Marco Rubio
e o flerte do bolsonarismo com o novo chefe da diplomacia dos Estados Unidos
“Em um nível, a política externa é um negócio
complexo. Mas em outro nível, é simples: você usa as ferramentas das relações
internacionais para combater seus adversários e apoiar seus amigos”, escreveu o
recém-empossado Secretário de Estado dos Estados Unidos (EUA), Marco Rubio, em
dezembro de 2023.
Este trecho de um texto do
ex-senador republicano sobre o presidente argentino Javier Milei foi compartilhado pelo
deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) após o anúncio de que Rubio seria
indicado para comandar as relações internacionais no governo do presidente dos
EUA, Donald Trump.
<><> Por que
isso importa?
·
Alinhados politicamente e influenciados por
narrativas de parlamentares brasileiros, o governo Trump, inclusive por meio de
Marco Rubio, pode usar instituições para pressionar o Brasil e impor sanções ao
país em busca de interesses de seus aliados.
A mensagem resgatada pelo
parlamentar brasileiro representa a expectativa dos bolsonaristas sobre a
política externa sob a gestão do ultraconservador. Eduardo Bolsonaro
articula para que as instituições norte-americanas atuem para libertar os
presos acusados de envolvimento nos ataques golpistas do 8 de janeiro e para
livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de uma possível prisão, disseminando
o falso argumento de que o Brasil não seria mais uma democracia.
“Aqui a gente tá fazendo um
trabalho pra tentar tirar gente da cadeia”, disse Eduardo em vídeo gravado nos
EUA um dia após a posse de Trump, acrescentando que essa virou sua “causa de
vida”.
Ele ressaltou na live que
desde 2018 vem “cativando” contatos no país. Dentre eles, o parlamentar
destacou o que chamou de “excelente aproximação” que conseguiu fazer com a
deputada republicana da Flórida Maria Elvira Salazar. “Maria Elvira Salazar tá
colada no Marco Rubio, que é o chanceler do Trump”, observou.
Nos últimos cinco anos, o
deputado brasileiro vem costurando relações com a extrema direita dos EUA,
apadrinhado por Steven Bannon, um dos principais expoentes do movimento no
país. Levantamento realizado
pela Agência Pública mostrou que nesse período, Eduardo participou de
mais de 80 encontros e eventos com representantes e lideranças da ala
conservadora norte-americana.
Senador pela Flórida desde
2011, Marco Rubio foi um dos primeiros políticos deste grupo a receber Eduardo
Bolsonaro após a vitória do pai à presidência, em 2018. Em 2020, Eduardo e o
então senador voltaram a se encontrar numa
agenda com Jair Bolsonaro em Miami.
“Satisfação conhecer ontem
rapidamente o Senador Marco Rubio @marcorubio (Rep.-Florida) que tem destacada
atuação em temas latino americanos como a defesa dos direitos humanos na
Venezuela”, escreveu Eduardo
Bolsonaro em 28 de novembro de 2018, no X (antigo Twitter). Na ocasião, ele
estava acompanhado do ex-assessor de Assuntos Internacionais Filipe Martins e do
ex-diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(ApexBrasil) Márcio Coimbra.
“Dentre muitas reuniões que
tivemos ontem, merece destaque a recepção entusiasmada do Senador Marco Rubio,
que nos contou sobre o trabalho que ele tem feito para atrair mais atenção para
a América Latina em geral e para o Brasil em particular. Segundo ele, vivemos
um momento único”, afirmou Martins,
também no X.
·
Marco
Rubio, peça-chave para golpistas
Investigado por suposta
participação na tentativa de golpe para manter Jair Bolsonaro no poder, Filipe
Martins teria recorrido a Rubio no final do ano passado para tentar provar
possível fraude no registro de sua entrada nos EUA após as eleições de
2022. Segundo a Folha de S. Paulo, os advogados
do ex-assessor de Bolsonaro teriam se encontrado com o senador
norte-americano após ele ter sido anunciado como futuro Secretário de
Estado.
