sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Documentário revela como funciona a sádica política anti-imigratória de Trump

O novo documentário de Errol Morris chamado Separated [Separados], que é considerado um provável candidato ao Oscar de Melhor Documentário, foi feito com o intuito de compartilhá-lo com o público antes da eleição. O ponto principal do filme é lembrar as pessoas do cruel fiasco que foi a pedra angular da política anti-imigração do primeiro mandato de Trump: separar pais de filhos à força como um impedimento à imigração ilegal ao longo da fronteira sul dos Estados Unidos.

Trump deixa claro no trecho de uma entrevista mostrada no documentário que pretende reviver a política sádica no segundo mandato. E a bagunça que sua administração deixou marcas. De acordo com Separated, estima-se que mais de quatro mil famílias ficaram traumatizadas para o resto da vida pela forma como as crianças foram removidas e encarceradas. Até mesmo crianças pequenas eram às vezes mantidas literalmente em gaiolas por meses a fio antes que a política fosse anulada por causa do clamor público e eventuais ilegalidades.

Até o fim do ano passado ainda havia mais de mil crianças que nunca reencontraram seus pais. Como a política estava sendo implementada de forma tão caótica, com as separações ocorrendo em uma taxa tão rápida e com números tão assustadores, e a manutenção de registros sendo deliberadamente impedida, tornou-se quase impossível localizar os pais de certas crianças mais tarde.

Como disse um funcionário do governo que trabalha para o Escritório de Reassentamento de Refugiados, encarregado de reunir famílias: “Quando você pergunta a uma criança de dois anos qual é o nome da mãe dela, ela diz: ‘Mãe’”.

Com um lançamento muito limitado, ou seja, em Nova York e Los Angeles, Separated não foi exibido amplamente até estrear na MSNBC em 9 de dezembro, mais de um mês após a eleição. Esta decisão foi supostamente tomada “em parte porque os chefes da NBC não querem ofender Donald Trump”.

O diretor Morris expressou publicamente suas queixas sobre o lançamento:

Essa [decisão] irritou Morris, que sugeriu que considerações políticas estavam por trás daquela data de exibição em um post no X, escrevendo: “Por que meu filme não está sendo exibido na NBC antes da eleição? Não é um filme partidário. É sobre uma política que era nojenta e não deveria ser permitida que acontecesse novamente. Tire suas próprias conclusões.”

O documentário é baseado no livro de não ficção Separated: Inside an American Tragedy [Separados: Por dentro de uma tragédia estadunidense] de 2020, de um dos próprios repórteres da NBC, Jacob Soboroff. A NBC News Studios foi uma das produtora, e Soboroff foi o produtor executivo. Ele aparece no filme, entrevistado por Morris, indicando a maneira como suas reportagens e as de outros correspondentes selecionados estavam sendo cinicamente usadas para aterrorizar ainda mais os imigrantes e pressionar o Congresso a apoiar a política draconiana.

“O dano às crianças era parte do ponto”, de acordo com Jonathan White, que surge como o mais irritado dos funcionários do governo entrevistados. Seu departamento, o Escritório de Reassentamento de Refugiados, foi forçado a aplicar a política após um interlúdio em 2017, quando o programa para separar crianças dos pais estava sendo executado sem conhecimento público ou mesmo status oficial. White afirma: “Isso aconteceu por meses antes que houvesse qualquer política para fazê-lo, e estava acontecendo enquanto minha própria liderança sustentava que não.”

O diretor Morris prega na parede certos atores-chave na administração de Trump que presumivelmente nunca consentiriam em uma entrevista. Um deles é Kirstjen Nielsen, que se tornou chefe interina do Departamento de Segurança Interna quando Elaine Duke foi repentinamente demitida. Como a entrevistada Duke explica, com um sorriso irônico acompanhando sua explicação, ela era muito do tipo “pessoa da classe trabalhadora” para se encaixar entre os indicados favoritos de Trump.

Morris então fornece uma cena de Nielsen, loira, elegante e magra como um trilho, que parece uma âncora da Fox News. Ela interfere na desprezada política mentindo sobre isso em entrevistas públicas, argumentando que as crianças estão sendo separadas dos pais como se fosse algo natural quando os pais são presos como imigrantes ilegais que infringem a lei. Negócios corriqueiros, argumenta Nielsen, negando que arrancar deliberadamente as crianças das famílias e trancá-las em instalações longe de seus pais seja o objetivo da nova política de dissuasão por meio de órfãos criados pelo Estado.

