Países do Sul Global resistem à
impunidade de Israel por seus crimes de guerra
epresentantes de nove países do Sul Global
se reuniram em Haia em 31 de janeiro para lançar uma coalizão que aplicará
pressão coletiva sobre Israel por suas graves violações do direito internacional.
Os membros fundadores do Grupo de Haia incluem os
governos de Belize, Bolívia, Colômbia, Cuba, Honduras, Malásia, Namíbia,
Senegal e África do Sul. Sua iniciativa visa estabelecer uma plataforma comum
para impor “medidas legais e diplomáticas coordenadas”, incluindo sanções, em
retaliação à invasão de Gaza que durou quinze meses pelo Estado israelense, sua
ocupação da Cisjordânia durante décadas e suas ações contrárias à criação de um
Estado palestino.
“Este é um grupo de ação coletiva. Ação coletiva em
nível nacional, ação coletiva em nível internacional e ação coletiva em nível
multilateral”, disse Varsha Gandikota-Nellutla da Progressive International, que ajudou a
organizar a coalizão, no evento de lançamento em 31 de janeiro. “O Grupo de
Haia visa construir um baluarte para defender o direito internacional.”
O grupo espera que outros países possam estar dispostos
a se juntar à iniciativa deles, que busca defender e agir à partir de decisões
contra Israel e suas autoridades políticas pelo Tribunal Penal Internacional
(TPI) e pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sediados em Haia. Eles
esperam fazer incursões entre a vasta maioria das nações do Sul Global que
votaram a favor das resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas condenando
a ocupação de terras palestinas na Cisjordânia por Israel e sua última incursão
em Gaza. Figuras de partidos de esquerda na Europa, como o France Insoumise, o Sinn Féin da Irlanda e o Partido dos
Trabalhadores da Bélgica, também compareceram ao lançamento.
Duas semanas após o cessar-fogo de 19 de janeiro na
Faixa de Gaza, o objetivo imediato do Grupo de Haia é manter as recentes ordens
judiciais internacionais contra o Estado israelense, na medida em que as potências
ocidentais minam essa arquitetura legal na esperança de retornar ao status quo pré-guerra entre
Israel-Palestina. Sua declaração comum também pede a
aplicação de sanções econômicas contra Israel, primeiro por meio de um embargo
às exportações militares e a recusa em seus portos de navios que transportam
equipamentos militares para Israel. Isso poderia fornecer a base para outras
formas de coerção econômica, disseram figuras familiarizadas com a iniciativa,
embora um objetivo inicial seja a criação de uma estrutura de grande porte.
Os países fundadores do Grupo de Haia já estão entre os
principais atores no cenário internacional que tomam medidas diretas contra
Israel. Em junho passado, a Colômbia ordenou um embargo a todas as exportações
de carvão para Israel — um negócio avaliado em mais de US$ 300 milhões em 2023.
A África do Sul também foi a principal autora no processo de dezembro de 2023
registrado no CIJ sobre a conduta militar israelense na guerra que durava então
dois meses. Muitos dos membros do Grupo de Haia, como Belize, Colômbia,
Honduras e Bolívia, suspenderam relações diplomáticas com a liderança
israelense devido à última invasão de Gaza.
·
“Credibilidade global”
Israel enfrenta uma crescente pauta de ordens
críticas e indiciamentos de tribunais internacionais. Em um parecer preliminar
de janeiro de 2024 sobre o processo movido pela África do Sul, o CIJ, um órgão
das Nações Unidas encarregado de resolver conflitos entre Estados e emitir
pareceres consultivos sobre violações do direito internacional, alertou sobre o
risco “plausível” de genocídio em Gaza, ordenando em maio de 2024 que
Israel cancelasse sua ofensiva
contra a cidade de Rafah. O parecer de janeiro de 2024 foi emitido em um
momento em que se estimava que a invasão de Israel havia matado vinte e seis
mil habitantes de Gaza; no final de janeiro de 2025, sabe-se que mais de quarenta
e sete mil pessoas foram mortas como resultado da invasão e do bloqueio, de
acordo com autoridades de saúde no enclave costeiro. Esse número está
aumentando rapidamente à medida que os palestinos deslocados retornam às suas
casas e comunidades pré-guerra.
Em uma opinião consultiva de julho de
2024, o CIJ também relembrou a ilegalidade da ocupação israelense da
Cisjordânia. O tribunal também considerou que Estados terceiros tinham a
obrigação legal de não “prestar ajuda e assistência para manter a situação” na
Cisjordânia ocupada.
Em novembro passado, o TPI — a jurisdição estabelecida
no final dos anos 1990 para julgar indivíduos acusados de genocídio e crimes de guerra — autorizou mandados de
prisão para o premiê israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da defesa
Yoav Gallant. O TPI também emitiu um mandado de prisão para Mohammad Deif, o
comandante militar do Hamas que planejou o ataque de 7 de outubro de 2023 ao
sul de Israel que deu início à última guerra. Na semana passada, o Hamas confirmou a morte de Deif em um ataque aéreo
israelense em julho de 2024.
As potências ocidentais na Europa e na América do Norte
se recusaram amplamente a respeitar as decisões dos tribunais de Haia e, em
alguns casos, estão agindo para miná-las diretamente.
“O que é crítico aqui é que países do Sul Global estão
se reapropriando de instrumentos internacionais que foram originalmente
concebidos pelo Ocidente”, disse Rima Hassan, jurista franco-palestina e membra
do Parlamento Europeu, à Jacobin.
“Ninguém deve estar acima da lei. Essa condição deve se estender até mesmo para
o aliado e protegido do Ocidente, Israel.”
Entre as principais potências da União Europeia,
Alemanha, França e Itália anunciaram que não aplicariam os mandados de prisão
do TPI contra Netanyahu e Gallant. Paris declarou que o status de Israel como
não signatário do Estatuto de Roma fundador do TPI significava que seus líderes
mereciam imunidade. A relatora especial da ONU para a Palestina, Francesca
Albanese, rejeitou enfaticamente essa evasão, dizendo que ela não tem validade legal e lembrando
que impedir a aplicação de um mandado emitido pelo tribunal violava o Artigo 70
do tratado fundador da entidade e poderia equivaler a “um crime em si”.
O TPI reivindicou jurisdição precisamente porque os
crimes que Netanyahu e Gallant são acusados de cometer foram
realizados em território reconhecido internacionalmente como palestino. A Palestina
aderiu ao Estatuto de Roma em 2015. A posição de Israel no tribunal, portanto,
não tem influência na validade do caso. Além disso, o governo francês não
aplicou a mesma lógica quando se tratou de seu apoio vocal aos mandados do TPI
contra Vladimir Putin sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.
No ano passado, a Polônia inicialmente expressou sua
disposição de executar os mandados do TPI contra Netanyahu. Em janeiro, no entanto, o governo polonês recuou,
prometendo proteção ao premiê israelense caso ele decidisse comparecer ao
evento memorial da última segunda-feira, comemorando o octogésimo aniversário
da libertação do campo de concentração de Auschwitz. Netanyahu finalmente optou
por não comparecer.
Todos os vinte e sete Estados-membros da UE são
signatários do Estatuto de Roma, que os obriga a executar mandados de prisão
ordenados pelo tribunal. Mas apenas um punhado de países, como Espanha,
Irlanda, Bélgica e Noruega — um não-membro da UE — declararam que executariam
os mandados do TPI. Madri, Oslo e Dublin também estavam entre as capitais
europeias que reconheceram a condição do
Estado palestino em meados do ano passado.
Como as principais potências da Europa se recusam a
defender o sistema de direito internacional que trabalharam para estabelecer,
os Estados Unidos — que não são signatários do TPI — buscam ativamente
minar e contra-atacar quaisquer persecuções criminais que tenham como alvo
autoridades do Estado israelense. “O TPI causou um dano tremendo à sua
credibilidade global”, disse o secretário de Estado de Donald Trump, Marco Rubio, durante suas
audiências de admissão no mês passado. “Este é um teste para ver se podemos ir
atrás de um chefe de Estado de uma nação que não é membro. Se conseguirmos
Israel, eles aplicarão isso aos Estados Unidos em algum momento.”
O poder estadunidense pode em breve ser pressionado a
sufocar diretamente o tribunal de Haia e os atores que aplicam suas ordens.
Embora os democratas do Senado tenham obstruído o recente Illegitimate Court Counteraction Act, o
projeto de lei para impor sanções contra o TPI foi aprovado pela Câmara
com maioria republicana em 9 de janeiro com o apoio de quarenta e cinco
representantes democratas. A Casa Branca de Trump também pode em breve
considerar uma ação executiva visando o TPI, tendo restabelecido uma política
de 2020 que autoriza medidas punitivas contra o tribunal.
Não há nada de novo no apoio implacável dos EUA à
impunidade israelense. A incapacidade da Europa de romper com Washington sobre
a questão é mais um lembrete de sua falta de liderança internacional. Diante de
poderes desonestos, o Grupo de Haia está pelo menos defendendo a ideia de
responsabilizar os Estados por suas ações.
Fonte:
Por Harrison Stetler – Tradução de Pedro Silva, para Jacobin Brasil
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