Orlando Calheiros: Golpe de 1964 foi precedido por
tentativa frustrada. Estamos diante de uma nova ‘omissão estratégica’?
Enfim a Procuradoria-Geral da República ofereceu
denúncia contra Bolsonaro e seus 33 aliados. Para os que acompanhavam o
caso de perto, não há grandes novidades: o texto não traz elementos realmente
novos, mas expõe minúcias e detalhes que dão ainda mais robustez ao que já era
evidente: Bolsonaro. Bolsonaro não apenas tentou ou articulou — ele executou um golpe.
A denúncia do PGR é cristalina quanto a isso.
Os mais conservadores afirmam que tudo não passou de
uma “tentativa” pelo simples fato do golpe não ter perdurado, não ter alcançado
a consistência necessária para se sustentar em público e, de fato, impedir a
posse do presidente Lula. Para tanto, precisariam de mais aliados, aliados
maiores, tanto dentro quanto fora do país. Especialmente fora!
E digo isso mirando no exemplo de 1964. O golpe não
emergiu de forma espontânea naquele famigerado primeiro de abril, muito pelo
contrário. O golpe militar foi gestado ainda durante o governo Getúlio Vargas e
foi por – pelo menos – duas vezes adiado até o fatídico ano de 64, até o
momento em que estava robusto o suficiente para ver a luz do dia.
Inclusive, nesse ínterim, entre a gestação e o
nascimento, tivemos um episódio muito importante e pouco comentado nos dias de
hoje, a chamada Revolta de Aragarças, uma tentativa de golpe militar contra o
governo de Juscelino Kubitschek ainda em 1959.
Na ocasião, um grupo de militares autointitulado
Comando Revolucionário, insatisfeito com os rumos da política, sequestrou cinco
aviões repletos de armamentos e explosivos e sitiou o aeroporto de Aragarças,
na divisa entre Goiás e Mato Grosso. Apesar de modesta, a cidade tinha um papel
crucial na logística aérea da época. O plano dos revoltosos incluía bombardear
o palácio do Catete e assassinato do então presidente Juscelino Kubitschek.
A revolta fracassou, ao menos aparentemente. Boa parte
da classe política e setores influentes da sociedade civil rechaçaram
publicamente a tentativa de golpe, dando ao governo de JK amplo apoio para
organizar uma contraofensiva armada digna de cinema, com direito a utilização
de tropas de elite que saltaram de paraquedas sobre a cidade de Aragarças para
sabotar os aviões dos rebeldes.
Acuados, os amotinados terminaram fugindo para países
vizinhos e terminariam anistiados em 1960, retornando para o país já no governo
de Jânio Quadros.
Fim da história? Não. Muito pelo contrário, é aqui,
justamente, que ela se torna importante para o presente.
É consenso entre os historiadores que, a despeito da
ampla rejeição da classe política e da sociedade brasileira, o fator realmente
decisivo para o fracasso da Revolta de Aragarças foi, justamente, a falta de
apoio entre os próprios militares.
Melhor dizendo – e esse é o detalhe que faz toda a
diferença –, falta de um apoio público da caserna. Pois também é consenso de
que havia uma sinfonia golpista entre militares da época, especialmente os do
alto escalão. Pelo menos desde Vargas se organizavam e articulavam para um
golpe de estado: estavam apenas em busca ou a espera do momento que
consideravam mais adequado.
Os amotinados de Aragarças, impacientes, buscavam
justamente antecipar esse momento, organizando um movimento que, imaginaram,
daria origem a uma reação em cadeia, inspirando e contagiando praças e
obrigando os oficiais a saírem de sua inércia.
O que só aconteceria, sabemos, anos depois. Em
1964.
A não adesão das Forças Armadas à Revolta de Aragarças
não foi uma questão de ideologia, foi uma omissão estratégica. Tanto que alguns
dos principais personagens do motim também estariam envolvidos na construção e
na condução da Ditadura Militar. Entre eles, João Paulo Moreira Burnier, na
época um tenente-coronel da Aeronáutica – acusado, entre outras coisas, de
estar envolvido no desaparecimento do estudante Stuart Angel –, e ninguém menos
do que o general do Exército Humberto Castelo Branco, o mesmo que viria assumir
a presidência da república em 1964.
O que mudou entre 1959 e 1964? Nas Forças Armadas pouca
coisa. No contexto geral, o ideário golpista passou a contar com o amplo apoio
de setores da sociedade civil e dos Estados Unidos. E isso, sabemos,
especialmente para aquele cenário, não é um detalhe trivial.
Mas voltamos para o presente, para a denúncia oferecida
pela PGR.
Chama atenção para a maneira como o documento, apesar
de denunciar militares de alta patente pela conspiração, preserva a caserna,
especialmente os generais que, mesmo sabendo do planejamento ativo de um golpe
de estado, pouco ou nada fizeram para efetivamente impedi-lo.
Supostamente, apenas afirmaram que não compactuariam
com o movimento. A mesma caserna que se recusou a investigar e efetivamente
punir militares suspeitos de participar da insurgência golpista do Oito de
Janeiro.
