segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Populismo apocalíptico de Trump levará ao autoritarismo?

Donald Trump usou e abusou de elementos religiosos durante sua cerimônia de posse, dizendo ter sido salvo por Deus para fazer a "América grande novamente". Mesmo se apresentando como o Messias, Trump terá que levar a sério a agenda religiosa para manter o seu eleitorado cristão fiel, disse o especialista à Sputnik Brasil.

Durante sua posse, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que Deus teria salvado a sua vida para que ele cumpra a missão de fazer a "América grande novamente". Em discurso pontuado pelo vocabulário judaico-cristão, Trump anunciou a forte influência das ideias religiosas em seu novo mandato.

"Aqueles que desejavam impedir nossa causa tentaram tirar minha liberdade e, de fato, tirar a minha vida. Há apenas alguns meses, em um belo campo da Pensilvânia, uma bala de um assassino atravessou minha orelha. Mas senti na época, e acredito ainda mais agora, que minha vida foi salva por um motivo: fui salvo por Deus para tornar a América grande novamente", disse Trump.

O presidente norte-americano disse que trabalhará para que os EUA "sejam respeitados e admirados novamente, inclusive por pessoas religiosas", e prometeu "não esquecer de nossa Constituição, nem de Deus".

Para o professor do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (PPGRI UEPB) e diretor do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR), Fabio Nobre, o trumpismo apresenta traços claros de messianismo político.

"Trump pode ser classificado como um populista messiânico, ou mais especificamente um populista apocalíptico, ou escatológico. Nessa modalidade, o líder se apresenta como um escolhido que pode evitar o fim de um estilo de vida – no caso, o comportamento sociopolítico do branco, nacionalista, conservador norte-americano", disse Nobre à Sputnik Brasil.

Segundo o professor, "ao se apresentar como um líder predestinado a restaurar a grandeza e proteger os valores tradicionais, Trump cria uma conexão simbólica com elementos da redação e proteção divina".

Apesar da ênfase trumpista, o uso da figura de Deus em discursos políticos não é monopólio da direita do espectro político, disse o professor adjunto do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Toniol.

"Isso não é uma exclusividade da direita e foi um elemento muito comum no conjunto da retórica política do século XX. Inclusive líderes de democracias ocidentais se valeram desse fundo paradigmático da linguagem religiosa", disse Toniol à Sputnik Brasil.

O professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Ceará e estudioso do pensamento político de direita Fabio Gentile concorda, dizendo que "nada impede que as democracias misturem elementos políticos e religiosos".

"No caso dos EUA, desde a sua fundação, a religião foi utilizada como um elemento aglutinador da nação. Não é de surpreender que todos os presidentes dos EUA falem sobre a missão religiosa de seu país, que seria salvar o mundo e lutar contra o mal", disse Gentile à Sputnik Brasil. "E essa estratégia discursiva e ideológica é utilizada por presidentes conservadores e progressistas, como Bill Clinton, por exemplo."

Do ponto de vista religioso, o messias é aquele que salva e redime os pecados cometidos na vida terrena. Segundo Toniol, "o político que se apresenta como messias diz que vai conseguir resolver todos os problemas e redimir a nação".

"É importante notar que o político messiânico comunica, sobretudo, que há um problema a ser resolvido pela nação. Ele comunica que há um pecado original do qual devemos ser salvos. A diferença entre o messianismo de esquerda e de direita será qual 'pecado original' é esse", disse Tonio. "Cada espectro político se propõe a salvar o povo dos pecados que ele identifica, ou mesmo projeta."

No caso de Trump, os problemas centrais dos quais a nação norte-americana deve ser salva são "a pauta identitária, o direito ao aborto, a chamada 'ideologia woke' progressista e demais temas da cartilha trumpista".

A apropriação de elementos religiosos traz vantagens a Trump, que mobiliza o eleitorado em um país no qual o voto não é obrigatório, além de unir facções diferentes em torno de uma visão comum, acredita o professor Fábio Nobre.

"Por outro lado, essa abordagem tende a alienar grupos religiosos e seculares que não compartilham dessa visão", disse Nobre. "Há também o risco de reduzir a religião a uma ferramenta política, gerando desconfiança e aumentando a polarização no país."

