“Insistência na
anistia é sintoma de que há expectativa de condenação”, observa cientista
político
Bolsonaristas têm
adotado uma postura de vitimização desde a formalização da denúncia contra
Bolsonaro e outros 34 militares pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por
tentativa de golpe. O
relatório divulgado essa semana traz a linha do tempo completa dessa
empreitada, que começou em março de 2021, quando Lula se tornou elegível, e se
consumaria em dezembro de 2022, no final do governo Bolsonaro, quando
bolsonaristas começaram a atacar Brasília e fechar rodovias federais. Leia
na íntegra.
Segundo Paulo
Roberto, cientista político e professor na Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), a estratégia do bolsonarismo é manter a narrativa de politização
das instituições para desqualificar a denúncia, sem focar nos pontos destacados
pelo relatório, que contém as provas dos crimes em detalhes.
“As falas das principais lideranças da extrema
direita têm sido no sentido de desqualificar o trabalho tanto da Polícia
Federal quanto da Procuradoria-Geral da República, assim como já se antecipar a
ideia de ‘politização’ do Supremo. Esse processo todo é uma pantomima destinada
meramente a culpabilizar e criminalizar uma força política”, analisa.
“Há muito mais do
que uma tentativa de ir nos pontos da denúncia, mas sim de desqualificá-la como
um todo, acusando de ser politizada”
No entanto, o
professor alerta que apesar das investigações e das possíveis condenações,
a extrema direita segue sendo um ator político para as eleições de 2026.
“Não é absolutamente impossível que se possa ter uma condenação do Bolsonaro e
dessas pessoas que façam parte desse processo e ainda assim a extrema direita
apresentar uma candidatura competitiva com chance de vitória dependendo do
cenário em 2026. Com exceção do lulismo”, destaca.
“Mesmo nesse
momento de uma avaliação negativa do governo, com pesquisas que apontam a ‘pior
avaliação histórica do Lula como presidente’, ainda assim Lula aparece na
frente das pesquisas que mostram o cenário eleitoral de 2026”, comenta sobre
o peso eleitoral e popular do petista, que ainda assusta os candidatos que
tentam ocupar o posto de Bolsonaro.
Nesta quinta-feira (20),
em entrevista à Rádio
Tupi,
o presidente destacou que "só há uma saída" para Jair Bolsonaro (PL)
caso sejam comprovadas as denúncias feitas pelo Procurador-Geral da
República, Paulo Gonet, com base na investigação da Polícia Federal
(PF).
Lula se referiu
especialmente à operação Punhal Verde e Amarelo, tramada pelo general e
candidato a vice, Walter Braga Netto, com a anuência de Bolsonaro, segundo a
PGR, que tinha como objetivo matar ele, o vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, então
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Se for
provada a denuncia feita pelo procurador-geral de tentativa de golpe, da
participação do ex-presidente, do primeiro escalão dele, da tentativa de morte
de um ministro da Suprema Corte Eleitoral, do assassinato de um Presidente da
República e do vice-presidente, é uma coisa extremamente grave. E eu tenho
certeza que se for provado, ele só tem uma saída: ser preso", afirmou o
presidente, que ainda destacou:
"Eles nem
foram julgados e já estão pedindo anistia. Ou seja, eles estão dizendo que são
culpados. Só pelo fato de pedirem anistia antes de serem julgados eles já devem
ser condenados. Se o cidadão está sendo julgado, ele não pode pedir perdão
antes de ser julgado. Ele tem que primeiro provar que é inocente"
Para Paulo Roberto,
essa última fala do presidente é muito assertiva. “A insistência do tema
de anistia é um sintoma de que há uma forte expectativa de condenação [por
parte dos bolsonaristas]. Se houvesse uma esperança mais sólida de desmontar a
denúncia, esse seria o tópico enfatizado, tanto com as falas do Bolsonaro
quanto seus aliados. Então tomarem como muito provável a condenação, o foco se
desvia para outra dimensão. Portanto, eles mostram que há um sintoma de uma
expectativa de algo que está para acontecer”, diz.
