Apesar de Milei,
Brasil e China se consolidam como principais parceiros da Argentina, diz
especialista
Em 2024, China e
Brasil lideraram o comércio com a Argentina, que fechou o ano com superávit
recorde na balança comercial devido à queda nas importações em meio à recessão
e ao boom de Vaca Muerta. "É essencial promover o comércio apesar das
diferenças ideológicas", disse um especialista à Sputnik.
Em 2024, a Argentina
alcançou um forte
superávit de US$ 18,9 bilhões (cerca de R$ 113,8 bilhões) na balança
comercial, constituindo o segundo maior em 16 anos em valores constantes (e um
recorde histórico em termos nominais). Além do vai e vem nas relações
diplomáticas, Buenos Aires finalmente consolidou seus estreitos laços
econômicos com o Brasil e a China, imunes às diferenças entre seus líderes.
Além de impulsionar
as exportações,
Vaca Muerta — uma das maiores reservas de petróleo e gás de xisto do mundo —
foi fundamental na redução das importações: o fornecimento interno de gás e
combustíveis fez com que as compras desses recursos do exterior
despencassem em 50%.
Por outro lado, a
recessão fez
o seu efeito.
O colapso do consumo interno — consequência do brutal ajuste implementado pelo
governo de Javier Milei — fez com que a indústria argentina deixasse de
demandar bens intermediários e de capital, cujas importações caíram quase 20%
em cada caso.
Se 2024 mostrou
alguma coisa, é que os laços econômicos entre os países transcendem as
preferências pessoais de seus líderes. Embora Milei tenha desqualificado Luiz
Inácio Lula da Silva e Xi Jinping em diversas
ocasiões,
Brasil e China se consolidaram como os dois principais parceiros comerciais da
Argentina.
No primeiro caso, o
câmbio atingiu US$ 28 bilhões (cerca de R$ 168,6 bilhões), sendo o principal
destino de exportação e importação. Por sua vez, Pequim
foi o segundo destino
dos produtos argentinos, mas o primeiro em termos de importações. Os
Estados Unidos permaneceram em terceiro lugar, com comércio equivalente a US$
12,6 bilhões (mais de R$ 75,8 bilhões) de dólares.
<><> Aliança
à prova de queixas
"O Brasil
e a China são estruturalmente os principais parceiros da Argentina, cuja
relevância ultrapassa o valor concreto do comércio. Por exemplo: embora o
comércio com o Brasil seja
deficitário,
grande parte do nosso emprego bem remunerado é explicado pelas exportações para
o seu vizinho. Um dano a esse relacionamento seria muito custoso para
nós", disse o economista argentino Francisco Cantamutto à Sputnik.
O inevitável
vínculo estratégico entre Buenos Aires e seus dois maiores parceiros parece
quase intransponível. Em entrevista à Sputnik, o analista internacional Rodrigo
Ventura de Marco explicou que, "apesar do fato de que a conduta
diplomática tem sido muito
errática no
último ano, os laços econômicos nunca foram rompidos. Isso destaca a
importância de abandonar as vendas ideológicas para enfrentar o comércio".
Segundo o
especialista, a blindagem das trocas entre os países se explica pela vontade de
seus líderes. "A Argentina precisa colocar sua macroeconomia em ordem e,
nesse sentido, Milei traçou claramente um plano para impulsionar o comércio, apesar
das diferenças ideológicas. As brigas são em público, porque em privado
ele resolve todas as tensões", enfatizou o especialista.
"Argentina e
China têm interesses comuns, como a questão das Malvinas e Taiwan. Por sua vez,
o Brasil pode ser a ponta de lança dos interesses argentinos, como
hidrocarbonetos ou
entrada no BRICS em algum momento", disse o pesquisador.
<><> Fator
Trump
O posicionamento
geopolítico professado pelo governo Milei é indissociável das diretrizes do
novo presidente dos EUA, Donald Trump, a quem o argentino se refere
para desenvolver sua "batalha cultural" contra o progressismo em
nível global. No entanto, os esperados laços de amizade entre os dois governos
não levam necessariamente ao aumento
do comércio bilateral.
Segundo Ventura de
Marco, "se alguém ouve Trump dizendo publicamente que não tem interesse na
América Latina, não há razão para pensar que a Argentina será a
exceção. Com Washington, é mais provável que os laços políticos sejam
fortalecidos do que comerciais".
Questionado sobre
isso, Cantamutto concordou com a leitura do especialista. Segundo o economista,
"os Estados Unidos não têm tantos bens que podemos exportar como
temos para outros países. Além disso, Washington está ficando para trás
no desenvolvimento
tecnológico em
comunicações e serviços, o que pode levar Pequim a relegá-lo ainda mais".
"O retorno de
Trump pode forçar a Argentina a se posicionar geopoliticamente ignorando um de
seus principais parceiros, e isso pode ameaçar sua cadeia produtiva. O
alinhamento com os Estados Unidos pode afetar a competitividade da
Argentina", disse Cantamutto.
¨ Intervenção de Trump na América do Sul pode ocorrer sem
soldados, avaliam especialistas
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas apontam que há interesse do novo presidente
estadunidense em intervir na região para conter a influência de China e Rússia,
mas essa intervenção pode não ser militar.
Em discurso
após tomar posse como
o novo presidente dos EUA na segunda-feira (20), Donald Trump tornou a
defender que Washington deve tomar de volta o controle do canal do Panamá.
Considerada uma das
passagens críticas para o comércio global, o canal foi inaugurado em 1914 e
administrado pelos EUA até 1999, quando teve o controle repassado ao governo
panamenho. Nas últimas semanas, Trump vem elevando o tom, não descartando uma
ocupação militar do canal, sob a justificativa de que a China estaria
controlando a passagem.
O argumento é
apontado como falso por analistas, mas traz à tona a preocupação sobre o uso da
ocupação do canal para um eventual aumento da presença
militar dos EUA na
América do Sul.
A região
experimentou, nas últimas décadas, um aumento significativo da influência da
China enquanto os EUA perderam espaço, sobretudo na Colômbia e no Brasil, com a
eleição de Gustavo Petro e Luiz Inácio Lula da Silva, respectivamente. Ademais,
no final do ano passado, o Peru autorizou os EUA a enviarem soldados sob o
argumento de ajudar na segurança do país.
Em entrevista
à Sputnik Brasil, especialistas analisam se há, de fato, interesse dos EUA
em aumentar
a presença militar na América do Sul e como isso poderia impactar a
região.
Para José Augusto
Zague, pesquisador do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e do Grupo de
Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), a ameaça de Trump em relação ao Panamá segue a linha das
demais sobre tornar o Canadá um estado dos EUA ou ocupar a Groelândia: um
discurso talhado para se manter em evidência, sobretudo diante do próprio eleitorado
e de outros líderes mundiais da direita radical.
"Não vejo como
ele poderia fazer isso sem ter uma forte oposição e, nesse caso, o presidente
atual do Panamá é um aliado dele, apoiou a eleição dele, é um presidente de
direita. Então acho isso muito improvável. Parte de um discurso, um discurso
muito alinhado com outras lideranças políticas, também com as big techs. Nós
estamos vendo isso agora."
Ele afirma
que o envio de soldados ao Peru precisa ser avaliado com atenção, pois não
se sabe se Trump vai retomar a abordagem dos EUA, implementada entre os anos
1990 e 2000, quando acabou sendo empreendido no continente latino-americano um
modelo de segurança multidimensional em que as Forças Armadas são empregadas em
tarefas de segurança pública, principalmente no combate ao narcotráfico.
Segundo ele, foi
essa a estratégia colocada na Colômbia, que teve seu auge durante o governo de
Álvaro Uribe (2002–2010) e agora está em queda na gestão de Petro.
"É necessário
analisar se o que parece ser uma nova política dos EUA — no caso, com esse
envio de soldados para o Peru — vai ter continuidade, se isso é algo que vai
permanecer no novo governo ou se pode ser uma iniciativa isolada do governo
Biden e o atual governo pode ter outros interesses", analisa.
Por sua vez, Héctor
Saint-Pierre, especialista em segurança internacional da Unesp, enfatiza que o
discurso de posse de Trump foi bem republicano, de voltar os EUA para si,
e demonstrando desconhecimento em relação à realidade sul-americana.
Por outro lado, ele
frisa que o discurso passou a impressão de ser "o canto do
cisne". Em outras palavras, "o último canto antes da morte de
uma grande potência em clara decadência", que está sendo contestada e
deixando todas as organizações internacionais como forma de demonstrar desinteresse
em relação ao mundo e concentrar-se em si mesma.
