sábado, 25 de janeiro de 2025

Indígenas cobram Lula e Sonia em protesto em Belém

A ocupação de mais de 300 indígenas em parte do prédio-sede da Secretaria de Educação (Seduc), em Belém (PA), respingou na tarde desta quinta-feira (23), em Brasília, quando o representante da ministra Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Uilton Tuxá, secretário-substituto da Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (Seart), foi cobrado pela líder Auricélia Arapiun por falta de intermediação do governo Lula no diálogo com o governador Helder Barbalho (MDB), alvo do protesto contra o fim da educação presencial nos territórios indígenas, quilombolas e nas comunidades ribeirinhas do Pará.

“É necessário que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Lula falem com o amigo dele, Helder, para vir com nossa ministra Sonia. São dez dias [em Belém] e 8 dias de BR [BR-163]. O MPI está aqui desde a semana passada e, até agora, não conseguiu fazer nada. Por que o Helder [governador do Pará, Helder Barbalho/MDB] tem tanto poder assim?”, disse Aricélia Arapiuns para Uilton Tuxá. 

A líder também denunciou um racha no movimento indígenas através da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), organização aliada de Helder Barbalho. “O que tem sido feito até agora é tentar dividir o movimento. Colocar parente contra parente. Nós não vamos cair na deles. A nossa pauta segue firme, até que o Helder saia do buraco em que ele se meteu, onde ele se escondeu, para ele chegar até os povos indígenas e falar cara a cara”, cobrou Auricélia.

O protesto começou no dia 14 de janeiro e, além da ocupação na Seduc, há manifestação na BR-163 e em vários pontos do estado contra a Lei nº 10.820/2024, sancionada por Helder Barbalho no final de dezembro de 2024 sob protestos de servidores públicos contra o que classificaram como um desmonte na Educação. 

Essa legislação extingue o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e sua versão indígena (Somei), responsáveis por levar ensino médio presencial às comunidades indígenas, substituindo-o por um modelo de ensino à distância através do Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep). 

Entre as reivindicações dos indígenas, eles querem a revogação da lei 10.820/2024 e exoneração do secretário de Educação, Rossieli Soares da Silva, que já foi secretário da mesma pasta nos estados do Amazonas e de São Paulo.

A BR-163 continua ocupada, há oito dias, por 500 indígenas que não puderam se deslocar até a capital do estado, mas, mantêm seu apoio expresso publicamente.

·       Liminar frustrada

Mais cedo, o Governo do Pará tentou cumprir uma ação de reintegração de posse do prédio da Seduc, por meio de uma liminar da Justiça Federal, mas a tentativa foi frustrada pelos indígenas. A área que eles ocupam, pacificamente, é um pequeno espaço da secretaria que tem 27 mil metros quadrados. Os oficiais de justiça foram recebidos por volta das 9h da manhã, pelo movimento, que estava realizando uma cerimônia ritualística. A ordem de desocupar foi dada pela juíza federal Lucyana Said Daibes Pereira, titular da 7ª Vara da Seção Judiciária do Pará. Mas não obtiveram sucesso.

“A intimação que chegou não é nominal. É para os ocupantes. Vieram com o desejo de identificar e criminalizar as lideranças que estão aqui. Nós decidimos não receber a intimação. Ela se torna sem efeito. Nós não vamos sair do prédio”, informou Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós. 

Uma das mais de 130 organizações da sociedade civil solidárias à pauta dos povos indígenas do Pará, a Terra de Direitos divulgou nota pública manifestando que “o direito à educação, à liberdade de expressão e à manifestação são direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal”. 

Sobre a decisão judicial de desocupar o prédio da Seduc, a Terra de Direitos diz que “esses direitos estão sendo claramente violados, especialmente pela decisão da Justiça Federal (…). Tal decisão afeta diretamente os manifestantes e suas ações legítimas”, diz um trecho da nota.

·       Silêncio nos governos

A reportagem procurou a assessoria de imprensa da ministra Sonia Guajajara, mas até o fechamento desta reportagem o Ministério dos Povos Indígenas não se pronunciou com relação às negociações do protesto em Belém.

O governo Helder Barbalho se manifestou apenas sobre a liminar judicial para desocupar a sede da Seduc, por meio do site da agência oficial de notícias. “Decisão visa evitar impactos no ano letivo de mais de 500 mil alunos. A liminar concedida pela Justiça Federal reconhece a urgência da retomada dos trabalhos administrativos da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), que estava com seu funcionamento completamente interrompido”, diz.

“É importante ressaltar que a decisão judicial não determinou a retirada total dos manifestantes do local, mas apenas que eles ocupem o refeitório e o auditório, permitindo o funcionamento das áreas administrativas. O Estado reconhece o direito de manifestação dos indígenas, respeita, compreende e continua o diálogo”, conclui a nota oficial.

