sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Carmem Feijó: Dominância fiscal ou subordinação externa? Lições de 2024

A política macroeconômica trabalha com cenários baseados em expectativas sobre o comportamento futuro dos mercados e dos agentes econômicos. Economias periféricas, como o Brasil, são particularmente sensíveis ao comportamento dos mercados externos, tanto de commodities como o financeiro. Em especial, a economia brasileira, dado o grau de abertura e sua inserção nos mercados financeiros internacionais, está bastante exposta aos fluxos financeiros internacionais, determinados em grande medida por conjunturas geopolíticas e pela dinâmica dos países desenvolvidos sobre os quais não tem nenhuma influência. Nesse sentido, na expressão do professor da Universidade de Columbia e ex-ministro da economia da Colômbia, Jose Ocampo, economias periféricas são ´business cycle takers´, ie, são subordinadas ao fluxo de liquidez internacional, ditado pelas economias desenvolvidas.

Uma característica de economias inseridas de forma subordinada no sistema monetário e financeiro internacional é que apresentam um espaço reduzido de política econômica. Isso quer dizer que a gestão da política macroeconômica tende a operar com regras monetárias e fiscais mais rígidas do que nas economias desenvolvidas pois precisam atrair capitais internacionais para manterem suas contas externas em equilíbrio. Economias desenvolvidas, emissoras de moeda de elevado prêmio de liquidez, por sua vez, administram a política macroeconômica com maior grau de liberdade para sustentar taxas elevadas de crescimento da renda doméstica e do emprego.

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Uma explicação para o menor grau de autonomia da política macroeconômica nas economias periféricas é o caráter pró-cíclico e altamente especulativo dos fluxos financeiros de curto prazo, cujo efeito doméstico pode ser altamente desestabilizador. Durante a fase ascendente do ciclo de liquidez internacional, o otimismo dos agentes se reflete em seu apetite por risco. Portanto, eles alocarão parte de seu portfólio para ativos com baixa liquidez internacional e maior risco. No entanto, quando as expectativas mudam, a incerteza aumenta e o ciclo de liquidez é revertido, as moedas periféricas e os ativos denominados nelas estão sujeitos à fuga para a qualidade, independente dos fundamentos macroeconômicos no momento.

Caso os fluxos de capitais estivessem disponíveis para atender às necessidades das economias em desenvolvimento, complementando sua poupança doméstica para alavancar o nível de investimento e impulsionar o crescimento do produto e da renda, como advogam os defensores da abertura financeira nessas economias, a autonomia da política monetária para gerenciar o ciclo de crescimento da economia doméstica poderia ser garantida pela adoção de um regime de câmbio flutuante. Essa é a solução descrita no modelo de Mundell-Fleming que mostra que para uma economia pequena com taxa de câmbio flutuante e mobilidade de capital, a autonomia monetária é um resultado esperado. O regime de câmbio flutuante permitiria que a equação de paridade da taxa de juros estabelecesse a relação entre a política monetária e o mercado financeiro internacional. A suposição é que a autoridade monetária esteja disposta a deixar a taxa de câmbio flutuar e suportar o ônus do ajuste das contas externas. Assim, a política monetária manterá sua autonomia. No entanto, como mencionado, os fluxos de capital em uma economia mundial globalizada são altamente especulativos e, portanto, o grosso dos fluxos de capital em países periféricos são altamente desestabilizadores e pró-cíclicos, e longe estão de financiarem investimento gerador de renda e emprego.

Outro fator a limitar o espaço de política é utilizar as taxas de juros para mitigar a volatilidade da taxa de câmbio. Nesse caso, a autoridade monetária pode estar propensa a acomodar mudanças na direção dos fluxos de capital usando o diferencial da taxa de juros.

Por fim, o menor espaço de política em relação às economias desenvolvidas também implica que o espaço fiscal é limitado em economias que operam com altas taxas reais de juros. Quando o financiamento externo é abundante e facilmente acessível, o gasto público irá se expandir, mas, será seguido por um ajuste quando as condições favoráveis já não estiverem presentes. Por outro lado, a desaceleração econômica implica que o peso do pagamento de juros da dívida pública aumenta, o que desencadeia um corte pró-cíclico nos gastos primários do orçamento público. Uma maneira de controlar a dívida fiscal é reduzir a taxa de juros doméstica, o que nunca é uma opção fácil, dado o caráter subordinado da inserção financeira de economias periféricas. Mais ainda, a subordinação da política fiscal à política monetária fornece argumento para o risco de dominância fiscal como justificativa para a volatilidade cambial.

Ou seja,  as economias periféricas têm um nível estruturalmente mais alto de taxas de juros reais do que as economias centrais e enfrentam uma tendência de taxa de câmbio extremamente volátil, e uma política fiscal pró-cíclica.

A economia brasileira em 2024 apresentou desempenho bem acima do esperado pelas previsões de mercado no início do ano. O PIB deve crescer acima de 3%, o mercado de trabalho está aquecido, há recuperação no poder de compra das famílias. A taxa de investimento mostrou melhora, depois de quedas sucessivas. Mas, mesmo apresentando bons fundamentos, dado o aumento da incerteza no cenário internacional principalmente a partir do segundo semestre do ano, a moeda brasileira sofreu forte depreciação. Dentre as economias emergentes, o Real foi a moeda que mais perdeu valor, a despeito das elevações sucessivas na taxa básica de juros.

A título de ilustração, o gráfico abaixo mostra a evolução da taxa de câmbio nominal desde 2022 e o diferencial de juros do Brasil e dos EUA. O destaque é para a contínua alta da moeda americana em relação ao Real no segundo semestre, mesmo com a manutenção do diferencial de juros, ou seja, da manipulação da taxa básica de juros doméstica seguindo o movimento da taxa dos EUA. A intervenção do banco central no mercado cambial, vendendo reservas para segurar o movimento de desvalorização da moeda doméstica, só se verificou no mês de dezembro, e com pouco sucesso.

Em suma, a experiência recente de elevada subvalorização da moeda doméstica evidenciou nossa vulnerabilidade às vicissitudes do mercado financeiro internacional e a nossa fraca gestão da política cambial. Mesmo assim, o argumento levantado por muitos analistas para explicar por que a moeda brasileira se desvalorizou tanto em tão pouco tempo centrou-se numa ameaça de descontrole das contas públicas. Se tal viesse a ocorrer, a economia poderia entrar numa situação de dominância fiscal, quando a política monetária perde poder dado o descontrole da dívida pública.

Como argumentamos nessa nota, dado que o Real é uma moeda periférica no sistema monetário e financeiro internacional hierarquizado, a elevada volatilidade da taxa de câmbio e a tendência ao seu desalinhamento ao longo do tempo deveriam ser evitados com políticas cambiais ativas, incluindo um gerenciamento do fluxo de capitais internacionais. Esse gerenciamento permitiria aumentar o espaço de política, permitindo ao país autonomia para implementar políticas de desenvolvimento econômico. Levantar a ameaça de um descontrole das contas públicas, quando o país está discutindo uma reforma tributária buscando maior equidade e eficiência nos gastos públicos, desvia a atenção de uma realidade mais ameaçadora que é a grande exposição da economia ao fluxo internacional de capitais, em um mundo com elevada incerteza. Portanto, ao contrário da sabedoria convencional, a subordinação das economias periféricas em desenvolvimento ao ciclo de liquidez internacional explica em grande parte a conexão entre a política monetária e os movimentos da taxa de câmbio no curto prazo.

 

¨      Fórum Econômico Mundial reúne países capitalistas para salvar neoliberalismo falido, afirma ativista do Paquistão

O Fórum Econômico Mundial (FEM), que se autodefine como uma organização internacional para a cooperação público-privada, realiza sua reunião anual em Davos, na Suíça, nesta semana. Até a próxima sexta-feira (24), figuras da economia mundial se reúnem no evento. Em contraponto, o encontro funciona como “uma oportunidade para os principais países capitalistas se unirem para criar estratégias para salvar a ordem econômica neoliberal falida”. 

A avaliação é de Mudabbir Ali, coordenador internacional da organização Fight Inequality Alliance (Aliança para a Luta contra a Desigualdade, em tradução livre) no Paquistão. Para o ativista, o fórum em Davos “aspira trazer ao sistema capitalista maior concentração de riqueza e poder nas mãos da classe de 1% dos super-ricos”. 

Dados divulgados pela Oxfam na segunda-feira (20), revelam que a riqueza somada dos bilionários do mundo aumentou US$ 2 trilhões (cerca de R$ 12 trilhões) em 2024. Isso representa crescimento três vezes maior do que o registrado no ano anterior. Já o número de pessoas pobres quase não muda desde 1990.

Ali explica que as decisões tomadas no evento capitalista “influenciam diretamente a condição econômica dos países em desenvolvimento no Sul Global”, como o Paquistão. Essa influência é manifesta na forma de desemprego, inflação e aumento da dívida do país no exterior. 

“Também é importante notar que o desenvolvimento e a extravagância dos países ricos no Norte Global dependem da extração e expropriação de recursos naturais dos países pobres no Sul Global”, afirma, ao ressaltar que as decisões do Fórum de Davos “reforçam a divisão entre pobres e ricos ao distorcer o sistema para proteger a elite global, já rica e poderosa”.  

<><> Paquistão, um país ainda feudal

Ao Brasil de Fato, o ativista do conglomerado de organizações que desafiam a riqueza e o poder mal distribuídos no mundo explica que a base econômica do Paquistão é a agricultura, expondo que 69% da população de 240,5 milhões de pessoas, segundo o Banco Mundial, depende do plantio para sua subsistência.  

Contudo, os produtores não são independentes e vivem sob o domínio e exploração de proprietários de terras no país. “Essa vasta classe camponesa enfrenta desafios socioeconômicos significativos, principalmente devido à existência duradoura do feudalismo. Apesar das reformas tentadas décadas atrás, o sistema feudal continua arraigado, deixando os camponeses vulneráveis ​​à exploração por proprietários de terras influentes”. 

De acordo com Ali, o Sistema Judiciário paquistanês considerou as reformas agrárias não islâmicas, de modo que as terras foram restauradas às famílias de proprietários feudais, decisão “histórica” que “reforça as desigualdades sociais e restringe a propriedade da terra para pequenos agricultores”.  

“Essa situação precária dificulta o progresso agrícola, pois qualquer iniciativa que vise melhorar as condições dos camponeses vacila diante do poder feudal sistêmico”, pontua.  

Um exemplo do problema estrutural no sistema econômico do Paquistão é o novo projeto de agricultura corporativa no país apoiado pelo governo neoliberal do primeiro-ministro, Shehbaz Sharif, da Liga Muçulmana do Paquistão. 

Nas províncias de Punjab e Sindh, onde residem mais de 128 mil pessoas, o direito ao acesso à água está sendo ameaçado devido à construção de novos canais no rio Indo que têm como objetivo irrigar o Deserto de Cholistão, desviando o abastecimento para a população. O objetivo final do projeto é tornar a região seca em solo fértil para forjar um território apto para o plantio.

Diante dessa realidade, as decisões tomadas em Davos influenciam na pobreza rural, assim como nas estruturas patriarcais, mudanças climáticas, urbanização e governanças inadequadas e exacerbam toda a precariedade já vivida no Paquistão.  

Por outro lado, o FEM visa criar soluções para os problemas econômicos no mundo. E assim, as organizações populares do Paquistão exigem “reformas significativas para garantir a distribuição equitativa de recursos e melhorar os direitos de propriedade da terra”, caso contrário, as comunidades rurais do país continuarão a enfrentar dificuldades cada vez maiores. 

<><> Exigências pela dívida climática

Por isso, o Fight Inequality Pakistan, em conjunto com o Pakistan Kissan Rabita Committee - organização camponesa do Paquistão filiada à Via Campesina - articulam demandas ao Fórum em Davos:

Coibir os excessos dos bilionários aproveitadores; interromper a exploração econômica e a destruição dos trabalhadores; acabar com os subsídios estatais para capitalistas e redirecionar recursos para o bem-estar público; implementar um salário mínimo mensal de 37 mil rúpias paquistanesas (cerca de R$790); interromper a construção dos canais no rio Indo; abolir a agricultura corporativa e distribuir terras para pequenos agricultores e para pessoas sem-terra; substituir empréstimos a países pobres por ajuda urgente para justiça ambiental; recusar empréstimos exploradores e, em vez disso, investir na erradicação da pobreza e em projetos de bem-estar público. 

As organizações ainda exigem, de forma específica, que seja fornecido “pelo menos” um milhão de rúpias paquistanesas (cerca de R$ 21 mil) para as vítimas das enchentes de 2022. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o desastre climático submergiu um terço do país, afetando 33 milhões de pessoas, sendo metade crianças.  

A ONU ainda afirmou que as enchentes danificaram a maioria dos sistemas de água nas áreas afetadas, de modo que 5,4 milhões de pessoas passaram a depender exclusivamente de água contaminada.  

“Nações como o Paquistão, com contribuições mínimas para as emissões globais de gases para o efeito de estufa, são desproporcionalmente afetadas pelas alterações climáticas. Estas [enchentes de 2022] são um exemplo de como as consequências das alterações climáticas não são sentidas de forma igual”, afirma Ali. 

Segundo o Índice Global de Risco Climático, da União Europeia, o Paquistão emite menos de 1% dos gases que aquecem o planeta, mas é um dos que mais sofrem com as consequências das mudanças climáticas. A cidade de Lahore, no Paquistão, frequentemente figura no ranqueamento feito pelo site suiço IQAir como uma das piores qualidades do ar no mundo.

Essa desproporcionalidade levou o Fight Inequality Pakistan e o Pakistan Kissan Rabita Committee a exigir ao Fórum Econômico Mundial garantias de que os países ricos cumpram suas promessas em relação ao financiamento.  

“Este movimento é importante porque o Paquistão é um dos países mais vulneráveis às ameaças das alterações climáticas e, se as emissões globais de carbono dos principais países capitalistas do Norte Global não forem controladas, o Paquistão terá de enfrentar perdas econômicas, sociais e emocionais irreparáveis”, declara Ali.  

O ativista paquistanês afirma que a “dívida climática” é uma questão real para os países do Sul Global. “As nações desenvolvidas têm uma dívida para com as nações em desenvolvimento pelos danos históricos e atuais causados pelas suas elevadas emissões. Essa dívida pode ser resolvida através de mecanismos como o financiamento climático e a transferência de tecnologia, garantindo que o ônus da ação climática não recaia apenas sobre os menos responsáveis”, defende.  

“O Fórum de Davos reúne poderosos líderes mundiais, executivos de negócios e formuladores de políticas. Ao participar do evento, organizações como a nossa podem aumentar a conscientização sobre os impactos negativos da agricultura empresarial e pressionar por políticas que apoiem a redistribuição de terras e a agricultura sustentável”, conclui o ativista.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

 

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