Um dos casos mais notórios é o do ex-comandante Militar
do Planalto, Gustavo Henrique Dutra de Menezes, que teria impedido a Polícia
Militar de desmobilizar acampamentos de golpistas na véspera do ataque
terrorista. De forma sintomática, o ministro da Defesa, José Múcio,
imediatamente deu declarações que circunscreviam a participação da caserna na
trama totalitária à uma espécie de “banda pobre” do oficialato.
Perceba, não que eu esteja dizendo que ver generais
denunciados por tramarem um golpe de estado seja algo trivial, mas não te
parece pouco, muito pouco, diante do que vimos nos últimos anos?
Você realmente acredita que uma eventual punição dos
supostos líderes do movimento golpista será capaz de modificar a própria
estrutura das Forças Armadas brasileiras que, tem anos, vem desafiando e até
ameaçando publicamente a combalida democracia brasileira? Lembram do que
ocorreu às vésperas do julgamento de Lula pelo STF, da mensagem explícita do
general Villas Boas? Essa não é uma história que começa e termina no governo
Bolsonaro.
E por isso mesmo, não te parece perigoso que isso seja
tratado dessa forma? Especialmente no cenário mundial atual, onde Donald Trump
é novamente o presidente dos Estados Unidos, um sujeito que tranquilamente
reconheceria o governo golpista de Jair Bolsonaro. Será que não foi justamente
isso que faltou para a alta cúpula militar para aderir ao movimento encabeçado
pelo ex-presidente, a falta de um apoio internacional? Será que não estamos
diante de uma nova “omissão estratégica” da cúpula militar, como ocorreu em
1959?
Nesse sentido, é importante lembrar que o próprio
ex-vice-presidente, o general Hamilton Mourão, escreveu em seu perfil no
Twitter, ainda em 2022, durante o auge da conspiração, que os golpistas
defendiam um golpe que colocaria o Brasil em uma “situação difícil perante a
comunidade internacional”.
·
Será
que o mesmo aconteceria agora?
Mais uma vez, não que eu ache que a denúncia e eventual
prisão dos supostos líderes da conspiração não seja importante, apenas me
pergunto se isso será o suficiente para impedir uma nova trama golpista.
¨
Bolsonaro quer
transformar denúncia em arma para eleições 2026, o que ameaça chances de
Tarcísio
Denunciado, Jair
Bolsonaro pretende utilizar os processos como arma política para se
fortalecer politicamente em 2026. Caso se mantenha na disputa até esgotar todos
os recursos judiciais, Bolsonaro corre o risco de minar a principal carta da
direita para o substituir nas eleições presidenciais: Tarcísio de Freitas.
Segundo aliados do
ex-mandatário, em informações divulgadas pela colunista Andreia Sadi, da
GloboNews, Bolsonaro hoje quer manter o plano de se manter como candidato
presidencial, mesmo inelegível, até passar por todos os recursos da Justiça.
Mas o calendário
eleitoral exige que governadores que querem se candidatar devem deixar o cargo
até abril do ano. Neste caso, o atual governador de São Paulo precisaria
abandonar a cadeira antes de abril de 2026.
Naquele mês, Jair
Bolsonaro ainda poderia estar com recursos na Justiça para impedir a sua
inelegibilidade. Tarcísio, por sua vez, é o candidato mais promissor da
direita, segundo as últimas pesquisas eleitorais.
<><> O
que dizem as pesquisas
Levantamentos deste
mês mostram que o presidente Lula encurtou as distâncias de Tarcísio de Freitas
(Republicanos) na corrida eleitoral de 2026, sendo ele o adversário de Lula com
hoje as melhores chances da oposição na disputa.
Na semana passada,
a Atlas Intel divulgou que Tarcísio somava 26,2% das intenções de voto para a
Presidência em 2026, enquanto Lula tinha 41,1%. Os números chamam a atenção
porque não somente a distância reduziu, em comparação aos levantamentos
anteriores, como também outros nomes de força do bolsonarismo ficaram para
trás.
Naquele
levantamento, Ronaldo Caiado, governador de Goiás pelo União, somou menos de
6%; o cantor sertanejo Gusttavo Lima pouco atrás, com 5,6%, a hoje ministra de
Lula, mas figura moderada, Simone Tebet teve 4,1%, o ex-juiz da Lava Jato
Sergio Moro recebeu 3,3%, e o influencer e ex-candidato à Prefeitura de São
Paulo, Pablo Marçal ficou com 2,4%.
No início do mês, o
levantamento da Quaest já mostrava riscos para Lula. O presidente estava na
liderança, com 30% das intenções de voto, e o governador de São Paulo,
Tarcísio, recebia 13%, seguido do cantor sertanejo Gusttavo Lima, com 12%, e
Pablo Marçal, com 11%.
Em segundo turno, a
Quaest registrou que Lula venceria por 43% contra 34% de Tarcísio, uma
diferença de somente 9 pontos, enquanto que o mesmo levantamento em dezembro
dava uma diferença de 26 pontos para o atual presidente.
Já a última
pesquisa, da Atlas Intel há 10 dias, mostrava que o presidente Lula empatava
tecnicamente com Tarcísio de Freitas no segundo turno: 44,7% para o governador
contra 45,7% para Lula.
Com a possibilidade
de Jair Bolsonaro de usar os processos como mote para fortalecer sua imagem e
da oposição nas próximas eleições, esta hoje principal carta da oposição para
enfrentar Lula em 2026 será ameaçada.
Fonte: The
Intercept/Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário