quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Como Bolsonaro teria liderado tentativa de golpe, segundo PGR

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado criminalmente na terça-feira (18/2) pela Procuradoria-Geral da República (PGR), acusado de ter liderado um suposto plano de golpe de Estado, após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na denúncia, de 272 páginas, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, descreve cronologicamente as etapas marcantes da suposta trama golpista para manter Bolsonaro no poder, independentemente do resultado eleitoral.

Em uma introdução que serve de preâmbulo para a denúncia contra 34 pessoas, a PGR rememora os elementos que sustentam a sua conclusão de que Bolsonaro e os demais denunciados seriam integrantes de um grupo criminoso que tentou promover um golpe de Estado no país, o que o ex-presidente e aliados negam.

"A organização tinha por líderes o próprio presidente da República [Jair Bolsonaro] e o seu candidato a vice-presidente, o General Braga Neto. Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito democrático", escreve o procurador-geral.

Para a PGR, o plano golpista começou a ser articulado em 2021, com a anulação das condenações contra Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que o recolocaram no jogo eleitoral de 2022.

Isso, diz a denúncia, teria desencadeado o planejamento e a execução de uma estratégia de descredibilizar o sistema eleitoral, dado que o petista, principal oponente de Bolsonaro nas eleições, aparecia como favorito nas pesquisas de opinião até ali.

É neste contexto que, segundo Gonet, Bolsonaro fez uma live, em julho de 2021, no Palácio do Planalto, na qual elenca uma série de acusações falsas às urnas eletrônicas. Este conteúdo foi mais tarde retirado do ar pelo YouTube .

Em setembro, no feriado do dia 7, o então presidente anunciou em palanque, na avenida Paulista, em São Paulo, que não mais cumpriria ordens do ministro Alexandre de Moraes.

Naquela ocasião, segundo os investigadores, as falas de Bolsonaro não eram "arroubos retóricos", mas sim o anúncio de um plano que se escorava nas Forças Armadas para entrar em prática e que previa até um plano de fuga armado para Bolsonaro, caso tudo degringolasse.

Foi este caldo que, segundo os investigadores, foi fermentado pelos meses seguintes.

Em julho de 2022, em reunião ministerial, o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, um dos 34 denunciados, proferiu a frase: "O que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições", disse, em reunião gravada que viria a público.

Poucos dias depois, Bolsonaro levaria embaixadores estrangeiros ao Palácio do Alvorada, em Brasília, para repetir acusações falsas ao sistema eleitoral.

"Preparava-se a comunidade internacional para o desrespeito à vontade popular apurada nas eleições de outubro", conclui a denúncia.

No segundo turno das eleições presidenciais, em 30 de outubro de 2022, ocorre uma outra etapa da articulação pelo suposto golpe, segundo a PGR.

De posse de um levantamento que indica as regiões do país onde Lula tinha obtido mais sucesso eleitoral, foram organizadas nessas áreas operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com o suposto objetivo de atrapalhar o deslocamento dos eleitores.

A operação foi supervisionada pelo então ministro da Justiça, Anderson Torres, que também é um dos denunciados.

Torres é acusado não só pelo episódio do dia eleitoral, mas também por sua suposta omissão na defesa dos Três Poderes durante os atos de 8 de janeiro de 2023, quando era Secretário de Segurança Pública no governo do Distrito Federal.

Gonet pontua na denúncia que, após a vitória de Lula, relatórios do Ministério da Defesa diziam não ter localizado irregularidades eleitorais. Ainda assim, o grupo aliado de Bolsonaro seguiu defendendo a ideia de que teria havido fraude, incitando apoiadores do então presidente a se manter diante de quartéis pedindo golpe militar.

Para a PGR, isso era parte das iniciativas para pressionar o comando do Exército a apoiar uma tentativa de ruptura democrática.

Em paralelo, Bolsonaro chegou a participar da formulação e edição de minutas do golpe — esboços desses textos foram apreendidos e são apresentados como provas na denúncia.

Além disso, segundo o texto, o ex-presidente estaria totalmente a par do plano "Punhal Verde Amarelo", que teria por objetivo assassinar Lula, o vice eleito Geraldo Alckmin, além de Alexandre de Moraes.

Nem mesmo a posse do novo presidente teria arrefecido por completo o ânimo do grupo, segundo a denúncia. A PGR narra que os acusados teriam se envolvido nos planos dos ataques de 8 de janeiro de 2023, que geraram mais de R$ 20 milhões em prejuízo com a depredação aos prédios públicos em Brasília.

"O episódio foi fomentado e facilitado pela organização denunciada", diz o texto, que afirma ainda que o plano só fracassou por falta de adesão dos generais do Exército.

Bolsonaro nega que tenha planejado um golpe de Estado. Em manifestação enviada à imprensa, o ex-presidente disse que "jamais compactuou" com qualquer movimento que visasse um golpe de Estado e que a acusação não apresenta nenhuma mensagem enviada por ele que o incrimine.

A defesa de Bolsonaro disse ainda que a denúncia é "inepta" e contraditória e baseada apenas na delação de Mauro Cid, seu ex-braço direito. "[Trata-se de] um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa", diz a nota.

