do desempenho atingiu um nível
de produtividade no qual as demandas sociais sobre a energia instintiva a ser
gasta em trabalho alienado poderiam ser consideravelmente reduzidas”. Em outras
palavras, a civilização estava se aproximando do ponto em que a automação
poderia nos libertar. No entanto, ele permaneceu cético. Afinal, para quem os
robôs trabalhariam — e contra quem?
Como argumentei antes, os robôs não nos
libertarão a menos que os controlemos. Podemos possuir o Roomba mais inteligente conhecido
pela história e pela humanidade, mas não possuímos as fábricas que os produzem,
nem controlamos — como é cada vez mais importante — os algoritmos ou a
programação que os tornam possíveis. Não controlamos a cadeia de produção que
os torna possíveis, nem ninguém está prestes a tomar os meios de produção. Mas
há certas coisas que estão ao nosso alcance e que podemos fazer agora mesmo.
· Passos práticos
para uma mudança de paradigma na IA
Se quisermos uma mudança de paradigma na
produção, podemos armar a política com pesquisa e ações legais, impulsionadas
por organizações que defendem o diálogo público e a supervisão, como o Center for Human Technology e a Ethics and Governances of Artificial Intelligence
Initiative.
O trabalho de desenvolver e defender uma melhor política estatal para
restringir e direcionar o desenvolvimento e o uso da IA é uma tarefa de suma importância. A regulamentação
estatal e as regulamentações entre países continuam sendo totalmente essenciais
para produzir melhores resultados de uma tecnologia que não vai desaparecer.
Por mais frustrante que seja a política eleitoral — até
mesmo indutora de raiva — ela também é a principal via para produzir melhores
políticas. Podemos apoiar candidatos, referendos, petições e iniciativas de
votação que apoiem reformas e ações legislativas que coloquem a IA para
trabalhar à serviço de mais pessoas, não menos. Essas abordagens são ainda
melhores se complementadas por estratégias teóricas e projetos mais amplos para
colocar a Big Tech de pé e fazê-la trabalhar para nós, como IA participativa e responsabilização algorítmica.
Em Paris, antes de uma grande cúpula de IA, um pesquisador
está pregando o poder da transparência para orientar
a tomada de decisões sobre IA. A União Europeia já tem sua proposta de Lei de IA, que visa afirmar algum controle estatal
sobre o uso da tecnologia, por exemplo, e o Canadá tem uma diretiva sobre tomadas
de decisão automatizadas.
Também podemos responsabilizar as agências reguladoras
enquanto lutamos para garantir que elas tenham os dentes que precisam para
morder quando precisam morder. Essas agências devem realizar consultas públicas
regulares sobre desenvolvimentos tecnológicos e manter fortes poderes de
supervisão que sejam antagônicos à indústria, em vez de deixar que os oligarcas
da tecnologia escrevam suas próprias regulamentações ou, pior, operem sem
nenhuma.
· Revisitando o
contrato social de acordo com nossos termos
Revisar o contrato social diante da IA requer abordar duas dimensões principais: redefinir a
relação entre o indivíduo e o Estado — o que cada um deve ao outro — e repensar
a barganha entre trabalhadores e indústria, particularmente em relação à
propriedade e ao controle. Devemos ser inerentemente desconfiados de quaisquer
esquemas de renda básica universal como sonhados pela classe tecnocrática —
esquemas que são muito propensos a incluir uma abordagem básica que
desmantelará o que resta da rede de segurança social. Em vez disso, precisamos
determinar qual suporte estatal os trabalhadores precisarão diante de outra
reestruturação industrial — e essa decisão deve ser conduzida pelos próprios
trabalhadores.
O capital, por sua própria natureza, nunca usará a
tecnologia para o benefício primário dos trabalhadores; somente os
trabalhadores o farão. Também devemos lutar pela democratização da propriedade das tecnologias de IA e
pelo controle sobre sua implantação na indústria. Na medida em que o capital se
importará em usar a tecnologia de forma responsável, será apenas para proteger
a produção e o lucro. Quando as empresas petrolíferas fingem se importar, por exemplo, com
o meio ambiente ou com a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, você
pode apostar que não é pelo bem dos pobres coitados que podem perder sua casa
sem seguro para inundação ou incêndio. Em vez disso, é para garantir que haja
um mercado para vender — e um mínimo de humanos, em algum lugar, com padrões de
vida viáveis mínimos para
produzir widgets ou Roombas.
Esse potencial disruptivo da IA para ambas as indústrias e o Estado é inegável, e a
necessidade de renegociar nossos acordos sociais e políticos naturalmente
seguirá. Mas como fazemos
isso não é pré-direcionado. Isso implicará uma luta pelo controle que exige
direção democrática no governo e no local de trabalho. Nesse sentido, a
revolução da IA apresenta uma
conjuntura crítica e uma oportunidade poderosa para construir um mundo melhor —
um no qual os robôs nos libertam, porque os controlamos em nome do nosso
bem-estar coletivo.
Fonte: Por David
Moscrop – Tradução de Pedro Silva para Jacobin Brasil
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