Grupo StoneX, dos EUA, tem
compra de ouro amazônico barrada pela Receita
A COMPANHIA STONEX, uma das 15 maiores empresas do setor financeiro dos Estados Unidos, tem em sua rede de fornecedores de ouro cooperativas de garimpeiros
autuadas por desmatamento ilegal, uso irregular de mercúrio e com áreas de
garimpo localizadas às margens de unidades de conservação da Amazônia.
Documentos obtidos
pela Repórter
Brasil, em parceria com o TBIJ (The Bureau of
Investigative Journalism), mostram
que a rede de fornecedores da StoneX também inclui, além das cooperativas, uma
empresa investigada pela Polícia Federal por possível envolvimento em esquemas
de exploração ilegal de ouro em Itaituba, no Pará, desde 2021.
A relação entre esses
fornecedores brasileiros e a StoneX é apontada em notas fiscais, que indicam a
venda de ouro por uma empresa intermediária – a Coluna DTVM – para a
StoneX Commodities DMCC, subsidiária do grupo em Dubai.
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Carga barrada pela Receita Federal
Em setembro de 2023, uma
carga de ouro de R$ 4,6 milhões, que seria exportada pela Coluna para a StoneX
em Dubai, foi barrada pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos. Para a
Receita, existiam “fortes inconsistências entre a documentação apresentada para
a exportação da carga […] e o que foi constatado em perícia técnica realizada a
pedido da fiscalização aduaneira”. O órgão encontrou divergências ao comparar o
peso do ouro averiguado pelas autoridades com o declarado nas notas fiscais
apresentadas pela empresa. Questionada sobre o processo, o órgão informou que
não seria possível fornecer informações sobre o caso.
Na documentação enviada à
Receita, a Coluna DTVM apresentou milhares de notas fiscais de outras operações
que indicavam a origem do ouro que seria exportado. Elas revelam que parte do
minério havia sido adquirido da FD Gold, companhia que, por sua vez, tinha como
principal fornecedora do produto uma coorperativa matogrossense autuada por
desmatamento ilegal e pelo uso irregular de mercúrio em áreas de garimpo,
conforme apuraram Repórter Brasil e TBIJ.
Outra importante fornecedora
da Coluna mencionada é a empresa Parmetal, alvo de uma investigação da Polícia
Federal sobre uma suposta obtenção irregular de ouro na Amazônia acobertada por
“lavras fantasmas”.
Ane Alencar, diretora de
Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, avalia que “há uma
facilidade muito grande do ouro que é extraído ilegalmente entrar no sistema de
vendas oficial”. Para Alencar, é preciso exigir transparência e rastreabilidade
no processo de comercialização do minério. “Há formas de fazer isso. É preciso
investimento para que aconteça”, destaca.
Mesmo após as
inconsistências identificadas, a relação comercial entre Coluna e StoneX
ocorreu novamente. Outras duas notas fiscais obtidas pela Repórter Brasil e pelo TBIJ mostram a exportação de 19,5 quilos de ouro entre as
partes ocorrida em outubro de 2024, no valor total de R$ 8,9 milhões.
Questionada sobre a rede de
fornecedores, a StoneX disse que segue políticas e processos robustos para
verificar a legitimidade da origem de todos os metais preciosos que adquire,
obtendo-os em “estrita conformidade com os requisitos legais e regulatórios
aplicáveis”. A empresa também disse ter coletado os certificados de origem do
ouro auditado pela Receita Federal durante o processo de exportação em 2023. A
companhia acrescentou ainda que a Coluna é uma instituição licenciada pelo
Banco Central do Brasil que continua a exportar até hoje. Leia o posicionamento
completo da empresa aqui.
Procurada, a Coluna DTVM não
respondeu aos questionamentos enviados até o fechamento desta reportagem. O
espaço segue aberto para manifestações futuras.
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Garimpo em área embargada pelo Ibama
Entre os dias 4 e 12 de
setembro de 2023, a Coopemiga (Cooperativa de Mineradores e Garimpeiros da
Região de Aripuanã), segundo as notas fiscais apresentadas pela Coluna às
autoridades, realizou 224 vendas de ouro para a FD Gold, somando 9,2 quilos do
produto, no valor de R$ 2,2 milhões. Todas as notas fiscais da Coopemiga
indicam como origem do produto uma lavra garimpeira com área de 516,9 hectares
em Aripuanã, na Amazônia matogrossense. Em parte dessa lavra, o garimpo é
ilegal, já que cooperativa teve três áreas embargadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em 2022 por desmatamento e
produção ilegal de ouro. Ao todo, 173,9 hectares foram embargados pelo órgão.
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Operação flagrou uso ilegal de mercúrio
No mesmo ano, o Ibama
aplicou seis multas à cooperativa, no valor total de R$ 2,2 milhões. Além das
autuações relativas aos desmatamentos ilegais e extração de ouro em área
irregular, a Coopemiga também foi multada por uso ilegal de mercúrio. A
substância é utilizada em atividades garimpeiras para acelerar o processo de
separação de ouro de demais sedimentos.
O uso de mercúrio na
extração de ouro não é necessariamente ilegal, mas só é permitido com a
obtenção de licenciamento ambiental e dentro de regras estabelecidas pela legislação nacional e internacional.
Para o Ibama, a Coopemiga
obteve ao menos 147,8 kg de ouro com uso ilegal do produto. As irregularidades
foram identificadas pelo órgão ambiental e pela Polícia Federal nas
fiscalizações da Operação Hermes Hg 2022, que buscava desarticular o uso ilegal de mercúrio no Brasil.
Procurada, a Coopemiga
afirmou que os desmatamentos identificados pelo Ibama ocorreram antes da posse
da atual gestão da cooperativa e que a área embargada está sinalizada e isolada
para recuperação da vegetação nativa. A nova gestão da cooperativa, que tomou
posse no final de 2023, também reforçou que não autoriza o uso de
mercúrio.
A FD Gold afirmou que “detém
rígidas políticas e protocolos de fiscalização ostensiva e permanente,
inclusive sobre a rastreabilidade da origem mineral do ouro e ainda sobre a
sustentabilidade na lavra de ouro”. Sem comentar casos específicos, a DTVM
afirmou que, após investigação interna, não identificou “nenhuma operação
financeira de aquisição de ouro ativo financeiro em desconformidade” às normas
do Estado brasileiro e às regulações internacionais. Leia aqui as respostas completas.
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Garimpo no Rio Madeira
Outra fornecedora de ouro
indicada nos documentos apresentados pela Coluna DTVM é a Coogarima
(Cooperativa dos Garimpeiros do Rio Madeira). A cooperativa vendeu ouro para a
Parmetal e a FD Gold, com origem em duas lavras garimpeiras localizadas sob o
Rio Madeira, em Rondônia. Ambas as áreas estão nas bordas de duas UCs (Unidades
de Conservação): o Parque Nacional Mapinguari e a Estação Ecológica Umirizal.
O garimpo de ouro é proibido desde 1991 em trechos do Rio Madeira. O curso d’água, que é o mais longo e importante afluente do Rio Amazonas, tem sido alvo
recorrente de garimpeiros.
Em resposta à Repórter Brasil, a ANM (Agência Nacional de Mineração) e a Sedam (Secretaria de Estado
do Desenvolvimento Ambiental) de Rondônia informaram que as PLGs (permissões de
lavra garimpeira) da Coogarima estão em áreas onde a atividade é permitida e
funcionavam com licença até outubro de 2024.
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Impactos do mercúrio
Especialistas alertam, no
entanto, que os impactos da atividade não ficam restritos às áreas das lavras e
se espalham por todo o ecossistema do entorno.
“Os rejeitos liberados
acabam indo para o Rio Madeira, que corta o limite [do parque] Mapinguari,
atingindo diretamente a unidade de conservação”, destaca Lucas Duarte, servidor
do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) em Porto
Velho.
Um desses rejeitos é o
mercúrio. “Estudos mostram que ele pode chegar até 100 quilômetros de
distância da área onde foi utilizado”, explica Ana Claudia Vasconcellos,
professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJV/Fiocruz).
Vasconcellos alerta que o
produto se acumula em todo o ecossistema aquático, chegando à população local,
por exemplo, pelo consumo de peixes. “Dentro do organismo humano, é facilmente
absorvido pelo trato gastrointestinal e atinge, principalmente, o sistema
nervoso central. Nas gestantes, ele ultrapassa a barreira placentária e atinge
o cérebro do feto”, explica.
A Coogarima, em resposta
à Repórter
Brasil, reforçou que os dois títulos minerários sob o Rio
Madeira são autorizados pela ANM e pela Sedam de Rondônia – informação
confirmada pela reportagem junto aos órgãos. Também disse que segue “todas as
condicionantes ambientais impostas pelo Poder Público” em relação ao uso de
mercúrio e que não viola nenhuma legislação pelo fato de possuir processos minerários
nas bordas de UCs.
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DTVM investigada pela PF
A Parmetal, fornecedora
direta da Coluna DTVM, teve seu nome envolvido em investigações sobre obtenção
irregular de ouro. Em agosto de 2023, a Justiça autorizou, a pedido da Polícia
Federal, uma operação de busca e apreensão na sede da empresa em Itaituba, no
Sudoeste do Pará.
A investigação, que continua
em andamento, apura o possível “esquentamento” de ouro extraído ilegalmente na
região a partir de abril de 2021. No caso apurado, títulos minerários sem
indícios de atividade, conforme análise de imagens de satélite, estariam sendo
apontados como origem de 988,2 kg de ouro comercializados em 2021 e 2022, pelo
valor de R$ 257,3 milhões. Desse total, R$ 83,7 milhões teriam sido adquiridos
pela Parmetal.A companhia, que adotou o nome de Unida em 2023, afirmou à Repórter Brasil “que apoia o trabalho das autoridades quanto à repressão de
ilegalidades”, sem dar detalhes sobre o processo judicial em andamento. A
empresa também afirmou que “aperfeiçoa a cada dia seus procedimentos de
controle” da legalidade do ouro adquirido de terceiros. Leia o posicionamento
completo da empresa aqui.
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Conexão Brasil-Dubai-Zurique
A documentação apresentada
pela Coluna à Receita Federal informava que o destino do ouro exportado era a
StoneX em Dubai. A carga, entretanto, seria carregada em um voo comercial da
SwissAir International Air Lines, que sai de Guarulhos com destino a Zurique.
Mark Pieth, advogado e
especialista em processos anticorrupção na Suíça, explica que é comum haver
discrepâncias entre o destino listado na documentação de exportação do ouro e o
destino real das mercadorias. “Nesse mundo de comércio exterior, mercadorias
vão para um lado e a papelada vai para outro”.
As barras de ouro
comercializadas pela StoneX, além de serem
vendidas em seu próprio site, chegam a
bancos em diversas partes do mundo, como no Reino Unido. No país, a companhia
integra a LBMA (London Bullion Market Association), grupo que
exige de seus associados um padrão responsável de aquisição de metais
preciosos.
Em resposta aos
questionamentos da Repórter Brasil e do TBIJ, a
LBMA afirmou que, em uma investigação preliminar motivada pela reportagem, não
identificou nenhuma evidência de violação de suas regras pela StoneX. A
organização apontou que a investigação das autoridades brasileiras sobre a
carga bloqueada da Coluna está em andamento, ainda sem conclusão definitiva. “A
LBMA acredita que é prematuro antecipar o resultado desse processo”, ressaltou.
Leia aqui as respostas completas da organização.
¨ Polícia Federal deflagra operação
contra quadrilha de grilagem de terras Akroá-Gamella e Guegue do Sangue, no PI
A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã desta
quarta-feira (19) a Operação Aldeia Verde, nos estados do Piauí e do Paraná.
Foram realizadas prisões e cumpridos mandados de busca e apreensão com o
intuito de desbaratar quadrilha envolvida em grilagem de terras dos povos
Akroá-Gamella e Guegué do Sangue.
No esquema, conforme a investigação, empresários
investem elevadas cifras, mas ainda assim bem abaixo dos valores praticados no
mercado, para a aquisição de terras indígenas por meio da utilização de falsos
posseiros, que atuavam como “laranjas” de intermediários, em processos
administrativos forjados no Instituto de Terras do Piauí (Interpi).
A quadrilha tem a participação de agentes públicos com
acesso ao órgão fundiário, além de dirigentes sindicais e funcionários de
cartórios de registros públicos.
“Os documentos eram falsificados para a venda ilegal
das terras da União, incluindo áreas de proteção ambiental e terras indígenas”,
diz trecho de manifestação da PF à imprensa. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas
(Funai), órgão indigenista oficial do Estado, tem procedimento demarcatório nas
áreas griladas desde 2018.
Conforme informações do Ministério Público Federal
(MPF) do Piauí, órgão que instaurou o inquérito da operação (Ação Penal
Processo n.º 1000917-79.2025.4.01.4003), foram cumpridos dois mandados de
prisão preventiva e cinco mandados de busca e apreensão em Teresina (PI),
Currais(PI), Bom Jesus(PI), Mamboré (PR) e Maringá (PR) para o aprofundamento
das investigações.
No ano passado, episódios de grilagem se intensificaram
nessas terras indígenas, sobretudo durante o período eleitoral, levando ameaças
de morte, agressões e conflitos para as aldeias. Um ‘Feirão da Terra Pública’ foi
denunciado pelas lideranças indígenas, além de um sistema de distribuição e venda de
terras organizado por whatsapp.
<><> Funcionamento do esquema
As investigações conduzidas pelo MPF tiveram início em
2022 com a instauração de procedimento investigatório criminal a partir de
representação oferecida por um dos investigados. Ele procurou o MPF, em
Floriano(PI), para narrar a existência de conflitos e grilagem de terras na
região das comunidades indígenas Jacu e Morro D’Água.
Segundo o MPF, “entre meados de 2021 e meados de 2023,
um grupo formado por dez pessoas – entre empresários, lideranças indígenas locais,
lideranças sindicais, corretores de imóveis e funcionários públicos – promoveu
a invasão de aproximadamente 6.600 hectares de terras tradicionalmente
vinculadas à etnia indígena Akroá-Gamella (e Guegue do Sangue).
São territórios tradicionais situados em localidades
como Morro d´Água e Barra do Correntinho, nos municípios de Baixa Grande do
Ribeiro, Uruçuí, Bom Jesus e Currais.
“Visando regularizar a posse dos terrenos invadidos, e
assegurar o proveito econômico da conduta criminosa, os denunciados praticaram
atos de grilagem de terras, forjando processos de regularização fundiária junto
ao Interpi, mediante a apresentação de declarações falsas e a corrupção dos
agentes públicos”, diz o MPF.
De acordo com as investigações, o grupo também forneceu
armas de fogo e munições para invasores que atuavam sob sua direção, para
proteger a ocupação das terras indígenas do interesse do esquema criminoso.
<><> Identificação de áreas
Conforme o MPF apurou, “intermediadores identificavam
as áreas passíveis de apropriação, como terras devolutas tradicionalmente
ocupadas pela etnia indígena. Em seguida, procuravam empresários ligados ao
agronegócio, dispostos a adquirir as terras por valores muito abaixo dos
praticados no mercado, principalmente considerando o seu caráter inalienável”.
Com os recursos obtidos com os empresários/corretores,
os intermediadores cooptavam pequenos trabalhadores rurais da localidade,
incluindo indígenas, “mediante a entrega de dinheiro e o fornecimento de
alimentos, materiais de construção e de armas, para que ocupassem as terras de
interesse dos empresários” e, assim, garantir a invasão.
Em contrapartida, aponta o MPF, os posseiros emitiam
procurações para que o intermediário exercesse o direito de posse em nome dos
“laranjas” perante os órgãos públicos (fundiários, ambientais, de segurança
etc) e realizasse negócios jurídicos com os empresários interessados em
adquirir as terras.
“Com essas procurações, ele apresentava requerimentos
de regularização fundiária junto ao Interpi, visando a titulação das áreas para
o seu grupo criminoso, utilizando-se dos benefícios concedidos pela Lei
Estadual nº 7.294/2019. Para tanto, contava com o auxílio e a facilitação
obtidos por meio de propina paga a empregado terceirizado do Interpi, técnico
em georreferenciamento, que garantia o sucesso do empreendimento”, conclui o
MPF.
Para garantir a procedência dos requerimentos junto ao
Interpi, ainda de acordo com as investigações, o intermediário buscava o
auxílio de dirigentes sindicais e funcionários de cartórios da região, que
mediante pagamento de valores expressivos (entre 30 mil e 50 mil reais),
expediam certidões fraudulentas.
Fonte: Repórter
Brasil/Cimi
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