"Na era da pós-verdade, opiniões
de leigos nas redes sociais impactam nas taxas de vacinação", diz pesquisador
É esperada para 2025 a
aprovação da vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan e que
deve ter distribuição pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Sendo aprovada pela
Anvisa, será a primeira vacina do mundo em dose única contra uma doença que só
faz crescer no Brasil: foram mais de 6,5 milhões de casos prováveis de dengue
até o começo de dezembro de 2024, um aumento colossal de 400% em relação a
2023. Apesar de comum, é uma doença grave e que mata, com 5.872 mortes
confirmadas em 2024.
A vacina Butantan-DV é um
alento na luta contra a dengue por vários motivos. Além de ser dose única, o
que ajuda na adesão à vacinação, é tetravalente, protegendo contra os quatro
sorotipos do vírus, e será produzida no Brasil, aumentando o acesso e a
disponibilidade de doses, uma das barreiras da vacina Qdenga, do laboratório
japonês Takeda, única hoje disponível no SUS apenas para uma faixa etária
restrita. A nova Butantan-DV também pode ser tomada por quem já teve e por quem
nunca teve dengue.
A vacina não é completamente
brasileira. Foi desenvolvida a partir de um protótipo do Instituto Nacional de
Saúde (NIH) dos Estados Unidos. No Butantan passou muitos anos sendo aprimorada
e testada em seres humanos – o protótipo precisava ser mantido a -80 graus
Celsius e a atual é em pó, por exemplo.
Em estudo publicado em
agosto na revista The Lancet Infectious a
vacina também se mostrou bastante eficaz. Quatro anos após a aplicação da
vacina, a proteção caiu de 79,6% para, em média, 67,3% das pessoas imunizadas
apresentarem sintomas leves, moderados ou graves de dengue. E houve uma
proteção de 89% contra dengue grave/sinais de alarme.
“A redução da proteção de
79,6% para 67,3% após quatro anos da administração mostra que, apesar de uma
leve queda na imunidade, a proteção ainda é significativa. Esses resultados
indicam que, pelo menos até o momento, não há necessidade de se adotar uma dose
de reforço”, afirmou o cientista Rafael Dhalia, da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) em Pernambuco, que trabalhou no desenvolvimento da vacina.
<><> Confira a
entrevista:
·
Por que demorou tanto para desenvolver essa vacina
da dengue no Brasil? Como foi a parceria com o Instituto Nacional de Saúde
(NIH) dos Estados Unidos?
O desenvolvimento de uma
vacina contra a dengue é um processo longo, independentemente do país de origem.
A primeira vacina, por exemplo, a Dengvaxia® da Sanofi-Aventis, levou mais de
duas décadas para ser desenvolvida. As vacinas Qdenga® da Takeda e a
Butantan-DV do Instituto Butantan iniciaram suas fases de desenvolvimento no final da década de
1990. A demora no desenvolvimento dessas vacinas se deve ao fato de serem
tetravalentes, compostas por vírus atenuados que devem fornecer uma resposta
imunológica equilibrada contra os quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV-01,
DENV-02, DENV-03 e DENV-04). O processo de atenuação e confirmação de
segurança, bem como a avaliação da proteção contra os quatro sorotipos (que
depende da sazonalidade de circulação do vírus), são aspectos que tornam o
desenvolvimento dessas vacinas mais laborioso e demorado.
A parceria com o NIH ocorreu
após uma década de desenvolvimento das cepas atenuadas para os vírus DENV-01,
DENV-02, DENV-03 e DENV-04. Quando os cientistas do NIH identificaram os
melhores candidatos para a formulação de uma vacina tetravalente contra a
dengue, o Instituto Butantan obteve as patentes das cepas. A partir daí, após
quatro anos de experimentação para chegar a uma versão final, iniciou-se em
2016 um Estudo Clínico Multicêntrico em 16 centros de pesquisa brasileiros,
incluindo a Fiocruz Pernambuco.
·
O que a vacina da dengue do Butantan tem de
diferente das demais para conseguir ser eficaz apenas com uma dose? Deve ser
tomada apenas uma vez na vida? O esquema de vacinação ainda pode mudar?
Ainda não existe uma
resposta definitiva para explicar porque apenas a vacina Butantan-DV é eficaz
com uma única dose, embora a maior variedade de proteínas do vírus dengue
presentes na vacina do Butantan seja um fator que provavelmente contribui para
essa eficácia. Enquanto a composição da Dengvaxia inclui 8 proteínas
específicas do vírus da dengue, a Qdenga possui 16 e a Butantan-DV contém 32
proteínas específicas da dengue. A maior variabilidade de proteínas das
diferentes cepas de dengue na Butantan-DV pode ser um dos fatores que explicam
sua eficácia com uma dose única, mas isso ainda requer uma investigação mais
detalhada.
No que diz respeito ao
número de doses necessárias ao longo da vida, ainda não é possível determinar
se apenas uma dose será suficiente. Essa avaliação só poderá ser realizada
através de estudos de farmacovigilância em indivíduos vacinados, analisando-se
os níveis de anticorpos protetores e a resposta celular induzida pela vacina ao
longo dos anos. Considerando que a tecnologia usada na vacina da dengue é a
mesma empregada na vacina da febre amarela, é razoável especular que uma
segunda dose após um período de 10 anos poderá ser necessária para manter a
eficácia da vacina contra a dengue. No entanto, o esquema vacinal pode ser
ajustado dependendo dos resultados dos estudos de farmacovigilância mencionados
anteriormente.
·
A vacina contra a dengue do Butantan é tetravalente,
mas ela funciona melhor para algum dos quatro tipos de vírus da dengue?
A vacina do Butantan foi
desenvolvida para proteger contra os quatro sorotipos do vírus da dengue.
Durante o estudo de Fase III da Butantan-DV, apenas os sorotipos 1 e 2
circularam no Brasil. Nesse contexto, foi possível descrever uma eficácia de
89,5% contra o DENV-1 e de 69,6% contra o DENV-2.
Embora ainda seja necessário
avaliar a eficácia da vacina contra os sorotipos DENV-3 e DENV-4, que não
circularam no Brasil durante o estudo, as etapas anteriores da pesquisa
indicaram que a vacina induz a produção de anticorpos neutralizantes contra
todos os quatro sorotipos do vírus. Até o momento, podemos afirmar que a vacina
é mais eficaz contra o DENV-1.
·
No final de setembro, o Ministério da Saúde afirmou
que apenas 48,88% das 4.792.411 vacinas contra a dengue distribuídas pelo
Governo Federal desde fevereiro foram aplicadas. A procura tem sido baixa,
mesmo com mais um ano com recorde de casos de dengue. Por que você acha que
existe essa hesitação? A vacina do Butantan, por ser por uma faixa etária mais
ampla e de dose única, pode ter uma adesão maior?
A hesitação vacinal é um
fenômeno mundial agravado por campanhas de desinformação, conhecidas como fake news. Infelizmente, na era da
pós-verdade, opiniões de leigos nas redes sociais ganham força e impactam
diretamente as taxas de vacinação. Isso resulta no ressurgimento de doenças
evitáveis e no aumento da mortalidade e morbidade por doenças infecciosas.
Para mitigar esse problema,
é urgente que o Governo Federal invista em campanhas de educação e informação
para combater a desinformação. Também é essencial fortalecer a confiança da
população e facilitar o acesso às vacinas. No caso específico da vacina contra
a dengue, existe a percepção equivocada de que crianças e adolescentes de 10 a
14 anos são menos suscetíveis a agravamentos da doença, quando, na verdade,
essa faixa etária concentra o maior número de hospitalizações por dengue.
Para vencer essa batalha,
cada um de nós pode contribuir atuando como propagadores da importância da
vacinação. O fato de a Butantan-DV ser de dose única e abranger uma faixa
etária mais ampla certamente facilitará a adesão e a logística de vacinação.
·
O pedido de vacina para a Anvisa foi para pessoas de
2 a 59 anos, independente do histórico de infecção prévia de dengue? Já existem
testes encaminhados para pessoas com mais de 60 anos?
A Butantan-DV pode ser
administrada em pessoas de 2 a 59 anos, tanto naqueles que já foram expostos ao
vírus da dengue quanto naqueles que nunca contraíram a doença. O Instituto
Butantan está preparado para produzir e entregar 100 milhões de doses ao
Programa Nacional de Imunização (PNI) nos próximos três anos, prometendo um
impacto significativo na saúde pública.
Um novo estudo clínico de
Fase III da vacina Butantan-DV, desta vez para a faixa etária a partir de 60
anos, deverá ser iniciado no primeiro trimestre de 2025. Esse estudo visa
ampliar a cobertura vacinal para incluir também os idosos. A Fiocruz Pernambuco
será um dos cinco centros nacionais participantes deste novo estudo, e em breve
poderemos trazer mais notícias para os leitores da Marco Zero.
Fonte: Marco Zero
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