quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Por que estão nascendo mais gêmeos do que nunca, mesmo com queda nas taxas de natalidade

É fato que, globalmente, as mães estão tendo menos filhos. No entanto, apesar desse último declínio observado nas taxas de natalidade, o número de gêmeos e trigêmeos nascidos hoje é maior do que nunca.

Essa é a primeira vez que isso acontece na história - e as pesquisas preveem um aumento contínuo nas taxas de gemelaridade. Nos anos anteriores, as taxas de gêmeos caíram proporcionalmente às taxas gerais de natalidade.

Há muitos motivos para que isso aconteça, e fatores sociais, como a gravidez em idade avançada e o maior uso de tratamentos de fertilidade, parecem ser fatores-chaves.

Embora menos comuns do que a gravidez com um bebê, os nascimentos múltiplos são uma parte natural da reprodução humana. Cerca de uma em cada 60 gestações é um nascimento múltiplo, seja de gêmeos, trigêmeos ou até mesmo sêxtuplos.

A gravidez gemelar ocorre quando dois óvulos separados são fertilizados ao mesmo tempo ou quando um óvulo fertilizado se divide em dois.

Os nascimentos múltiplos também podem ocorrer como resultado da "hiperovulação", quando mais de um óvulo é liberado no mesmo ciclo. É mais provável que esse fenômeno ocorra em mulheres à medida que envelhecem devido a mudanças nos padrões hormonais do ciclo menstrual ao se aproximarem da perimenopausa.

Embora seja muito raro, a hiperovulação também pode levar à concepção natural do que é conhecido como "gestação múltipla de ordem superior" - desde trigêmeos até nonagêmeos (nove bebês).

Dados da Inglaterra e do País de Gales em 2023 mostram que, para mulheres com menos de 20 anos, um em cada 2 mil foi um nascimento múltiplo. Mas para mulheres entre 35 e 39 anos, esse número sobe para um em cada 57.

Uma pesquisa recente que analisou especificamente os países de baixa renda previu um aumento de nascimentos múltiplos em todos os países de 2050 a 2100. Os autores sugerem que essas projeções são impulsionadas pelo aumento da idade materna nesses países.

·       Tendências de nascimento

Durante o baby boom das décadas de 1940 a 1960, o número de nascimentos múltiplos na Inglaterra e no País de Gales ficou consistentemente em torno de 12-13 por 1.000 gestações. As mães da década de 1960 estavam tendo seus bebês com idade média de 26 anos - uma idade em que a probabilidade de nascimento múltiplo é menor.

Porém, durante as décadas de 1970 e 1980, com o planejamento familiar (incluindo esterilização masculina e esterilização feminina) e a chegada de tempos econômicos difíceis, houve um declínio no número de famílias maiores. Isso deu origem ao tamanho médio de 2,4 filhos por família.

Naquele período, a maioria das mulheres estava tendo seus bebês por volta dos 26 anos. Isso significou que a taxa de nascimentos múltiplos no Reino Unido também caiu para seu nível mais baixo, cerca de dez por 1.000 maternidades.

Nas décadas de 1990 e 2000, a taxa de nascimentos múltiplos aumentou na Inglaterra e no País de Gales. Isso se deveu, em parte, a um ligeiro aumento na idade média em que as mulheres se tornaram mães pela primeira vez, mas foi em grande parte impulsionado por um aumento no uso de tratamentos de fertilidade.

Nos primórdios do tratamento de fertilidade, era prática comum colocar mais de um embrião de cada vez para aumentar as chances de sucesso da gravidez. No entanto, isso também aumentava a chance de ter um nascimento múltiplo. Na década de 1990, a taxa de gravidez múltipla decorrente do tratamento de fertilidade chegou a 28% (em comparação com uma taxa de concepção natural de 1% a 2%).

As preocupações com o aumento acentuado de nascimentos múltiplos devido a tratamentos de fertilidade e o número desses bebês nascidos prematuramente como resultado levaram à campanha "One at a Time" (Um de cada vez) para promover a transferência de apenas um embrião por vez. A taxa de nascimentos múltiplos decorrentes de tratamento de fertilidade no Reino Unido é agora de apenas 4%.

No entanto, entre o início dos anos 2000 até meados de 2010, as taxas de nascimentos múltiplos no Reino Unido atingiram mais de 16 a cada mil gestações (cerca de 11 mil gestações múltiplas por ano). Esse pico de nascimentos múltiplos provavelmente se deve ao aumento das taxas de fertilidade em mulheres mais velhas - mas principalmente ao uso crescente de tratamentos de fertilidade antes do impacto da campanha One at a Time.