O risco de polarização pode ser acentuado, já que Trump não promete a salvação para a população como um todo, mas somente àqueles que o apoiam politicamente.

"Assim como no discurso religioso, a chegada do Messias leva ao julgamento divino, no qual não todos, mas somente os eleitos serão salvos", notou Toniol. "Trump não está interessado em produzir a salvação para todos, e deixou isso bem claro durante a campanha ao propor deportações em massa, por exemplo."

Apesar da forte influência pentecostal nos ritos e simbologia trumpista, sua administração será a mais católica de toda a história dos EUA, escreveu Toniol em sua coluna no jornal Folha de São Paulo.

O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, traz o catolicismo conservador para o centro da Casa Branca, alinhando-a ao pensamento de juízes da Suprema Corte norte-americana, como Amy Coney Barrett, Brett Kavanaugh, Clarence Thomas e Samuel Alito. O secretário de Estado, Marco Rubio, e de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., também reforçam o coro católico conservador na equipe de Trump.

O pensamento de Vance, corroborado por revistas conservadoras norte-americanas como a Compact Magazine ou American Affairs, alia a oposição ao aborto, à retomada da defesa dos direitos da classe trabalhadora contra a financeirização e desregulamentação do capitalismo norte-americano.

·       Messias autoritário?

Para o professor Fábio Nobre, o uso de elementos religiosos e o traço messiânico de Donald Trump poderá abrir espaço para o autoritarismo político.

"Esse tipo de discurso tem o potencial de abrir espaço, sim, para práticas políticas autoritárias, na medida em que ele transfere a fonte de legitimidade política do consentimento democrático para o plano divino", disse Nobre. "Isso dificulta questionamentos e críticas à sua liderança."

O especialista notou o caso da reverenda Mariann Edgard Budde, que contrariou Trump no dia da sua posse, pedindo a misericórdia do presidente com aqueles que não votaram nele.

"Nesse caso, muitos fiéis apoiaram Trump, escolhendo a figura política em detrimento da autoridade religiosa – a reverenda", disse Nobre. "Trump assume posição central frente acima das lideranças espirituais, e essa dinâmica normalmente é associada ao messianismo político, que tende a contribuir para tendências autoritárias."

Por outro lado, o professor Toniol aponta que o eleitorado religioso pode ser refratário ao autoritarismo. O eleitor religioso demanda a adesão do líder político à sua pauta e pode abandoná-lo caso não se sinta representado.

"Não acredito que líderes como Trump tenham apoio incondicional de seu eleitorado religioso. O eleitor religioso, assim como qualquer outro, opera a partir do seu cálculo de custo-benefício e de sua posição política", disse Toniol. "Trump não tem carta branca, ele só ficará na liderança enquanto conseguir se comunicar com esse grupo e atender aos seus anseios. Se deixar de fazer isso, perderá esse apoio."

De acordo com o jornal Washington Post, 56% do eleitorado católico votou em Trump nas eleições presidenciais norte-americanas de 2024, um aumento de nove pontos percentuais em relação às eleições de 2020. Entre os protestantes e demais nominações cristãs, 62% declararam voto em Trump em 2024, contra 27% de eleitores de sua então adversária, Kamala Harris. A vantagem de Trump não se reflete entre pessoas religiosas não cristãs, que declararam voto em Harris em 72% dos casos.

¨      Quais as primeiras apostas do presidente dos EUA na primeira semana no cargo?

O novo presidente dos EUA, Donald Trump, voltou ao poder e já deu indícios de como deverão ser as políticas deste governo. O republicano iniciou o segundo mandato com uma série de medidas em áreas como relações externas, comércio, imigração e programas de diversidade de raça e gênero.

Durante quatro anos no exílio político após o primeiro mandato, Trump prometeu remodelar de forma radical a cultura e a política americanas se tivesse outra chance. A primeira semana demonstrou que ele tentará fazer exatamente isso enquanto corre para cumprir as promessas que o levaram de volta ao poder.

>>>> Veja algumas das maiores mudanças políticas do governo Trump 2.0.

<><> Imigração

Nenhuma questão recebeu mais atenção nos primeiros dias de Trump e o novo governo do que a imigração. A questão está há muito tempo no centro do discurso político do presidente, e reforçou ao longo da campanha presidencial que faria mudanças significativas na área.

Trump emitiu mais de uma dúzia de ordens relacionadas à imigração, defendendo que os Estados Unidos estão sendo invadidos por imigrantes perigosos que cruzam a fronteira com o México. Muitas das mudanças mais agressivas incluem novos poderes para negar a entrada de requerentes de asilo no país.

Ele rapidamente eliminou as políticas que impediam os oficiais de Imigração e Alfândega de invadir igrejas, escolas e hospitais em busca de imigrantes e bloqueou a entrada de milhares de refugiados que já haviam sido liberados para seguir para os EUA.

Trump iniciou o processo de expulsão de um milhão de pessoas que o presidente Biden havia permitido a entrada de forma temporária, mas legal, e cumpriu sua promessa de tentar limitar a cidadania americana dada a estrangeiros por nascimento – ordem que foi logo revogada por um juiz federal, que considerou a ação de inconstitucional.

O presidente também instruiu as autoridades federais a investigar e potencialmente processar autoridades locais em cidades e estados que interferem nos esforços do governo para deportar pessoas que estão no país ilegalmente.

<><> Energia e clima

O republicano também emitiu ordens executivas relacionadas à energia para poder expandir o uso de combustíveis fósseis, restringir a utilização energia renovável e abandonar os esforços do governo federal para lidar com as mudanças climáticas.

Num gesto que chamou a atenção do mundo, Trump retirou os EUA do Acordo Climático de Paris, tratado no qual países se comprometem a limitar a emissão de gases de efeito estufa e o aquecimento global.

O presidente declarou uma "emergência energética" e deu início a planos para abrir áreas de perfuração de petróleo maiores no Alasca.

Ele também ordenou o congelamento das licenças federais para parques eólicos em todo o país, além de determinar que as agências simplifiquem o licenciamento de gasodutos e mineração e revoguem as regras que incentivam o uso de carros elétricos.

No entanto, há um processo legal exigido para refazer os regulamentos federais que pode levar anos e ainda precisa passar pelos tribunais.

<><> Políticas de diversidade e gênero

Um dos temas que chamou grande atenção na primeira semana de Trump no cargo foi a retirada de programas de diversidade de gênero e raça no país.

Com uma ordem executiva para “proteger as mulheres do extremismo da ideologia de gênero", Trump ordenou que o governo reconhecesse efetivamente apenas dois sexos "imutáveis": masculino e feminino.

O novo governo reverteu os esforços de Biden para a inclusão pessoas intersexuais ou transgêneros, por exemplo, para que elas se identifiquem desta forma nas instituições federais.

A ordem já provocou mudanças administrativas. O Departamento de Estado removeu a categoria "identidade de gênero não especificada ou outra" dos pedidos de passaporte. De forma mais ampla, a medida elimina qualquer menção à identidade de gênero não binária de documentos e memorandos oficiais.

Depois de declarar em seu discurso de posse que iria inaugurar uma sociedade "daltônica" e "baseada no mérito", Trump ordenou que as agências federais eliminassem imediatamente os conceitos de diversidade, equidade e inclusão - ou DEI - das políticas, programas e práticas do governo federal.

Ele rescindiu ordens executivas emitidas por Biden que buscavam promover a equidade para mulheres e negros, hispânicos, asiáticos e nativos americanos, bem como pessoas com deficiência.

Em um esforço para eliminar qualquer iniciativa do DEI "disfarçada", os funcionários federais foram instruídos a denunciar qualquer colega que tentasse contornar a ordem.

Aqueles que souberem de qualquer atividade e não a denunciarem dentro de 10 dias, enfrentarão "consequências adversas", de acordo com e-mails enviados por todos os chefes de agências.

<><> Comércio internacional e economia

Tarifas em grande escala ainda não foram impostas, mas nações ao redor do mundo estão se preparando para as exigências que devem chegar em 1º de fevereiro, segundo Trump.

Ao assumir o governo, o republicano voltou a afirmar para repórteres que iria impor uma tarifa de 25% sobre produtos do Canadá e do México, além de uma tarifa adicional de 10% sobre produtos da China, acusando esses países de não fazerem o suficiente para impedir o fluxo de drogas e migrantes para os Estados Unidos.

Agora, os países aguardam para saber se essas tarifas realmente entram em vigor no mês que vem.

<><> Tecnologia e Inteligência Artificial

Após meses de batalha, Trump decidiu intervir sobre o futuro do TikTok, aplicativo de vídeo imensamente popular. Autoridades em Washington temem que a plataforma possa representar uma ameaça à segurança nacional.

Congresso aprovou uma lei no ano passado que obriga a ByteDance, proprietária do TikTok, a vender o aplicativo ou enfrentar a proibição de trabalhar com lojas de aplicativos, medida que foi confirmada pela Suprema Corte.

Esta é apenas uma das ações que mostram o alinhamento de Trump com o setor de big techs.

O presidente se aproximou de grandes nomes do mundo tecnológico, como Elon Musk (dono da SpaceX, da Tesla e do X), Mark Zuckerberg (CEO da Meta), Jeff Bezos (dono da Amazon), Sundar Pichai (CEO do Google), Tim Cook (CEO da Apple) e Sam Altman (CEO da OpenAI) – todos presentes com espaço privilegiado na posse do republicano, no dia 20 de janeiro.

Pouco antes da volta de Trump ao poder, a Meta, de Zuckerberg, revogou o programa de verificação de fatos em nome da “liberdade de expressão” e o substituiu pelo sistema de “notas de comunidade”, utilizado pela plataforma X, no qual são os próprios usuários que identificam e sinalizam informações incorretas.

Logo após tomar posse, Trump também rescindiu uma ordem executiva de 2023 que estabelecia proteções em torno da inteligência artificial. A medida exigia também que as empresas de IA apresentassem ao governo americano os resultados dos testes para avaliar os riscos da nova tecnologia à segurança nacional.

Depois, Trump emitiu uma ordem executiva orientando sua equipe a elaborar um plano para seguir uma política que "sustente e melhore o domínio global da IA nos EUA".

¨      Especialista expõe falsidade das afirmações de Trump sobre roubo de tecnologias hipersônicas

O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que a Rússia roubou o projeto para mísseis hipersônicos durante a administração Obama, dizendo em uma recente entrevista à Fox News que "uma pessoa má deu-lhes o projeto", ao mesmo tempo, se vangloriando que os EUA teriam mísseis super-hipersônicos ainda melhores.

Yuri Knutov, especialista militar e historiador das Forças de Defesa Antiaérea, refutou em entrevista à Sputnik a afirmação de Trump, explicando que antes de mais nada não há necessidade de a Rússia roubar tecnologia dos EUA, já que ela apresentou o seu primeiro dispositivo hipersônico em 1991.

"A União Soviética sempre superou os EUA em termos de trabalhos relacionados a resistência dos materiais [vital para mísseis hipersónicos]. Enquanto os EUA se concentravam em eletrônicos e microchips", disse Knutov à Sputnik.

Isso levou à criação do primeiro laboratório hipersônico, Kholod (Frio, em português). Um modelo do míssil S-200 com um laboratório Kholod foi comprado pelos americanos na década de 1990, que estudaram minuciosamente a documentação relevante.

Atualmente, a Rússia tem mísseis hipersônicos em três domínios: mísseis aéreos Kinzhal, mísseis marítimos Tsirkon e mísseis terrestres Oreshnik.

"Algo que nenhum outro país do mundo tem. É por isso que nós superamos os EUA a este respeito", observa o especialista.

"O país que foi o primeiro a lançar um veículo hipersônico não pode roubar nada dos EUA, que só no ano passado testaram com sucesso um míssil hipersônico", acrescenta ele.

"Quanto às alegações de Trump, ou ele foi enganado, ou inventou uma história para compensar as falhas do complexo militar-industrial dos EUA. Por outro lado, Trump aparentemente precisa de um argumento no Congresso para aumentar o financiamento do programa de armas hipersônicas dos EUA", concluiu Knutov.

 

Fonte: Sputnik Brasil/g1

 

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