Síndrome de Burnout:
como enfrentar a doença
“Acordei chorando,
com uma tontura absurda e sem forças. Não conseguia subir as escadas da minha
casa”, disse, em entrevista à reportagem, a jornalista Bruna Fioretti, 40 anos,
diagnosticada com a síndrome de burnout, uma doença ocupacional cuja definição
foi recentemente revisada pelos países membros da Organização Mundial da Saúde
(OMS).
Conhecer quem tenha
passado por uma experiência com o burnout não é mais uma raridade. Desde
janeiro de 2022, com a inclusão pela OMS da síndrome de burnout na 11ª edição
da classificação internacional de doenças (CID-11), a condição passou de ser
descrita não apenas como um “estado de exaustão vital” – que poderia ser
relacionado com questões pessoais ou da família –, mas também como um esgotamento
fruto do estresse crônico
derivado do trabalho.
Bruna está em
tratamento para acabar de vez com os efeitos da síndrome, que começou com
sintomas que podem facilmente ser confundidos com ansiedade, como uma pressão
constante na cabeça, sono excessivo e até dores no corpo. Enquanto avança para
se sentir bem outra vez, compartilha a experiência de ter passado pela parte
mais forte do burnout nas redes sociais.
Como jornalista,
seu intuito é alertar outras pessoas sobre o problema. Ao compartilhar sua
experiência, percebeu que não está sozinha no diagnóstico. “Foi
assustadora a quantidade de mensagens que recebi de pessoas que se
identificaram comigo”, conta ela. No Brasil, dados da
Associação Internacional de Manejo do
Estresse (Isma, na sigla em inglês), divulgados pela
Associação Nacional de Medicina do Trabalho, estimam que 72% das pessoas em
idade produtiva sofrem com estresse no trabalho. Dessas, 32% têm a
síndrome de burnout.
·
Síndrome
de burnout: como identificar?
Segundo Eduardo
Perin, psiquiatra especialista em terapia cognitivo-comportamental
pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Universidade de São
Paulo (USP), desde a inclusão da síndrome na classificação internacional de
doenças, mais pessoas têm procurado atendimento psicológico e psiquiátrico com
problemas relacionados ao estresse vindo do
trabalho.
“Está se falando
mais sobre o burnout, então, muitas pessoas já chegam na clínica com essa
suspeita. Mas nem sempre a relação dos sintomas com o trabalho está clara para
a pessoa", relata o médico. "Muitos surgem com sintomas de
ansiedade ou
depressão e, quando se investiga o porquê desses sintomas, todos estão ligados
à profissão.”
Para Organização
Mundial da Saúde, são três os principais indícios de burnout:
• Sentimentos de
exaustão ou esgotamento de energia;
• Aumento do
distanciamento mental do próprio trabalho, ou sentimentos de negativismo ou
cinismo relacionados ao próprio trabalho;
• Redução da
eficácia profissional.
No caso de Bruna,
ela conta que seu diagnóstico não foi simples. O corpo vinha dando alertas há
um ano, indicando que o ritmo de trabalho intenso estava cobrando seu preço.
“Em outubro do ano passado eu fiquei realmente mal. Foi uma época em que eu
estava trabalhando demais e não parei. Até que simplesmente travei”, conta a
jornalista.
·
Quais
são os sintomas do burnout?
Sintomas como
pressão frequente na cabeça, sono excessivo ou insônia, falta de
concentração, tontura, visão embaçada e até mudanças na voz são alguns dos
sinais que a jornalista experienciou.
De acordo com
Perin, os sinais relatados por Bruna entram nos impactos físicos causados pela
síndrome. Além desses, Perin menciona taquicardia, falta de ar, tremores,
sudorese, dor na barriga ou no peito, desmaios, sensação de formigamento pelo
corpo e ondas de frio e de calor. Mesmo assim, todos esses sintomas ainda não
englobam a totalidade dos efeitos da doença.
(Veja também: A Covid-19 pode
desencadear depressão?)
Por ser uma
enfermidade ligada ao estresse, efeitos psicológicos também podem ser
observados. Perin explica que, por conta da sobrecarga, a pessoa começa a ficar
mais irritada, desenvolvendo uma certa aversão ao trabalho e aos colegas e
outros funcionários. Também há sintomas depressivos, como desânimo, falta de
vontade e um cansaço exagerado.
“Parecia uma
depressão. Eu não queria sair da cama, não queria fazer nada, não conseguia me
concentrar nem em filmes ou livros. Parecia que eu estava constantemente
dopada, até minha voz ficou mais pastosa e lenta”, diz Bruna Fioretti. “Mas,
por já ter tido episódios depressivos no passado, eu sentia que era diferente
porque estava muito mais exausta.”
Para Perin, a
expressão “burnout”, que vem do inglês e significa “queimar por inteiro”,
reflete bem o que os pacientes sentem. “A pessoa que sofre com esse problema
tem, exatamente, essa sensação, como se todas as energias tivessem se
esgotado”, complementa.
·
O
que causa o burnout?
Por ser uma doença
ocupacional, segundo definição da OMS, as causas da Síndrome de burnout estão,
necessariamente, ligadas ao trabalho. Mas não há um único motivo para uma
pessoa desenvolver a síndrome.
Conforme explica
Fabiano de Abreu Rodrigues, doutor em psicologia e neurociências, membro da
Sociedade Brasileira de Neurociências, o burnout é multifatorial, podendo estar
relacionado tanto com a forma como a pessoa conduz suas tarefas quanto com
as condições de
trabalho.
“Às vezes, a
própria pessoa extrapola o limite de seu organismo em busca da alta
produtividade. Algo que é muito cobrado atualmente é ser sempre produtivo”, diz
Rodrigues.
Para ele, o burnout
é comum em pessoas que colocam metas inalcançáveis no seu dia a dia. “Quando um
indivíduo passa horas e horas realizando
tarefas e, ao final do dia, não
consegue atingir tal meta, pode apresentar frustração e
estresse, indisposição para cuidar da saúde, sensação de improdutividade e cansaço
crônico”, explica o especialista em neurociência.
Já segundo Perin,
esse comportamento, por vezes, é acompanhado de ambientes de trabalho
insalubres que potencializam a sensação de urgência e frustração do
funcionário. “Muitas vezes, o burnout está relacionado com casos de assédio
moral dentro da empresa, um chefe abusivo, ambientes com muitas discussões e
cobranças para que os funcionários produzam de determinada maneira”, diz o
psiquiatra.
No caso de Bruna,
por fazer acompanhamento psicológico há muito tempo, ela conseguiu relacionar
os sintomas que tinha a seu ritmo de trabalho. “Eu me acostumei a trabalhar
demais e achava isso normal, afinal eu sou uma pessoa naturalmente agitada. Mas
eu só vivia para e pelo trabalho, anulando todo o resto”, conta a
jornalista.
Outra questão que
influencia na exaustão profissional, segundo Rodrigues, é exatamente esse
processo de se anular. “Para dar conta do trabalho, muitas vezes a pessoa se
afasta da família, dos amigos e perde a capacidade de se desligar das
obrigações, das metas. E isso causa um acúmulo de estresse que não é
aliviado.”
·
Quem
está mais propenso a ter burnout?
Em um artigo sobre
a síndrome, publicado na revista científica brasileira Saúde e Tecnologia
(Recisatec), em novembro de 2021, Rodrigues afirma que a condição é
identificada com mais frequência em certas profissões, principalmente as que
envolvem o contato com outras pessoas, tais
como médicos, enfermeiros,
cuidadores e professores.
“Isso acontece por
serem trabalhos que requerem que os indivíduos lidem com constante pressão. Por
exemplo, durante a pandemia de Covid-19, casos de burnout em profissionais da
saúde cresceram absurdamente”, relata o neurocientista.
Entretanto, é
possível traçar um perfil geral das pessoas mais propensas a desenvolverem o
burnout. Segundo Perin, além da profissão, pessoas com histórico de ansiedade
ou depressão podem ser mais afetadas pelo estresse ocupacional. Outro recorte
que pode ser feito é em relação à idade e ao gênero.
·
O
burnout afeta os mais jovens e as mulheres
De acordo com a
experiência clínica do psiquiatra, a faixa etária mais comum nos casos de
burnout é a de 25 a 40 anos, idades em que as pessoas são mais ativas no
mercado de trabalho. “As taxas de burnout são menores em pessoas um pouco mais
velhas, talvez por aprenderem a lidar com o trabalho de uma forma um pouco
menos exigente”, diz o médico.
Em relação ao
gênero, Perin observa mais casos de burnout em mulheres, o que pode ser
explicado por vários fatores. “O primeiro é que as mulheres, em geral, buscam
mais ajuda médica do que os homens, principalmente na área da psicologia e
psiquiatria. Outro fator é o machismo”, afirma
Perin.
“As mulheres,
muitas vezes, são as únicas responsáveis pelos cuidados da casa e dos filhos.
Então, além da sobrecarga de trabalho, há também a sobrecarga das tarefas
domésticas, com pouco espaço na rotina para o lazer e relaxamento",
explica o psiquiatra. “No geral, ainda faltam dados para afirmar com certeza
que mulheres têm mais burnout que homens. Mas esses fatores não podem ser
ignorados”, complementa.
(Veja mais: Para não perder o
emprego, domésticas se arriscam em meio à pandemia no Brasil)
·
Existe
tratamento para o burnout?
Bruna conta que,
após seu diagnóstico, a recomendação médica foi para interromper suas
atividades de trabalho. Algo que ela achou mais fácil na ideia do que na
execução.
“Eu tentei ‘adiar o
burnout’, como se eu tivesse qualquer controle sobre meu cérebro e, ao invés de
diminuir o ritmo, eu aumentei”, relata Bruna. “Eu só comecei a melhorar quando
me permiti mudar de ritmo, mudar de vida”, acrescenta.
O afastamento
profissional é a principal orientação para tratar casos de burnout, diz Perin,
mas muitos sentem dificuldade em realizá-lo. “Uma característica de pessoas com
burnout é apresentar uma hiper responsabilidade com o trabalho. Pensam ‘como eu
posso largar o trabalho agora?’, como se elas fossem as únicas responsáveis
pelo funcionamento da empresa ou do setor”, diz Perin.
Além disso, Perin
sugere que a pessoa em tratamento de burnout deve, por recomendação médica,
voltar às atividades de lazer. “O trabalho afastou essa pessoa da vida social,
então, ela precisa retomar isso. Voltar com atividades físicas, voltar a passar
tempo com amigos e família, dedicar tempo a hobbies e atividades que geram
prazer.”
Hoje, Bruna ainda
não voltou completamente ao trabalho, mas se sente muito melhor e tenta fazer
tudo que seus médicos recomendaram enquanto inspira outras pessoas a cuidarem
de seus ritmos.
“Compartilho minha
história para alertar pessoas que talvez percebam que estão entrando nesse
processo de exaustão”, afirma. Ela ressalta que “cuidar da saúde não deve ser
esquecido ou deixado de lado enquanto se busca crescer na carreira”. Sua
experiência mostra que é possível vida pessoal e profissional caminharem lado a
lado.
Fonte: National
Geographic Brasil
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