·
Primeira
responsabilização a militares desde histórico de golpes
A denúncia contra
Bolsonaro e outros 34 militares é considerada uma das mais importantes dos
últimos 50 anos. O cientista político Paulo explica que essa é a primeira vez
que o país se aproxima de uma responsabilização efetiva em relação a uma
tentativa de golpe de Estado, depois de vários golpes militares sofridos
pela democracia brasileira, que nunca foram levados a julgamento.
“O Brasil tem um
longo histórico de golpes militares bem-sucedidos ou não, em que, em seguida,
essas tentativas ou realizações do golpe ou ao fim dos ciclos de governos que
nasceram de golpes, não houve punição a ninguém. Ao contrário dos nossos
vizinhos do Cone Sul – Argentina, Uruguai e Chile –, nós nunca punimos os
militares que conduziram o golpe militar e que efetivamente naquele período de
20 anos cometeram infrações seríssimas contra os direitos humanos”, destaca o
professor.
“Há aqui uma
novidade que é levar a cabo julgamentos e punições a quem atentou contra a
ordem democrática. Algo que não aconteceu nas décadas anteriores, que sempre se
seguiam de algum tipo de anistia, de pacificação, que não levou a cabo a
responsabilização política de quem cometeu crimes”
O
professor Lenio Streck, pós-doutor em Direito e considerado um dos maiores
juristas do país, também falou à Fórum sobre isso.
"Os
fatos de 7 de setembro marcam a largada. Uma sucessão de atos e atores. E tudo
encadeado, culminando no 8 de janeiro, não sem antes passar pelo plano de
assassinato. O ponto central da denúncia: em toda a peça, o valor da democracia
fica apontado como o bem jurídico atingido. Tecnicamente, quando se furta, o
bem jurídico é a propriedade. Na tentativa de golpe, o bem jurídico é a
democracia. E isso Gonet colocou sempre como ponto central. Importante nos atermos
ao conjunto de provas que os 'atores' produziram contra si. Até plano impresso
teve"
·
Quando
Bolsonaro será julgado pelo STF?
O STF pretende
concluir o julgamento de Jair Bolsonaro antes do ano de 2026 para
evitar influência no processo eleitoral. Parte do gabinete do ministro Alexandre de Moraes será dedicada
à análise da denúncia, e a Primeira Turma terá uma mudança de pauta
para priorizar o caso.
A instrução das
ações penais enfrenta prazos apertados. De acordo com quatro ministros, o ideal
seria que o julgamento do ex-presidente fosse realizado até o início do
segundo semestre de 2025, garantindo tempo hábil para análise de recursos até o
encerramento do ano.
Após o oferecimento
da denúncia, uma série de atos processuais, listados no Código de Processo
Penal (CPP), tem início. Primeiro, ocorre a análise para verificar se a peça
judicial atende aos requisitos legais. Em seguida, o acusado é citado para
apresentar sua defesa prévia.
Nessa fase, ele
pode alegar nulidades no processo, apresentar documentos ou provas relativas às
acusações e pedir a absolvição sumária. Trata-se de uma defesa mais técnica. A
partir disso, os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) vão decidir se aceitam ou não a denúncia.
Fazem parte desta
turma da Corte o relator, Alexandre de Moraes, que dá primeiro o voto pela
abertura ou não da ação penal, e os ministros Cristiano Zanin, Cármen
Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino. Caso aceitem a denúncia, Bolsonaro se
torna formalmente réu.
·
Os
pontos da denúncia
O Ministério
Público Federal (MPF) apresentou a denúncia formal contra Jair Bolsonaro e
diversos membros de seu governo, acusando-os de integrar uma organização
criminosa que tentou impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva após as
eleições de 2022. O documento, assinado por Paulo Gonet, foi encaminhado ao
STF e está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
>> Liderança
de uma organização criminosa
A acusação sustenta
que Bolsonaro, ao lado de seu vice na chapa de 2022, General Braga Netto,
coordenou e incentivou ações para impedir a transição de governo. A denúncia
descreve a organização como estruturada, hierarquizada e com divisão de tarefas
entre seus integrantes. Entre os envolvidos, figuram ministros, militares e
assessores diretos, todos supostamente alinhados ao projeto de manter Bolsonaro
no poder, independentemente do resultado eleitoral. Documentos apreendidos
indicam que reuniões foram realizadas para articular as estratégias do grupo.
>> Deslegitimação
das eleições
Desde 2021,
Bolsonaro teria promovido um discurso de desconfiança contra as urnas
eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), preparando terreno para
questionar os resultados do pleito de 2022. A estratégia incluía declarações
públicas, transmissões ao vivo e reuniões com autoridades nacionais e
internacionais para difundir suspeitas infundadas sobre a lisura do processo
eleitoral. Segundo a denúncia, esse discurso foi meticulosamente planejado como
parte da narrativa que sustentaria um golpe de Estado.
>> Uso da
estrutura do governo
O ex-presidente
teria utilizado órgãos do governo, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o
Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para dificultar a eleição do adversário
e criar instabilidade institucional. Durante o segundo turno das eleições, a
PRF realizou operações em regiões onde Lula obteve votação expressiva no
primeiro turno, dificultando o acesso dos eleitores às seções eleitorais. Além
disso, investigações apontam que Bolsonaro e seus aliados discutiram
estratégias para instrumentalizar as Forças Armadas e a Abin (Agência
Brasileira de Inteligência) em favor do plano golpista.
>> Tentativa
de golpe
A denúncia afirma
que Bolsonaro e seus aliados cogitaram medidas como decretar estado de sítio,
prender ministros do STF e do TSE e anular as eleições com base em pretextos
fraudulentos. A Polícia Federal identificou minutas de decretos que previam a
intervenção militar e a suspensão das instituições democráticas, além da
possível prisão de opositores políticos e membros do Judiciário. Documentos
apreendidos demonstram que reuniões ocorreram para discutir esses planos, com
participação de militares da ativa e da reserva.
>> Plano de
violência e intimidação
Um dos aspectos
mais graves da acusação menciona a existência de planos que incluíam a
possibilidade de assassinato de autoridades, como o ministro Alexandre de
Moraes e o próprio presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os
documentos apreendidos, há anotações que mencionam uma operação chamada
"Punhal Verde e Amarelo", que previa ataques a figuras-chave do
Judiciário e do Executivo. A denúncia descreve que Bolsonaro foi informado
sobre essas conspirações e não apenas consentiu, como também teria incentivado
a adesão de grupos extremistas.
>> Mobilização
militar e desobediência ao STF
A organização teria
tentado cooptar militares para aderirem a um golpe, pressionando o Alto Comando
do Exército e usando redes sociais para atacar generais que não apoiaram a
ruptura democrática. De acordo com as investigações, Bolsonaro e seus aliados
buscaram o apoio de oficiais de alta patente, enquanto figuras militares
alinhadas ao governo fomentavam um ambiente de desobediência dentro das Forças
Armadas. Apesar da resistência de parte do Alto Comando, setores das Forças
Especiais teriam se articulado para viabilizar a tentativa de golpe.
>> Conexão
com atos de 8 de janeiro
A denúncia aponta
que Bolsonaro e seus aliados incentivaram e facilitaram a mobilização de apoiadores,
que culminou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes. Mensagens
interceptadas revelam que membros da organização criminosa mantiveram contato
direto com os manifestantes acampados em frente a quartéis do Exército,
encorajando-os a pressionar os militares a agir. No dia 8 de janeiro, a
facilitação da ação violenta ocorreu com a conivência de setores da segurança
pública do Distrito Federal. Registros de mensagens revelam que os
organizadores esperavam um sinal verde de militares para agir de forma mais
incisiva.
>> Evidências
documentais
Foram encontrados
manuscritos, mensagens e arquivos digitais que detalham o plano para manter
Bolsonaro no poder, além de instruções para desacreditar as urnas e criar um
ambiente de instabilidade. Entre os documentos apreendidos, estão minutas de
decretos golpistas, registros de reuniões conspiratórias e anotações que
demonstram o planejamento meticuloso para invalidar a eleição de 2022. As
provas reunidas pela Polícia Federal e pelo MPF reforçam a tese de que os atos
criminosos não foram improvisados, mas sim resultado de uma conspiração de
longo prazo para minar a democracia brasileira.
¨ Álvaro Quintão: Sem Anistia - a justiça contra os
golpistas de 8 de janeiro
A denúncia
apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro e outros
33 envolvidos nos atos criminosos de 8 de janeiro de 2023 não é apenas uma peça
jurídica; é um marco histórico na defesa do Estado Democrático de Direito. O
Brasil está diante de uma encruzilhada: punir exemplarmente os responsáveis
pela tentativa de golpe ou correr o risco de abrir precedentes para novos
ataques às instituições republicanas. A denúncia da PGR é robusta, fundamentada
e atende a um princípio basilar da justiça: a impunidade não pode ser tolerada.
Os crimes imputados
a Bolsonaro e seus aliados são graves e estão bem tipificados na legislação
brasileira. A tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
(art. 359-L do Código Penal), o golpe de Estado (art. 359-M), a organização
criminosa (Lei 12.850/2013) e os danos ao patrimônio público são delitos que,
juntos, podem levar a penas severas. A tese de que os atos de 8 de janeiro
foram apenas uma manifestação descontrolada de cidadãos indignados cai por
terra diante das evidências colhidas pela Polícia Federal e pela própria PGR.
A narrativa
golpista começou muito antes da invasão ao Congresso Nacional, ao STF e ao
Palácio do Planalto. Bolsonaro e seu círculo próximo passaram anos minando a
confiança no processo eleitoral, difundindo teorias conspiratórias sobre
fraudes inexistentes e incentivando a insubordinação de setores militares e
civis. A trama que culminou na depredação das sedes dos Três Poderes não foi um
evento isolado, mas o desfecho planejado de uma campanha orquestrada para subverter
a democracia.
Em qualquer
democracia séria, ataques diretos às instituições são tratados com o devido
rigor. O Brasil não pode ser exceção. Se os responsáveis por 8 de janeiro não
forem devidamente responsabilizados, o recado que se passa é de permissividade
com futuras tentativas autoritárias. Não se trata de vingança política, mas da
aplicação do direito na sua essência: quem atenta contra o Estado Democrático
de Direito deve ser punido, independentemente de sua posição social ou de seu
passado político.
É preciso lembrar
que as penas previstas nos artigos violados não são meramente simbólicas.
Crimes contra a democracia são tratados com seriedade justamente porque sua
impunidade gera instabilidade política e incentiva aventureiros autoritários a
testarem os limites do Estado de Direito. A tentativa de golpe falhou, mas isso
não significa que foi inofensiva. A omissão do poder público em punir os
responsáveis apenas incentivaria a repetição desses atos no futuro.
As eleições livres
e periódicas são a base de qualquer democracia, mas não bastam por si só. Para
que um país seja verdadeiramente democrático, é necessário que suas
instituições sejam respeitadas e que a lei seja aplicada de maneira equânime. A
impunidade de Bolsonaro e de seus cúmplices significaria relativizar o próprio
conceito de Estado Democrático de Direito, transmitindo a mensagem de que a
violência política pode ser usada como instrumento legítimo de contestação ao
resultado eleitoral.
O Judiciário tem,
portanto, um papel fundamental a desempenhar neste momento. O Supremo Tribunal
Federal e os tribunais responsáveis pela análise do caso precisam agir com
celeridade e firmeza, garantindo que os denunciados respondam por seus atos. A
demora em julgar os responsáveis pode ser interpretada como leniência, o que só
alimentaria o discurso daqueles que, mesmo derrotados, continuam a questionar a
legitimidade das instituições.
Este é um momento
de definição para o Brasil. Se a tentativa de golpe não for exemplarmente
punida, outras virão. O caminho para evitar retrocessos autoritários passa
necessariamente pela responsabilização penal dos envolvidos. A democracia
brasileira mostrou sua resiliência ao resistir ao assalto de 8 de janeiro, mas
essa resistência precisa ser consolidada com a aplicação da lei. Não basta
vencer os golpistas no campo político; é essencial derrotá-los no campo
jurídico, assegurando que a democracia nunca mais seja colocada em xeque por
aqueles que desprezam suas regras.
A história julgará
o que for decidido agora. E que seja um julgamento justo, severo e à altura do
que a Constituição exige.
Fonte: Fórum
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