Listz Vieira: Donald
Trump – em busca da tirania
Em 18 de fevereiro
último, as delegações diplomáticas dos EUA e da Rússia realizaram um encontro
na Arábia Saudita para discutir o fim da guerra na Ucrânia e a futura ordem
mundial. Decidiram “assentar as bases de uma negociação futura”. Tudo indica
que foi o início de um processo de negociação, sem a presença da Ucrânia e da
União Europeia. Donald Trump quer
destruir os organismos internacionais de decisão coletiva, como a ONU e a União
Europeia, por exemplo. Donald Trump ligou direto para Vladimir Putin com o
objetivo de discutir o fim da guerra na Ucrânia. Ignorou a Europa que seguia a
política externa dos EUA nos termos dos tratados transatlânticos. E ignorou a
ONU que se tornou inoperante face aos últimos conflitos internacionais. Donald
Trump e Vladimir Putin têm um objetivo em comum: ambos querem enfraquecer a
Europa e substituir a democracia pela tirania.
Historicamente, a
democracia moderna nasceu em contraposição a regimes autoritários e déspotas,
como a monarquia absoluta cujo poder derivava do direito divino dos reis. Na
democracia, o “poder deriva do povo e em seu nome será exercido” princípio
constante das Constituições dos países democráticos. Há outros conceitos mais
sutis de democracia que não se limitaria a regimes políticos, mas a um modo de
existência social. De qualquer forma, os princípios básicos de liberdade,
igualdade, diversidade, direitos humanos, tantos os direitos individuais como
coletivos, tanto os direitos civis, como os sociais e políticos, são parte
integrante do conceito moderno de democracia. Mas a democracia permaneceu
engessada em sua vestimenta formal. Anunciou direitos, mas não garantiu a
condição de exercício desses direitos. Seria como dizer a um mendigo que ele
tem o direito de viajar quando ele mal consegue sobreviver. Boa parte da
população – em alguns países a maioria – não percebe os benefícios da
democracia pois, em regimes ditatoriais, sua vida é a mesma, sua luta pela
sobrevivência é a mesma. Frequentemente, utilizam “estratagemas de
sobrevivência” misturando o legal com o ilegal, quando não caem diretamente na
criminalidade.
As democracias
liberais capitalistas concentraram renda nas mãos de uma minoria e aumentaram
as desigualdades sociais. A social democracia, como versão mais humana e social
do capitalismo, foi engolida pelo neoliberalismo na maioria dos países
ocidentais. Os recursos públicos foram capturados pelo mercado e o Estado
passou a ser demonizado, impedido muitas vezes de investir na infraestrutura
para garantir o desenvolvimento do país. O mito da austeridade fiscal,
defendido como um dogma pela mídia, bloqueia o investimento público e chama de
gastos os recursos aplicados na área social, como saúde, educação, habitação,
transporte, meio ambiente etc. Esse modelo de democracia formal que
marginalizou a maioria da população entrou em crise. A extrema direita, com
forte presença nas redes sociais e com a simpatia de boa parte da grande mídia,
passou a atacar o “sistema”, obtendo apoio da boa parte da população pobre e
miserável que quer mudança sem saber bem para que lado. Quer soluções
“radicais” e não o discurso de defesa da democracia que não lhe beneficia.
Quando chega no poder, essa extrema direita começa a destruir as instituições
que garantem o funcionamento da democracia. Atacam a democracia, os direitos
humanos, a diversidade cultural, a independência da Justiça e, no caso da
Europa e dos EUA, os imigrantes.
É o caso agora do
presidente criminoso dos EUA (criminoso segundo a própria Justiça
norte-americana). Ele está destruindo a democracia e abrindo caminho para uma
ditadura a partir de dentro. Ou seja, os golpes contra a democracia não vêm
mais apenas de fora para dentro, como golpes militares clássicos. Muitas vezes,
são presidentes eleitos que corroem por dentro as instituições democráticas com
o objetivo de estabelecer um governo autoritário despótico. Além de Donald
Trump, temos ainda o exemplo de Benjamin Netaniahu em Israel, Vladimir Putin na
Rússia etc. Foi o que Jair Bolsonaro tentou no Brasil, sem sucesso. O
capitalismo, em sua versão neoliberal dominante, não parece interessado em
conviver com regimes democráticos. Claro que as situações variam conforme cada
caso. Mas todas apontam para o crepúsculo da democracia no Ocidente e para o
retorno da força bruta com poucos limites, ou mesmo sem nenhum. É a linguagem
do poder pelo poder. A força bruta prevalece contra as conquistas da
civilização. E grande parte da população, que não foi beneficiada pela democracia,
passa a apoiar vendo no tirano um pai salvador, um enviado de Deus para
resolver os problemas da nação.
O uso exclusivo da
força rompe tradições, sejam boas ou más. Um exemplo recente ocorreu na recente
Conferência de Munique sobre Segurança, encerrada em 16/2/2025, quando o
vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, criticou os países europeus presentes por
“supressão da liberdade de expressão” e “falta de democracia”. Seguindo a linha
de Donald Trump, humilhou a Europa como já havia humilhado em Paris, em 20 de
janeiro passado, quando deu um sermão à União Europeia sobre a sua
“regulamentação excessiva” da inteligência artificial. O destaque nessa
Conferência em Munique foi para o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, que
citou Vladímir Lênin a quem atribuiu a seguinte frase: “há décadas em que nada
acontece e há semanas em que décadas acontecem”. O fato a ressaltar é que uma
relação transatlântica sólida, um pilar do sistema internacional desde a
Segunda Guerra Mundial, de repente, parece profundamente fraturada (Le Monde,
17/2/2025).
A situação é grave.
O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, declarou rejeitar uma “paz ditada” por
Washington e Moscou. E o primeiro ministro polonês, Donald Tusk, declarou que o
“relacionamento transatlântico, a Aliança do Atântico Norte e nossa amizade com
os EUA entraram em uma nova fase”. A Europa começou a pagar o preço de sua
subserviência aos interesses dos EUA e de seu braço armado, a OTAN. Os EUA
possuem cerca de 800 bases militares, terrestres, marítimas e aéreas, a maioria
fora de seu território. A Europa assumiu como seu o inimigo declarado pelos
EUA: a Rússia, velho inimigo da Guerra Fria. E ignorou os interesses comuns.
O general francês
Vincent Desportes, antigo diretor da Escola de Guerra da França, em palestra há
alguns anos no Instituto de Estudos Políticos de Paris, mais conhecido
como Science Po, defendeu a reaproximação da Europa com a Rússia, tendo em
vista os interesses comuns. Que o diga a Alemanha, cuja indústria e domicílios
dependiam do gás importado da Rússia, agora interrompido após o atentado que
destruiu o gasoduto Nord Stream que ligava a Rússia à Alemanha. E da Alemanha,
grande parte do gás era redistribuído para outros países da Europa. Depois
disso, a Alemanha entrou em crise, econômica e política.
Percebendo o avanço
da multipolaridade no mundo e sentindo o enfraquecimento da hegemonia
unilateral dos EUA, Donald Trump começou a destruir as instituições
democráticas e praticamente declarou guerra à democracia, já ameaçada pelo
avanço da extrema direita em vários países ocidentais. Chamado de “populista”
pela mídia corporativa que chama Javier Milei de “libertário”, Donald Trump
está lançando os alicerces de uma nova tirania baseada numa ideologia
neofascista. Isso faz lembrar a famosa frase de Tocqueville que, ao combater a
tirania, afirmou que a anarquia não é o maior dos males que uma democracia deve
temer, mas o menor. Donald Trump começou a bombardear alguns simbolos
importantes da civilização como direitos humanos, bem como as medidas de proteção
ambiental contra as mudanças climáticas que ameaçam a sobrevivência da
humanidade, seja pela destruição da biodiversidade ou pelo aquecimento global
causado pela emissão de gases de efeito estufa e pelo desmatamento de
florestas. A História dá voltas, tem avanços e retrocessos, não é um caminho
linear em direção a um futuro grandioso. Nessa atual terceira década do século
XXI, o espectro que ronda o mundo não é o comunismo, é o retorno da tirania
reforçando a destruição dos valores da civilização e das condições ecológicas
que sustentam a vida da humanidade no planeta.
¨ A estratégia de Donald Trump em Munique. Por Scott
Ritter
Quando me pediram
para explicar Donald Trump, senti como se tivesse sido escalado para o
personagem Arlequim, solicitado a interpretar os devaneios do fotojornalista
anônimo para um mundo de Marlows e Willards descrentes e ignorantes. Tentar
explicar o que aconteceu nos últimos dias em Munique é como tentar explicar uma
viagem regada a ácido pela toca do coelho com Alice. Você não pode.
Especialmente para aqueles que não pagaram a conta e se juntaram a você naquele
passeio no tapete mágico. “Compreender Trump” é um exercício de futilidade para
aqueles que ainda escolhem ver o mundo através do prisma do que passa por
normalidade. Quem acredita em normas definidas por práticas estabelecidas? Não
há nada de normal em Trump. E ele está rompendo com práticas estabelecidas em
um ritmo que desmente a compreensão. Não há mais espaço para práticas
estabelecidas. É uma revolução, querida. E se você não entende isso, então nada
faz sentido. Já faz algum tempo que estou no tapete mágico de Donald Trump,
convencido de que a alternativa a essa jornada ao coração das trevas da América
não era nada menos que o Armagedom nuclear. Eu não deixei cair o ácido. Sou o
equivalente a Marlow e Willard, exceto que tenho a longevidade de um Arlequim
ou de um fotojornalista anônimo quando se trata de ver padrões no caos.
Participo da viagem
de Donald Trump desde 2015. E aqui está a minha opinião.
A Conferência de
Segurança de Munique é uma conferência anual sobre política de segurança
internacional que acontece em Munique desde 1963. Seu lema é “Paz através do
diálogo”. Embora a Conferência de Segurança de Munique atraia um público
global, ele atende quase exclusivamente ao público transatlântico, aos acólitos
da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da União Europeia (UE). O
papel dos Estados Unidos tem sido servir como um mentor autoritário, acenando
com a cabeça em aprovação nas primeiras filas da plateia e enviando autoridades
de alto escalão para falar com seus subordinados europeus do pódio do poder. A
Conferência de Segurança de Munique é uma espécie de audição, onde as elites
políticas e de segurança da Europa se esforçam para dividir o palco com um
membro do establishment americano que lhes dará tapinhas na cabeça,
lhes dará um petisco e lhes dirá o bom trabalho que estão fazendo. Na era
pós-Guerra Fria, a Europa permitiu-se ser uniformemente influenciada por essa
dinâmica senhor-servo. A Conferência de Segurança de Munique nasceu da cautela
pragmática demonstrada por seu fundador, Ewald-Heinrich von Kleist- Schmenzin,
um co-conspirador na conspiração empreendida pelo Conde Claus von Stauffenberg
para assassinar Adolf Hitler em 1944. Von Kleist imaginou a Conferência de
Segurança de Munique como um fórum para promover a paz na Europa, para usar o
diálogo como um mecanismo para prevenir uma futura guerra europeia.
A visão de Von
Kleist, no entanto, vacilou diante da ambição dos Estados Unidos no pós-Guerra
Fria de sustentar seu papel como a única superpotência remanescente do mundo,
usando instituições transatlânticas e europeias, como a OTAN e a União
Europeia, como facilitadoras para a hegemonia contínua dos EUA por meio da
implementação ininterrupta da “ordem internacional baseada em regras”. A
hipocrisia do Ocidente – a OTAN, a União Europeia e seu senhor supremo, os EUA
– foi magistralmente denunciada pelo presidente russo Vladimir Putin em 2007,
durante sua brilhante apresentação na Conferência de Segurança de Munique. Mas
as elites que se reúnem na Conferência de Segurança de Munique não estão lá
para receber sermões ou aprender, mas sim para promulgar os objetivos
estratégicos dos EUA, disfarçando-os como iniciativas europeias nascidas de valores
europeus. Exceto, como qualquer um que tenha estudado a dinâmica da Conferência
de Segurança de Munique sabe – não há mais valores europeus verdadeiros. O
objetivo antes louvável de evitar uma repetição da Segunda Guerra Mundial em
solo europeu foi substituído por uma câmara de eco estúpida e servil de
belicismo imperial americano.
<><> Sérvia.
Líbia. Afeganistão. Ucrânia.
A Conferência de
Segurança de Munique se tornou nada mais que um carimbo da política externa e
de segurança nacional dos Estados Unidos. Os valores europeus de hoje nada mais
são do que um verniz de artificialidade, o equivalente a uma colher cheia de
açúcar para ajudar os europeus a engolir a amarga realidade de seu servilismo
coletivo. Qualquer estudante da América, no entanto, teria percebido o
crescente descontentamento do povo americano com as guerras intermináveis
promovidas e promulgadas pelo chamado Complexo Militar Industrial-Congressional
(CMIC), sobre o qual o presidente Dwight D. Eisenhower alertou em seu discurso
de despedida em janeiro de 1961. O establishment americano deixou-se consumir
pelas práticas predatórias do Complexo Militar Industrial-Congressional. O povo
americano não o fez. E a partir de 2016, o povo americano começou a deixar o
establishment saber que não iria mais tolerar essas políticas predatórias, que
infectavam todos os aspectos da vida americana. A Revolução Trump começou em
2015, quando ele desceu a escada rolante de seu castelo na Trump Tower para
anunciar sua candidatura ao cargo de presidente dos Estados Unidos. E não parou
mais desde então. Donald Trump destruiu o edifício corrupto da política
republicana clássica ao vencer as primárias republicanas em 2016. Sua vitória
na eleição presidencial de 2016 provocou uma onda de choque no establishment,
que passou os quatro anos seguintes minando a Revolução Trump interna e
externamente. E nos quatro anos seguintes, sob os auspícios de seu
garoto-propaganda, Joe Biden, o establishment usou todas as ferramentas de
truques sujos do establishment (incluindo processos politicamente motivados em
várias frentes e, possivelmente, assassinatos) para impedir a ressurreição de
Donald Trump.
Mas a revolução era
real, algo que o establishment optou por não acreditar, e Donald Trump – contra
todas as probabilidades – ganhou um segundo mandato como o homem mais poderoso
do mundo. Só que dessa vez ele havia aprendido as lições do passado. Que ele só
podia confiar nas pessoas que vinham de sua órbita pessoal, e não nos antigos
servidores do estado profundo. Que as instituições de poder que estavam
profundamente enraizadas no corpo da enorme burocracia não eleita que guiava a
América, independentemente de quem estivesse no comando do poder executivo,
eram o inimigo. E que, como presidente, ele tinha poder praticamente ilimitado
para promulgar as mudanças que o povo americano exigia.
Donald Trump parece
ter incorporado aspectos do ciclo OODA de John Boyd em seu pensamento
estratégico. John Boyd era um piloto de caça da Força Aérea que acreditava que
se você assumisse o controle de um combate aéreo – uma luta de cães – fazendo o
oponente reagir a você, você venceria todas as vezes. Boyd chamou isso de
“entrar no ciclo de tomada de decisão” do inimigo, que ele dividiu em um ciclo
de quatro fases que ele chamou de ciclo OODA (Observar, Orientar, Decidir,
Agir). Se você pudesse implementar o ciclo OODA mais rápido que seu inimigo,
então você estaria “dentro” do ciclo de tomada de decisão dele. E eles
morreriam. O aspecto principal do ciclo OODA é o “ciclo” – este não foi um
exercício único, mas uma série de ações conectadas, cada uma alimentando a
outra. Você tomou uma ação e então observou a reação do inimigo. Você se
orienta na reação e decide qual opção é melhor antes de agir. O inimigo agora
reage. E o ciclo se repete. Até que o inimigo morra. O objetivo é não desistir
depois de lutar, para manter o inimigo reagindo às suas ações até que você o
tenha onde deseja. Em Munique, vemos a adaptação clássica do ciclo OODA por
Donald Trump para destruir seus inimigos da OTAN e da União Europeia. Agora,
nesta conjuntura, alguns podem perguntar: “Espere um minuto. Como a OTAN e a
União Europeia se tornaram inimigas de Donald Trump?” A resposta é bem clara –
porque eles são uma extensão das elites estabelecidas dos EUA às quais Donald
Trump declarou guerra.
Essas são as elites
europeias que conspiraram contra Donald Trump durante seu primeiro mandato, que
ansiavam pelo ex-presidente Barack Obama enquanto adiavam a promulgação das
reformas impostas por Donald Trump na esperança de que o ciclo eleitoral
americano expurgasse Trump do cenário político americano. Essas são as pessoas
e instituições que redobraram a pressão sobre a belicosidade americana,
permitindo-se cair na armadilha da Ucrânia, que foi criada para destruir a
Rússia em benefício exclusivo dos Estados Unidos, destruindo a Europa no
processo. Os europeus, sempre submissos, estavam cegos demais por sua
disposição de servir para ver que eram tão cordeiros sacrificiais quanto a
Ucrânia. E, quando parecia que Donald Trump sairia vitorioso, foram os europeus
– na OTAN e na União Europeia – que conspiraram com o governo de Joe Biden para
“tornar políticas à prova de Trump”, na esperança de que pudessem, mais uma
vez, simplesmente sobreviver a quatro anos de trumpismo enquanto o establishment
dos EUA continha e minava Donald Trump internamente. Mas Donald Trump aprendeu
a lição. A revolução começou no primeiro dia destruindo o establishment com o
qual a Europa contava para conter Trump. O Departamento de Justiça, que foi tão
efetivamente usado como arma durante o primeiro mandato de Donald Trump e
empregado para destruí-lo nos quatro anos seguintes, foi castrado. A comunidade
de inteligência, da qual o senador democrata sênior, Chuck Schumer, certa vez
se gabou de ter “seis maneiras de destruir Donald Trump a partir de domingo”,
foi entregue a Tulsi Gabbard, que a controlará. O establishment da política
externa americana foi exposto como um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro
focado mais na mudança de regime do que na ajuda externa. E o Congresso dos EUA
está implicado em tudo isso.
Donald Trump
decapitou o próprio establishment com o qual a Europa contava para contê-lo. É
isso que acontece nas revoluções. E então Donald Trump voltou sua atenção para
a Europa. Tenha em mente que no mundo de Donald Trump, os europeus –
especialmente suas instituições gêmeas, a OTAN e a União Europeia – não são
aliados, mas inimigos. O novo secretário de defesa de Trump, Pete Hegseth ,
viajou para a OTAN e avisou a Europa de que as coisas não estavam como de
costume e que as percepções que a Europa tinha sobre questões importantes, como
a guerra na Ucrânia, eram, na verdade, percepções equivocadas. Nada de OTAN
para a Ucrânia. Não há retorno às fronteiras de 1991 com a Rússia. Não haverá
tropas americanas na Ucrânia. Nenhuma cobertura da OTAN para qualquer força
europeia de “manutenção da paz” que possa ser enviada para a Ucrânia. E a
Europa estava pagando por tudo daqui para frente.
Entra em cena o
ciclo OODA. Pete Hegseth foi a ação iniciadora. A Europa se esforçou para
reagir. Entra em cena o vice-presidente JD Vance. Seu discurso na Conferência
de Segurança de Munique não foi concebido como uma obra de genialidade retórica
que entraria para a história por sua eloquência e conceitos intelectuais. Foi
um cocô no ponche europeu, um soco deliberadamente provocativo diante das
normas políticas criadas para injetar caos no senso de ordem do qual a Europa
prospera. Enquanto a Europa se esforçava para responder à provocação de Hegseth
, agora tinha que se ajustar ao ataque frontal às suas sensibilidades que JD
Vance havia desencadeado. O loop OODA estava em modo totalmente operacional. O
que quer que os europeus pensassem que a Conferência de Segurança de Munique
seria – talvez o fórum para uma resposta contundente aos insultos de Pete
Hegseth – desmoronou enquanto eles se esforçavam para responder aos novos
insultos lançados por JD Vance, que questionou abertamente o papel da Europa
como parceira dos Estados Unidos.
