quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Apesar de Milei, Brasil e China se consolidam como principais parceiros da Argentina, diz especialista

Em 2024, China e Brasil lideraram o comércio com a Argentina, que fechou o ano com superávit recorde na balança comercial devido à queda nas importações em meio à recessão e ao boom de Vaca Muerta. "É essencial promover o comércio apesar das diferenças ideológicas", disse um especialista à Sputnik.

Em 2024, a Argentina alcançou um forte superávit de US$ 18,9 bilhões (cerca de R$ 113,8 bilhões) na balança comercial, constituindo o segundo maior em 16 anos em valores constantes (e um recorde histórico em termos nominais). Além do vai e vem nas relações diplomáticas, Buenos Aires finalmente consolidou seus estreitos laços econômicos com o Brasil e a China, imunes às diferenças entre seus líderes.

Além de impulsionar as exportações, Vaca Muerta — uma das maiores reservas de petróleo e gás de xisto do mundo — foi fundamental na redução das importações: o fornecimento interno de gás e combustíveis fez com que as compras desses recursos do exterior despencassem em 50%.

Por outro lado, a recessão fez o seu efeito. O colapso do consumo interno — consequência do brutal ajuste implementado pelo governo de Javier Milei — fez com que a indústria argentina deixasse de demandar bens intermediários e de capital, cujas importações caíram quase 20% em cada caso.

Se 2024 mostrou alguma coisa, é que os laços econômicos entre os países transcendem as preferências pessoais de seus líderes. Embora Milei tenha desqualificado Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping em diversas ocasiões, Brasil e China se consolidaram como os dois principais parceiros comerciais da Argentina.

No primeiro caso, o câmbio atingiu US$ 28 bilhões (cerca de R$ 168,6 bilhões), sendo o principal destino de exportação e importação. Por sua vez, Pequim foi o segundo destino dos produtos argentinos, mas o primeiro em termos de importações. Os Estados Unidos permaneceram em terceiro lugar, com comércio equivalente a US$ 12,6 bilhões (mais de R$ 75,8 bilhões) de dólares.

<><> Aliança à prova de queixas

"O Brasil e a China são estruturalmente os principais parceiros da Argentina, cuja relevância ultrapassa o valor concreto do comércio. Por exemplo: embora o comércio com o Brasil seja deficitário, grande parte do nosso emprego bem remunerado é explicado pelas exportações para o seu vizinho. Um dano a esse relacionamento seria muito custoso para nós", disse o economista argentino Francisco Cantamutto à Sputnik.

O inevitável vínculo estratégico entre Buenos Aires e seus dois maiores parceiros parece quase intransponível. Em entrevista à Sputnik, o analista internacional Rodrigo Ventura de Marco explicou que, "apesar do fato de que a conduta diplomática tem sido muito errática no último ano, os laços econômicos nunca foram rompidos. Isso destaca a importância de abandonar as vendas ideológicas para enfrentar o comércio".

Segundo o especialista, a blindagem das trocas entre os países se explica pela vontade de seus líderes. "A Argentina precisa colocar sua macroeconomia em ordem e, nesse sentido, Milei traçou claramente um plano para impulsionar o comércio, apesar das diferenças ideológicas. As brigas são em público, porque em privado ele resolve todas as tensões", enfatizou o especialista.

"Argentina e China têm interesses comuns, como a questão das Malvinas e Taiwan. Por sua vez, o Brasil pode ser a ponta de lança dos interesses argentinos, como hidrocarbonetos ou entrada no BRICS em algum momento", disse o pesquisador.

<><> Fator Trump

O posicionamento geopolítico professado pelo governo Milei é indissociável das diretrizes do novo presidente dos EUA, Donald Trump, a quem o argentino se refere para desenvolver sua "batalha cultural" contra o progressismo em nível global. No entanto, os esperados laços de amizade entre os dois governos não levam necessariamente ao aumento do comércio bilateral.

Segundo Ventura de Marco, "se alguém ouve Trump dizendo publicamente que não tem interesse na América Latina, não há razão para pensar que a Argentina será a exceção. Com Washington, é mais provável que os laços políticos sejam fortalecidos do que comerciais".

Questionado sobre isso, Cantamutto concordou com a leitura do especialista. Segundo o economista, "os Estados Unidos não têm tantos bens que podemos exportar como temos para outros países. Além disso, Washington está ficando para trás no desenvolvimento tecnológico em comunicações e serviços, o que pode levar Pequim a relegá-lo ainda mais".

"O retorno de Trump pode forçar a Argentina a se posicionar geopoliticamente ignorando um de seus principais parceiros, e isso pode ameaçar sua cadeia produtiva. O alinhamento com os Estados Unidos pode afetar a competitividade da Argentina", disse Cantamutto.

¨      Intervenção de Trump na América do Sul pode ocorrer sem soldados, avaliam especialistas

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que há interesse do novo presidente estadunidense em intervir na região para conter a influência de China e Rússia, mas essa intervenção pode não ser militar.

Em discurso após tomar posse como o novo presidente dos EUA na segunda-feira (20), Donald Trump tornou a defender que Washington deve tomar de volta o controle do canal do Panamá.

Considerada uma das passagens críticas para o comércio global, o canal foi inaugurado em 1914 e administrado pelos EUA até 1999, quando teve o controle repassado ao governo panamenho. Nas últimas semanas, Trump vem elevando o tom, não descartando uma ocupação militar do canal, sob a justificativa de que a China estaria controlando a passagem.

O argumento é apontado como falso por analistas, mas traz à tona a preocupação sobre o uso da ocupação do canal para um eventual aumento da presença militar dos EUA na América do Sul.

A região experimentou, nas últimas décadas, um aumento significativo da influência da China enquanto os EUA perderam espaço, sobretudo na Colômbia e no Brasil, com a eleição de Gustavo Petro e Luiz Inácio Lula da Silva, respectivamente. Ademais, no final do ano passado, o Peru autorizou os EUA a enviarem soldados sob o argumento de ajudar na segurança do país.

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam se há, de fato, interesse dos EUA em aumentar a presença militar na América do Sul e como isso poderia impactar a região.

Para José Augusto Zague, pesquisador do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a ameaça de Trump em relação ao Panamá segue a linha das demais sobre tornar o Canadá um estado dos EUA ou ocupar a Groelândia: um discurso talhado para se manter em evidência, sobretudo diante do próprio eleitorado e de outros líderes mundiais da direita radical.

"Não vejo como ele poderia fazer isso sem ter uma forte oposição e, nesse caso, o presidente atual do Panamá é um aliado dele, apoiou a eleição dele, é um presidente de direita. Então acho isso muito improvável. Parte de um discurso, um discurso muito alinhado com outras lideranças políticas, também com as big techs. Nós estamos vendo isso agora."

Ele afirma que o envio de soldados ao Peru precisa ser avaliado com atenção, pois não se sabe se Trump vai retomar a abordagem dos EUA, implementada entre os anos 1990 e 2000, quando acabou sendo empreendido no continente latino-americano um modelo de segurança multidimensional em que as Forças Armadas são empregadas em tarefas de segurança pública, principalmente no combate ao narcotráfico.

Segundo ele, foi essa a estratégia colocada na Colômbia, que teve seu auge durante o governo de Álvaro Uribe (2002–2010) e agora está em queda na gestão de Petro.

"É necessário analisar se o que parece ser uma nova política dos EUA — no caso, com esse envio de soldados para o Peru — vai ter continuidade, se isso é algo que vai permanecer no novo governo ou se pode ser uma iniciativa isolada do governo Biden e o atual governo pode ter outros interesses", analisa.

Por sua vez, Héctor Saint-Pierre, especialista em segurança internacional da Unesp, enfatiza que o discurso de posse de Trump foi bem republicano, de voltar os EUA para si, e demonstrando desconhecimento em relação à realidade sul-americana.

Por outro lado, ele frisa que o discurso passou a impressão de ser "o canto do cisne". Em outras palavras, "o último canto antes da morte de uma grande potência em clara decadência", que está sendo contestada e deixando todas as organizações internacionais como forma de demonstrar desinteresse em relação ao mundo e concentrar-se em si mesma.

"Ele tinha pouco interesse pela América do Sul e demonstrava certo desconhecimento da realidade latino-americana, sem fazer distinções que são óbvias, tratando tudo mais ou menos da mesma maneira e demonstrando certo desdém e falta de importância […]. Só que toda essa narrativa leva países realmente preocupados com a própria existência a buscarem outras alternativas, como de fato estão fazendo. Ou seja, a entrada da China na América Latina está bastante consolidada e é justamente pela pouca importância que os Estados Unidos estão dando para a região. A China está levando na conta vários países que serão difíceis para os EUA reverterem [a influência de Pequim]."

Segundo Saint-Pierre, a Colômbia foi usada como espécie de base norte-americana na América do Sul até quando foi necessário, mas acabou sendo substituída.

Isso porque o avanço da tecnologia permitiu outro tipo de abordagem para vigiar a região. Além disso, os EUA atualmente têm bases em outros países do continente, como Equador, Argentina e Brasil, onde forças americanas "fazem exercícios militares constantes na fronteira norte, com objetivos difusos".

Saint-Pierre também é cético quanto ao apoio de militares estadunidenses, um rompante expansionista de Trump, e lembra que no final do mandato anterior do atual líder (2017–2021), o republicano não obteve apoio da ala militar quando pediu a rescisão da Constituição do país para anular as eleições de 2020, nas quais foi derrotado por Joe Biden.

Segundo ele, atualmente Trump trava nos bastidores uma guerra com o chamado "deep state", o estado profundo — composto por toda a estrutura burocrática e administrativa do governo e pelas Forças Armadas, que são parte crucial das decisões tomadas —, que vem sendo substituído pelas big techs. A guerra de Trump com o estado profundo, como consequência, é também um embate com as Forças Armadas dos EUA.

"Dá a impressão do surgimento de um novo poder, da transformação de uma economia do lucro para uma economia digital, uma economia rentista para uma economia de dados, que se transforma em poder acima dos próprios Estados e nações. Todo esse grupo de big techs que está se aproximando de Trump são as grandes empresas tecnológicas a vigiar, que se aproximam do poder, e esse poder pode ser exercido. Ou seja, não é necessário utilizar grandes exércitos. São dados que alteram e modificam, perturbam as percepções das sociedades com resultados bastante importantes."

As ameaças de Trump de ocupar o canal do Panamá refletem a disputa comercial de influência com a China na América Latina e do Sul, conforme aponta Jahde Lopez, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGRI/UFSC) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Política Internacional Contemporânea (Geppic) na linha de pesquisa "O poder das ideias e a formação de institutos liberais na América Latina".

"O canal do Panamá é uma rota estratégica de comércio e transporte internacional, e qualquer movimento militar feito pelos EUA dentro dessa região fortaleceria a posição dos EUA, além de permitir uma projeção de poder em um ponto que é economicamente crucial. Dessa forma, a ameaça pode ter como objetivo não apenas conter a influência crescente da China, mas também reafirmar a presença militar, a influência e os interesses dos EUA no continente, especialmente uma área que conecta o Atlântico e o Pacífico e que tem um interesse econômico e geostratégico muito grande", afirma.

Nesse contexto, ela afirma que "o problema não é o canal ser administrado por outro país, mas não ser administrado pelos EUA", e destaca que a autorização dada pelo Peru para a entrada de soldados norte-americanos pode ter um impacto significativo na ampliação dessa presença militar dos EUA na América Latina.

"Esse movimento pode ser visto como uma ampliação e uma demonstração da força militar dos EUA na região, especialmente em um contexto de crescente preocupação com instabilidade política em alguns países. […] Além disso, essa autorização pode abrir precedentes para uma interferência em outros países da região, assim como pode ser utilizado para ampliar a influência nas Forças Armadas nacionais aqui na região."

Ela ressalta que a ascensão de Petro, priorizando a autonomia, uma agenda progressista e buscando diversificar as parcerias, é reflexo de um movimento mais amplo na América Latina, que a longo prazo pode alterar as dinâmicas políticas e econômicas do continente.

"Esse realinhamento abre espaço para que outras potências, como a China e a Rússia, venham a expandir sua influência na região de uma maneira não só econômica e comercial, mas por meios políticos também. […] Os EUA não estarão dispostos a abrir mão de uma parte tão importante da sua hegemonia, principalmente quando essa mudança de postura da Colômbia pode inspirar outros países sul-americanos a adotarem uma postura mais independente em relação aos EUA", afirma.

Lopez afirma enxergar uma clara tentativa dos EUA de não apenas manter, mas ampliar a presença na América Latina, uma vez que historicamente Washington se vê como potência central no continente estadunidense, com o dever de proteger os outros países, que, na realidade, significa proteger os interesses norte-americanos e conter a entrada e as potências rivais.

"Embora essa presença não seja necessariamente sempre explícita, direta, militar, mas também feita de forma indireta, seja por meio diplomático, econômico, estratégico e principalmente por meio da disseminação de um ideário neoliberal apoiado por determinados grupos dentro da região. […]. A gente consegue ver que, nos últimos anos, os EUA têm se preocupado muito com o crescente envolvimento da China na América Latina em termos de investimento, em termos de parcerias comerciais e em termos tecnológicos — que acredito ser o principal tópico deste momento."

¨      Governo Lula minimiza declaração de Trump sobre Brasil e América Latina

O governo brasileiro minimizou as declarações do presidente dos EUA, Donald Trump, que afirmou que são o Brasil e a América Latina que precisam dos EUA e não o contrário.

"Ele [Donald Trump] pode dizer o que quiser, ele é o presidente eleito dos Estados Unidos; vamos analisar cada passo do governo, mas como somos um povo com fé na vida vamos tentar apoiar e trabalhar não nas divergências, mas nas convergências, que são muitas", afirmou na terça-feira Maria Laura da Rocha, secretária-geral do Itamaraty.

Trump, no dia de sua posse, quando questionado por uma jornalista brasileira sobre a relação com o Brasil e a América Latina, respondeu ser "ótima".

"Eles precisam de nós muito mais do que nós deles; nós realmente não precisamos deles. E todos precisam de nós", acrescentou.

Após a posse, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva parabenizou o líder americano em suas redes sociais e destacou que as relações entre o Brasil e os Estados Unidos são baseadas no respeito mútuo e na amizade histórica.

¨      Único obstáculo para Trump 'fazer América grande novamente' é ele próprio, diz mídia

O presidente dos EUA, Donald Trump, poderia levar o país à sua prometida "idade de ouro", se derrotasse seu principal inimigo - ele mesmo e seus próprios pontos fracos, afirma a revista britânica The Economist.

"Ele realmente tem a chance de levar a América à 'idade de ouro' que ele proclamou no seu segundo discurso de posse [...]. Seu adversário mais formidável ainda em pé é provavelmente ele mesmo", elabora a revista.

De acordo com a opinião da The Economist, o líder norte-americano tem tudo que é necessário para ser bem-sucedido: seu próprio partido sob controle estreito, o Partido Democrata foi derrotado e os adversários estrangeiros estão se preocupando com seus próprios problemas. Com sua audácia inerente, Trump pode garantir a si a reputação desejada de "pacificador e unificador".

No entanto, a The Economist menciona as qualidades de Trump que poderiam criar problemas no caminho de implementação dos seus planos ambiciosos.

"A mesquinhez partidária no seu discurso de posse, juntamente com seus perdões para até mesmo os violentos indivíduos de 6 de janeiro condenados, dá poucas chances para que ele vença suas fraquezas, que lançam uma sombra sobre o que poderia ser uma idade de ouro", acrescenta a The Economist.

Além disso, a revista menciona outras fraquezas do presidente atual dos EUA: inclinação de sentir pena de si mesmo, incapacidade de manter o foco em algo por um longo tempo, seu ponto fraco por ser bajulado e reverência por líderes autoritários.

Anteriormente, Trump contou durante seu primeiro discurso público no cargo de 47º presidente dos EUA, que vai colocar os Estados Unidos da América em primeiro lugar, prometendo que o país se tornará maior, mais forte e muito mais excepcional do que nunca. Trump proclamou que "a idade de ouro da América está começando agora mesmo".

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

Nenhum comentário: