Populismo
apocalíptico de Trump levará ao autoritarismo?
Donald Trump usou e
abusou de elementos religiosos durante sua cerimônia de posse, dizendo ter sido
salvo por Deus para fazer a "América grande novamente". Mesmo se
apresentando como o Messias, Trump terá que levar a sério a agenda religiosa
para manter o seu eleitorado cristão fiel, disse o especialista à Sputnik
Brasil.
Durante sua posse,
o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que Deus teria salvado a sua vida
para que ele cumpra a missão de fazer a "América grande novamente".
Em discurso pontuado pelo vocabulário judaico-cristão, Trump anunciou a forte
influência das ideias religiosas em seu novo mandato.
"Aqueles que
desejavam impedir nossa causa tentaram tirar minha liberdade e, de fato, tirar
a minha vida. Há apenas alguns meses, em um belo campo da Pensilvânia, uma bala
de um assassino atravessou minha orelha. Mas senti na época, e acredito ainda
mais agora, que minha vida foi salva por um motivo: fui salvo por Deus para
tornar a América grande novamente", disse Trump.
O presidente
norte-americano disse que trabalhará para que os EUA
"sejam respeitados e admirados novamente, inclusive por pessoas
religiosas",
e prometeu "não esquecer de nossa Constituição, nem de Deus".
Para o professor do
programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual
da Paraíba (PPGRI UEPB) e diretor do Centro de Estudos em Política,
Relações Internacionais e Religião (CEPRIR), Fabio Nobre, o trumpismo apresenta
traços claros de messianismo político.
"Trump pode
ser classificado como um populista messiânico, ou mais especificamente um
populista apocalíptico, ou escatológico. Nessa modalidade, o líder se apresenta
como um escolhido que pode evitar o fim de um estilo de vida – no caso, o
comportamento sociopolítico do branco, nacionalista, conservador
norte-americano", disse Nobre à Sputnik Brasil.
Segundo o
professor, "ao se apresentar como um líder predestinado a
restaurar a grandeza e proteger os valores tradicionais, Trump cria uma conexão
simbólica com elementos da redação e proteção divina".
Apesar da ênfase
trumpista, o uso da figura de Deus em discursos políticos não é monopólio da
direita do espectro político, disse o professor adjunto do Departamento de
Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo
Toniol.
"Isso não é
uma exclusividade da direita e foi um elemento muito comum no conjunto da
retórica política do século XX. Inclusive líderes de democracias
ocidentais se valeram desse fundo paradigmático da linguagem religiosa",
disse Toniol à Sputnik Brasil.
O professor de
Ciências Políticas da Universidade Federal do Ceará e estudioso do pensamento
político de direita Fabio Gentile concorda, dizendo que "nada impede
que as democracias misturem elementos políticos e religiosos".
"No caso dos
EUA, desde a sua fundação, a religião foi utilizada como um elemento
aglutinador da nação. Não é de surpreender que todos os presidentes dos EUA
falem sobre a missão religiosa de seu país, que seria salvar o mundo e lutar
contra o mal", disse Gentile à Sputnik Brasil. "E essa estratégia
discursiva e ideológica é utilizada por presidentes conservadores e
progressistas, como Bill Clinton, por exemplo."
Do ponto de vista
religioso, o messias é aquele que salva e redime os pecados cometidos na vida
terrena. Segundo Toniol, "o político que se apresenta como messias
diz que vai conseguir resolver todos os problemas e redimir a nação".
"É importante
notar que o político
messiânico comunica, sobretudo, que há um problema a ser resolvido pela nação. Ele comunica que
há um pecado original do qual devemos ser salvos. A diferença entre o
messianismo de esquerda e de direita será qual 'pecado original' é esse",
disse Tonio. "Cada espectro político se propõe a salvar o povo dos pecados
que ele identifica, ou mesmo projeta."
No caso de Trump,
os problemas centrais dos quais a nação norte-americana deve ser salva são
"a pauta identitária, o direito ao aborto, a chamada 'ideologia
woke' progressista e demais temas da cartilha trumpista".
A apropriação
de elementos religiosos traz vantagens a Trump, que mobiliza o eleitorado em um
país no qual o voto não é obrigatório, além de unir facções diferentes em torno
de uma visão comum, acredita o professor Fábio Nobre.
"Por outro
lado, essa abordagem tende a alienar grupos religiosos e seculares que não
compartilham dessa visão", disse Nobre. "Há também o risco de
reduzir a religião a uma ferramenta política, gerando desconfiança e aumentando
a polarização no país."
O risco de
polarização pode ser acentuado, já que Trump não promete a salvação para a
população como um todo, mas somente
àqueles que o apoiam politicamente.
"Assim como no
discurso religioso, a chegada do Messias leva ao julgamento divino, no qual não
todos, mas somente os eleitos serão salvos", notou Toniol. "Trump não
está interessado em produzir a salvação para todos, e deixou isso bem
claro durante a campanha ao propor deportações em massa, por exemplo."
Apesar da forte
influência pentecostal nos ritos e simbologia trumpista, sua administração
será a mais católica de toda a história dos EUA, escreveu Toniol em sua
coluna no jornal Folha de São Paulo.
O vice-presidente
dos EUA, J.D. Vance, traz o catolicismo conservador para o centro da Casa
Branca, alinhando-a ao pensamento de juízes da Suprema Corte norte-americana,
como Amy Coney Barrett, Brett Kavanaugh, Clarence Thomas e Samuel Alito. O
secretário de Estado, Marco Rubio, e de Saúde e Serviços Humanos, Robert F.
Kennedy Jr., também reforçam o coro católico conservador na equipe de Trump.
O pensamento de
Vance, corroborado por revistas conservadoras
norte-americanas como a Compact Magazine ou American Affairs, alia a oposição
ao aborto, à retomada da defesa dos direitos da classe trabalhadora contra a
financeirização e desregulamentação do capitalismo norte-americano.
· Messias
autoritário?
Para o professor
Fábio Nobre, o uso de elementos religiosos e o traço messiânico de Donald
Trump poderá abrir espaço para o autoritarismo político.
"Esse tipo de
discurso tem o potencial de abrir espaço, sim, para práticas políticas
autoritárias, na medida em que ele transfere a fonte de legitimidade política
do consentimento democrático para o plano divino", disse Nobre. "Isso
dificulta questionamentos e críticas à sua liderança."
O especialista
notou o caso da reverenda Mariann Edgard Budde, que contrariou Trump no
dia da sua posse, pedindo a misericórdia do presidente com aqueles que não
votaram nele.
"Nesse caso,
muitos fiéis apoiaram Trump, escolhendo a figura política em detrimento da
autoridade religiosa – a reverenda", disse Nobre. "Trump assume
posição central frente acima das lideranças espirituais, e essa dinâmica
normalmente é associada ao messianismo político, que tende a contribuir para
tendências autoritárias."
Por outro
lado, o professor Toniol aponta que o eleitorado religioso pode ser
refratário ao autoritarismo. O eleitor religioso demanda a adesão do líder
político à sua pauta e pode abandoná-lo caso não se sinta representado.
"Não acredito
que líderes como Trump tenham apoio incondicional de seu eleitorado religioso.
O eleitor religioso, assim como qualquer outro, opera a partir do seu cálculo
de custo-benefício e de sua posição política", disse Toniol. "Trump
não tem carta branca, ele só ficará na liderança enquanto conseguir se
comunicar com esse grupo e atender aos seus anseios. Se deixar de fazer
isso, perderá esse apoio."
De acordo com o jornal
Washington Post, 56% do eleitorado católico votou em Trump nas
eleições presidenciais norte-americanas de 2024, um aumento de nove pontos
percentuais em relação às eleições de 2020. Entre os protestantes e demais
nominações cristãs, 62% declararam voto em Trump em 2024, contra 27% de eleitores
de sua então adversária, Kamala Harris. A vantagem de Trump não se reflete
entre pessoas religiosas não cristãs, que declararam voto em Harris em 72% dos
casos.
¨
Quais as primeiras apostas do presidente dos EUA na
primeira semana no cargo?
O novo presidente dos EUA, Donald
Trump, voltou ao poder e já deu indícios de como deverão
ser as políticas deste governo. O republicano iniciou o segundo mandato com uma
série de medidas em áreas como relações externas, comércio, imigração e
programas de diversidade de raça e gênero.
Durante quatro anos no exílio político após o
primeiro mandato, Trump prometeu remodelar de forma radical a cultura e a
política americanas se tivesse outra chance. A primeira semana demonstrou que
ele tentará fazer exatamente isso enquanto corre para cumprir as promessas que
o levaram de volta ao poder.
>>>> Veja algumas das maiores mudanças políticas do governo
Trump 2.0.
<><> Imigração
Nenhuma questão recebeu mais atenção nos primeiros
dias de Trump e o novo governo do que a imigração. A questão está há muito
tempo no centro do discurso político do presidente, e reforçou ao longo da
campanha presidencial que faria mudanças significativas na área.
Trump emitiu mais de uma dúzia de ordens relacionadas
à imigração, defendendo que os Estados
Unidos estão sendo invadidos por imigrantes
perigosos que cruzam a fronteira com o México. Muitas das mudanças mais agressivas incluem novos poderes para negar a entrada de requerentes de asilo no país.
Ele rapidamente eliminou as políticas que impediam
os oficiais de Imigração e Alfândega de invadir igrejas, escolas e hospitais em
busca de imigrantes e bloqueou a entrada de milhares de refugiados que já
haviam sido liberados para seguir para os EUA.
Trump iniciou o processo de expulsão de um milhão de pessoas que o presidente Biden havia
permitido a entrada de forma temporária, mas legal, e
cumpriu sua promessa de tentar limitar a cidadania americana dada a estrangeiros por nascimento – ordem que foi logo revogada por um juiz federal, que considerou a ação de inconstitucional.
O presidente também instruiu as autoridades
federais a investigar e potencialmente processar autoridades locais em cidades
e estados que interferem nos esforços do governo para deportar pessoas que
estão no país ilegalmente.
<><> Energia e clima
O republicano também emitiu ordens executivas relacionadas à energia para poder expandir o uso de combustíveis fósseis, restringir a
utilização energia renovável e abandonar os esforços do governo federal para
lidar com as mudanças climáticas.
Num gesto que chamou a atenção do mundo, Trump retirou os EUA do Acordo Climático de Paris, tratado no qual países se comprometem a limitar a emissão de gases de
efeito estufa e o aquecimento global.
O presidente declarou uma "emergência
energética" e deu início a planos para abrir áreas de perfuração de
petróleo maiores no Alasca.
Ele também ordenou o congelamento das licenças
federais para parques eólicos em todo o país, além de determinar que as
agências simplifiquem o licenciamento de gasodutos e mineração e revoguem
as regras que incentivam o uso de carros elétricos.
No entanto, há um processo legal exigido para
refazer os regulamentos federais que pode levar anos e ainda precisa passar
pelos tribunais.
<><> Políticas de diversidade e gênero
Um dos temas que chamou grande atenção na primeira
semana de Trump no cargo foi a retirada de programas de diversidade de gênero e raça no país.
Com uma ordem executiva para “proteger as mulheres
do extremismo da ideologia de gênero", Trump ordenou que o governo reconhecesse efetivamente apenas dois sexos
"imutáveis": masculino e feminino.
O novo governo reverteu os esforços de Biden para a
inclusão pessoas intersexuais ou transgêneros, por exemplo, para que elas se
identifiquem desta forma nas instituições federais.
A ordem já provocou mudanças administrativas.
O Departamento de Estado removeu a categoria "identidade de
gênero não especificada ou outra" dos pedidos de passaporte. De forma mais ampla, a medida elimina qualquer menção à identidade de gênero não binária
de documentos e memorandos oficiais.
Depois de declarar em seu discurso de posse que
iria inaugurar uma sociedade "daltônica" e "baseada no
mérito", Trump ordenou que as agências federais eliminassem imediatamente
os conceitos de diversidade, equidade e inclusão - ou DEI - das políticas,
programas e práticas do governo federal.
Ele rescindiu ordens executivas emitidas por Biden
que buscavam promover a equidade para mulheres e negros, hispânicos, asiáticos
e nativos americanos, bem como pessoas com deficiência.
Em um esforço para eliminar qualquer iniciativa do
DEI "disfarçada", os funcionários federais foram instruídos a
denunciar qualquer colega que tentasse contornar a ordem.
Aqueles que souberem de qualquer atividade e não a
denunciarem dentro de 10 dias, enfrentarão "consequências adversas",
de acordo com e-mails enviados por todos os chefes de agências.
<><> Comércio internacional e economia
Tarifas em grande escala ainda não foram impostas,
mas nações ao redor do mundo estão se preparando para as exigências que devem
chegar em 1º de fevereiro, segundo Trump.
Ao assumir o governo, o republicano voltou a afirmar para repórteres que iria impor
uma tarifa de 25% sobre produtos do Canadá e do México, além de uma tarifa adicional de 10% sobre produtos da China, acusando esses países de não fazerem o suficiente para impedir o fluxo
de drogas e migrantes para os Estados Unidos.
Agora, os países aguardam para saber se essas
tarifas realmente entram em vigor no mês que vem.
<><> Tecnologia e Inteligência Artificial
Após meses de batalha, Trump decidiu intervir sobre o futuro do TikTok, aplicativo de vídeo imensamente popular. Autoridades em Washington
temem que a plataforma possa representar uma ameaça à segurança nacional.
O Congresso aprovou uma lei no ano passado que obriga a ByteDance,
proprietária do TikTok, a vender o aplicativo ou
enfrentar a proibição de trabalhar com lojas de aplicativos, medida que foi
confirmada pela Suprema Corte.
Esta é apenas uma das ações que mostram o
alinhamento de Trump com o setor de big techs.
O presidente se aproximou de grandes nomes do mundo
tecnológico, como Elon Musk (dono da SpaceX, da Tesla e do X), Mark Zuckerberg (CEO
da Meta), Jeff Bezos (dono da Amazon), Sundar Pichai (CEO do Google), Tim Cook (CEO da Apple) e Sam Altman (CEO da OpenAI) – todos presentes com espaço privilegiado na posse do republicano, no dia 20 de janeiro.
Pouco antes da volta de Trump ao poder, a Meta, de
Zuckerberg, revogou o programa de verificação de fatos em nome da “liberdade
de expressão” e o substituiu pelo sistema de “notas de
comunidade”, utilizado pela plataforma X, no qual são os próprios usuários que
identificam e sinalizam informações incorretas.
Logo após tomar posse, Trump também rescindiu uma ordem executiva de 2023 que estabelecia
proteções em torno da inteligência artificial. A
medida exigia também que as empresas de IA apresentassem ao governo americano
os resultados dos testes para avaliar os riscos da nova tecnologia à segurança
nacional.
Depois, Trump emitiu uma ordem executiva orientando
sua equipe a elaborar um plano para seguir uma política que "sustente e
melhore o domínio global da IA nos EUA".
¨ Especialista expõe falsidade das afirmações de Trump
sobre roubo de tecnologias hipersônicas
O presidente dos
EUA, Donald Trump, afirmou que a Rússia roubou o projeto para mísseis
hipersônicos durante a administração Obama, dizendo em uma recente entrevista à
Fox News que "uma pessoa má deu-lhes o projeto", ao mesmo tempo, se vangloriando
que os EUA teriam mísseis super-hipersônicos ainda melhores.
Yuri Knutov,
especialista militar e historiador das Forças de Defesa Antiaérea, refutou em
entrevista à Sputnik a afirmação de Trump, explicando que antes de mais nada
não há necessidade de a Rússia roubar tecnologia dos EUA, já que
ela apresentou o seu primeiro dispositivo hipersônico em 1991.
"A União
Soviética sempre superou os EUA em termos de trabalhos relacionados a resistência
dos materiais [vital
para mísseis hipersónicos]. Enquanto os EUA se concentravam em eletrônicos e
microchips", disse Knutov à Sputnik.
Isso levou à
criação do primeiro laboratório hipersônico, Kholod (Frio, em português). Um
modelo do míssil S-200 com um laboratório Kholod foi comprado pelos americanos
na década de 1990, que estudaram minuciosamente a documentação relevante.
Atualmente, a Rússia
tem mísseis
hipersônicos em
três domínios: mísseis aéreos Kinzhal, mísseis marítimos Tsirkon e mísseis
terrestres Oreshnik.
"Algo que
nenhum outro país do mundo tem. É por isso que nós superamos os EUA a este
respeito", observa o especialista.
"O país que
foi o primeiro a lançar um veículo hipersônico não pode roubar nada dos
EUA, que só no ano passado testaram com sucesso um míssil
hipersônico", acrescenta ele.
"Quanto às
alegações de Trump, ou ele foi enganado, ou inventou uma história para
compensar as falhas do complexo militar-industrial dos EUA. Por outro lado,
Trump aparentemente precisa de um argumento no Congresso para aumentar o
financiamento do programa
de armas hipersônicas dos EUA", concluiu Knutov.
Fonte: Sputnik Brasil/g1
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