Europa
em crise está preparada para um novo governo Trump?
"É maluquice! Estamos caminhando para uma
eleição geral. O país parece estar quebrado. Nossa economia está estagnada... e
a maior parte da imprensa alemã simplesmente parece estar obcecada por Trump,
Trump, Trump!"
A professora de engenharia Iris Mühler, do nordeste
da Alemanha, é uma dentre uma série de eleitores com quem
conversei sobre a expectativa ante as eleições antecipadas do seu país, em
fevereiro. E ela não é a única a ter a mesma percepção.
A Europa enfrenta toda uma série de dificuldades
domésticas, especialmente nos principais países da União Europeia, a Alemanha e a França. Mas o continente se mostra muito mais preocupado
com Donald Trump, desde que ele venceu as
eleições presidenciais americanas, em novembro.
Na última vez em que Trump
ocupou a Casa Branca, a Europa enfrentou sérias turbulências. E muitos receiam
que o Trump 2.0 possa ser muito pior.
Isso sem falar que as tradicionais potências
europeias já enfrentam seus próprios problemas.
A França e a Alemanha estão atoladas em suas dificuldades políticas e econômicas.
A União Europeia, como um todo, perde espaço
em relação à China e aos Estados Unidos, em termos de
competitividade. E, no Reino Unido, o estado dos serviços
públicos é lamentável.
Com tudo isso, será que o Velho Continente está
preparado para Donald Trump ou foi pego cochilando
na direção (de novo)?
·
Rejeitando alianças
Quando o assunto é comércio e defesa, Trump age
mais como um homem de negócios do que como um chefe de Estado americano que
valorize as alianças transatlânticas que datam da Segunda Guerra Mundial.
"Ele simplesmente não acredita em parcerias
onde todos ganham", declarou à BBC a ex-chanceler alemã Angela Merkel. Ela
conviveu com Trump durante seu primeiro mandato e concluiu que ele observa o
mundo com a premissa de que existem vencedores e vencidos.
Trump está convencido de que a Europa se aproveita
dos Estados Unidos há anos e que isso
precisa ter um fim.
Os líderes europeus observaram boquiabertos as
últimas semanas, desde que Trump venceu pela segunda vez as eleições
presidenciais americanas.
Em vez de concentrar sua ira nos países que ele
reconhece como ameaças estratégicas, como a China, ele preferiu criticar
publicamente os aliados dos Estados Unidos na Europa e o Canadá.
Trump acena com a possibilidade de abandonar a
Otan, a aliança militar transatlântica que garante a segurança da Europa há
décadas. Ele declarou que "incentivaria" a Rússia a fazer "tudo
o que quisesse" com seus aliados europeus se eles "não pagarem"
muito mais e ampliarem seus gastos com a defesa.
Em relação ao comércio, Trump claramente está mais
furioso com a União Europeia do que durante seu
primeiro mandato.
O bloco vende muito mais para os Estados Unidos do que importa. Em
janeiro de 2022, o superávit comercial era de 15,4 bilhões de euros (cerca de
R$ 96,7 bilhões).
Qual foi a resposta de Donald Trump? Ele disse que irá impor
tarifas generalizadas de 10% a 20% sobre todas as importações e impostos ainda
mais altos sobre certos produtos, como automóveis.
Este cenário é desastroso para a Alemanha, que depende das exportações e da indústria automobilística em
particular. Sua economia já está trepidando — no ano passado, ela encolheu em
0,2%.
E, por se tratar da maior economia da zona do euro,
as dificuldades financeiras da Alemanha ameaçam prejudicar a moeda como um todo.
<><> Alemanha 'no topo da lista'
Para Merkel, quando ele foi presidente da última
vez, Trump parecia determinado a prejudicar a Alemanha.
O vice-diretor do Centro para a Reforma da Europa,
Ian Bond, acredita que o país irá permanecer no "topo da lista de
prioridades de Trump [no continente]".
"Ele disse no passado que não quer ver carros
Mercedes-Benz nas ruas de Nova York", relembra ele. "Mas isso é meio
maluco, já que, na verdade, a maior parte dos Mercedes-Benz que você vê nas
ruas de Nova York é fabricada no Alabama [EUA], onde a Mercedes possui uma grande
fábrica."
"Muitas vezes, ele foi mais hostil com a Alemanha do que com qualquer outro país da Europa. Talvez fique um pouco
mais fácil para a Alemanha, com um novo governo mais conservador [após as próximas eleições
gerais], mas eu não contaria com isso."
O primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, pediu "cabeças frias" após as primeiras horas
de Trump como presidente,
O líder alemão disse que as movimentações nas redes
sociais sugerem "um mundo à beira de um ataque de nervos", mas que
"nem toda entrevista coletiva em Washington, nem todo tuíte, deveria nos
levar a debates existenciais".
O apelo de Scholz, ao qual muitos podem simpatizar,
é por calma, mas seus críticos podem argumentar que sob sua liderança a Alemanha foi calma demais diante de um mundo em mudança radical.
Uma das críticas mais comuns contra o governo
alemão é de que a maior economia europeia não conseguiu se fortalecer, sem
gerar crescimento econômico ou aumentar suficientemente seus gastos em defesa.
Já o Reino Unido espera evitar as
tarifas de Trump porque não detém esse desequilíbrio comercial com os Estados Unidos. Mas o país pode muito bem
ser atingido pela onda de choque, no caso de uma guerra comercial entre os EUA
e a União Europeia.
·
A preparação real da Europa
O estilo enérgico de Trump pode não surpreender
seus aliados, após seu primeiro mandato na Casa Branca.
Mas o verdadeiro enigma para a Europa, agora, é sua
imprevisibilidade. Quanto de Donald Trump é fanfarronice e
intimidação e quanto é promessa de ação?
O vice-presidente do think tank (centro
de pesquisa e debates) Fundo Marshall Alemão dos Estados Unidos, Ian Lesser, acredita que
as ameaças de tarifas de Trump são reais e que a Europa está longe de estar
preparada para elas.
"Eles não estão preparados — ninguém está, na
verdade", explica ele. "Esta abordagem muito diferente do comércio
global abala muitos alicerces da economia internacional, que passaram décadas
evoluindo."
A Comissão Europeia afirma que está pronta para
qualquer medida de Trump no seu retorno à Casa Branca. Afinal, trata-se de uma
imensa potência comercial no cenário mundial.
Mas Lesser afirma que o maior impacto à Europa pode
sobrevir se Trump lançar uma guerra comercial agressiva contra a China. Esta
medida poderia resultar em interrupções de cadeias de fornecimento para a
Europa e Pequim poderia descarregar uma quantidade ainda maior de produtos
baratos nos mercados europeus, em detrimento das empresas locais.
"Para a Europa, a ameaça é dupla: o que
os Estados Unidos poderão fazer e o que
a China irá fazer em resposta."
Comércio, defesa e o fator Musk
Uma pesquisa recente indicou que Donald Trump e
Elon Musk despertam muita desconfiança na Europa. — Foto: Reuters via BBC
O que complica ainda mais as coisas é que o
comércio e a defesa não são questões separadas para Donald Trump e seu governo.
O novo presidente americano se negou recentemente a
descartar ações militares e/ou econômicas contra a Dinamarca, membro da União Europeia e da Otan, se o país
não entregasse a Groenlândia, seu território autônomo, aos Estados Unidos.
E o vice-presidente de Trump, J. D. Vance, defendeu
condicionar a defesa americana da Europa à não interferência dos órgãos
reguladores europeus sobre a plataforma de rede social X, antigo Twitter.
Vance alertou que os Estados Unidos poderão retirar seu
apoio à Otan se a União Europeia der prosseguimento à
sua longa investigação do X, de propriedade do Menino de Ouro de Trump, Elon
Musk.
Musk também demonstrou recentemente sua disposição
de assumir lados na política europeia.
Ele lançou repetidos ataques online contra os
líderes europeus de centro-esquerda Keir Starmer, do Reino Unido, e Olaf Scholz, o chanceler
alemão que está deixando o governo do país. Musk também postou no X que o
partido extremista anti-imigração AfD seria a única esperança da Alemanha.
Suas manifestações deixaram muitos chocados na
Europa, mas as pesquisas indicam que, na verdade, as controversas postagens de
Musk exercem pouca influência sobre a opinião pública europeia.
Trump e Musk despertam ampla desconfiança na
Europa, como ilustra uma nova pesquisa encomendada pelo Conselho Europeu de
Relações Exteriores, intitulada "A UE e a opinião pública global após as
eleições americanas".
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Massagear o ego ou acenar com dinheiro?
O presidente francês, Emmanuel Macron, foi um dos
primeiros a felicitar Trump nas redes sociais pela sua vitória nas eleições
presidenciais americanas pela segunda vez. — Foto: EPA via BBC
O fato é que os diferentes líderes europeus detêm
técnicas diversas para "domar o Trump", como são chamadas estas
tentativas. Alguns deles massageiam o ego nada pequeno do presidente americano.
Neste quesito, o especialista é o presidente da
França, Emmanuel Macron. Ele foi um dos primeiros líderes mundiais a
felicitar Donald Trump nas redes sociais após
sua nova eleição em novembro — e o convidou rapidamente a comparecer à
resplandecente reabertura da Catedral de Notre Dame, na capital francesa,
repleta de autoridades.
Durante o primeiro mandato de Trump na Casa Branca,
Macron recebeu Trump como convidado de honra na exibição anual de pompa e
poderio militar do dia da Queda da Bastilha, em Paris.
Já o Reino Unido sabe que Trump tem uma
queda pela Escócia, de onde veio sua mãe, e pela Família Real Britânica. Em
2019, ele apreciou visivelmente um banquete de Estado com a rainha Elizabeth 2ª
(1926-2022) e fez vários elogios ao príncipe William, depois de se reunir com
ele no ano passado.
Mas outras autoridades europeias preferem acenar
com dinheiro.
A presidente do Banco Central Europeu, Christine
Lagarde, aconselhou os líderes da Europa a adotar uma "estratégia de talão
de cheques", negociando com Trump em vez de retaliar suas possíveis
tarifas de importação.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen, fala em comprar mais gás natural liquefeito dos Estados Unidos (a preços mais altos),
como parte dos esforços da Europa para diversificar suas fontes de energia. O
continente vem abandonando sua dependência do gás russo, mais barato, desde a
invasão da Ucrânia pelo Kremlin, em 2022.
Fontes da Comissão também falam na possível compra
de mais produtos agrícolas e armas dos Estados Unidos.
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A Europa também deve ser autossuficiente?
O retorno de Donald Trump à Casa Branca vem
fazendo os líderes europeus examinarem as fraquezas do continente.
Macron defende, há muito tempo, o que ele chama de
"autonomia estratégica" — essencialmente, que a Europa aprenda a ser
mais autossuficiente, para poder sobreviver.
"A Europa... pode morrer e isso depende
inteiramente das nossas escolhas", declarou ele no ano passado.
A pandemia de covid-19 mostrou como a Europa é
dependente dos produtos importados da China, como remédios. E a invasão da
Ucrânia por Vladimir Putin expôs a dependência excessiva da energia russa por
parte da Europa.
Macron, agora, soa o alarme em relação aos Estados Unidos.
"Os Estados Unidos da América têm duas
prioridades", segundo o presidente francês.
"Primeiro, os Estados Unidos, e isso é legítimo. Em
segundo lugar, a questão da China. A questão europeia não é uma prioridade
geopolítica para os próximos anos e décadas."
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A grande questão da defesa
Quando o assunto é a defesa, a insistência de Trump
para que a Europa aumente seus gastos é geralmente bem aceita — embora o valor
desse aumento seja um acalorado tema de debate.
Mas, enquanto Trump fala em aumentar o gasto em
percentual do PIB, os europeus discutem como gastar seus orçamentos de forma
mais inteligente e conjunta, para fortalecer a segurança do continente.
Emmanuel Macron deseja uma política europeia para a
indústria da defesa como um todo. Ele afirma que a guerra na Ucrânia demonstrou
que "nossa fragmentação é uma fraqueza".
"Às vezes, nós descobrimos, como europeus, que
nossas armas não são do mesmo calibre, que nossos mísseis não são
compatíveis."
A preocupação da Europa é que Trump não queira
continuar sendo o principal financiador da ajuda militar à Ucrânia, como
ocorreu no governo Biden.
Em fevereiro, os líderes da União Europeia convidaram o Reino Unido — uma das duas grandes
potências militares da Europa — para uma cúpula informal. A intenção é discutir
como trabalhar melhor em conjunto sobre questões de defesa e segurança.
A chefe da defesa da União Europeia e ex-primeira-ministra
da Estônia, Kaja Kallas, acredita que seja necessária uma unidade de propósito
na Europa.
"Precisamos agir de forma unificada",
declarou ela. "Com isso, somos fortes. Com isso, também mantemos seriedade
no cenário mundial."
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Europa mais fraca e dividida?
Alguns analistas afirmam que a Europa está muito
mais fraca e dividida para lidar com Trump 2.0 do que em 2016, quando ele foi
eleito pela primeira vez.
Eu diria que a resposta é sim, mas também não.
Sim porque, como dissemos, o crescimento econômico
é lento e a política é volátil. Os partidos nacionalistas, populistas e
eurocéticos estão ganhando força em muitos países europeus.
Alguns desses partidos, como a AfD alemã, são
flexíveis com Moscou. Outros, como o da primeira-ministra italiana Giorgia
Meloni, podem estar mais dispostos a priorizar os laços transatlânticos com
Trump, em detrimento da unidade europeia.
Mas é preciso ter cuidado ao olhar com lentes
cor-de-rosa para a Europa da época em que Trump foi eleito presidente pela
primeira vez.
Financeiramente, o norte da Europa certamente
estava melhor do que agora. Mas, em termos de unidade, o continente estava
profundamente dividido após a crise dos migrantes de 2015.
Os partidos populistas eurocéticos já estavam em
crescimento e, após a votação do Brexit, em junho de 2016, surgiram previsões
generalizadas de que a União Europeia logo perderia outros
países membros e se desintegraria.
Avançando para 2025, a União Europeia superou o Brexit, a
pandemia de covid, a crise da migração e o primeiro mandato de Donald Trump. E os países ficaram
bastante unidos após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
O Velho Continente mais cambaleou do que navegou
durante essas crises sucessivas, mas a União Europeia segue de pé e as
feridas do Brexit, por exemplo, foram curadas com o passar do tempo.
A União Europeia considera o Reino Unido pós-Brexit como um
aliado próximo, que compartilha os mesmos valores em um mundo ameaçado pela
ambição chinesa, pelo expansionismo russo e por um novo presidente americano,
enérgico e imprevisível.
Já a Otan, ainda que esteja preocupada com o
comprometimento de Trump junto à aliança, vem se ampliando militar e
estrategicamente com a entrada da Suécia e da Finlândia, vizinha da Rússia,
após a invasão da Ucrânia pelo Kremlin.
Talvez, apenas talvez, Trump observe menos
diferenças e frustrações que o antagonizem com a Europa desta vez.
Esta é uma Europa que reconhece a necessidade de
gastar mais com a defesa, como ele exige; que é muito mais cautelosa com a
China, como ele espera; e está muito mais voltada para a direita, como ele
prefere.
Mas seria esta uma Europa cujos líderes também irão
enfrentar Trump, com todas as suas ameaças e fanfarronice, se ele vier a cruzar
um limite — seja sobre direitos humanos, liberdade de expressão ou perda de
tempo com ditadores?
Está por ser escrito um novo capítulo nas relações
entre os amigos rivais dos dois lados do Atlântico.
Fonte: BBC News
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