Trump diz que Putin
tem mais força na mesa de negociações: 'A Rússia dá as cartas'
O presidente
dos Estados Unidos, Donald Trump, disse na noite de
quarta-feira (19/2) que acredita que a Rússia dá "as
cartas" em qualquer negociação de paz para acabar
com a guerra na Ucrânia, porque a Rússia
"tomou muito
território".
O republicano
afirmou à BBC que confiava que Moscou queria ver o fim da guerra, que a Rússia
começou quando realizou uma invasão em grande escala há quase três anos.
As declarações
foram feitas enquanto Trump voava de volta para Washington depois de participar
de um evento de investidores patrocinado pela Arábia Saudita na Flórida,
onde chamou o presidente
ucraniano, Volodymyr Zelensky, de "ditador" pela segunda
vez em um dia.
Trump ficou
irritado depois que Zelensky disse que ele estava "vivendo em um espaço
de desinformação" regido por
Moscou, em reação às negociações entre
os EUA e a Rússia na
Arábia Saudita — das quais a Ucrânia foi excluída.
"Acho que os
russos querem ver o fim da guerra, realmente acho. Acho que eles dão as cartas
um pouco, porque tomaram muito território. Eles dão as cartas", disse
Trump à BBC a bordo do Air Force One, o avião presidencial dos Estados Unidos.
Quando perguntado
se ele confia que a Rússia quer a paz, Trump respondeu: "Eu confio".
Ele estava falando
depois de atacar Zelensky na Flórida, onde chamou o presidente ucraniano de
"ditador", poucas horas depois de usar a mesma palavra em uma
postagem na rede social Truth Social.
Um funcionário da
Casa Branca disse que a postagem de Trump foi uma resposta direta aos
comentários sobre "desinformação" de Zelensky.
"Ele se recusa
a realizar eleições. Ele está em baixa nas pesquisas ucranianas reais. Como
pode estar em alta com todas as cidades sendo demolidas?", afirmou Trump
na Flórida.
O mandato de cinco
anos de Zelensky estava previsto para terminar em maio de 2024. No entanto, a
Ucrânia está sob lei marcial desde que a Rússia lançou sua invasão em grande
escala em fevereiro de 2022, e as eleições estão suspensas.
Trump tentou
transformar a popularidade de Zelensky em um problema, alegando que o
presidente ucraniano tinha um índice de aprovação de apenas 4%. Mas a BBC
Verify, equipe de checagem de fatos da BBC, noticiou que uma pesquisa realizada
neste mês mostrou que 57% dos ucranianos disseram confiar no presidente.
O insulto de
"ditador" rapidamente provocou críticas de líderes europeus,
incluindo o chanceler alemão Olaf Scholz, que afirmou que "é simplesmente
errado e perigoso negar ao presidente Zelensky sua legitimidade
democrática".
O primeiro-ministro
do Reino Unido, Keir Starmer, deixou claro que apoiava Zelensky em um
telefonema ao presidente ucraniano.
Na terça-feira
(18/2), autoridades americanas e russas realizaram sua primeira reunião
presencial de negociação de alto escalão desde a invasão em grande escala da
Rússia. A Ucrânia não foi convidada.
No mesmo dia, Trump pareceu
culpar a Ucrânia pela guerra, afirmando que "vocês nunca deveriam
ter começado. Vocês poderiam ter feito um acordo".
Em resposta,
Zelensky acusou a Rússia de mentir durante a "notória reunião" de
terça-feira.
"Com todo o
respeito ao presidente Donald Trump como líder... ele está vivendo neste espaço
de desinformação", acrescentou.
¨
O
que querem Trump, Putin, Zelensky e Europa, e quais as possíveis implicações
para o mundo
A
guerra na Ucrânia completará
três anos na próxima segunda-feira (24). No entanto, as últimas semanas foram
marcadas por episódios que podem representar uma virada definitiva no conflito
— principalmente devido à aproximação entre Rússia e Estados Unidos.
Se
até janeiro Europa, Ucrânia e Estados Unidos formavam uma coalizão para conter
o avanço russo e garantir a segurança do território ucraniano, agora os aliados
estão divididos entre interesses próprios e incertezas sobre o futuro.
▶️ Contexto: A mudança de
governo nos Estados Unidos abriu uma nova porta para a Rússia. O
presidente Donald Trump prometeu
acabar com a guerra na Ucrânia rapidamente e resolveu tomar a frente das
negociações.
·
No
dia 12 de fevereiro, Trump anunciou que
conversou com o presidente russo, Vladimir Putin, sobre o conflito.
No mesmo dia, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, afirmou ser improvável que a Ucrânia
recupere todo o território que controlava em 2014, quando a Crimeia foi
anexada pela Rússia.
·
Diante
disso, a Ucrânia e líderes europeus passaram a desconfiar que os Estados Unidos
poderiam negociar um acordo de paz com a Rússia sem a participação do governo
ucraniano.
·
Na
terça-feira (18), autoridades dos Estados Unidos e da Rússia se reuniram na
Arábia Saudita para discutir a guerra. A Ucrânia afirmou ter sido excluída das
negociações.
·
Após
a reunião, Trump chamou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de "ditador sem
eleições" e
atribuiu parte da culpa pela guerra à Ucrânia.
·
Zelensky,
por sua vez, acusou Trump de exigir US$ 500 bilhões em riquezas minerais em
troca de apoio e afirmou que "não pode vender a
Ucrânia".
Para
Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de
Estrasburgo e Groningen, Trump tem adotado a retórica russa e distorcido a
narrativa sobre a guerra. Segundo ele, o desfecho das negociações pode ter uma
influência global, principalmente na Europa.
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Quais os interesses de cada parte?
A
guerra de narrativas envolvendo Ucrânia, Rússia, Estados Unidos e Europa expôs
os interesses de cada lado. Veja
a seguir:
🔵 Interesses dos EUA: Trump condicionou a ajuda dos EUA à
Ucrânia à
concessão de direitos sobre as chamadas "terras raras".
·
Essas
regiões ucranianas possuem minerais valiosos, essenciais para a indústria
eletrônica. Entre eles estão manganês, urânio, titânio, lítio, minérios de
zircônio, além de carvão, gás e petróleo.
·
Inicialmente,
Zelensky havia elaborado um "plano da vitória" que permitia a
exploração desses minerais por aliados em solo ucraniano.
·
Diante
da aproximação entre Trump e Putin, Zelensky recusou um acordo proposto pelos
EUA sobre as terras raras, já que o governo Trump não forneceu as garantias de
segurança necessárias.
·
Trump
também sugeriu que a Ucrânia realize eleições presidenciais. Atualmente, no
entanto, o país não pode realizar pleitos devido à Lei Marcial em vigor.
Especialistas avaliam que, mesmo sem essa restrição, seria difícil organizar
uma eleição em meio à guerra.
🔵 Interesses da Ucrânia: Zelensky busca
garantias de que terá de volta todo o território invadido pela Rússia e quer
uma paz duradoura.
·
A
Ucrânia exige a devolução da Crimeia, anexada ilegalmente em 2014, e a retirada
de todas as tropas russas do leste do país.
·
O
governo ucraniano também quer ingressar na Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan), aliança militar composta pelos EUA e países europeus.
·
No
curto prazo, a Ucrânia continua pedindo financiamento e ajuda militar para
combater as tropas russas e defender seu território.
·
Em
um cenário pós-guerra, é avaliada a presença de tropas europeias para garantir
a segurança do país.
·
A
Ucrânia também está em processo de adesão à União Europeia.
🔵 Interesses da Rússia: Desde
o início da guerra, Putin chamou o conflito de "operação militar" e
afirmou que seu objetivo era
"desnazificar" a Ucrânia.
·
Na
prática, porém, Moscou teme a entrada da Ucrânia na Otan. A Rússia acusa os EUA
de não terem cumprido uma promessa feita na década de 1990 de que não
expandiriam a aliança militar.
·
Além
disso, o Kremlin deseja manter sua influência histórica sobre a Ucrânia, que
fez parte da União Soviética.
·
A
Crimeia é vista como um território estratégico para a Rússia, pois tem uma
posição privilegiada no Mar Negro e contribui para a defesa do país.
·
Em
um eventual acordo de paz, a Rússia também quer manter o controle sobre as
regiões de Donetsk, Kherson, Luhansk e Zaporizhzhia, áreas ricas em recursos
naturais e minerais.
🔵 Interesses da Europa: Para
a Europa, a Ucrânia é fundamental para a estabilidade do continente.
·
O
temor europeu é que a Rússia possa realizar novos ataques no futuro, caso não
seja contida agora.
·
Por
isso, uma solução para a guerra é vista como determinante para a segurança do
bloco.
·
Diante
desse cenário, líderes europeus exigem participação ativa nas negociações de
paz entre Rússia e Ucrânia.
·
A
postura dos EUA no conflito também levantou debates sobre a necessidade de uma
Europa mais autônoma em questões de
segurança,
já que o continente historicamente depende dos norte-americanos nessa área.
·
Ao
mesmo tempo, a Europa tem uma dependência energética da Rússia, principalmente
de gás. No início de 2025, a Ucrânia encerrou o trânsito de
gás russo pelo seu território, afetando o fornecimento ao continente.
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Implicações para o mundo
Uriã
Fancelli, especialista em Relações Internacionais, afirma que a Rússia invadiu
a Ucrânia sem ser provocada. Ele ressalta que a adesão ucraniana à Otan não era
uma possibilidade concreta a curto prazo, apesar das justificativas de Putin
para a guerra.
Ao
culpar a Ucrânia pelo conflito, Trump rompe com a postura tradicional dos EUA e
adota um discurso mais alinhado à Rússia.
"Esse
posicionamento já representa um grande choque para a Europa, que há décadas
conta com os EUA como seu principal garantidor de segurança", afirma.
Em
termos gerais, o posicionamento de Trump pode resultar em um enfraquecimento da
própria Otan. O bloco tem demonstrado desconforto com a aproximação entre
Rússia e EUA. O presidente norte-americano já criticou várias vezes a
contribuição dos aliados europeus na aliança militar.
Para
Fancelli, neste cenário, a Europa pode ser a mais afetada caso um acordo
favoreça a Rússia.
"O
problema se agrava ainda mais quando se considera o impacto interno: a
necessidade de maiores investimentos em defesa obrigaria os governos europeus a
realocar recursos de setores essenciais, como o bem-estar social, um pilar
fundamental da política europeia", diz.
Segundo
ele, tais mudanças poderiam resultar em uma percepção de piora na qualidade de
vida e fortalecer partidos extremistas — sendo que muitos são abertamente
pró-Rússia.
Em
um contexto mais abrangente, outros países do mundo também poderiam ser
afetados, principalmente do ponto de vista econômico. A própria guerra na
Ucrânia desestabilizou o comércio internacional e provocou inflação ao redor do
mundo.
¨ Como Trump e Putin sacudiram o mundo em uma semana
Quando colocou no
papel seu relato de testemunha ocular da Revolução Russa de 1917, o
jornalista americano John Reed o intitulou de Dez dias que abalaram o
mundo.
Mas dez dias é
muito tempo para Donald Trump e Vladimir Putin: eles abalaram as
coisas em uma semana.
Tudo começou com
uma conversa telefônica entre os dois em 12 de fevereiro e suas promessas
de aproximar a relação.
Continuou com a
Conferência de Segurança de Munique e um cisma entre Europa e América.
Próxima parada:
Arábia Saudita para as negociações Rússia-EUA. Foi o primeiro encontro
presencial com funcionários de alto escalão dos dois países desde a invasão em
larga escala da Ucrânia pelo Kremlin.
Foi uma semana que
derrubou alianças tradicionais, deixou Europa e Ucrânia em situação
desconfortável, levantou temores pela segurança europeia e colocou a Rússia
onde ela quer estar: na mesa principal da política global, sem ter feito
nenhuma concessão para chegar lá.
Uma imagem dominou
os jornais russos de quarta-feira (19/02) de manhã: representantes russos e
americanos na mesa de negociações em Riad.
O Kremlin quer que
a população russa e a comunidade internacional vejam que os esforços ocidentais
para isolar a Rússia por conta da guerra na Ucrânia falharam.
A imprensa russa
está acolhendo a perspectiva de laços mais calorosos com Washington e
despejando desprezo sobre os líderes europeus e Kiev.
"Trump sabe
que terá que fazer concessões [à Rússia], porque está negociando com o lado que
está ganhando na Ucrânia", escreveu o tabloide pró-governo Moskovsky
Komsomolets.
"Ele fará
concessões. Não às custas da América, mas às custas da Europa e da
Ucrânia."
"Por muito
tempo, a Europa caminhou toda envaidecida, pensando em si mesma como o mundo
civilizado e como um Jardim do Éden. Ela não percebeu que não estava mais com
essa bola toda. Agora, seu velho camarada do outro lado do Atlântico apontou
isso."
Entretanto, nas
ruas de Moscou, não detecto esse nível de entusiasmo.
Em vez disso, as
pessoas estão observando e esperando para ver se Trump realmente se tornará o
novo melhor amigo da Rússia e se ele pode acabar
com a guerra na Ucrânia.
"Trump é um
homem de negócios. Ele só está interessado em ganhar dinheiro", Nadezhda
me diz. "Não acho que as coisas serão diferentes. Há muita coisa que
precisa ser feita para mudar a situação."
Giorgi tem mais
esperança. "Talvez essas conversas [na Arábia Saudita] ajudem", diz.
"Já passou da hora de pararmos de ser inimigos."
Para Irina, Trump é
"ativo e enérgico", mas ela se pergunta se ele realmente fará alguma
coisa.
"Sonhamos que
essas negociações tragam paz. É um primeiro passo, e talvez isso ajude nossa
economia. Alimentos e outros bens continuam subindo de preço aqui. Isso se deve
em parte à operação militar especial [a guerra na Ucrânia] e à situação
internacional geral."
Putin e Trump falaram ao
telefone; suas duas equipes se encontraram na Arábia Saudita; uma cúpula
presidencial é esperada em breve.
Alguns dias atrás,
o jornal Moskovsky Komsomolets tentou imaginar o que os dois líderes disseram
um ao outro durante o telefonema da semana passada.
Eles chegaram à
seguinte versão.
Trump liga para
Putin.
"Vladimir!
Você tem um país legal e eu tenho um país legal. Vamos dividir o mundo?"
"O que eu
estava dizendo o tempo todo? Vamos fazer isso!"
Faz de conta? Vamos
ver.
Fonte: BBC News/g1
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