Indígenas
cobram Lula e Sonia em protesto em Belém
A ocupação de mais de 300
indígenas em parte do prédio-sede da Secretaria de Educação (Seduc), em Belém
(PA), respingou na tarde desta quinta-feira (23), em Brasília, quando o
representante da ministra Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas
(MPI), Uilton Tuxá, secretário-substituto da Secretaria Nacional de Articulação
e Promoção de Direitos Indígenas (Seart), foi cobrado pela líder Auricélia
Arapiun por falta de intermediação do governo Lula no diálogo com o governador
Helder Barbalho (MDB), alvo do protesto contra o fim da educação presencial nos
territórios indígenas, quilombolas e nas comunidades ribeirinhas do Pará.
“É necessário que o
Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Lula falem com o amigo dele, Helder,
para vir com nossa ministra Sonia. São dez dias [em Belém] e 8 dias de BR
[BR-163]. O MPI está aqui desde a semana passada e, até agora, não conseguiu
fazer nada. Por que o Helder [governador do Pará, Helder Barbalho/MDB] tem
tanto poder assim?”, disse Aricélia Arapiuns para Uilton Tuxá.
A líder também denunciou um
racha no movimento indígenas através da Federação dos Povos Indígenas do Pará
(Fepipa), organização aliada de Helder Barbalho. “O que tem sido feito até
agora é tentar dividir o movimento. Colocar parente contra parente. Nós não
vamos cair na deles. A nossa pauta segue firme, até que o Helder saia do buraco
em que ele se meteu, onde ele se escondeu, para ele chegar até os povos
indígenas e falar cara a cara”, cobrou Auricélia.
O protesto começou no dia 14 de janeiro e, além da ocupação na Seduc, há manifestação na BR-163 e em
vários pontos do estado contra a Lei nº 10.820/2024, sancionada por Helder
Barbalho no final de dezembro de 2024 sob protestos de servidores públicos contra o que classificaram como um desmonte na Educação.
Essa legislação extingue
o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e
sua versão indígena (Somei), responsáveis por levar
ensino médio presencial às comunidades indígenas, substituindo-o por um modelo
de ensino à distância através do Centro de Mídias da Educação Paraense
(Cemep).
Entre as reivindicações dos
indígenas, eles querem a revogação da lei 10.820/2024 e exoneração do
secretário de Educação, Rossieli Soares da Silva, que já foi secretário da
mesma pasta nos estados do Amazonas e de São Paulo.
A BR-163 continua ocupada,
há oito dias, por 500 indígenas que não puderam se deslocar até a capital do
estado, mas, mantêm seu apoio expresso publicamente.
· Liminar frustrada
Mais cedo, o Governo do Pará
tentou cumprir uma ação de reintegração de posse do prédio da Seduc, por meio
de uma liminar da Justiça Federal, mas a tentativa foi frustrada pelos
indígenas. A área que eles ocupam, pacificamente, é um pequeno espaço da
secretaria que tem 27 mil metros quadrados. Os oficiais de justiça foram
recebidos por volta das 9h da manhã, pelo movimento, que estava realizando uma
cerimônia ritualística. A ordem de desocupar foi dada pela juíza federal
Lucyana Said Daibes Pereira, titular da 7ª Vara da Seção Judiciária do Pará.
Mas não obtiveram sucesso.
“A intimação que chegou não
é nominal. É para os ocupantes. Vieram com o desejo de identificar e
criminalizar as lideranças que estão aqui. Nós decidimos não receber a
intimação. Ela se torna sem efeito. Nós não vamos sair do prédio”, informou
Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós.
Uma das mais de 130
organizações da sociedade civil solidárias à pauta dos povos indígenas do Pará,
a Terra de Direitos divulgou nota pública manifestando que “o direito à educação, à liberdade de expressão e
à manifestação são direitos fundamentais garantidos pela Constituição
Federal”.
Sobre a decisão judicial de
desocupar o prédio da Seduc, a Terra de Direitos diz que “esses direitos estão
sendo claramente violados, especialmente pela decisão da Justiça Federal (…).
Tal decisão afeta diretamente os manifestantes e suas ações legítimas”, diz um
trecho da nota.
· Silêncio nos governos
A reportagem procurou a assessoria
de imprensa da ministra Sonia Guajajara, mas até o fechamento desta reportagem
o Ministério dos Povos Indígenas não se pronunciou com relação às negociações
do protesto em Belém.
O governo Helder Barbalho se
manifestou apenas sobre a liminar judicial para desocupar a sede da Seduc, por
meio do site da agência oficial de notícias. “Decisão visa evitar impactos no
ano letivo de mais de 500 mil alunos. A liminar concedida pela Justiça Federal
reconhece a urgência da retomada dos trabalhos administrativos da Secretaria de
Estado da Educação (Seduc), que estava com seu funcionamento completamente
interrompido”, diz.
“É importante ressaltar que
a decisão judicial não determinou a retirada total dos manifestantes do local,
mas apenas que eles ocupem o refeitório e o auditório, permitindo o
funcionamento das áreas administrativas. O Estado reconhece o direito de
manifestação dos indígenas, respeita, compreende e continua o diálogo”, conclui
a nota oficial.
Enquanto o governo não abre
diálogo com os indígenas, eles seguem recebendo apoio. Professores da rede
estadual de ensino, Sindicato das Trabalhadores e dos Trabalhadores em Educação
Pública do Estado do Pará (Sintepp), que entraram em greve geral nesta
quinta-feira contra o desmonte na educação estadual, foram até a frente da
Seduc reafirmar apoio ao movimento e defender os direitos da categoria,
chegando a interromper o fluxo de veículos em um trecho da Avenida Augusto
Montenegro, no KM 10, distrito de Icoaraci.
· Inabilidade política
O governador Helder Barbalho
(MDB) esteve afastado de suas funções para tratar de assuntos particulares no
exterior, durante o período de 9 a 19 de janeiro, transmitindo a chefia do
poder executivo estadual à sua vice, Hana Ghassan Tuma. Apesar dos apelos dos
povos indígenas, ela não se dispôs a dialogar com quem está ocupando a sede da
Seduc, tarefa assumida pela Secretária dos Povos Indígenas (Sepi), Puyr Tembé,
e pelo secretário de Educação, Rossieli. Não houve avanços.
Kamirã Tembé, um dos
caciques do Alto Rio Guamá, território que abrange três municípios do Pará
(Santa Luzia do Pará, Paragominas, Nova Esperança do Piriá), repudia a falta de
diálogo por parte do Governo do Estado. “Um governo que vem demonstrando para o
mundo lá fora que está voltado a tratar com as populações tradicionais mostra
incompetência e imaturidade, principalmente quando publica uma lei que fere
diretamente o direito de oferta da educação escolar indígena”.
Já se passaram dez dias
desde a primeira tentativa do movimento em dialogar, diretamente, com o
governo. “Na região Sul [do Alto Rio Guamá] estão os Tembé de Paragominas. Eles
são atendidos pela modalidade do sistema modular. Pela distância da sede do
município, é a única oferta de ensino a essas comunidades”, relata Kamirã e
acrescenta: “A Convenção 169 garante a consulta livre, prévia e informada.
Qualquer projeto que venha ferir o direito dos povos, eles tinham que ser
consultados. Fomos pegos de surpresa, com uma votação relâmpago que aconteceu
na Alepa [Assembleia Legislativa do Pará]”.
· Respeito ao movimento
O movimento indígena do Pará
cobra o respeito à sua forma de organização e o direito à consulta livre,
prévia e informada aos povos, conforme a Convenção 169. Margareth Maytapu é
liderança entre 14 povos do Baixo Tapajós e destaca que o movimento reivindica
a presença do governador em reunião com todos os ocupantes da Seduc, e não com
uma comissão.
“Eu coordeno 119 aldeias e
meus caciques das 119 aldeias vieram [para Belém]. Quando eles estão, nós
estamos para acompanhar. Eles que decidem. Eles querem conversar com o
governador. E não conseguimos essa conversa”, afirma. Uma média de 70
lideranças indígenas demoraram três dias para chegar a Belém de barco. Outras,
como ela, deslocaram-se pela rodovia e dedicaram 24 horas no percurso.
As lideranças também
destacam a importância de se compreender a diversidade de suas vozes. “O
mandato da Puyr [secretária da Sepi e presidente da Federação dos Povos
Indígenas do Pará, Fepipa] na presidência da Fepipa acabou ano passado e até
agora não houve nova eleição. Puyr conversou individualmente com algumas
lideranças com a justificativa de que havia entre nós não-indígenas e por isso
não falaria amplamente. Mas, a Sepi também tem não-indígenas trabalhando e ela
não deixa de atuar como secretária”, argumenta Auricélia. Emocionada, ela diz
ainda: “eu mesma festejei a escolha de Puyr Tembé para assumir a secretaria.
Festejei por ser ela uma mulher e por ser uma mulher com uma trajetória de
luta. Mas, a secretaria não tem estado ao lado dos povos indígenas”. Com delicadeza
e voz firme, ela afirma: “Belém vai recepcionar a COP-30 este ano, mas, para
nós, a discussão sobre mudanças climáticas não começou agora. Clima é uma
preocupação dos povos indígenas desde sempre”.
A agência Amazônia Real entrou
nesta quinta-feira na sede da Seduc. No dia 16 de janeiro, a reportagem esteve
no local e foi impedida de entrar porque a Polícia Militar cercou os portões.
Advogados, que pretendiam fazer o atendimento aos indígenas, também tiveram
acesso negado. Foi preciso uma liminar judicial para a liberação de entrada desses profissionais.
Ao percorrer os corredores
da Seduc, salta os olhos a discrepância entre o discurso predominante do
Governo do Estado e a ocupação do movimento indígena. A sede da Seduc contempla
dois blocos de prédios administrativos, auditório, restaurante e
estacionamento. Os indígenas ocupam, pacificamente, um dos três andares do
prédio anexo, o auditório Prof. Dionísio João Hage, o refeitório e alguns
corredores. Ainda assim, sem nenhum tipo de impedimento à mobilidade de
servidores ou mesmo do acesso às mesas de trabalho. Tudo se nota limpo e
íntegro.
A demora do Governo do Pará
em sentar para dialogar com o movimento indígena tem gerado novas tensões e
incertezas. “Tivemos o primeiro dia de tensão com a polícia e tudo aquilo que
denunciamos. Hoje, o clima começou a ficar mais tenso. E espero que esteja
tenso para o governo também, para que ele compreenda que a nossa luta não é só
dos povos indígenas”, desabafa Auricélia Arapiun.
Por volta das 2h da
madrugada desta quinta-feira, conforme relatado das lideranças em vídeos
divulgados nas redes sociais e internet, homens, em duas motos e sem retirar o
capacete, arrancaram faixas de apoio ao movimento indígena e que estavam
afixadas nas grades externas da Sedec.
As incoerências são
históricas, garante Auricélia Arapiuns. Ela lembra que o senador Jader Barbalho, pai do atual
governador Helder Barbalho, assinou o decreto Nº 4.714, de 09 de fevereiro de
1987, e aprovou o Regulamento da Lei nº 5.351, de 21 de novembro de 1986, a
saber, o Estatuto do Magistério. O que foi conveniente naquele momento, parece
não ser mais agora, com sua derrocada. A indignação é inevitável. “Eles falam
que os recursos são limitados, mas, eles não poupam recursos para fazer
campanha eleitoral e chegar dentro dos territórios mais difíceis durante a
campanha eleitoral”, compara.
¨ COP 30:
quem dá as cartas?
O Pará, que é a principal
fonte energia (e principalmente de fonte hídrica, antigamente considerada a
mais barata e a mais limpa do país), já ficou para trás da compreensão e
domínio do novo salto no uso de energia, que ocorre há muito tempo, à sombra da
COP 30, cuja essência é metamorfosear a sede do acontecimento com um objetivo
básico: demonstrar que ela pensa sobre o desenvolvimento mais sustentável. Nem
nela nem no restante do grande Estado.
Fora da cobertura cotidiano
dos fatos, o que vejo é a ocupação da liderança do encontro internacional de
novembro por instituições públicas e privadas, sobretudo as estrangeiras e de
São Paulo. Hoje, enquanto a chuva constante nos lembrava que estamos vivendo a
nova transição enérgica mundial, perdemos as oportunidades do primeiro e do
segundo choques do petróleo, em 1973, quando começou um novo ciclo econômico,
resultado de uma combinação de energia abundante (que encareceu exageradamente
menos pelo “fato amazônico” do que por uma corrupção desenfreada e nã o
revelada).
Se não houvesse corrupção, a
hidrelétrica, a primeira das quatro usinas, com potencial máximo, no auge da
cheia dos rios, de 30 mil megawatts. A corrupção foi calculada por Eliezer
Batista em 2 bilhões de dólares. Numa atualização subestimada, seriam mais de
10 bilhões de reais. Todos sabem quem é Eliezer. A mais importante mina de
Carajás, a S11-D, leva o seu nome. Merecidamente. Assim, a energia hidrelétrica
se encareceu, sem falar em ajustes e ‘Inovações” de engenharia. E há ainda as
extensas linhas de transmissão, agora sob o controle dos chineses.
Uma iniciativa de
atualização na questão ocorre em São Paulo. Visando “assegurar o acesso
confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e
todos”. O evento foi organizado pelo Programa Ano Sabático do
IEA, com apoio do Operador Nacional do Sistema (ONS) e
do Centro de Energias Alternativas e Renováveis (Cear/UFPB).
“O Brasil é um grande
celeiro de energias renováveis, com um setor altamente pujante na economia e
pode, em pouco tempo, ser o grande protagonista global da transição energética,
com papel cada vez mais relevante na geopolítica de sustentabilidade e de
combate ao aquecimento global”, comenta, em press release, Camila Ramos,
executivo da CELA.
A CELA (Clean Energy Latin
America) se apresenta como “uma butique de investimentos que presta assessoria
financeira e consultoria estratégica a empresas e investidores do setor de
energia renovável na América Latina. É especializada nos setores de energia
eólica, solar fotovoltaica, armazenamento de energia e hidrogênio verde.
Trabalha com planos de negócios, a análise de viabilidade de projetos, captação
de recursos, M&A, project finance estruturação financeira de PPAs no
mercado livre e regulado”.
Quando a COP 30 começar, as
cartas já estarão distribuídas. Mas o governo garante fantasias e rojões, no
velho estilo dos novos políticos.
Fonte: Amazônia
Real
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