A defesa do ex-presidente diz ainda que Bolsonaro "confia na Justiça e, portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá."

Confira a seguir os principais pontos da cronologia da suposta tentativa golpista, segundo a PGR.

2021, início dos ataques às urnas e ao Judiciário

Segundo Gonet, a suposta tentativa golpista liderada por Bolsonaro começa em 2021 com reiterados questionamentos à confiabilidade das urnas eletrônicas e ataques ao Poder Judiciário, responsável por realizar as eleições.

Para o procorador, o ex-presidente intensificou esses ataques após o STF anular as condenações de Lula na operação Lava Jato em março daquele ano, o que permitiu ao petista — líder nas pesquisas de intenção e voto — disputar a eleição presidencial de 2022.

"A partir de 2021, o presidente da República adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional nos seus repetidos pronunciamentos públicos em que se mostrava descontente com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor", diz Gonet.

"Essa escalada ganhou impulso mais notável quando Luiz Inácio Lula da Silva, visto como o mais forte contendor na disputa eleitoral de 2022, tornou-se elegível, em virtude da anulação de condenações criminais", continuou.

Gonet destaca como um desses episódios de fortes ataques o discurso do então presidente em um ato na Avenida Paulista no feriado de 7 de setembro de 2021.

Na ocasião, Bolsonaro chamou as eleições de "farsa", disse que só sairia da presidência "preso ou morto" e exaltou a desobediência à Justiça.

2022, antes da eleição: reunião ministerial e com diplomatas

A denúncia cita momentos-chave da suposta trama golpista meses antes da eleição de outubro de 2022.

Um dos episódios que, na visão de Gonet, evidencia o objetivo de manter Bolsonaro no poder independentemente da disputa eleitoral foi uma reunião ministerial realizada em julho de 2022, no qual o então presidente repetiu os ataques às urnas.

A PGR destaca a fala do general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional: "O que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições".

Outro evento importante, segundo a PGR, foi a convocação de diplomatas estrangeiros para uma apresentação de Bolsonaro sobre as supostas falhas das urnas eletrônicas também em julho daquele ano.

"Ganham significado contundente estas frases pronunciadas pelo presidente da República no evento: 'Estamos tentando antecipar um problema que interessa para todo mundo. O mundo todo quer estabilidade democrática no Brasil'. Preparava-se a comunidade internacional para o desrespeito à vontade popular apurada nas eleições de outubro", diz a denúncia.

30 de outubro de 2022: bloqueios da PRF no segundo turno da disputa presidencial

A denúncia da PGR aponta que a suposta organização criminosa que planejou o golpe usou a Polícia Rodoviária Federal (PRF), chefiada então pelo delegado Silvinei Vasques, para dificultar a votação de eleitores de Lula.

A operação para "reverter o favoritismo" de Lula no dia do segundo turno da eleição, em 30 de outubro de 2022, teve a participação da delegada Marília Ferreira Alencar e do então ministro da Justiça Anderson Torres, ambos denunciados pela PGR.

Os locais onde Lula teria mais votos foram mapeados, e houve um "policiamento direcionado" nestas regiões, especialmente no Nordeste, com o "objetivo de inviabilizar ilicitamente que Jair Bolsonaro perdesse o poder".

2022, após eleição de Lula: manifestação nos quartéis e minutas de golpe

Após a vitória de Lula, "a acusação de fraude persistia", destaca a denúncia.

"Esta era a forma de manter a militância do presidente da República animada, pedindo intervenção militar, em famigerados acampamentos montados em frente a quartéis do Exército em várias capitais do país", lembra Gonet.

Esses acampamentos, ressalta o procurador, faziam parte das tentativas de convencer o comando das Forças Armadas a aderir ao plano golpista, já que havia resistência por parte do comando do Exército e da Aeronáutica.

Ao mesmo tempo, em novembro de 2022, oficiais do Exército "que tinham em comum vínculo com as Forças Especiais da Arma", os chamados Kids Pretos, se reuniam para tentar garantir o embarque da cúpula em uma ruptura.

A este grupo cabia organizar formas de pressão aos comandantes que se mantinham na legalidade. Entre elas estava, por exemplo, vazar o nome dos militares legalistas para o então colunista da Jovem Pan Paulo Figueiredo, outro dos denunciados pela PGR.

O próprio ministro da Defesa, Walter Braga Netto, também denunciado, tentou obter a adesão dos três chefes das Forças Armadas à suposta aventura golpista: apenas o então comandante da Marinha, Almirante Garnier Santos, também denunciado pela PGR, topou, de acordo com as investigações.

Já em 7 de dezembro, diz a denúncia, o próprio Bolsonaro teria apresentado uma minuta golpista — em que era decretado Estado de Sítio e a Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) — ao comandante do Exército, general Freire Gomes, e a Garnier Santos, na presença do ministro da Defesa, general Paulo Sergio Nogueira, mas apenas o comandante da Marinha teria apoiado a ideia.

9 de novembro de 2022, plano Punhal Verde e operação Copa 2022

A PGR aponta que o suposto grupo criminoso elaborou um plano para "'neutralizar' autoridades públicas centrais do sistema democrático".

O documento com o suposto plano, batizado de "Punhal Verde Amarelo", teria sido impresso por Mário Fernandes, à época Secretário-Executivo da Secretária-Geral da Presidência da República, no Palácio do Planalto. Tudo teria ocorrido em 9 de novembro de 2022 e o documento teria, depois, sido levado ao Palácio da Alvorada, residência oficial do então presidente.

Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que fez uma acordo de delação premiada e está entre os denunciados, também estaria presente no Planalto neste momento.

Os acusados tramaram, segundo a PGR, contra a liberdade e a vida do ministro Alexandre de Moraes, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o presidente Lula, então vice e presidente eleitos.

A PGR diz que Bolsonaro não só sabia do plano como "acompanhou a evolução do esquema e a possível data de sua execução integral".

Segundo Fernandes, Mauro Cid esteve com Bolsonaro e discutiu o momento ideal para executar o plano de campo, chamado de Copa 2022.

8 de janeiro de 2023: invasão dos Três Poderes

A denúncia da PGR qualifica os acontecimentos do dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília como uma "tentativa derradeira de consumação do golpe".

Na ocasião, milhares de apoiadores do já ex-presidente Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, depredando o interior dos edifícios.

A trama, no entanto, já vinha se desenrolando há mais tempo, de acordo com o texto da denúncia. As mobilizações de bolsonaristas em acampamentos diante de quartéis em diversas cidades do Brasil foram controladas "pela organização criminosa", diz o documento.

"O controle exercido pela organização criminosa sobre as manifestações populares era tão evidente que, em 4.1.2023, como visto, Mauro Cid já manifestava ciência sobre o ato de violência que ocorreria poucos dias depois. O grupo aguardava o evento popular como a tentativa derradeira de consumação do golpe, tanto que, uma vez iniciadas as ações de vandalismo, Mauro Cid comentou com a sua mulher: 'Se o EB [Exército Brasileiro] sair dos quartéis… é para aderir'."

A PGR se debruça, ainda, sobre informações que apontariam omissão da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal em relação aos preparativos dos atos violentos.

A denúncia aponta que o então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, e sua subsecretária de Inteligência, Marília Ferreira de Alencar, teriam recebido informações sobre as intenções violentas de parte dos manifestantes.

"A análise do dispositivo móvel de Marília Alencar forneceu elementos relevantes sobre o seu comportamento omissivo em consórcio com Anderson Torres e Fernando de Sousa Oliveira no âmbito da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal", diz a PGR.

"As omissões foram cruciais para a consumação dos eventos de insurgência de 8.1.2023. As práticas malsãs foram identificadas a partir da análise de conversas dos grupos de WhatsApp 'Difusão' e 'CIISP MANIFESTAÇÕES', que reuniam agentes de diferentes órgãos de segurança pública, e havia sido criado justamente para auxiliar na solução de incidentes durante os protestos previstos para janeiro de 2023", continua a denúncia.

Ainda segundo a PGR, tanto Torres quanto Alencar participavam de um grupo de WhatsApp chamado "Difusão", que teria sido criado por um coronel da Polícia Militar do Distrito Federal, Jorge Henrique.

"Na data da criação do grupo, o Coronel Jorge Henrique comunicou que, por determinação da Subsecretaria de Inteligência, o canal estava aberto para facilitar a disseminação de dados e informações pertinentes ao acompanhamento de manifestações, atos e eventos que pudessem causar impacto na segurança pública do Distrito Federal."

No dia 5 de janeiro daquele ano, o coronel enviou no grupo uma mensagem ressaltando "que estavam programados 'atos para os dias 06, 07, 08 e 09 de janeiro de 2023', incluindo uma convocação para a ação 'Tomada de Poder'."

"Mais tarde, às 12h08 do dia 7.1.2023, Marília repassou ao Coronel Jorge Henrique informações sobre os manifestantes acampados que demonstravam ânimos exaltados e falou da possibilidade de confrontos na Esplanada dos Ministérios. Já havia conhecimento de que 105 ônibus fretados chegavam a Brasília, transportando aproximadamente 3.900 passageiros", prossegue a denúncia.

Ainda mencionando Marília e Anderson Torres, que foi ministro da Justiça do governo Bolsonaro, a denúncia conclui que houve omissão deliberada em relação aos atos do dia 8 de janeiro, já que ambos teriam conhecimento da possibilidade de atos violentos - a PGR frisa, ainda, que Torres decidiu viajar para Orlando, na Flórida, mesmo sabendo do potencial risco à Esplanada.

"Ressalte-se que os Relatórios de inteligência, como o Relatório n. 6/2023261, elaborado pela Subsecretaria de Inteligência da SSP/DF, já indicavam, dias antes da invasão, a ameaça de atos violentos e da invasão de prédios públicos. A informação crítica, contudo, permaneceu restrita ao círculo mínimo dos denunciados, não alcançando as instâncias que poderiam ter tomado providências".

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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