Steve Bannon disse que também
irá recorrer ao secretário de Trump para cobrar atitude contra o Brasil devido
à ausência de Jair Bolsonaro na posse do republicano. “Eu vou conversar com o
senador Marco Rubio, sou muito próximo dele, quando ele tomar posse amanhã
[21/01], e dizer: precisamos tomar uma atitude sobre isso”, afirmou, em
entrevista à Folha de S.Paulo. “A nossa recomendação é que deve haver sanções
severas ao Brasil e particularmente a esse juiz [Alexandre de Moraes] para não
ter nenhum acesso aos Estados Unidos”, defendeu, referindo-se ao ministro do
Supremo Tribunal Federal.
Moraes já foi alvo de ataque
do próprio Marco Rubio, quando decidiu, em agosto do ano passado, suspender a
rede social X, porque a empresa não tinha representante legal no Brasil. A
plataforma pertence a Elon Musk – que agora faz parte do governo Trump. Na
ocasião, Rubio afirmou que o bloqueio do X foi uma “manobra do juiz Alexandre
de Moraes para minar as liberdades básicas” no Brasil.
“Desde multar indivíduos e entidades
privadas que buscam informações sobre o X até impor censura legal, o povo
brasileiro está enfrentando sérias repressões pelo simples fato de se envolver
em uma plataforma de mídia social”, escreveu em comunicado. “Para o bem das
liberdades básicas e de nosso relacionamento bilateral, o Brasil deve retificar
essa medida autoritária”, afirmou Rubio.
O ex-secretário-executivo da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Paulo Abrão, avalia que o
governo Trump vai interferir no Brasil para apoiar a causa bolsonarista “até
onde é possível”. “E será via Congresso americano mobilizando cartas
dirigidas ao departamento de Estado. Ou seja, com declarações públicas e com a
realização de audiências públicas no Congresso americano, construindo palanques
a partir dos quais possam projetar a própria voz em defesa dos bolsonaristas e
também projetar a voz dos bolsonaristas que fugiram para os EUA, temendo
processos judiciais”, ressaltou Abrão, que também é diretor-executivo do WBO
(Washington Brasil Office) – centro de estudo que se dedica a promover
cooperação e conhecimento sobre a realidade brasileira. Ele acredita ainda o
atual governo dos EUA tentará forçar a CIDH a atuar contra o Brasil.
“Vão querer instrumentalizar
a ação especialmente da Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão contra
as decisões do STF. Se houver resposta crítica da CIDH contra o Brasil
devemos nos preocupar de que vão utilizar isso para tentar justificar e aprovar
sanções individuais contra autoridades brasileiras no Congresso e que o
Departamento de Estado terá que implementar”, afirmou, acrescentando que “fora
isso, é difícil imaginar ações concretas que o Departamento de Estado americano
possa tomar direta e proativamente para interferir nos processos judiciais
legítimos contra os que tentaram um golpe de Estado aqui no Brasil”.
·
O
que Marco Rubio pensa sobre Bolsonaro, Lula e o Brasil
Quando Jair Bolsonaro tomou
posse, em janeiro de 2019, o então senador Marco Rubio, que à época presidia o
Subcomitê de Relações Exteriores do Senado para o Hemisfério Ocidental,
escreveu um artigo na CNN
enaltecendo o então presidente brasileiro. O artigo intitulado “EUA devem
investir pesado no Brasil” dá o tom da visão política e econômica do Secretário
de Estado dos EUA em relação ao Brasil.
Ele começa o texto dizendo
que a posse de Bolsonaro estava “inaugurando uma nova era na política
brasileira” e que marcava “uma saída dramática dos governos esquerdistas e
antiamericanos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff”.
Rubio defendeu que Donald
Trump deveria “aproximar as duas nações mais populosas do Hemisfério
Ocidental”. E argumentou: “Um Brasil forte, vibrante e democrático, mais
alinhado aos Estados Unidos como parceiro estratégico, pode ser um
multiplicador de forças para enfrentar a crise atual na Venezuela (onde a
governança se deteriorou e há corrupção generalizada) e para combater as
intenções malignas de regimes autoritários como China, Rússia e Irã, que
pretendem expandir sua presença e atividades na América Latina”.
No artigo, Rubio sugeriu que
o governo Trump atuasse para fortalecer os laços de defesa e inteligência,
aumentasse o investimento em comércio, a cooperação no setor de energia,
apoiasse a ascensão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e expandisse o acesso dos EUA à indústria espacial brasileira
e na cooperação adicional contra o terrorismo e as redes criminosas
transnacionais.
Por fim, o ex-senador
defendeu investimentos bilaterais entre os setores de energia dos EUA e do
Brasil, para criar “uma estrutura de suporte aos países em desenvolvimento no
hemisfério”. “Juntos, podemos ajudar a desmamar pequenos países de sua
dependência do petróleo venezuelano, o que ajuda a criar dependência do regime
do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, um patrocinador estatal do tráfico
de drogas (embora negue isso)”, argumentou.
O novo chefe da diplomacia
dos EUA considera o presidente Lula como “líder da extrema esquerda”, conforme
publicou em suas redes sociais, em 2024: “O brasileiro Lula da Silva é o mais
novo líder de extrema esquerda a encobrir a natureza criminosa do narco-regime
de Maduro, dias após se encontrar com o presidente Biden”.
Paulo Abrão pondera que,
apesar da afinidade ideológica entre a extrema direita do Brasil e dos EUA,
entre Rubio e os militantes extremistas, entre Trump e Bolsonaro, nos dois
países existe uma relação de Estado histórica, de 200 anos entre as duas
maiores democracias das Américas e o comércio bilateral – “que é importante
para um Brasil que tem os EUA como o principal destino de exportação de seus
produtos manufaturados e de um EUA que ocupa, no Brasil, o papel de grande investidor”.
¨ "Preso político": Bolsonaro afirma ser
perseguido e pede ajuda a Trump. Por Wallyson Soares dos Anjos
Após ter o pedido
para ir à posse de Trump negado pelo ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro
assistiu ao evento pela TV, chorou durante o discurso do republicano, e
declarou em entrevista a uma rádio, viver com a sensação da PF batendo à sua
porta, como se fosse uma pessoa perseguida pelo judiciário. Mas afinal, o
ex-presidente Bolsonaro é um preso político?
Instituições
internacionais definem preso político como uma pessoa que é detida ou
encarcerada devido às suas ideias, opiniões, atividades ou afiliações
políticas, religiosas, ou ideológicas, em vez de ações que violem diretamente a
lei ou representem perigo claro e comprovado à sociedade.
Especialistas em
direito constitucional esclarecem que essa definição pode variar conforme o
contexto, mas geralmente inclui situações relacionadas à motivação política,
processo jurídico irregular e discriminação política, o que não é o caso do
ex-presidente Bolsonaro. “A legitimidade das investigações e processos contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro ou qualquer pessoa pública depende da observância
de princípios fundamentais do Estado de Direito, como a legalidade,
a imparcialidade e o devido processo legal”, destaca o advogado
eleitoral Wallyson Soares.
A Polícia Federal
indiciou 37 pessoas pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de
Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Entre os citados estão
Bolsonaro, ex-ministros de seu governo, oficiais do Exército e o presidente do
PL, Valdemar Costa Neto. Apesar de alegar ser vítima de perseguição, o
ex-presidente enfrenta sérias acusações e processos robustos. “As investigações
em questão tratam de temas sensíveis, como ataques ao sistema eleitoral e
participação ou omissão em atos golpistas. A relevância desses temas exige uma
apuração rigorosa, por envolverem potenciais crimes contra a democracia, e até
agora o que se observou, foi um trabalho feito com muita seriedade pela polícia.”,
afirma Samuel dos Anjos, advogado especialista em direito penal.
Organizações como a
Anistia Internacional frequentemente monitoram e denunciam casos de presos
políticos, buscando distinguir entre detenções legítimas por crimes e aquelas
que violam os direitos humanos e a liberdade de expressão. Após as declarações
do ex-presidente a uma rádio bolsonarista, seguidores nas redes sociais
passaram a tratar o indiciamento de Bolsonaro como perseguição política,
insinuando que ele seria um preso político.
“Embora a
existência de um contexto político possa gerar percepções de perseguição, isso
não invalida automaticamente uma investigação. No entanto, investigações
politicamente motivadas, sem base em provas concretas, podem ser questionadas e
classificadas como abusivas. No entanto, é preciso destacar que o caso em
questão tem como respaldo uma investigação longa e que revelou uma série de
ações, reuniões secretas, e até a produção de uma minuta de um decreto que
justificaria ações golpistas, o que é gravíssimo.”, conclui Wallyson Soares.
Fonte: Por Alice Maciel, da Agencia Pública/Grafimprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário