Como Bolsonaro
teria liderado tentativa de golpe, segundo PGR
O
ex-presidente Jair
Bolsonaro foi denunciado
criminalmente na terça-feira (18/2) pela Procuradoria-Geral da República (PGR),
acusado de ter liderado um suposto plano de golpe de
Estado, após ter perdido a eleição de
2022 para o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Na denúncia, de 272
páginas, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, descreve
cronologicamente as etapas marcantes da suposta trama golpista para manter
Bolsonaro no poder, independentemente do resultado eleitoral.
Em uma introdução
que serve de preâmbulo para a denúncia contra 34 pessoas, a PGR rememora os
elementos que sustentam a sua conclusão de que Bolsonaro e os demais
denunciados seriam integrantes de um grupo criminoso que tentou promover um
golpe de Estado no país, o que o ex-presidente e aliados negam.
"A organização
tinha por líderes o próprio presidente da República [Jair Bolsonaro] e o seu
candidato a vice-presidente, o General Braga
Neto. Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na
legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e
independência dos poderes e do Estado de Direito democrático", escreve o
procurador-geral.
Para a PGR, o plano
golpista começou a ser articulado em 2021, com a anulação das condenações
contra Lula pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), que o recolocaram no jogo eleitoral de
2022.
Isso, diz a
denúncia, teria desencadeado o planejamento e a execução de uma estratégia de
descredibilizar o sistema eleitoral, dado que o petista, principal oponente de
Bolsonaro nas eleições, aparecia como favorito nas pesquisas de opinião até
ali.
É neste contexto
que, segundo Gonet, Bolsonaro fez uma live, em julho de 2021, no Palácio do
Planalto, na qual elenca uma série de acusações falsas às urnas eletrônicas.
Este conteúdo foi mais tarde retirado do ar pelo YouTube .
Em setembro, no
feriado do dia 7, o então presidente anunciou em palanque, na avenida Paulista,
em São Paulo, que não mais cumpriria ordens do ministro Alexandre de Moraes.
Naquela ocasião,
segundo os investigadores, as falas de Bolsonaro não eram "arroubos
retóricos", mas sim o anúncio de um plano que se escorava nas Forças
Armadas para entrar em prática e que previa até um plano de fuga armado para
Bolsonaro, caso tudo degringolasse.
Foi este caldo que,
segundo os investigadores, foi fermentado pelos meses seguintes.
Em julho de 2022,
em reunião ministerial, o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional
Augusto Heleno, um dos 34 denunciados, proferiu a frase: "O que tiver que
ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa,
é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições",
disse, em reunião gravada que viria a público.
Poucos dias depois,
Bolsonaro levaria embaixadores estrangeiros ao Palácio do Alvorada, em
Brasília, para repetir acusações falsas ao sistema eleitoral.
"Preparava-se
a comunidade internacional para o desrespeito à vontade popular apurada nas
eleições de outubro", conclui a denúncia.
No segundo turno
das eleições presidenciais, em 30 de outubro de 2022, ocorre uma outra etapa da
articulação pelo suposto golpe, segundo a PGR.
De posse de um
levantamento que indica as regiões do país onde Lula tinha obtido mais sucesso
eleitoral, foram organizadas nessas áreas operações da Polícia Rodoviária
Federal (PRF) com o suposto objetivo de atrapalhar o deslocamento dos
eleitores.
A operação foi
supervisionada pelo então ministro da Justiça, Anderson Torres, que também é um
dos denunciados.
Torres é acusado
não só pelo episódio do dia eleitoral, mas também por sua suposta omissão na
defesa dos Três Poderes durante os atos de 8 de janeiro de 2023, quando era
Secretário de Segurança Pública no governo do Distrito Federal.
Gonet pontua na
denúncia que, após a vitória de Lula, relatórios do Ministério da Defesa diziam
não ter localizado irregularidades eleitorais. Ainda assim, o grupo aliado de
Bolsonaro seguiu defendendo a ideia de que teria havido fraude, incitando
apoiadores do então presidente a se manter diante de quartéis pedindo golpe
militar.
Para a PGR, isso
era parte das iniciativas para pressionar o comando do Exército a apoiar
uma tentativa de
ruptura democrática.
Em paralelo,
Bolsonaro chegou a participar da formulação e edição de minutas do golpe —
esboços desses textos foram apreendidos e são apresentados como provas na
denúncia.
Além disso, segundo
o texto, o ex-presidente estaria totalmente a par do plano "Punhal Verde
Amarelo", que teria por objetivo assassinar Lula, o vice eleito Geraldo
Alckmin, além de Alexandre de Moraes.
Nem mesmo a posse
do novo presidente teria arrefecido por completo o ânimo do grupo, segundo a
denúncia. A PGR narra que os acusados teriam se envolvido nos planos dos
ataques de 8 de janeiro de 2023, que geraram mais de R$ 20 milhões em prejuízo
com a depredação aos prédios públicos em Brasília.
"O episódio
foi fomentado e facilitado pela organização denunciada", diz o texto, que
afirma ainda que o plano só fracassou por falta de adesão dos generais do
Exército.
Bolsonaro nega que
tenha planejado um golpe de Estado. Em manifestação enviada à imprensa, o
ex-presidente disse que "jamais compactuou" com qualquer movimento
que visasse um golpe de Estado e que a acusação não apresenta nenhuma mensagem
enviada por ele que o incrimine.
A defesa de
Bolsonaro disse ainda que a denúncia é "inepta" e contraditória e
baseada apenas na delação de
Mauro Cid, seu ex-braço direito. "[Trata-se de] um delator que
questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por
inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa", diz a nota.
A defesa do
ex-presidente diz ainda que Bolsonaro "confia na Justiça e, portanto,
acredita que essa denúncia não prevalecerá."
Confira a seguir os
principais pontos da cronologia da suposta tentativa golpista, segundo a PGR.
2021, início dos
ataques às urnas e ao Judiciário
Segundo Gonet, a
suposta tentativa golpista liderada por Bolsonaro começa em 2021 com reiterados
questionamentos à confiabilidade das urnas eletrônicas e ataques ao Poder
Judiciário, responsável por realizar as eleições.
Para o procorador,
o ex-presidente intensificou esses ataques após o STF anular as condenações de
Lula na operação Lava Jato em março daquele ano, o que permitiu ao petista —
líder nas pesquisas de intenção e voto — disputar a eleição presidencial de
2022.
"A partir de
2021, o presidente da República adotou crescente tom de ruptura com a
normalidade institucional nos seus repetidos pronunciamentos públicos em que se
mostrava descontente com decisões de tribunais superiores e com o sistema
eleitoral eletrônico em vigor", diz Gonet.
"Essa escalada
ganhou impulso mais notável quando Luiz Inácio Lula da Silva, visto como o mais
forte contendor na disputa eleitoral de 2022, tornou-se elegível, em virtude da
anulação de condenações criminais", continuou.
Gonet destaca como
um desses episódios de fortes ataques o discurso do então presidente em um ato
na Avenida Paulista no feriado de 7 de setembro de 2021.
2022, antes da
eleição: reunião ministerial e com diplomatas
A denúncia cita
momentos-chave da suposta trama golpista meses antes da eleição de outubro de
2022.
Um dos episódios
que, na visão de Gonet, evidencia o objetivo de manter Bolsonaro no poder
independentemente da disputa eleitoral foi uma reunião ministerial realizada em
julho de 2022, no qual o então presidente repetiu os ataques às urnas.
A PGR destaca a
fala do general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança
Institucional: "O que tiver que ser feito tem que ser feito antes das
eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que
virar a mesa, é antes das eleições".
Outro evento
importante, segundo a PGR, foi a convocação de diplomatas estrangeiros para uma
apresentação de Bolsonaro sobre as supostas falhas das urnas eletrônicas também
em julho daquele ano.
"Ganham
significado contundente estas frases pronunciadas pelo presidente da República
no evento: 'Estamos tentando antecipar um problema que interessa para todo
mundo. O mundo todo quer estabilidade democrática no Brasil'. Preparava-se a
comunidade internacional para o desrespeito à vontade popular apurada nas
eleições de outubro", diz a denúncia.
30 de outubro de
2022: bloqueios da PRF no segundo turno da disputa presidencial
A denúncia da PGR
aponta que a suposta organização criminosa que planejou o golpe usou a Polícia
Rodoviária Federal (PRF), chefiada então pelo delegado Silvinei Vasques, para
dificultar a votação de eleitores de Lula.
A operação para
"reverter o favoritismo" de Lula no dia do segundo turno da eleição,
em 30 de outubro de 2022, teve a participação da delegada Marília Ferreira
Alencar e do então ministro da Justiça Anderson Torres, ambos denunciados pela
PGR.
Os locais onde Lula
teria mais votos foram mapeados, e houve um "policiamento
direcionado" nestas regiões, especialmente no Nordeste, com o
"objetivo de inviabilizar ilicitamente que Jair Bolsonaro perdesse o
poder".
2022, após eleição
de Lula: manifestação nos quartéis e minutas de golpe
Após a vitória de
Lula, "a acusação de fraude persistia", destaca a denúncia.
"Esta era a
forma de manter a militância do presidente da República animada, pedindo
intervenção militar, em famigerados acampamentos montados em frente a quartéis
do Exército em várias capitais do país", lembra Gonet.
Esses acampamentos,
ressalta o procurador, faziam parte das tentativas de convencer o comando das
Forças Armadas a aderir ao plano golpista, já que havia resistência por parte
do comando do Exército e da Aeronáutica.
Ao mesmo tempo, em
novembro de 2022, oficiais do Exército "que tinham em comum vínculo com as
Forças Especiais da Arma", os chamados
Kids Pretos, se reuniam para tentar garantir o embarque da cúpula em
uma ruptura.
A este grupo cabia
organizar formas de pressão aos comandantes que se mantinham na legalidade.
Entre elas estava, por exemplo, vazar o nome dos militares legalistas para o
então colunista da Jovem Pan Paulo Figueiredo, outro dos denunciados pela PGR.
O próprio ministro
da Defesa, Walter Braga Netto, também denunciado, tentou obter a adesão dos
três chefes das Forças Armadas à suposta aventura golpista: apenas o então
comandante da Marinha, Almirante Garnier Santos, também denunciado pela PGR,
topou, de acordo com as investigações.
Já em 7 de
dezembro, diz a denúncia, o próprio Bolsonaro teria apresentado uma minuta
golpista — em que era decretado Estado de Sítio e a Operação de Garantia da Lei
e da Ordem (GLO) — ao comandante do Exército, general Freire Gomes, e a Garnier
Santos, na presença do ministro da Defesa, general Paulo Sergio Nogueira, mas
apenas o comandante da Marinha teria apoiado a ideia.
9 de novembro de
2022, plano Punhal Verde e operação Copa 2022
A PGR aponta que o
suposto grupo criminoso elaborou um plano para "'neutralizar' autoridades
públicas centrais do sistema democrático".
O documento com o
suposto plano, batizado de "Punhal Verde Amarelo", teria sido
impresso por Mário Fernandes, à época Secretário-Executivo da Secretária-Geral
da Presidência da República, no Palácio do Planalto. Tudo teria ocorrido em 9
de novembro de 2022 e o documento teria, depois, sido levado ao Palácio da
Alvorada, residência oficial do então presidente.
Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que fez uma acordo de delação premiada e
está entre os denunciados, também estaria presente no Planalto neste momento.
Os acusados
tramaram, segundo a PGR, contra a liberdade e a vida do ministro Alexandre de
Moraes, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o presidente Lula, então vice e presidente
eleitos.
A PGR diz que
Bolsonaro não só sabia do plano como "acompanhou a evolução do esquema e a
possível data de sua execução integral".
Segundo Fernandes,
Mauro Cid esteve com Bolsonaro e discutiu o momento ideal para executar o plano
de campo, chamado de Copa 2022.
8 de janeiro de
2023: invasão dos Três Poderes
A denúncia da PGR
qualifica os acontecimentos
do dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília como uma
"tentativa derradeira de consumação do golpe".
Na ocasião,
milhares de apoiadores do já ex-presidente Bolsonaro invadiram as sedes dos
Três Poderes em Brasília, depredando o interior dos edifícios.
A trama, no
entanto, já vinha se desenrolando há mais tempo, de acordo com o texto da
denúncia. As mobilizações de bolsonaristas em acampamentos diante de quartéis
em diversas cidades do Brasil foram controladas "pela organização
criminosa", diz o documento.
"O controle
exercido pela organização criminosa sobre as manifestações populares era tão
evidente que, em 4.1.2023, como visto, Mauro Cid já manifestava ciência sobre o
ato de violência que ocorreria poucos dias depois. O grupo aguardava o evento
popular como a tentativa derradeira de consumação do golpe, tanto que, uma vez
iniciadas as ações de vandalismo, Mauro Cid comentou com a sua mulher: 'Se o EB
[Exército Brasileiro] sair dos quartéis… é para aderir'."
A PGR se debruça,
ainda, sobre informações que apontariam omissão da Secretaria de Segurança
Pública do Distrito Federal em relação aos preparativos dos atos violentos.
A denúncia aponta
que o então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, e sua
subsecretária de Inteligência, Marília Ferreira de Alencar, teriam recebido
informações sobre as intenções violentas de parte dos manifestantes.
"A análise do
dispositivo móvel de Marília Alencar forneceu elementos relevantes sobre o seu
comportamento omissivo em consórcio com Anderson Torres e Fernando de Sousa
Oliveira no âmbito da Secretaria de Segurança Pública do Distrito
Federal", diz a PGR.
"As omissões
foram cruciais para a consumação dos eventos de insurgência de 8.1.2023. As
práticas malsãs foram identificadas a partir da análise de conversas dos grupos
de WhatsApp 'Difusão' e 'CIISP MANIFESTAÇÕES', que reuniam agentes de
diferentes órgãos de segurança pública, e havia sido criado justamente para
auxiliar na solução de incidentes durante os protestos previstos para janeiro
de 2023", continua a denúncia.
Ainda segundo a
PGR, tanto Torres quanto Alencar participavam de um grupo de WhatsApp chamado
"Difusão", que teria sido criado por um coronel da Polícia Militar do
Distrito Federal, Jorge Henrique.
"Na data da
criação do grupo, o Coronel Jorge Henrique comunicou que, por determinação da
Subsecretaria de Inteligência, o canal estava aberto para facilitar a
disseminação de dados e informações pertinentes ao acompanhamento de
manifestações, atos e eventos que pudessem causar impacto na segurança pública
do Distrito Federal."
No dia 5 de janeiro
daquele ano, o coronel enviou no grupo uma mensagem ressaltando "que
estavam programados 'atos para os dias 06, 07, 08 e 09 de janeiro de 2023',
incluindo uma convocação para a ação 'Tomada de Poder'."
"Mais tarde,
às 12h08 do dia 7.1.2023, Marília repassou ao Coronel Jorge Henrique
informações sobre os manifestantes acampados que demonstravam ânimos exaltados
e falou da possibilidade de confrontos na Esplanada dos Ministérios. Já havia
conhecimento de que 105 ônibus fretados chegavam a Brasília, transportando
aproximadamente 3.900 passageiros", prossegue a denúncia.
Ainda mencionando
Marília e Anderson Torres, que foi ministro da Justiça do governo Bolsonaro, a
denúncia conclui que houve omissão deliberada em relação aos atos do dia 8 de
janeiro, já que ambos teriam conhecimento da possibilidade de atos violentos -
a PGR frisa, ainda, que Torres decidiu viajar para Orlando, na Flórida, mesmo
sabendo do potencial risco à Esplanada.
"Ressalte-se
que os Relatórios de inteligência, como o Relatório n. 6/2023261, elaborado
pela Subsecretaria de Inteligência da SSP/DF, já indicavam, dias antes da
invasão, a ameaça de atos violentos e da invasão de prédios públicos. A informação
crítica, contudo, permaneceu restrita ao círculo mínimo dos denunciados, não
alcançando as instâncias que poderiam ter tomado providências".
Fonte: BBC News
Brasil
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