Mas Morris faz com que um idiota sem noção concorde em dar uma entrevista: Scott Lloyd, um cúmplice de Trump nomeado para dirigir o Escritório de Reassentamento de Refugiados enquanto a nova política era implementada. Lloyd claramente nunca assistiu a um filme de Errol Morris antes de concordar em dar a entrevista, e é um prazer vê-lo se contorcer diante do famoso “Interratron” do diretor, uma câmera especialmente projetada que dá aos entrevistados uma visão do rosto de Morris, o que os faz se sentir muito confortáveis ​​no início, e que cria a impressão para o público de maior contato visual e envolvimento direto em seus documentários. Lloyd gagueja e se mexe com um desconforto crescente em seu assento sob o questionamento de Morris quando ele não tem permissão para repetir as declarações de RP insípidas como foi claramente contratado para fazer.

White diz sobre seu antigo chefe: “Scott Lloyd é o abusador de crianças mais prolífico da história americana moderna”.

Apenas expor a história e o funcionamento interno dessa política hedionda e deixar clara a ameaça de seu retorno dá a este filme muito poder. Mas para aqueles familiarizados com a longa carreira de Morris na produção de documentários, deve-se admitir que muito de seu estilo, outrora tão dinâmico e convincente nos velhos tempos de Gates of Heaven [Os portões do céu] (1978), Vernon, Florida (1981), The Thin Blue Line [A fina linha azul] (1988), Fast, Cheap, & Out of Control [Rápido, barato e fora de controle ] (1997) e Mr. Death: The Rise and Fall of Fred A. Leuchter, Jr. [Sr. Morte: Ascensão e queda de Fred A. Leuchter Jr.] (1999), está se tornando rotineiro.

Por exemplo, nos anos 1980 e 1990, Morris ressuscitou encenações, que eram proibidas em documentários na era anterior do cinema direto e do cinema verité. Morris usou encenações de maneiras ousadamente expressivas em filmes como The Thin Blue Line, para transmitir a dificuldade de chegar à verdade e a necessidade de trabalhar com mentiras egoístas sem fim para chegar o mais perto possível dela.

Mas em Separated, a técnica de reconstituição agora familiar diminuiu para a contratação sem imaginação de dois atores (Gabriela Cartol e Diego Armando Lara Lagunes) para interpretar uma mãe e filho representativos fugindo da Guatemala para os Estados Unidos e sendo forçados a se separar sob a nova política do governo Trump. Comparado às filmagens assustadoras de crianças reais paradas, entorpecidas, em gaiolas vazias usando cobertores de papel-alumínio, ou as gravações somente de áudio de crianças reais chorando histericamente e sendo ridicularizadas por seus guardas, intercaladas com declarações oficiais insensíveis de contratados de Trump, as cenas recorrentes rastreando os destinos de uma mãe e filho fictícios têm muito menos impacto.

Separated apresenta uma música sinistra e fria, estilo Philip Glass, do compositor escocês Paul Leonard-Morgan. Como sempre, o estilo de Morris é formalmente opulento, deliberadamente colocando em primeiro plano sua própria construção, com uma edição hipnotizante reunindo os fios complexos da reportagem e os entrelaçando em um argumento assertivo filmado. Aqueles que buscam uma produção cinematográfica documental supostamente “neutra e objetiva” — ou melhor, o estilo de produção cinematográfica que melhor finge essa ilusão — devem procurar em outro lugar.

Mas mesmo que os poderes imaginativos de Morris como cineasta estejam se ossificando, o assunto aqui é tão duramente imediato que supera a maneira como sua inventividade formal se tornou estereotipada. Separated elimina um pouco daquela estranha amnésia que está afligindo tantas pessoas sob a pressão de muitas coisas terríveis acontecendo em explosões concentradas. A intenção era “interferir na eleição”, se possível, lembrando os eleitores de uma das políticas mais cruéis de Trump que ele prometeu restabelecer. Em vez disso, ao não permitir que o filme fosse exibido até dezembro de 2024, a NBC acabou tentando interferir na eleição de uma maneira diferente.

¨      Os imigrantes deportados pelos EUA que ficam isolados em hotel no Panamá e pedem ajuda pelas janelas

"Por favor, nos ajudem", diz a mensagem escrita em um pedaço de papel mostrado por duas meninas através da janela de um dos apartamentos do luxuoso hotel Decápolis, na Cidade do Panamá.

O hotel oferece aos seus hóspedes apartamentos com vista para o mar, dois restaurantes exclusivos, piscina, spa e transporte particular. Mas ele passou a ser um centro de "custódia temporária", que abriga 299 migrantes de diferentes nacionalidades que foram deportados pelos Estados Unidos, segundo informado na última terça-feira (18/2) pelo governo panamenho.

Alguns dos imigrantes erguem os braços e os cruzam na altura dos pulsos, como que tentando dizer que estão privados da liberdade. Outros penduram pequenos cartazes com mensagens como "não estamos seguros no nosso país".

Em dias normais, os turistas podem entrar e sair do hotel, sem nenhum inconveniente. Mas, nas circunstâncias atuais, com membros fortemente armados do Serviço Nacional Aeronaval do Panamá fazendo a proteção do lado externo e rigorosas medidas de segurança no seu interior, o edifício parece mais um bunker improvisado do que um hotel de luxo.

Da rua, podem ser vistos cabides com roupa lavada pendurados nas janelas. Uma das peças é uma camiseta amarela de basquete do time do Los Angeles Lakers, com o número 24 — a mesma que vestia o lendário jogador Kobe Bryant (1978-2020).

Em outra janela, um grupo de adultos e três crianças levantam um dos braços com o dedo polegar fixado na palma, fazendo o gesto de auxílio internacional empregado por pessoas que se sentem ameaçadas. No vidro, está escrita a frase em inglês help us ("nos ajude"), com letras vermelhas.

Em uma janela mais para o outro lado, dois menores de idade com o rosto coberto sustentam contra o vidro folhas de papéis com a mensagem "por favor, salvem as meninas afegãs".

Estes migrantes foram despachados pelo governo de Donald Trump, como parte da sua política de deportação de pessoas sem documentos. Eles chegaram em três voos na semana passada, depois que o governo do presidente panamenho José Raúl Mulino aceitou transformar o país em uma "ponte" para os deportados em trânsito para outras nações.

Entre os 299 migrantes, há cidadãos provenientes da Índia, China, Uzbequistão, Irã, Vietnã, Turquia, Nepal, Paquistão, Afeganistão e Sri Lanka, que viajaram no primeiro dos três voos.

Destes, apenas 171 aceitaram retornar aos seus países de origem. Os outros 128 migrantes que não desejam ser enviados de volta enfrentam, pelo menos até agora, um destino incerto.

Segundo as autoridades panamenhas, este grupo será trasladado para um acampamento na província de Darién, que serviu, até o momento, para receber temporariamente os migrantes irregulares que cruzavam a floresta com destino aos Estados Unidos.

<><> 'Estamos aterrorizados'

Uma mulher iraniana que mora há anos no Panamá declarou à BBC News Mundo — o serviço em espanhol da BBC — que manteve contato com um dos migrantes dentro do hotel Decápolis. Ela descreveu que eles estão "aterrorizados" com a possibilidade de serem levados para o Irã.

O migrante contou em um celular escondido — já que eles não têm permissão para manter nenhum contato com o exterior do hotel — que existem "vários menores retidos" ali. Eles tiveram negada a presença de um advogado e não têm permissão para sair do quarto, nem mesmo para comer.

A mulher foi até o hotel e ofereceu sua ajuda como tradutora do idioma farsi, falado no Irã, para o espanhol. Mas foi informada que já havia um tradutor — o que, segundo sua conversa com o migrante dentro do hotel, não era verdade.

A BBC fez contato com o hotel Decápolis para perguntar sobre as condições em que se encontram os migrantes, mas não houve resposta aos nossos questionamentos.

Depois que a história dos deportados foi levada a público na terça-feira pela imprensa, foram reforçadas as medidas de segurança para a permanência dos migrantes e seu acesso à internet foi cortado, segundo a mulher iraniana.

Circula nas redes sociais desde o fim de semana um vídeo que mostra uma das migrantes contando, em farsi, que eles foram detidos depois de cruzar a fronteira para os Estados Unidos. Eles teriam sido informados que seriam trasladados para o Estado americano do Texas, mas acabaram no Panamá.

No vídeo, a mulher insistiu que suas vidas correm perigo caso regressem ao Irã, devido às possíveis represálias que eles poderiam sofrer do governo daquele país. Ela afirma que sua intenção é pedir asilo político.

É difícil obter asilo político sem ter acesso a um advogado. E, nesta situação, é ainda mais difícil, pois o governo panamenho anunciou que não ofereceu, nem irá oferecer esta proteção aos cidadãos deportados.

<><> 'Custódia temporária'

O ministro da Segurança Pública do Panamá, Frank Ábrego, informou na terça-feira (18/2) que os migrantes estão no país de forma transitória. Ele negou que os estrangeiros estejam em condições de detenção, destacando que eles se encontram sob a proteção das autoridades panamenhas.

"Nosso acordo com o governo dos Estados Unidos é que eles fiquem sob nossa custódia temporária para sua proteção", declarou Ábrego.

Questionado sobre a impossibilidade de sair do hotel, Ábrego respondeu que esta é uma medida preventiva e destacou que seu governo deve garantir a segurança e a paz dos panamenhos.

O ministro alertou que os migrantes que não desejarem regressar aos seus países de origem deverão escolher um terceiro país. Neste caso, a Organização Internacional de Migrações (OIM) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) serão os organismos responsáveis pela sua repatriação.

O Panamá, segundo Ábrego, "recebeu estes senhores migrantes, demos acolhida em um hotel da localidade, no hotel Decápolis, que é o que tem capacidade de recebê-los neste momento."

O chefe da Segurança Pública também informou que "não é esperada a chegada de novos migrantes" porque não houve acordo sobre outros voos deste tipo.

O Panamá aceitou ser um país "ponte" para as deportações após a visita do secretário de Estado norte-americano Marco Rubio ao país centro-americano, em meio às tensões causadas pelas ameaças de Trump de "recuperar" a soberania do Canal do Panamá.

Segundo informado pelas autoridades panamenhas, parte do acordo determina que o Panamá irá oferecer a pista de aterrissagem e os albergues das zonas urbanas da província de Darién para que os migrantes deportados façam o trânsito até o seu destino.

É na província de Darién que fica a perigosa floresta atravessada pelos migrantes vindos da América do Sul, em sua jornada rumo aos Estados Unidos.

Um porta-voz da OIM declarou à BBC News Mundo que a organização está encarregada de "oferecer apoio essencial" às pessoas deportadas pelos Estados Unidos.

"Estamos trabalhando com funcionários locais para ajudar as pessoas afetadas, apoiando o retorno voluntário daqueles que solicitarem e identificando alternativas seguras para os demais", destacou o porta-voz.

"Mesmo não tendo participação direta na detenção ou restrição de movimento das pessoas, temos o compromisso de garantir que todos os migrantes sejam tratados com dignidade e de acordo com as normas internacionais."

O principal pesquisador do centro de estudos Instituto de Política Migratória nos Estados Unidos, Muzaffar Chishti, comentou que muitos dos migrantes deportados provêm de países conhecidos como "recalcitrantes" – ou seja, que não colaboram ou não estão abertos para aceitar o retorno de seus cidadãos deportados pelos Estados Unidos.

"Isso exige constantes negociações diplomáticas com aqueles governos", declarou Chishti à BBC.

"Enviando os migrantes para o Panamá, os Estados Unidos saem da fotografia", explica ele. "É uma dor de cabeça para o Panamá se encarregar dessas negociações e verificar como fazer para que esses países aceitem recebê-los novamente."

Uma das grandes questões no momento recai sobre o futuro dos 128 migrantes que não desejam voltar aos seus países de origem, por medo de represálias.

É esperada para os próximos dias a chegada de um voo com pessoas deportadas dos Estados Unidos para a Costa Rica, outro país centro-americano que fechou um acordo com a Casa Branca para se transformar em "ponte" para levar os migrantes ao seu destino incerto.

A BBC News Mundo tentou entrar em contato com o governo do Panamá, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

 

Fonte Por Eileen Jones – Tradução Pedro Silva, para Jacobin Brasil/BBC News Mundo

 

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