Para as elites
europeias reunidas em Munique, que passaram toda a sua existência adulta
aperfeiçoando seus papéis – individual e coletivamente – como servos obedientes
da América, de repente ouvirem que eram meninos e meninas maus com os quais a
América não se identificava mais, foi demais. Munique pode ser lembrada pela
apresentação pouco ortodoxa – na verdade, revolucionária – de JD Vance. Mas a
experiência de Munique é melhor resumida pela visão e pelo som de Christopher
Heusgen, o presidente da Conferência de Segurança de Munique, desabando em
lágrimas ao fechar a Conferência de Segurança de Munique, dominado pela
realidade de que a Europa nunca foi mais do que uma ferramenta do poder
americano, e agora há um mestre americano diferente que decidiu que a Europa
não é mais útil como ferramenta. Após o desastre de Munique, a Europa está se
esforçando para responder à nova realidade manifestada durante essa Conferência
de Segurança de Munique. Enquanto o presidente francês Emmanuel Macron reúne
seus aliados europeus para elaborar uma resposta coerente à apostasia de Donald
Trump na Ucrânia, Donald Trump enviou uma equipe de negociação de alto nível,
liderada pelo Secretário de Estado Marco Rubio, para a Arábia Saudita, onde se
reunirá com uma equipe de alto nível semelhante da Rússia, liderada pelo
Ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov, para negociar o fim do conflito
na Ucrânia e a retomada das relações entre EUA e Rússia, o que significará o
fim da relevância da OTAN e da União Europeia. Nem a União Europeia nem a
Ucrânia foram convidadas para a mesa.
·
Como
explico Munique?
É a aplicação
revolucionária do ciclo OODA de John Boyd, um estudo de caso magistral sobre
política disruptiva conduzida em uma atmosfera de caos provocada pela
desintegração de instituições políticas profundamente enraizadas nas quais o
mundo confiava para obter estabilidade. É uma viagem ácida pela toca do coelho,
perseguindo um Coelho Branco que não se detém para explicar o que está
acontecendo. É um passeio de tapete mágico rumo ao desconhecido, pilotado por
um homem que há muito tempo parou de se importar com as coisas que todos nós
nos acostumamos a acreditar que serviam como aspectos centrais das vidas que
levávamos. É a salva inicial de mudança revolucionária vivenciada por pessoas
que não entendem revoluções e não estão preparadas para que uma delas aconteça
ao seu redor. É lindo de um jeito horrível. É Donald Trump personificado.
“Você sabia que o
homem realmente gosta de você?”, o fotojornalista anônimo conta ao descrente
homem comum, Capitão Willard, nas cenas apocalípticas finais de Apocalipse
Now. “ Ele gosta de você. Ele realmente gosta de você. Mas ele tem
algo em mente para você. Você não está curioso sobre isso? Estou curioso. Estou
muito curioso. Você está curioso? Tem algo acontecendo aqui, cara. Você sabe de
algo, cara? Eu sei de algo que você não sabe. Isso mesmo, Jack. O homem está
claro em sua mente, mas sua alma está louca. Ah, sim. Ele está morrendo, eu
acho. Ele odeia tudo isso. Ele odeia! Mas o homem é um – ele lê poesia em voz
alta, tudo bem? E uma voz – ele gosta de você porque você ainda está viva. Ele
tem planos para você. Não, não. Eu não vou te ajudar. Você vai ajudá-lo, cara.
Você vai ajudá-lo. Quero dizer, o que eles vão dizer quando ele se for? Porque
ele morre quando isso morre, quando isso morre, ele morre! O que eles vão dizer
sobre ele?”
Bem-vindo à
Revolução.
Fonte: A Terra é Redonda
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