O que mudou na Ucrânia após três anos
de guerra
O presidente dos EUA, Donald Trump, faz pressão por um
fim rápido para a guerra na Ucrânia e, no início desta semana, as principais
autoridades americanas e russas se encontraram para negociações de paz na
Arábia Saudita — sem nenhum representante ucraniano presente.
A Ucrânia e seus aliados europeus estão preocupados e
lutando para se adaptar à nova abordagem dos Estados Unidos.
Nos três anos desde que a Rússia lançou sua invasão em
larga escala, a Ucrânia perdeu faixas de terra, conseguindo recuperar algumas
graças à ajuda militar de seus aliados ocidentais. Milhões de ucranianos foram
deslocados, com milhares mortos ou feridos.
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Entenda o que mudou nos últimos três anos de guerra:
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Ucrânia perdeu 11% de suas terras desde 2022
No início da guerra, a Ucrânia reteve tropas de sua
capital, Kiev, e mais tarde garantiu vitórias em partes do nordeste de Kharkiv
e regiões do sul de Kherson. Mas também sofreu grandes perdas em áreas orientais ao
redor de Donetsk e
Bakhmut.
Desde a invasão de 2022, a Ucrânia perdeu o controle de
cerca de 11% de suas terras, conforme análise da CNN de
dados do Institute for the Study of War, um monitor de conflitos sediado nos
EUA.
Ao levar em conta as terras já perdidas para a Rússia e
os separatistas apoiados pelos russos desde o início do conflito em 2014, o
total de terras que a Ucrânia perdeu para Moscou desde então é de cerca de 18%,
segundo cálculos da CNN.
Em 2014, as forças russas anexaram ilegalmente a
Crimeia da Ucrânia,
logo após os eventos da Revolução Maidan terem desencadeado turbulência
política em Kiev.
Mais tarde naquele ano, separatistas patrocinados pela
Rússia assumiram o controle de partes da região de Donbas, ganhos que
permaneceram nas mãos dos russos até os dias atuais.
Quando a Rússia lançou sua invasão em grande escala em
24 de fevereiro de 2022, o presidente russo Vladimir Putin esperava tomar toda
a Ucrânia em questão de dias, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra.
O que aconteceu em vez disso foram três anos de
intensos combates, graças às contraofensivas da Ucrânia armadas por parcelas
de ajuda vindas de seus
aliados ocidentais.
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Maior fonte de ajuda ameaçada
Os Estados Unidos têm sido o maior contribuinte
individual de financiamento para a Ucrânia desde o início da guerra em 2022,
dando cerca de US$ 95 bilhões em ajuda militar, humanitária e financeira —
aporte que pode estar em perigo sob a administração Trump.
Trump, que prometeu acabar com a guerra na Ucrânia
rapidamente, criticou os fundos dos EUA enviados à Ucrânia durante sua campanha
de 2024.
Recentemente, ele sugeriu adotar uma abordagem
transacional para ajudar, afirmando que o governo americano deveria
receber acesso a minerais de
terras raras em troca,
o que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky rejeitou.
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Milhões de ucranianos deslocados
Milhões de ucranianos fugiram de suas casas, seja para
outras partes da Ucrânia ou outros países, desde que a Rússia começou a tomar
terras e após a invasão.
Pouco mais de 6,8 milhões de
refugiados ucranianos estão
vivendo na Europa, incluindo cerca de 1,2 milhão na Alemanha, quase 1 milhão na
Polônia e 390 mil na República Tcheca, conforme dados até o final de 2024 da
agência de refugiados da ONU.
Havia 1,2 milhão de refugiados ucranianos vivendo na
Federação Russa, segundo última estimativa da ONU em junho de 2024.
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Milhares de civis morreram
Mais de 40 mil civis foram mortos ou feridos na Ucrânia
durante o conflito, com muitas das mortes causadas por armas explosivas,
conforme o Escritório de Direitos Humanos da ONU.
Pelo menos metade dos mortos (6.203) eram homens
adultos e 669 eram crianças.
¨ Três anos de guerra na Ucrânia mudaram
garantias da Europa
Em uma guerra dominada pelo inesperado, poucos
imaginaram que o quarto ano de guerra da Ucrânia questionaria tão firmemente a
segurança de toda a Europa.
Os princípios mais básicos ruíram na guerra.
O status de superpotência militar da Rússia enfraqueceu,
e o círculo interno do Kremlin superou uma revolta. Os drones alteraram a
guerra permanentemente e tornaram os depósitos de tanques quase inúteis.
Os Estados Unidos passaram de financiadores a
cobradores dos recursos de Kiev. O presidente da
Ucrânia sobreviveu fisicamente, mas agora deve lidar com uma versão
revisionista do aporte fornecido por uma Casa Branca que há pouco mais de um
mês era sua firme apoiadora.
Por mais irreverente ou espontâneo que tenha sido, a
observação do Secretário de Defesa dos EUA, Peter Hegseth, em Bruxelas, de que
os EUA não eram mais o
garantidor da segurança europeia, anulando oitenta anos de normas no
continente.
Talvez tenha sido um blefe para aumentar os gastos
europeus com segurança, mas não se pode blefar em segurança nuclear.
O Kremlin deve ter ouvido falar sobre a fraqueza na
aliança transatlântica e estará conspirando de acordo.
A Europa tomou as garantias de segurança americanas
como certas por décadas e agora está se esforçando para imaginar um mundo sem
elas, enquanto parece firmemente atrás da Ucrânia e insiste que qualquer paz
seja justa.
A chefe de política externa da União Europeia, Kaja
Kallas,
disse à CNN no domingo (23) que correr para um acordo ruim “só serviria para
encorajar tiranos em todo o mundo”.
Ela afirmou que a filiação à OTAN era “a
garantia de segurança mais forte e mais barata” e que “a
ajuda à Ucrânia não é caridade, é um investimento em nossa segurança”.
Com a Rússia presa na Ucrânia, a segurança da Europa em
geral é, por enquanto, um debate político etéreo – uma distração indesejada
quando contrastada com a luta real.
<><> Campo de batalha
Um comandante de companhia ucraniano servindo na região de
Kursk, na Rússia,
apontou que seus homens tinham que cavar regularmente novas posições no solo
congelado, pois eram alvos muito precisos de ondas de drones russos.
“Eu realmente não acredito em um fim rápido para a
guerra ou na paz em geral”, expressou ele após três anos de luta. “Estou muito
exausto, assim como todos aqui. Declarações políticas não mudam nada para nós.”
A narrativa paralela da Rússia — de que foi forçada a
agir para impedir a expansão da OTAN e que a Ucrânia deve ser desnazificada —
foi esmagada pelo peso absoluto de sua fragilidade nas linhas de frente e
isolamento.
No entanto, de repente ganhou um novo sopro de
vida, repetido em parte pelo
homem mais poderoso do mundo e seu círculo íntimo.
É um sinal potente de como a guerra continua a virar
normas básicas de cabeça para baixo, que uma questão urgente em seu terceiro
aniversário seja: “Quem está alimentando Trump com esses pontos de discussão do
Kremlin?”
<><> Ocidente, Rússia e EUA
A unidade ocidental foi um caso isolado durante a
guerra: as nações europeias frequentemente divergiam em quão instintivamente
desconfiavam da Rússia, mas falavam como uma só desde a invasão total de
Moscou.
No entanto, agora enfrentam a potência preeminente do
mundo de alguma forma convencida de que a Rússia pode ser uma
aliada em potencial,
e os europeus é quem são o problema.
É ingênuo para qualquer um em Washington imaginar um
futuro em que Moscou abandone seu principal financiador e
vizinho, a China,
em favor de uma aliança com os americanos.
No domingo, Zelensky declarou que
se afastaria do cargo de presidente se isso significasse paz para a Ucrânia. O fato é que seu
relacionamento tenso com Trump arrisca se tornar um obstáculo para quase tudo.
No entanto, a alternativa é ainda pior. Uma eleição em
tempo de guerra ou a entrega a um sucessor aumentaria as falsas alegações de
ilegitimidade do líder ucraniano.
A dicotomia da posição da Casa Branca é evidente
novamente nos números inflados de baixas que eles alegam ser a razão pela qual
a guerra deve terminar (milhões não morreram, como Trump sugere, mas
possivelmente centenas de milhares).
Este ônus de preservar a vida não é compatível com um
acordo de paz que enfraquece a defesa da Ucrânia e corre o risco de a Rússia se
reequipar e voltar para mais terreno no próximo
ano.
A verdade deste momento também precisa ser dita em voz
alta para que a Europa possa estar pronta. A evidência é que, enquanto a maior
guerra na Europa desde os anos quarenta se arrasta para seu quarto ano, Trump favorece Putin.
¨ Trump e a aliança russa contra a
Ucrânia
Ao longo das últimas semanas, manifestações públicas de
Donald Trump trouxeram novas incertezas quanto ao rumo do apoio norte-americano
à Ucrânia.
Em campanha, o republicano já demonstrava certa admiração
por Putin e não escondia sua intenção de rever ou mesmo cortar drasticamente a
assistência militar a Kiev.
Para Volodymyr Zelensky, essa não era apenas mais uma
troca de governo em Washington—era uma potencial guinada que poderia alterar os
rumos do conflito de forma irreversível.
Diante desse cenário, aliados do ucraniano apontavam
para, ao menos, três possíveis tipos de desdobramentos.
O primeiro (e mais temido) seria um corte profundo na
ajuda e uma pressão direta para que Kiev aceitasse um acordo de paz
desfavorável, legitimando parte das conquistas territoriais
russas.
Nesse, que poderíamos chamar de Cenário Um, Trump,
coerente com seu discurso de “América First”, deixaria claro que não financiará
“guerras de terceiros” e que cabe aos europeus assumir a dianteira.
Isso forçaria Zelensky a enfrentar a Rússia
praticamente sozinho ou com um respaldo ocidental muito mais tímido.
O segundo desfecho aventado — aqui designado Cenário
Dois — seria um apoio condicional, sujeito a intensas negociações no Congresso
dos Estados Unidos e a exigências de maiores contribuições europeias. Nesse
contexto, haveria ainda algum nível de aprovação de verbas, mas sempre com
restrições, prazos e cobranças por reformas em Kiev.
A pressão bipartidária no Capitólio, aliada ao lobby da
indústria de defesa, manteria um fluxo de ajuda limitado à Ucrânia, ao mesmo
tempo, em que se buscaria garantir uma participação mais ativa dos países da
Otan.
Embora incômoda, essa seria uma saída “menos ruim” para
Zelensky, pois ainda lhe daria condições de resistir, mesmo que a ajuda fosse
menor e mais imprevisível.
Contudo, o presidente ucraniano torcia de fato pelo
Cenário Três — no qual, apesar da retórica agressiva e pró-Putin de Trump, a
máquina governamental norte-americana (Pentágono, agências de inteligência e
uma parcela do Congresso) conseguiria manter alguma forma de assistência
militar.
Nesse quadro, o apoio não seria cortado de uma hora
para outra e ainda haveria espaço para negociações internas que freassem os
impulsos mais isolacionistas do novo presidente.
Zelensky, ciente da burocracia institucional dos
Estados Unidos e das vozes republicanas tradicionalmente mais duras em relação
à Rússia, via nesse cenário a melhor das hipóteses, pois, na prática,
preservaria canais mínimos de cooperação.
Após pouco mais de um mês do
novo governo,
o que se desenha é justamente a tendência ao primeiro cenário.
Os discursos do presidente, cada vez mais enfáticos
sobre “não gastar dinheiro com terceiros enquanto os Estados Unidos têm
problemas internos”, somados às manifestações de simpatia para com Putin,
indicam que as promessas de campanha de Trump se transformam em atos de
governo.
Auxiliado por assessores que compartilham de sua visão
mais isolacionista, o presidente já fez declarações contundentes sobre a
necessidade de se chegar a um “acordo rápido” na Ucrânia — com ou sem a
anuência de Kiev.
Assim, Zelensky assiste à formação de um quadro em que
o Cenário Um deixa de ser um risco e se aproxima de uma realidade.
Se isso se confirmar, o governo ucraniano terá de
buscar reforços urgentemente em outras frentes, seja por meio de acordos
bilaterais com países europeus ou via articulação mais ampla na União Europeia.
O desafio principal será sustentar a resistência em
campo ao mesmo tempo que enfrenta a pressão externa para aceitar termos de um
“cessar-fogo” que podem ser mais benéficos à Rússia do que à Ucrânia.
No balanço geral, a reeleição de Trump e sua posse
redirecionam a política externa dos Estados Unidos para longe do alinhamento
total com Kiev, criando um abismo entre os interesses da Casa Branca e as
necessidades vitais de segurança da Ucrânia.
O que Zelensky esperava ver (um cenário de retórica
dura, mas manutenção parcial do apoio) dá lugar ao pior dos cenários para ele:
o de um corte drástico nos repasses e a iminência de um acordo imposto por
Moscou.
No xadrez internacional, o líder ucraniano agora terá
dificuldades de preservar a soberania do país e, acima de tudo, convencer o
Ocidente de que a liberdade de seu povo não deveria ser objeto de um
“condominium” entre Estados Unidos e Rússia.
¨ Zelensky parabeniza Ucrânia em três
anos de guerra por “heroísmo absoluto”
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky parabenizou
nesta segunda-feira (24) o “heroísmo absoluto” da Ucrânia ao marcar o terceiro
aniversário da invasão em larga escala de Moscou, e quando os líderes europeus
começaram a chegar à capital Kiev em uma demonstração de apoio ao país.
“Três anos de resistência. Três anos de gratidão. Três
anos de heroísmo absoluto dos ucranianos. Estou orgulhoso da Ucrânia!” Zelensky
escreveu na rede social X, ao lado de um vídeo mostrando cenas da linha de
frente e civis ucranianos apoiando os esforços de guerra durante o conflito.
Ele continuou, “agradeço a todos que a defendem e
apoiam. A todos que trabalham pela Ucrânia. E que a memória de todos os que
deram as vidas por nosso Estado e povo seja eterna.”
O aniversário acontece com a Ucrânia enfrentando grande
incerteza sobre seu futuro depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, se
voltou para a Rússia e autoridades dos EUA insistem que a Europa não pode mais
contar com Washington para sua defesa.
Líderes europeus chegaram à Ucrânia nesta segunda-feira
(24), de acordo com postagens de mídia social e imagens mostradas pela emissora
pública ucraniana Suspilne.
Algumas estradas no centro de Kiev, capital do país,
foram bloqueadas e policiais foram mobilizados.
“No 3º aniversário da invasão brutal da Rússia, a
Europa está em Kiev”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen, em um post no X, ao lado de um vídeo que a mostrou encontrando
autoridades em uma estação ferroviária com o presidente do Conselho Europeu,
Antonio Costa.
Ela continuou dizendo que, “estamos em Kiev hoje,
porque a Ucrânia é a Europa”, ressaltou. “Nesta luta pela sobrevivência, não é
apenas o destino da Ucrânia que está em jogo.”
Imagens postadas pela emissora em seu canal do Telegram
mostraram o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, também desembarcando
de um trem e cumprimentando autoridades.
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Conflito continua
Enquanto isso, a Rússia lançou outra barragem de drones
de ataque pela Ucrânia durante a noite, segundo a Força Aérea da Ucrânia.
Moscou lançou 185 drones de ataque na Ucrânia, dos
quais 113 foram abatidos e outros 71 desapareceram do radar após serem
bloqueados, pontuou a autoridade ucraniana nesta segunda-feira (24).
O ataque “afetou” as regiões de Dnipropetrovsk, Odesa,
Kiev e Khmelnytsky, informou no Telegram, sem dizer se causou danos ou vítimas.
A ofensiva acontece um dia depois que a Ucrânia enfrentou seu maior
ataque de drones desde a invasão da Rússia, com 267 dispositivos lançados, dos
quais 138 foram interceptados, conforme autoridades ucranianas no domingo.
O comandante-chefe das forças armadas da Ucrânia,
Oleksandr Syrskyi, também saudou suas tropas no aniversário da invasão.
“O mundo não acreditava que sobreviveríamos, mas o povo
ucraniano resistiu aos ataques do inimigo com dignidade”, escreveu no Telegram.
<><> Zelensky diz que está
disposto a deixar presidência se isso trouxer paz
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse neste domingo (23)
que está disposto a renunciar a seu cargo de presidente se isso significar a
paz na Ucrânia, afirmando que poderia trocar sua saída pela entrada do país na
Otan.
Zelensky também pontuou que queria ver o presidente dos EUA, Donald
Trump, como um parceiro da Ucrânia e mais do que um simples mediador entre Kiev
e Moscou.
“Eu realmente quero que seja mais do que apenas mediação… isso não é
suficiente”, exclamou ele durante uma coletiva de imprensa.
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