Após uma queda na década de 2010, quando o sucesso dessa campanha se tornou evidente nos dados, a taxa de nascimentos múltiplos do Reino Unido agora é de 14,4 a cada mil nascimentos.

Mas, mais do que nunca, mais pessoas estão buscando por tratamento de fertilidade. Em 1991, cerca de 6.700 ciclos de fertilização in vitro foram oferecidos por clínicas de fertilidade no Reino Unido. Em comparação, 76 mil ciclos de FIV foram realizados em 2021.

Os tratamentos de fertilidade podem ser caros, e o acesso ao tratamento financiado pelo NHS está sujeito a restrições de elegibilidade no Reino Unido, o que faz com que mais pessoas considerem buscar tratamento no exterior. As práticas relacionadas à transferência de múltiplos embriões variam nos países europeus populares para o turismo de fertilidade do Reino Unido, o que significa que a proporção de gestações múltiplas que ocorrem em decorrência de tratamento de fertilidade no exterior pode ser muito maior.

Ter gêmeos, trigêmeos ou mais é, sem dúvida, uma alegria para muitas famílias, mas pode trazer dificuldades adicionais. No Reino Unido, a taxa de natimortos é quase o dobro em gêmeos em comparação com gestações únicas - e a taxa de morte neonatal em gêmeos é mais de três vezes maior. O nascimento pré-termo ocorre em cerca de 60% dos gêmeos e em quase todos os trigêmeos, quádruplos ou mais. Esses bebês geralmente precisam de cuidados neonatais, o que aumenta a ansiedade dos pais.

Além do nascimento, sabemos que os primeiros anos são muito desafiadores - com apoio adicional normalmente necessário para cuidados práticos, como alimentação e sono, além de pressões financeiras e emocionais. O custo financeiro para as famílias de múltiplos é pelo menos 20 mil libras (R$ 147 mil) a mais, em comparação com ter dois filhos únicos em sequência.

Ao planejar o formato da futura maternidade e dos primeiros anos de atendimento, as necessidades da população de nascimentos múltiplos devem fazer parte da conversa. É difícil prever o quanto as taxas podem aumentar, especialmente porque os números sugerem que as taxas de fertilidade continuam mais baixas em geral. Podemos ver menos bebês nascendo ao longo do tempo, mas com um aumento na porcentagem de nascimentos múltiplos.

¨      O papel dos homens na queda da fertilidade no mundo

As taxas de fecundidade estão despencando em todo o mundo, ainda mais rápido do que o previsto. A China está registrando mínimas recordes nas taxas de natalidade. E na América Latina, as estatísticas oficiais de nascimentos estão ficando muito aquém das previsões em vários países. Até mesmo no Oriente Médio e no norte da África, as taxas de natalidade estão caindo de forma mais drástica do que o esperado. Isso é resultado do fato de as pessoas terem menos filhos, mas também porque, em quase todos os países do mundo, mais pessoas simplesmente não estão tendo filho algum.

Isabel criou o grupo Nunca Madres depois que o término de um relacionamento desagradável, aos trinta e poucos anos, a levou à conclusão de que não queria ter filhos. Ela enfrenta críticas por essa escolha todos os dias, e não apenas na Colômbia, onde mora. "O que mais ouço é: ‘Você vai se arrepender, você é egoísta. Quem vai cuidar de você quando você ficar velha?", relata. Para Isabel, não ter filhos é uma escolha. Para outros, é resultado da infertilidade biológica. E, para muito mais gente, é uma confluência de fatores - entre eles, uma situação financeira ruim ou porque não foi possível encontrar a pessoa certa no momento certo. Alguns sociólogos chamam essa confluência de "infertilidade social".

E uma pesquisa recente sugere que entre as pessoas que querem ter filhos, o grupo que menos consegue tê-los é o dos homens de baixa renda. Um estudo realizado em 2021 na Noruega constatou que a taxa de ausência de filhos entre os homens era de 72% entre os 5% com renda mais baixa, mas de apenas 11% entre os que ganhavam mais — uma disparidade que aumentou em quase 20 pontos percentuais nos últimos 30 anos.

Quando Robin Hadley estava na faixa dos 30 anos, ele estava desesperado para ser pai. Ele não tinha cursado universidade, mas trabalhava como fotógrafo técnico em um laboratório universitário no norte da Inglaterra. Antes disso, ele havia se casado e tentado ter um filho com a esposa, mas acabaram se divorciando. Ele se sentia sobrecarregado por um financiamento imobiliário, que lutava para pagar — e não podia se dar ao luxo de sair muito. Por isso, namorar era um desafio. Quando seus amigos e colegas se tornaram pais, ele teve uma sensação de perda. "Cartões de aniversário para crianças ou chás de bebê, tudo isso te lembra do que você não é — e do que se espera que você seja. Há uma dor associada a isso", diz ele.

Sua própria experiência o inspirou a escrever um livro sobre homens sem filhos. Ao escrevê-lo, percebeu que havia sido afetado por "todos os fatores que impactam os resultados da fertilidade — econômicos, biológicos, de momento dos acontecimentos e escolhas de relacionamento". E ele percebeu que na maior parte dos estudos sobre envelhecimento e reprodução que leu, faltavam os homens sem filhos — eles também estavam quase completamente ausentes das estatísticas nacionais da maioria dos países.

<>< A ascensão da 'infertilidade social'

Além dos motivos já mencionados para a infertilidade social, como a falta de recursos para se ter um filho ou a dificuldade em encontrar a pessoa certa na hora certa, há outra questão, segundo Anna Rotkirch, socióloga e demógrafa do Instituto de Pesquisa Populacional da Finlândia, que estuda as tendências ligadas a fertilidade na Europa e na Finlândia há mais de 20 anos. Ela observou uma mudança profunda na forma como vemos os filhos.

A Finlândia tem uma das taxas mais altas de pessoas sem filhos no mundo. No entanto, na década de 1990 e no início dos anos 2000, o país foi celebrado por combater o declínio da fecundidade com políticas voltadas para crianças reconhecidas a nível mundial. A licença parental é generosa, as creches são mais acessíveis, e homens e mulheres têm uma participação mais igualitária no trabalho doméstico. Desde 2010, no entanto, as taxas de fecundidade no país diminuíram em quase um terço. Rotkirch explica que, assim como o casamento, ter um filho já foi visto como um evento fundamental, algo que os jovens faziam ao iniciar a vida adulta. Agora é visto como um evento culminante — o que você faz quando seus outros objetivos já foram alcançados. "Pessoas de todas as classes parecem achar que ter um filho aumenta a incerteza em suas vidas", observa Rotkirch.

Na Finlândia, ela descobriu que as mulheres mais ricas são as menos propensas a não ter filhos quando querem ter. Por outro lado, os homens de baixa renda são os mais propensos a não ter filhos involuntariamente, ou seja, mesmo quando querem tê-los. Essa é uma grande mudança em relação ao passado: anteriormente, as pessoas de famílias mais pobres tendiam a fazer a transição para a vida adulta mais cedo — elas abandonavam os estudos, conseguiam empregos e constituíam família em uma idade mais jovem.

·       Uma crise de masculinidade

Para os homens, a incerteza financeira tem um impacto agravante que diminui ainda mais a probabilidade de terem filhos. Isso foi chamado pelos sociólogos de "efeito de seleção", em que as mulheres tendem a procurar alguém da mesma classe social ou superior quando escolhem um parceiro. "Consigo enxergar que o efeito de seleção pode ter sido um fator" diz Robin Hadley sobre o relacionamento que terminou quando era mais jovem. Quando ele tinha quase 40 anos, conheceu a atual esposa, que o apoiou para que fosse para a universidade e fizesse um doutorado. "Eu não estaria onde estou agora se não fosse por ela". Quando pensaram em ter filhos, já estavam na faixa dos 40 anos, e era tarde demais.

Em 70% dos países do mundo, as mulheres estão superando os homens em termos de escolaridade, o que levou ao que a socióloga da Universidade de Yale, Marcia Inhorn, chama de mating gap ("disparidade de acasalamento"). Na Europa, isso fez com que os homens sem diploma universitário se tornassem o grupo com maior probabilidade de não ter filhos.

·       Homens invisíveis

A maioria dos países não dispõe de bons dados sobre fertilidade masculina porque só consideram o histórico de fertilidade da mãe ao registrar um nascimento. Isso significa que os homens sem filhos não existem como uma "categoria" reconhecida.

Alguns países nórdicos, no entanto, consideram ambos. O estudo norueguês, que identificou a enorme disparidade na procriação entre homens ricos e pobres, afirmou que inúmeros homens estavam sendo "deixados para trás". O papel dos homens no declínio das taxas de natalidade é frequentemente ignorado, diz Vincent Straub, que estuda a saúde e a fertilidade masculina na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Ele está interessado no papel do "mal-estar masculino" no declínio da fertilidade — a desorientação sentida por homens jovens à medida que as mulheres ganham poder na sociedade e suas expectativas de virilidade e masculinidade mudam. Isso também tem sido chamado de "crise da masculinidade", representada pela popularidade de homens antifeministas de direita, como o controverso influencer britânico Andrew Tate. "Os homens com escolaridade mais baixa estão em situação muito pior do que nas décadas anteriores", afirma Straub à BBC.

Em muitos países de alta e média renda, os avanços tecnológicos tornaram os trabalhos manuais menos valorizados e mais inseguros, o que aumentou a disparidade entre os que têm diploma universitário e os que não têm. Segundo Straub, o aumento da "disparidade de acasalamento" está tendo um impacto significativo na saúde dos homens. "O uso abusivo de substâncias está aumentando globalmente, e é maior entre os homens em idade reprodutiva, seja na África ou na América do Sul e Central." Tudo isso tem um impacto na fertilidade social e biológica. "Sinto que há um elo perdido que não está sendo estabelecido entre a fertilidade e esses tipos de mudanças sociais e culturais", afirma. E isso pode ter um impacto fundamental na saúde física e mental dos homens. "Os homens solteiros costumam ter uma saúde pior do que a dos homens que estão em uma relação", observa Straub.

Straub e Hadley descobriram que o debate sobre fertilidade se concentra quase que totalmente nas mulheres. E todas as políticas criadas para lidar com isso estão perdendo metade do cenário. Straub acredita que devemos nos concentrar também na fertilidade como uma questão de saúde masculina — e discutir os benefícios que cuidar de um filho oferece aos pais. "Apenas um em cada 100 homens na União Europeia interrompe sua carreira para cuidar de um filho; no caso das mulheres, uma em cada três faz isso", diz ele. Isso acontece apesar das inúmeras evidências de que cuidar de um filho faz bem à saúde dos homens.

Por meio de sua organização Nunca Madres, Isabel se reuniu com alguns representantes de um grande banco internacional no México. Eles disseram a ela que, apesar de oferecerem seis semanas de licença paternidade, nenhum homem havia tirado a licença. "Eles acham que esse é um trabalho da mulher, e é assim que os homens da América Latina se sentem", diz ela. "Também precisamos de dados melhores", afirma Robin Hadley. Enquanto não registrarmos a fertilidade dos homens, não seremos capazes de entendê-la completamente — nem o efeito que ela tem sobre a saúde física e mental deles.

E a invisibilidade dos homens nos debates sobre fertilidade vai além dos registros. Embora hoje haja mais conscientização de que as mulheres jovens precisam pensar sobre o declínio da fertilidade, essa não é uma conversa que existe entre os homens jovens. Os homens também têm um relógio biológico, diz Hadley, citando pesquisas que mostram que a eficácia do espermatozoide diminui após os 35 anos.

Dar visibilidade a esse grupo invisível é uma maneira de lidar com a infertilidade social. Outra poderia ser a ampliação da definição de paternidade.

Todos os pesquisadores que comentaram sobre a questão da ausência de filhos fizeram questão de destacar que as pessoas sem filhos ainda têm um papel vital a desempenhar na criação deles. Isso é chamado de aloparentalidade pelos ecologistas comportamentais, explica Anna Rotkirch. Durante grande parte da evolução humana, um bebê tinha mais de uma dúzia de cuidadores.

Um dos homens sem filhos com quem Hadley conversou para sua pesquisa, comentou sobre uma família que ele encontrava regularmente no clube de futebol local. Para um projeto escolar, os dois meninos precisavam de um avô. Mas eles não tinham nenhum. Ele assumiu o papel de avô postiço deles e, por muitos anos, quando o viam no futebol, diziam: "Oi, vovô". Foi uma sensação maravilhosa ser reconhecido dessa forma, segundo ele. "Acho que a maioria das pessoas sem filhos está, na verdade, envolvida nesse tipo de cuidado, só é invisível", afirma Rotkirch. "Isso não aparece nas certidões de nascimento, mas é muito importante."

 

Fonte: Por Elizabeth Bailey, para The Conversation/BBC Word Servicw

 

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