Verdades e mitos
sobre a creatina: estudo mostra o que já existe de evidência científica
Pesquisadores
brasileiros fazem parte de um grupo de cientistas que analisou dezenas de
estudos sobre a creatina em todo o mundo para investigar o que é verdade e o
que é mito a respeito dela. O suplemento é amplamente utilizado para melhorar o
desempenho em atividades físicas. O estudo, publicado em artigo no Journal
of the International Society of Sports Nutrition, reúne evidências
científicas de que a suplementação em doses indicadas favorece a atividade
física, não causa câncer, não compromete os rins nem provoca câimbras, calvície
ou hipertensão. Ao mesmo tempo, os pesquisadores apontam aspectos que
necessitam de mais estudos, como o efeito terapêutico da creatina e seu uso
durante a gestação.
“A creatina é um
composto produzido no nosso próprio organismo, em particular nos rins e fígado,
a partir de três aminoácidos, a arginina, a glicina e a metionina”, explica
ao Jornal da USP Hamilton Roschel, professor da Escola de Educação
Física e Esporte (EEFE), membro do Centro de Medicina do Estilo de Vida (CMEV)
e do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da USP, um dos autores
do artigo. “Ela também pode ser consumida em alimentos, em particular em carnes
vermelhas ou então em suplementos produzidos comercialmente.”
“Por ser armazenada
principalmente nos músculos e facilitar a produção de energia de maneira
rápida, a suplementação de creatina tem sido amplamente usada como recurso para
aumentar a capacidade de se exercitar, o que sugere potencial não apenas para o
desempenho físico-esportivo, mas também terapêutico”, afirma Roschel. “A
creatina participa dos processos de produção de energia em outros tecidos e,
assim, seu efeito tem sido estudado em outros contextos ao longo das últimas
décadas, como, por exemplo, seu efeito na saúde óssea e na cognição, entre
outros.”
“Este trabalho é
uma revisão narrativa, ou seja, vários pesquisadores que estudam a creatina ao
redor do mundo se reuniram e revisaram os principais temas relacionados ao
suplemento. Alguns não são científicos de fato, apenas, ‘fake news’,
desinformação, e o objetivo era desmistificar essas falácias”, diz o professor
da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) Bruno Gualano, que também integra o
CMEV e o Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da USP.
O estudo também
confirmou evidências já existentes, como a de que a suplementação, de fato,
pode melhorar o desempenho físico esportivo, em especial nas atividades de
altíssima intensidade, feitas em modalidades coletivas, entre elas futebol,
basquete e vôlei.
·
Segurança
Segundo Gualano, os
pesquisadores concentraram-se na checagem de 14 afirmações sobre a creatina,
divididas em três grupos. “Há fatos confirmados, outros desmentidos e uma
categoria que exige mais estudos, como os benefícios terapêuticos”, comenta.
“Entre os que foram confirmados, por exemplo, está a questão do desempenho, se
você tomar, cinco, sete dias depois, pode melhorar em atividades específicas, e
que o suplemento pode ser usado por idosos e adolescentes eventualmente, não
tem risco para essa população.”
Roschel observa que
além do artigo de revisão, foram elaborados mais dois textos reunindo as
principais questões sobre o tema. “Talvez as dúvidas mais comuns acerca do uso
da creatina fiquem em torno da sua segurança”, diz. “Enquanto as perguntas
relacionadas ao sistema renal foram abordadas no primeiro texto, a alegação de
que ela poderia estar ligada ao desenvolvimento de câncer é discutida no
segundo.”
“O trabalho
desmistifica essa informação ao apontar que não há evidências de que doses
típicas de creatina aumentem o risco de câncer, seja primário ou metástase.
Também há evidências, ainda insuficientes, de que a creatina possa auxiliar na
proteção ou recuperação do comprometimento muscular induzido pelo câncer ou
tratamento associado. De qualquer forma, é recomendado a limitação do consumo
de produtos cárneos processados e ultraprocessados ou submetidos à cocção
intensa, churrasco, por exemplo.”
·
Efeitos
De acordo com
Roschel, outra questão recorrente é sobre um possível efeito da creatina sobre
a pressão arterial. “Uma vez que se trata de uma substância que causa retenção
de fluido intracelular, há uma preocupação infundada de que isso poderia afetar
tanto a função renal quanto a pressão arterial”, relata. “A literatura mostra
não haver efeito negativo da suplementação de creatina sobre a pressão
arterial, seja em jovens saudáveis ou em populações clínicas. Não há, contudo,
estudos conduzidos com pacientes hipertensos de base, o que limita a
extrapolação dos achados para essa população.”
“Uma terceira
pergunta muito comum talvez seja sobre a tolerância da suplementação durante a
gestação. Estudos pré-clínicos em modelo animal mostraram que ninhadas expostas
à creatina e seguidas até a idade adulta não reportaram nenhum impacto
negativo, tanto na mãe quanto no feto”, descreve Roschel. “Apesar disso,
ainda não há evidências diretas a partir de estudos clínicos bem controlados e
desenhados com seres humanos para investigar a segurança e os efeitos do
suplemento nesses casos.”
Gualano acrescenta
que o artigo apresenta desinformações que circulavam nas redes sociais e os
pesquisadores trouxeram evidências para mostrar que não faziam sentido, do ponto
de vista científico. “Alguns mitos que nós desmistificamos, por exemplo, é que
a creatina pode prejudicar a saúde”, ressalta. “Existe na literatura uma
evidência muito grande de que o suplemento é seguro, tanto na função renal,
quanto para a saúde hepática, que não causa câimbras, nem calvície, ou inflama
ou causa hipertensão arterial.”
“Também há fatos
que ainda não têm respaldo científico, ficam mais ou menos numa zona cinza, ou
seja, existe alguma evidência que a suplementação poderia funcionar em determinadas
condições, mas não há evidências clínicas suficientes para bater o martelo”,
salienta Gualano. “Por exemplo, o uso na reabilitação de pessoas imobilizadas,
que passam por cirurgia. Existe uma lógica por trás disso, a creatina poderia
aumentar força, recuperar massa muscular e melhorar o desempenho, mas há poucos
estudos clínicos que aprovem o uso nessas condições.”
O artigo é
apresentado de maneira didática, considerando que é uma publicação científica,
com perguntas, respostas e um resumo das evidências, incluindo também temas
como a interação da cafeína com a creatina, efeitos na privação de sono e
fertilidade masculina e se o momento de tomar o suplemento, antes ou após o
treino, faz diferença.
Fonte: Jornal da
USP
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