segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Países do Sul Global resistem à impunidade de Israel por seus crimes de guerra

epresentantes de nove países do Sul Global se reuniram em Haia em 31 de janeiro para lançar uma coalizão que aplicará pressão coletiva sobre Israel por suas graves violações do direito internacional.

Os membros fundadores do Grupo de Haia incluem os governos de Belize, Bolívia, Colômbia, Cuba, Honduras, Malásia, Namíbia, Senegal e África do Sul. Sua iniciativa visa estabelecer uma plataforma comum para impor “medidas legais e diplomáticas coordenadas”, incluindo sanções, em retaliação à invasão de Gaza que durou quinze meses pelo Estado israelense, sua ocupação da Cisjordânia durante décadas e suas ações contrárias à criação de um Estado palestino.

“Este é um grupo de ação coletiva. Ação coletiva em nível nacional, ação coletiva em nível internacional e ação coletiva em nível multilateral”, disse Varsha Gandikota-Nellutla da Progressive International, que ajudou a organizar a coalizão, no evento de lançamento em 31 de janeiro. “O Grupo de Haia visa construir um baluarte para defender o direito internacional.”

O grupo espera que outros países possam estar dispostos a se juntar à iniciativa deles, que busca defender e agir à partir de decisões contra Israel e suas autoridades políticas pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) e pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sediados em Haia. Eles esperam fazer incursões entre a vasta maioria das nações do Sul Global que votaram a favor das resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas condenando a ocupação de terras palestinas na Cisjordânia por Israel e sua última incursão em Gaza. Figuras de partidos de esquerda na Europa, como o France Insoumise, o Sinn Féin da Irlanda e o Partido dos Trabalhadores da Bélgica, também compareceram ao lançamento.

Duas semanas após o cessar-fogo de 19 de janeiro na Faixa de Gaza, o objetivo imediato do Grupo de Haia é manter as recentes ordens judiciais internacionais contra o Estado israelense, na medida em que as potências ocidentais minam essa arquitetura legal na esperança de retornar ao status quo pré-guerra entre Israel-Palestina. Sua declaração comum também pede a aplicação de sanções econômicas contra Israel, primeiro por meio de um embargo às exportações militares e a recusa em seus portos de navios que transportam equipamentos militares para Israel. Isso poderia fornecer a base para outras formas de coerção econômica, disseram figuras familiarizadas com a iniciativa, embora um objetivo inicial seja a criação de uma estrutura de grande porte.

Os países fundadores do Grupo de Haia já estão entre os principais atores no cenário internacional que tomam medidas diretas contra Israel. Em junho passado, a Colômbia ordenou um embargo a todas as exportações de carvão para Israel — um negócio avaliado em mais de US$ 300 milhões em 2023. A África do Sul também foi a principal autora no processo de dezembro de 2023 registrado no CIJ sobre a conduta militar israelense na guerra que durava então dois meses. Muitos dos membros do Grupo de Haia, como Belize, Colômbia, Honduras e Bolívia, suspenderam relações diplomáticas com a liderança israelense devido à última invasão de Gaza.

·        “Credibilidade global”

Israel enfrenta uma crescente pauta de ordens críticas e indiciamentos de tribunais internacionais. Em um parecer preliminar de janeiro de 2024 sobre o processo movido pela África do Sul, o CIJ, um órgão das Nações Unidas encarregado de resolver conflitos entre Estados e emitir pareceres consultivos sobre violações do direito internacional, alertou sobre o risco “plausível” de genocídio em Gaza, ordenando em maio de 2024 que Israel cancelasse sua ofensiva contra a cidade de Rafah. O parecer de janeiro de 2024 foi emitido em um momento em que se estimava que a invasão de Israel havia matado vinte e seis mil habitantes de Gaza; no final de janeiro de 2025, sabe-se que mais de quarenta e sete mil pessoas foram mortas como resultado da invasão e do bloqueio, de acordo com autoridades de saúde no enclave costeiro. Esse número está aumentando rapidamente à medida que os palestinos deslocados retornam às suas casas e comunidades pré-guerra.

Em uma opinião consultiva de julho de 2024, o CIJ também relembrou a ilegalidade da ocupação israelense da Cisjordânia. O tribunal também considerou que Estados terceiros tinham a obrigação legal de não “prestar ajuda e assistência para manter a situação” na Cisjordânia ocupada.

Em novembro passado, o TPI — a jurisdição estabelecida no final dos anos 1990 para julgar indivíduos acusados ​​de genocídio e crimes de guerra — autorizou mandados de prisão para o premiê israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da defesa Yoav Gallant. O TPI também emitiu um mandado de prisão para Mohammad Deif, o comandante militar do Hamas que planejou o ataque de 7 de outubro de 2023 ao sul de Israel que deu início à última guerra. Na semana passada, o Hamas confirmou a morte de Deif em um ataque aéreo israelense em julho de 2024.

As potências ocidentais na Europa e na América do Norte se recusaram amplamente a respeitar as decisões dos tribunais de Haia e, em alguns casos, estão agindo para miná-las diretamente.

“O que é crítico aqui é que países do Sul Global estão se reapropriando de instrumentos internacionais que foram originalmente concebidos pelo Ocidente”, disse Rima Hassan, jurista franco-palestina e membra do Parlamento Europeu, à Jacobin. “Ninguém deve estar acima da lei. Essa condição deve se estender até mesmo para o aliado e protegido do Ocidente, Israel.”

Entre as principais potências da União Europeia, Alemanha, França e Itália anunciaram que não aplicariam os mandados de prisão do TPI contra Netanyahu e Gallant. Paris declarou que o status de Israel como não signatário do Estatuto de Roma fundador do TPI significava que seus líderes mereciam imunidade. A relatora especial da ONU para a Palestina, Francesca Albanese, rejeitou enfaticamente essa evasão, dizendo que ela não tem validade legal e lembrando que impedir a aplicação de um mandado emitido pelo tribunal violava o Artigo 70 do tratado fundador da entidade e poderia equivaler a “um crime em si”.

O TPI reivindicou jurisdição precisamente porque os crimes que Netanyahu e Gallant são acusados ​​de cometer foram realizados em território reconhecido internacionalmente como palestino. A Palestina aderiu ao Estatuto de Roma em 2015. A posição de Israel no tribunal, portanto, não tem influência na validade do caso. Além disso, o governo francês não aplicou a mesma lógica quando se tratou de seu apoio vocal aos mandados do TPI contra Vladimir Putin sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.

No ano passado, a Polônia inicialmente expressou sua disposição de executar os mandados do TPI contra Netanyahu. Em janeiro, no entanto, o governo polonês recuou, prometendo proteção ao premiê israelense caso ele decidisse comparecer ao evento memorial da última segunda-feira, comemorando o octogésimo aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz. Netanyahu finalmente optou por não comparecer.

Todos os vinte e sete Estados-membros da UE são signatários do Estatuto de Roma, que os obriga a executar mandados de prisão ordenados pelo tribunal. Mas apenas um punhado de países, como Espanha, Irlanda, Bélgica e Noruega — um não-membro da UE — declararam que executariam os mandados do TPI. Madri, Oslo e Dublin também estavam entre as capitais europeias que reconheceram a condição do Estado palestino em meados do ano passado.

Como as principais potências da Europa se recusam a defender o sistema de direito internacional que trabalharam para estabelecer, os Estados Unidos — que não são signatários do TPI — buscam ativamente minar e contra-atacar quaisquer persecuções criminais que tenham como alvo autoridades do Estado israelense. “O TPI causou um dano tremendo à sua credibilidade global”, disse o secretário de Estado de Donald Trump, Marco Rubio, durante suas audiências de admissão no mês passado. “Este é um teste para ver se podemos ir atrás de um chefe de Estado de uma nação que não é membro. Se conseguirmos Israel, eles aplicarão isso aos Estados Unidos em algum momento.”

O poder estadunidense pode em breve ser pressionado a sufocar diretamente o tribunal de Haia e os atores que aplicam suas ordens. Embora os democratas do Senado tenham obstruído o recente Illegitimate Court Counteraction Act, o projeto de lei para impor sanções contra o TPI foi aprovado pela Câmara com maioria republicana em 9 de janeiro com o apoio de quarenta e cinco representantes democratas. A Casa Branca de Trump também pode em breve considerar uma ação executiva visando o TPI, tendo restabelecido uma política de 2020 que autoriza medidas punitivas contra o tribunal.

Não há nada de novo no apoio implacável dos EUA à impunidade israelense. A incapacidade da Europa de romper com Washington sobre a questão é mais um lembrete de sua falta de liderança internacional. Diante de poderes desonestos, o Grupo de Haia está pelo menos defendendo a ideia de responsabilizar os Estados por suas ações.

 

Fonte: Por Harrison Stetler – Tradução de Pedro Silva, para Jacobin Brasil

 

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