Enquanto o governo não abre diálogo com os indígenas, eles seguem recebendo apoio. Professores da rede estadual de ensino, Sindicato das Trabalhadores e dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp), que entraram em greve geral nesta quinta-feira contra o desmonte na educação estadual, foram até a frente da Seduc reafirmar apoio ao movimento e defender os direitos da categoria, chegando a interromper o fluxo de veículos em um trecho da Avenida Augusto Montenegro, no KM 10, distrito de Icoaraci. 

·       Inabilidade política

O governador Helder Barbalho (MDB) esteve afastado de suas funções para tratar de assuntos particulares no exterior, durante o período de 9 a 19 de janeiro, transmitindo a chefia do poder executivo estadual à sua vice, Hana Ghassan Tuma. Apesar dos apelos dos povos indígenas, ela não se dispôs a dialogar com quem está ocupando a sede da Seduc, tarefa assumida pela Secretária dos Povos Indígenas (Sepi), Puyr Tembé, e pelo secretário de Educação, Rossieli. Não houve avanços.

Kamirã Tembé, um dos caciques do Alto Rio Guamá, território que abrange três municípios do Pará (Santa Luzia do Pará, Paragominas, Nova Esperança do Piriá), repudia a falta de diálogo por parte do Governo do Estado. “Um governo que vem demonstrando para o mundo lá fora que está voltado a tratar com as populações tradicionais mostra incompetência e imaturidade, principalmente quando publica uma lei que fere diretamente o direito de oferta da educação escolar indígena”. 

Já se passaram dez dias desde a primeira tentativa do movimento em dialogar, diretamente, com o governo. “Na região Sul [do Alto Rio Guamá] estão os Tembé de Paragominas. Eles são atendidos pela modalidade do sistema modular. Pela distância da sede do município, é a única oferta de ensino a essas comunidades”, relata Kamirã e acrescenta: “A Convenção 169 garante a consulta livre, prévia e informada. Qualquer projeto que venha ferir o direito dos povos, eles tinham que ser consultados. Fomos pegos de surpresa, com uma votação relâmpago que aconteceu na Alepa [Assembleia Legislativa do Pará]”.

·       Respeito ao movimento

O movimento indígena do Pará cobra o respeito à sua forma de organização e o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos, conforme a Convenção 169. Margareth Maytapu é liderança entre 14 povos do Baixo Tapajós e destaca que o movimento reivindica a presença do governador em reunião com todos os ocupantes da Seduc, e não com uma comissão.

“Eu coordeno 119 aldeias e meus caciques das 119 aldeias vieram [para Belém]. Quando eles estão, nós estamos para acompanhar. Eles que decidem. Eles querem conversar com o governador. E não conseguimos essa conversa”, afirma. Uma média de 70 lideranças indígenas demoraram três dias para chegar a Belém de barco. Outras, como ela, deslocaram-se pela rodovia e dedicaram 24 horas no percurso.

As lideranças também destacam a importância de se compreender a diversidade de suas vozes. “O mandato da Puyr [secretária da Sepi e presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará, Fepipa] na presidência da Fepipa acabou ano passado e até agora não houve nova eleição. Puyr conversou individualmente com algumas lideranças com a justificativa de que havia entre nós não-indígenas e por isso não falaria amplamente. Mas, a Sepi também tem não-indígenas trabalhando e ela não deixa de atuar como secretária”, argumenta Auricélia. Emocionada, ela diz ainda: “eu mesma festejei a escolha de Puyr Tembé para assumir a secretaria. Festejei por ser ela uma mulher e por ser uma mulher com uma trajetória de luta. Mas, a secretaria não tem estado ao lado dos povos indígenas”. Com delicadeza e voz firme, ela afirma: “Belém vai recepcionar a COP-30 este ano, mas, para nós, a discussão sobre mudanças climáticas não começou agora. Clima é uma preocupação dos povos indígenas desde sempre”.

A agência Amazônia Real entrou nesta quinta-feira na sede da Seduc. No dia 16 de janeiro, a reportagem esteve no local e foi impedida de entrar porque a Polícia Militar cercou os portões. Advogados, que pretendiam fazer o atendimento aos indígenas, também tiveram acesso negado. Foi preciso uma liminar judicial para a liberação de entrada desses profissionais.  

