sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Trump diz que Putin tem mais força na mesa de negociações: 'A Rússia dá as cartas'

O presidente dos Estados UnidosDonald Trump, disse na noite de quarta-feira (19/2) que acredita que a Rússia dá "as cartas" em qualquer negociação de paz para acabar com a guerra na Ucrânia, porque a Rússia "tomou muito território".

O republicano afirmou à BBC que confiava que Moscou queria ver o fim da guerra, que a Rússia começou quando realizou uma invasão em grande escala há quase três anos.

As declarações foram feitas enquanto Trump voava de volta para Washington depois de participar de um evento de investidores patrocinado pela Arábia Saudita na Flórida, onde chamou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de "ditador" pela segunda vez em um dia.

Trump ficou irritado depois que Zelensky disse que ele estava "vivendo em um espaço de desinformação" regido por Moscou, em reação às negociações entre os EUA e a Rússia na Arábia Saudita — das quais a Ucrânia foi excluída.

"Acho que os russos querem ver o fim da guerra, realmente acho. Acho que eles dão as cartas um pouco, porque tomaram muito território. Eles dão as cartas", disse Trump à BBC a bordo do Air Force One, o avião presidencial dos Estados Unidos.

Quando perguntado se ele confia que a Rússia quer a paz, Trump respondeu: "Eu confio".

Ele estava falando depois de atacar Zelensky na Flórida, onde chamou o presidente ucraniano de "ditador", poucas horas depois de usar a mesma palavra em uma postagem na rede social Truth Social.

Um funcionário da Casa Branca disse que a postagem de Trump foi uma resposta direta aos comentários sobre "desinformação" de Zelensky.

"Ele se recusa a realizar eleições. Ele está em baixa nas pesquisas ucranianas reais. Como pode estar em alta com todas as cidades sendo demolidas?", afirmou Trump na Flórida.

O mandato de cinco anos de Zelensky estava previsto para terminar em maio de 2024. No entanto, a Ucrânia está sob lei marcial desde que a Rússia lançou sua invasão em grande escala em fevereiro de 2022, e as eleições estão suspensas.

Trump tentou transformar a popularidade de Zelensky em um problema, alegando que o presidente ucraniano tinha um índice de aprovação de apenas 4%. Mas a BBC Verify, equipe de checagem de fatos da BBC, noticiou que uma pesquisa realizada neste mês mostrou que 57% dos ucranianos disseram confiar no presidente.

O insulto de "ditador" rapidamente provocou críticas de líderes europeus, incluindo o chanceler alemão Olaf Scholz, que afirmou que "é simplesmente errado e perigoso negar ao presidente Zelensky sua legitimidade democrática".

O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, deixou claro que apoiava Zelensky em um telefonema ao presidente ucraniano.

Na terça-feira (18/2), autoridades americanas e russas realizaram sua primeira reunião presencial de negociação de alto escalão desde a invasão em grande escala da Rússia. A Ucrânia não foi convidada.

No mesmo dia, Trump pareceu culpar a Ucrânia pela guerra, afirmando que "vocês nunca deveriam ter começado. Vocês poderiam ter feito um acordo".

Em resposta, Zelensky acusou a Rússia de mentir durante a "notória reunião" de terça-feira.

"Com todo o respeito ao presidente Donald Trump como líder... ele está vivendo neste espaço de desinformação", acrescentou.

¨      O que querem Trump, Putin, Zelensky e Europa, e quais as possíveis implicações para o mundo

A guerra na Ucrânia completará três anos na próxima segunda-feira (24). No entanto, as últimas semanas foram marcadas por episódios que podem representar uma virada definitiva no conflito — principalmente devido à aproximação entre Rússia e Estados Unidos.

Se até janeiro Europa, Ucrânia e Estados Unidos formavam uma coalizão para conter o avanço russo e garantir a segurança do território ucraniano, agora os aliados estão divididos entre interesses próprios e incertezas sobre o futuro.

 Contexto: A mudança de governo nos Estados Unidos abriu uma nova porta para a Rússia. O presidente Donald Trump prometeu acabar com a guerra na Ucrânia rapidamente e resolveu tomar a frente das negociações.

·        No dia 12 de fevereiro, Trump anunciou que conversou com o presidente russoVladimir Putin, sobre o conflito. No mesmo dia, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, afirmou ser improvável que a Ucrânia recupere todo o território que controlava em 2014, quando a Crimeia foi anexada pela Rússia.

·        Diante disso, a Ucrânia e líderes europeus passaram a desconfiar que os Estados Unidos poderiam negociar um acordo de paz com a Rússia sem a participação do governo ucraniano.

·        Na terça-feira (18), autoridades dos Estados Unidos e da Rússia se reuniram na Arábia Saudita para discutir a guerra. A Ucrânia afirmou ter sido excluída das negociações.

·        Após a reunião, Trump chamou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de "ditador sem eleições" e atribuiu parte da culpa pela guerra à Ucrânia.

·        Zelensky, por sua vez, acusou Trump de exigir US$ 500 bilhões em riquezas minerais em troca de apoio e afirmou que "não pode vender a Ucrânia".

Para Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de Estrasburgo e Groningen, Trump tem adotado a retórica russa e distorcido a narrativa sobre a guerra. Segundo ele, o desfecho das negociações pode ter uma influência global, principalmente na Europa. 

<><> Quais os interesses de cada parte?

A guerra de narrativas envolvendo Ucrânia, Rússia, Estados Unidos e Europa expôs os interesses de cada lado. Veja a seguir:

🔵 Interesses dos EUA: Trump condicionou a ajuda dos EUA à Ucrânia à concessão de direitos sobre as chamadas "terras raras".

·        Essas regiões ucranianas possuem minerais valiosos, essenciais para a indústria eletrônica. Entre eles estão manganês, urânio, titânio, lítio, minérios de zircônio, além de carvão, gás e petróleo.

·        Inicialmente, Zelensky havia elaborado um "plano da vitória" que permitia a exploração desses minerais por aliados em solo ucraniano.

·        Diante da aproximação entre Trump e Putin, Zelensky recusou um acordo proposto pelos EUA sobre as terras raras, já que o governo Trump não forneceu as garantias de segurança necessárias.

·        Trump também sugeriu que a Ucrânia realize eleições presidenciais. Atualmente, no entanto, o país não pode realizar pleitos devido à Lei Marcial em vigor. Especialistas avaliam que, mesmo sem essa restrição, seria difícil organizar uma eleição em meio à guerra.

🔵 Interesses da Ucrânia: Zelensky busca garantias de que terá de volta todo o território invadido pela Rússia e quer uma paz duradoura.

·        A Ucrânia exige a devolução da Crimeia, anexada ilegalmente em 2014, e a retirada de todas as tropas russas do leste do país.

·        O governo ucraniano também quer ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar composta pelos EUA e países europeus.

·        No curto prazo, a Ucrânia continua pedindo financiamento e ajuda militar para combater as tropas russas e defender seu território.

·        Em um cenário pós-guerra, é avaliada a presença de tropas europeias para garantir a segurança do país.

·        A Ucrânia também está em processo de adesão à União Europeia.

🔵 Interesses da Rússia: Desde o início da guerra, Putin chamou o conflito de "operação militar" e afirmou que seu objetivo era "desnazificar" a Ucrânia.

·        Na prática, porém, Moscou teme a entrada da Ucrânia na Otan. A Rússia acusa os EUA de não terem cumprido uma promessa feita na década de 1990 de que não expandiriam a aliança militar.

·        Além disso, o Kremlin deseja manter sua influência histórica sobre a Ucrânia, que fez parte da União Soviética.

·        A Crimeia é vista como um território estratégico para a Rússia, pois tem uma posição privilegiada no Mar Negro e contribui para a defesa do país.

·        Em um eventual acordo de paz, a Rússia também quer manter o controle sobre as regiões de Donetsk, Kherson, Luhansk e Zaporizhzhia, áreas ricas em recursos naturais e minerais.

🔵 Interesses da Europa: Para a Europa, a Ucrânia é fundamental para a estabilidade do continente.

·        O temor europeu é que a Rússia possa realizar novos ataques no futuro, caso não seja contida agora.

·        Por isso, uma solução para a guerra é vista como determinante para a segurança do bloco.

·        Diante desse cenário, líderes europeus exigem participação ativa nas negociações de paz entre Rússia e Ucrânia.

·        A postura dos EUA no conflito também levantou debates sobre a necessidade de uma Europa mais autônoma em questões de segurança, já que o continente historicamente depende dos norte-americanos nessa área.

·        Ao mesmo tempo, a Europa tem uma dependência energética da Rússia, principalmente de gás. No início de 2025, a Ucrânia encerrou o trânsito de gás russo pelo seu território, afetando o fornecimento ao continente.

<><> Implicações para o mundo

Uriã Fancelli, especialista em Relações Internacionais, afirma que a Rússia invadiu a Ucrânia sem ser provocada. Ele ressalta que a adesão ucraniana à Otan não era uma possibilidade concreta a curto prazo, apesar das justificativas de Putin para a guerra.

Ao culpar a Ucrânia pelo conflito, Trump rompe com a postura tradicional dos EUA e adota um discurso mais alinhado à Rússia.

"Esse posicionamento já representa um grande choque para a Europa, que há décadas conta com os EUA como seu principal garantidor de segurança", afirma.

Em termos gerais, o posicionamento de Trump pode resultar em um enfraquecimento da própria Otan. O bloco tem demonstrado desconforto com a aproximação entre Rússia e EUA. O presidente norte-americano já criticou várias vezes a contribuição dos aliados europeus na aliança militar.

Para Fancelli, neste cenário, a Europa pode ser a mais afetada caso um acordo favoreça a Rússia.

"O problema se agrava ainda mais quando se considera o impacto interno: a necessidade de maiores investimentos em defesa obrigaria os governos europeus a realocar recursos de setores essenciais, como o bem-estar social, um pilar fundamental da política europeia", diz.

Segundo ele, tais mudanças poderiam resultar em uma percepção de piora na qualidade de vida e fortalecer partidos extremistas — sendo que muitos são abertamente pró-Rússia.

Em um contexto mais abrangente, outros países do mundo também poderiam ser afetados, principalmente do ponto de vista econômico. A própria guerra na Ucrânia desestabilizou o comércio internacional e provocou inflação ao redor do mundo.

¨      Como Trump e Putin sacudiram o mundo em uma semana

Quando colocou no papel seu relato de testemunha ocular da Revolução Russa de 1917, o jornalista americano John Reed o intitulou de Dez dias que abalaram o mundo.

Mas dez dias é muito tempo para Donald Trump e Vladimir Putin: eles abalaram as coisas em uma semana.

Tudo começou com uma conversa telefônica entre os dois em 12 de fevereiro e suas promessas de aproximar a relação.

Continuou com a Conferência de Segurança de Munique e um cisma entre Europa e América.

Próxima parada: Arábia Saudita para as negociações Rússia-EUA. Foi o primeiro encontro presencial com funcionários de alto escalão dos dois países desde a invasão em larga escala da Ucrânia pelo Kremlin.

Foi uma semana que derrubou alianças tradicionais, deixou Europa e Ucrânia em situação desconfortável, levantou temores pela segurança europeia e colocou a Rússia onde ela quer estar: na mesa principal da política global, sem ter feito nenhuma concessão para chegar lá.

Uma imagem dominou os jornais russos de quarta-feira (19/02) de manhã: representantes russos e americanos na mesa de negociações em Riad.

O Kremlin quer que a população russa e a comunidade internacional vejam que os esforços ocidentais para isolar a Rússia por conta da guerra na Ucrânia falharam.

A imprensa russa está acolhendo a perspectiva de laços mais calorosos com Washington e despejando desprezo sobre os líderes europeus e Kiev.

"Trump sabe que terá que fazer concessões [à Rússia], porque está negociando com o lado que está ganhando na Ucrânia", escreveu o tabloide pró-governo Moskovsky Komsomolets.

"Ele fará concessões. Não às custas da América, mas às custas da Europa e da Ucrânia."

"Por muito tempo, a Europa caminhou toda envaidecida, pensando em si mesma como o mundo civilizado e como um Jardim do Éden. Ela não percebeu que não estava mais com essa bola toda. Agora, seu velho camarada do outro lado do Atlântico apontou isso."

Entretanto, nas ruas de Moscou, não detecto esse nível de entusiasmo.

Em vez disso, as pessoas estão observando e esperando para ver se Trump realmente se tornará o novo melhor amigo da Rússia e se ele pode acabar com a guerra na Ucrânia.

"Trump é um homem de negócios. Ele só está interessado em ganhar dinheiro", Nadezhda me diz. "Não acho que as coisas serão diferentes. Há muita coisa que precisa ser feita para mudar a situação."

Giorgi tem mais esperança. "Talvez essas conversas [na Arábia Saudita] ajudem", diz. "Já passou da hora de pararmos de ser inimigos."

Para Irina, Trump é "ativo e enérgico", mas ela se pergunta se ele realmente fará alguma coisa.

"Sonhamos que essas negociações tragam paz. É um primeiro passo, e talvez isso ajude nossa economia. Alimentos e outros bens continuam subindo de preço aqui. Isso se deve em parte à operação militar especial [a guerra na Ucrânia] e à situação internacional geral."

Putin e Trump falaram ao telefone; suas duas equipes se encontraram na Arábia Saudita; uma cúpula presidencial é esperada em breve.

Alguns dias atrás, o jornal Moskovsky Komsomolets tentou imaginar o que os dois líderes disseram um ao outro durante o telefonema da semana passada.

Eles chegaram à seguinte versão.

Trump liga para Putin.

"Vladimir! Você tem um país legal e eu tenho um país legal. Vamos dividir o mundo?"

"O que eu estava dizendo o tempo todo? Vamos fazer isso!"

Faz de conta? Vamos ver.

 

Fonte: BBC News/g1 

 

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