Carla
Teixeira: Denúncia da PGR contra militares não pode afastar o debate político
sobre reforma nas forças armadas
A denúncia da Procuradoria
Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro e outros 32 acusados de
envolvimento na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 é sem dúvida uma
importante vitória do campo democrático brasileiro contra os autoritários que
tentaram impor ao país uma ditadura. Além da invasão dos prédios dos três
poderes, a denúncia também menciona a tentativa de assassinato do então
presidente eleito, Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo
Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Os chamados “Kids Pretos”, batalhão de
elite do Exército criado durante a ditadura militar para reprimir opositores do
regime, estão no centro dessa história que inevitavelmente jogou luz à morte
suspeita do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek, morto num
controverso acidente de carro, na via Dutra, no dia 22 de agosto de 1976.
A controvérsia entre os
relatórios da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo - Rubens Paiva
(sustentando a versão de que JK foi assassinado pela ditadura por meio da
Operação Condor, Operação Para-Sar e Operação Código 12 - utilizada para
eliminar inimigos do regime fazendo parecer acidente) e o relatório da Comissão
Nacional da Verdade, reafirmando tratar-se de um acidente com base nos
documentos produzidos durante a ditadura e que, hoje se sabe, foram forjados,
levou à intenção de reabertura das investigações sobre a morte de Juscelino.
Assim, por mais chocante que seja constatar que militares brasileiros
planejavam assassinar o presidente eleito (Lula), talvez não tenha sido a
primeira vez que as forças armadas atuaram contra lideranças civis capazes de
mobilizar a vontade popular.
Ainda que a denúncia da PGR
contra 33 golpistas seja um passo importante para a consolidação da democracia
no Brasil, notadamente por via do campo jurídico (é a primeira vez na história
do Brasil que militares serão julgados na esfera civil por crimes contra a
democracia, mas se presos seguirão sob proteção dos quarteis), é fato que o
campo político se mantém alheio à discussão em torno da reforma das forças
armadas e subordinação dos militares ao poder civil. Para o chefe da PGR, Paulo
Gonet, o Exército “foi vítima do plano golpista”, o que gerou uma “campanha de
ódio” de bolsonaristas contra os comandantes do Exército. Essa versão da
história ignora a ostensiva presença de militares de alta patente no governo
Bolsonaro, assim como não conta as pressões dos Estados Unidos, à época
presidido pelo democrata Joe Biden, para que os militares brasileiros não
entrassem numa aventura golpista.
O atual comandante do
Exército, general Tomás Paiva, em palestra realizada no Comando Militar do
Sudeste em janeiro de 2023, disse que as eleições de 2022 “infelizmente”
tiveram “um resultado que para a maioria de nós foi indesejado, mas aconteceu”
(ver Ilegais e Imorais, 2024, p. 274), além de tecer irrestritos elogios ao seu
antecessor, general Arruda, que mobilizou blindados do Exército contra a
Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), no dia 8 de janeiro de 2023, para
impedir a prisão dos vândalos que destruíram os prédios dos três poderes,
desobedecendo ordem de detenção imediata expedida pelo ministro Alexandre de
Moraes. Ao tratar sobre a hipótese de prisão dos militares, o general Tomás
Paiva desabafou em sua palestra: “Deus queira que não mexam com o Exército”.
Não sabemos se “Deus não
quis”, mas é fato que a denúncia da PGR tocou apenas nos militares cuja
participação estava mais explícita na tentativa de golpe e assassinato das
autoridades, notadamente pelo envolvimento político de seus integrantes com o
governo Bolsonaro. O general Arruda, que mobilizou blindados contra a PMDF e
impediu ação da Polícia Federal contra Mauro Cid (o que levou à sua demissão do
Comando do Exército), assim com o general Dutra (responsável pela guarda do
Palácio do Planalto), o general Penteado, número dois do Gabinete de Segurança
Institucional, e o coronel do Exército Paulo Jorge Fernandes da Hora, filmado
tentando impedir a tropa de Choque da PMDF de prender os invasores dentro do
Palácio do Planalto, sequer constam na denúncia. Golpistas que passaram incólumes
à festejada peça jurídica assinada por Gonet e seguirão recebendo seus
vultuosos soldos como integrantes do Exército Brasileiro.
Tudo isso nos mostra que o
pesquisador Francisco Carlos Teixeira estava certo quando afirmou que havia um
acordo em curso para poupar esses nomes “não políticos” do golpe, posto nenhum
deles terem tomado parte diretamente no governo Bolsonaro, em mais uma
tentativa de preservar o Exército, como instituição, da responsabilidade pelos
crimes cometidos por seus integrantes no exercício de suas funções
corporativas. Convém lembrar, também, que no dia 11 de novembro de 2022 os três
comandantes das forças armadas divulgaram uma carta em que reconheceram os atos
em frente aos quarteis, pedindo intervenção militar, como legítimos e repudiaram
a repressão ao movimento. De acordo com o indiciado, tenente-coronel Mauro Cid,
o grupo que estava em frente aos quarteis “elogiou muito. Eles estão se
sentindo seguros para dar uma passo à frente”, disse à época o então ajudante
de ordens de Jair Bolsonaro, em conversa com o então comandante do Exército,
general Freire Gomes.
Assim, a tentativa de golpe
de 8 de janeiro não foi um raio em céu azul, mas uma ação continuada e
estimulada pelas mais altas patentes das forças armadas, incluindo seus comandantes.
A denúncia da PGR contra militares, apesar de importante, não vai à raiz do
problema: o golpismo presente nas forças armadas e sua completa insubordinação
ao poder civil e à vontade soberana da população. Ainda que fosse esperada uma
ação jurídica de responsabilização dos comandantes (que hoje saem como
pretensos “heróis democráticos que resistiram ao golpe”), é fato que se trata
de um urgente debate político ao qual o governo Lula, o Congresso Nacional,
assim como os partidos, os movimentos sociais e a própria imprensa estão a
reboque, ainda que o momento político seja favorável para mudanças nas
corporações militares.
De acordo com recente
pesquisa Atlas, a confiança dos brasileiros nas forças armadas está em queda
desde meados de 2023. Hoje, cerca de sete em cada dez brasileiros dizem não
confiar no Exército Brasileiro, na Marinha do Brasil e na Força Aérea
Brasileira. Seria o momento propício para mudanças nas forças armadas, pondo
fim ao tripé que sustenta sua autonomia em relação ao poder civil, qual seja: o
fim da educação militar baseada em currículos totalmente antagônicos às
discussões travadas no âmbito da sociedade civil, freando a cultura cotidiana
dos quarteis que alimenta a sanha golpista de seus integrantes; o fim da
inteligência militar, que serviu apenas para garantir a tentativa de golpe; e o
fim da justiça militar, uma das mais caras e ineficientes do mundo que serve
apenas para suprir interesses corporativos. Há também a urgente necessidade de
extinção dos “Kids Pretos” que, desde a sua criação, atuaram para atacar civis;
impor um fim aos privilégios como sistema hospitalar e previdenciário próprio e
passar pra reserva todos os integrantes de altas patentes que assumiram posição
de comando durante o governo Bolsonaro, fazendo subir alguém mais jovem pro
comando, o que já foi feito por governos de outros países tanto de direita
quanto de esquerda.
Ainda que não fosse possível
a responsabilização jurídica dos envolvidos (com maior ou menor presença) na
tentativa de golpe do 8 de janeiro, é responsabilidade não apenas do governo
Lula, mas também do Congresso Nacional, dos partidos políticos, dos movimentos
sociais e principalmente da imprensa travarem o debate político em torno das
mudanças necessárias nas três forças militares e sua necessária subordinação ao
poder civil. A seguir como está, as forças armadas brasileiras continuarão
sendo um berçário de militares autoritários nutridos de uma visão de
superioridade em relação aos civis, portanto, com direito de aterrorizar a
democracia brasileira e sua população, numa perspectiva de inevitáveis
tentativas de golpes futuros (que, ao contrário do 8 de janeiro, poderão dar
certo!).
¨ Mauro Cid diz
que senador bolsonarista sugeriu que Exército 'surrupiasse' urna eletrônica sem
autorização do TSE
O
tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL),
afirmou em sua delação premiada à Polícia Federal que o senador bolsonarista
Luiz Carlos Heinze (PP-RS) sugeriu que o Exército pegasse uma urna eletrônica
sem autorização do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o depoimento do
militar, prestado no âmbito do inquérito do golpe, a proposta chegou a ser
apresentada ao então mandatário.
De acordo com
a coluna do jornalista Paulo Cappelli, do Metrópoles, a delação de Cid sustenta que o
parlamentar “usava um documento do Ministério Público Militar que dizia que,
como o país estava em GLO [Garantia da Lei e da Ordem], para garantia das
eleições, entendia que as Forças Armadas poderiam pegar uma, sem autorização do
TSE ou qualquer instância judicial, para realizar testes de integridade”.
Ainda de
acordo com a reportagem, o ex-ajudante de ordens também declarou que o senador
pediu que a sugestão fosse levada ao então ministro da Defesa, Walter Braga
Netto. No entanto, segundo Cid, Bolsonaro não deu andamento à proposta.
Heinze se
aproximou de Bolsonaro durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da
Covid-19, na qual defendeu o governo em meio às investigações sobre erros e
omissões na gestão da pandemia. O senador fazia parte da base aliada do
ex-presidente.
Procurada, a
assessoria de Heinze negou as acusações e afirmou que deverá ingressar com uma
ação por calúnia e difamação contra Mauro Cid.
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Leia a íntegra da nota:
"Em
nenhum momento cogitei, afirmei ou mesmo pensei em sequestrar ou confiscar uma
urna eletrônica. Todo aquele que afirmar algo nessa direção está faltando com a
verdade e será processado por calúnia e difamação.
As ações que
empreendi após as eleições de 2022 são de domínio público e estão devidamente
documentadas, não se baseiam em conjecturas ou delações. Diante das dúvidas em
relação ao escrutínio e atendendo aos apelos por esclarecimentos dos meus
eleitores, recorri aos mecanismos legais disponíveis, buscando a intervenção do
Estado para a realização de uma investigação imparcial. Essa atitude está
alinhada às responsabilidades inerentes à minha função pública e constitui um
exercício legítimo do meu dever de fiscalização."
¨ Homossexuais,
"maricas" e negros: as vítimas ocultas do golpe fracassado. Por
Francisco Carlos Teixeira da Silva
As agora famosas
"Cadernetas da CEF" que serviam de agenda do então Ministro-Chefe do
GSI revelam instruções impensáveis. Entre as diversas "instruções "
consta evitar citar "maricas", homossexuais e negros. Tratava-se,
como em todo golpe de Estado, de evitar a revelação prematura das intenções dos
golpistas-assassinos - deveriam, ainda, envenenar Lula, fuzilar Alexandre de
Moraes e "desaparecer" com Alckmin. São por tanto golpistas
antidemocráticos munidos de um plano homicida.
O que, além de tudo, nos
revela as "Cadernetas do General", é a intenção de agir diretamente
sobre os setores vulneráveis da população brasileira, em especial negros e
homossexuais. Isso correspondente a um aspecto oculto, corrente nos círculos
militares, sobre o risco do Brasil tornar-se um país de gays. Assim, o golpe
deveria eliminar a ideologia "gaysista" e seus defensores.
Para a realização de tal
ação contra o povo brasileiro estava planejado, conforme decodificação do
whatsapp do telefone do Tenente-Coronel Mauro Cid, a organização de
"CPG", ou seja, "Campos de Prisioneiros de Guerra", ou
seja, campos de concentração. Para tornar ainda mais clara a natureza nazista
do golpe, outro coronel "Kid preto" gritava, durante a conversa, com
ênfase, "Auschwitz!" (O Globo, 27/11/2024).
Assim, 80 anos depois das
tropas do Exército Vermelho libertarem Auschwitz, oficiais brasileiros pretendiam
criar seus próprios KZ/Konzentrationslager, voltados para uma parcela da
população odiada pela cor de sua pele ou por sua condição sexual.
As anotações terem sido
escritas por um dinossauro golpista, que já propunha golpes em 1977, sublinha
três pontos: de um lado, a conexão direta, mesmo de pessoas, entre 1964 e de 8
de Janeiro de 2023; de outro lado, a certeza histórica da inexistência de uma
transição democrática no âmbito das Forças Armadas, e, além de tudo, temos
agora a certeza de que a formação dos oficiais superiores das nossas forças é
deficiente, classista, racista e preconceituoso, profundamente anti-povo.
Fonte: Brasil 247
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