Ao percorrer os corredores da Seduc, salta os olhos a discrepância entre o discurso predominante do Governo do Estado e a ocupação do movimento indígena. A sede da Seduc contempla dois blocos de prédios administrativos, auditório, restaurante e estacionamento. Os indígenas ocupam, pacificamente, um dos três andares do prédio anexo, o auditório Prof. Dionísio João Hage, o refeitório e alguns corredores. Ainda assim, sem nenhum tipo de impedimento à mobilidade de servidores ou mesmo do acesso às mesas de trabalho. Tudo se nota limpo e íntegro. 

A demora do Governo do Pará em sentar para dialogar com o movimento indígena tem gerado novas tensões e incertezas. “Tivemos o primeiro dia de tensão com a polícia e tudo aquilo que denunciamos. Hoje, o clima começou a ficar mais tenso. E espero que esteja tenso para o governo também, para que ele compreenda que a nossa luta não é só dos povos indígenas”, desabafa Auricélia Arapiun. 

Por volta das 2h da madrugada desta quinta-feira, conforme relatado das lideranças em vídeos divulgados nas redes sociais e internet, homens, em duas motos e sem retirar o capacete, arrancaram faixas de apoio ao movimento indígena e que estavam afixadas nas grades externas da Sedec.

As incoerências são históricas, garante Auricélia Arapiuns. Ela lembra que o senador Jader Barbalho, pai do atual governador Helder Barbalho, assinou o decreto Nº 4.714, de 09 de fevereiro de 1987, e aprovou o Regulamento da Lei nº 5.351, de 21 de novembro de 1986, a saber, o Estatuto do Magistério. O que foi conveniente naquele momento, parece não ser mais agora, com sua derrocada. A indignação é inevitável. “Eles falam que os recursos são limitados, mas, eles não poupam recursos para fazer campanha eleitoral e chegar dentro dos territórios mais difíceis durante a campanha eleitoral”, compara.

 

¨      COP 30: quem dá as cartas?

O Pará, que é a principal fonte energia (e principalmente de fonte hídrica, antigamente considerada a mais barata e a mais limpa do país), já ficou para trás da compreensão e domínio do novo salto no uso de energia, que ocorre há muito tempo, à sombra da COP 30, cuja essência é metamorfosear a sede do acontecimento com um objetivo básico: demonstrar que ela pensa sobre o desenvolvimento mais sustentável. Nem nela nem no restante do grande Estado.

Fora da cobertura cotidiano dos fatos, o que vejo é a ocupação da liderança do encontro internacional de novembro por instituições públicas e privadas, sobretudo as estrangeiras e de São Paulo. Hoje, enquanto a chuva constante nos lembrava que estamos vivendo a nova transição enérgica mundial, perdemos as oportunidades do primeiro e do segundo choques do petróleo, em 1973, quando começou um novo ciclo econômico, resultado de uma combinação de energia abundante (que encareceu exageradamente menos pelo “fato amazônico” do que por uma corrupção desenfreada e nã o revelada).

Se não houvesse corrupção, a hidrelétrica, a primeira das quatro usinas, com potencial máximo, no auge da cheia dos rios, de 30 mil megawatts. A corrupção foi calculada por Eliezer Batista em 2 bilhões de dólares. Numa atualização subestimada, seriam mais de 10 bilhões de reais. Todos sabem quem é Eliezer. A mais importante mina de Carajás, a S11-D, leva o seu nome. Merecidamente. Assim, a energia hidrelétrica se encareceu, sem falar em ajustes e ‘Inovações” de engenharia. E há ainda as extensas linhas de transmissão, agora sob o controle dos chineses.

Uma iniciativa de atualização na questão ocorre em São Paulo. Visando “assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos”. O evento foi organizado pelo Programa Ano Sabático do IEA, com apoio do Operador Nacional do Sistema (ONS) e do Centro de Energias Alternativas e Renováveis (Cear/UFPB). 

“O Brasil é um grande celeiro de energias renováveis, com um setor altamente pujante na economia e pode, em pouco tempo, ser o grande protagonista global da transição energética, com papel cada vez mais relevante na geopolítica de sustentabilidade e de combate ao aquecimento global”, comenta, em press release, Camila Ramos, executivo  da CELA.

A CELA (Clean Energy Latin America) se apresenta como “uma butique de investimentos que presta assessoria financeira e consultoria estratégica a empresas e investidores do setor de energia renovável na América Latina. É especializada nos setores de energia eólica, solar fotovoltaica, armazenamento de energia e hidrogênio verde. Trabalha com planos de negócios, a análise de viabilidade de projetos, captação de recursos, M&A, project finance estruturação financeira de PPAs no mercado livre e regulado”.

Quando a COP 30 começar, as cartas já estarão distribuídas. Mas o governo garante fantasias e rojões, no velho estilo dos novos políticos.

 

Fonte: Amazônia Real

 

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