"Ele tinha
pouco interesse pela América do Sul e demonstrava certo desconhecimento da
realidade latino-americana, sem fazer distinções que são óbvias, tratando tudo
mais ou menos da mesma maneira e demonstrando certo desdém e falta de
importância […]. Só que toda essa narrativa leva países realmente preocupados
com a própria existência a buscarem outras alternativas, como de fato estão
fazendo. Ou seja, a entrada da China na América Latina está bastante
consolidada e é justamente pela pouca importância que os Estados Unidos estão
dando para a região. A China está levando na conta vários países que serão
difíceis para os EUA reverterem [a influência de Pequim]."
Segundo
Saint-Pierre, a Colômbia foi usada como espécie de base norte-americana na
América do Sul até quando foi necessário, mas acabou sendo substituída.
Isso porque o
avanço da tecnologia permitiu outro tipo de abordagem para vigiar a região.
Além disso, os EUA atualmente têm bases em outros países do continente, como
Equador, Argentina e Brasil, onde forças americanas "fazem exercícios
militares constantes na fronteira norte, com objetivos difusos".
Saint-Pierre também
é cético quanto ao apoio de militares estadunidenses, um rompante expansionista
de Trump, e lembra que no final do mandato anterior do atual líder (2017–2021),
o republicano não obteve apoio da ala militar quando pediu a rescisão da
Constituição do país para anular as eleições de 2020, nas quais foi derrotado
por Joe Biden.
Segundo ele,
atualmente Trump trava nos bastidores uma guerra com o chamado "deep
state", o estado profundo — composto por toda a estrutura burocrática e
administrativa do governo e pelas Forças Armadas, que são parte crucial das
decisões tomadas —, que vem sendo substituído pelas big techs. A guerra de
Trump com o estado profundo, como consequência, é também um embate com as
Forças Armadas dos EUA.
"Dá a
impressão do surgimento de um novo poder, da transformação de uma economia do
lucro para uma economia digital, uma economia rentista para uma economia de
dados, que se transforma em poder acima dos próprios Estados e nações. Todo
esse grupo de big techs que está se aproximando de Trump são as grandes
empresas tecnológicas a vigiar, que se aproximam do poder, e esse poder pode
ser exercido. Ou seja, não é necessário utilizar grandes exércitos. São dados
que alteram e modificam, perturbam as percepções das sociedades com resultados
bastante importantes."
As ameaças de Trump
de ocupar o canal do Panamá refletem a disputa comercial de influência com
a China na América Latina e do Sul, conforme aponta Jahde Lopez, doutoranda no
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de
Santa Catarina (PPGRI/UFSC) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Estudos
Estratégicos e Política Internacional Contemporânea (Geppic) na linha de
pesquisa "O poder das ideias e a formação de institutos liberais na
América Latina".
"O canal do
Panamá é uma rota estratégica de comércio e transporte internacional, e qualquer
movimento militar feito pelos EUA dentro dessa região fortaleceria a posição
dos EUA, além de permitir uma projeção de poder em um ponto que é
economicamente crucial. Dessa forma, a ameaça pode ter como objetivo não apenas
conter a influência crescente da China, mas também reafirmar a presença
militar, a influência e os interesses dos EUA no continente, especialmente uma
área que conecta o Atlântico e o Pacífico e que tem um interesse econômico e
geostratégico muito grande", afirma.
Nesse contexto, ela
afirma que "o problema não é o canal ser administrado por outro país,
mas não ser administrado pelos EUA", e destaca que a autorização dada pelo
Peru para a entrada de soldados norte-americanos pode ter um impacto
significativo na ampliação dessa presença militar dos EUA na América Latina.
"Esse
movimento pode ser visto como uma ampliação e uma demonstração da força militar
dos EUA na região, especialmente em um contexto de crescente preocupação com
instabilidade política em alguns países. […] Além disso, essa autorização pode
abrir precedentes para uma interferência em outros países da região, assim como
pode ser utilizado para ampliar a influência nas Forças Armadas nacionais aqui
na região."
Ela ressalta
que a ascensão de Petro, priorizando a autonomia, uma agenda progressista
e buscando diversificar as parcerias, é reflexo de um movimento mais amplo na
América Latina, que a longo prazo pode alterar as dinâmicas políticas e
econômicas do continente.
"Esse
realinhamento abre espaço para que outras potências, como a China e a Rússia,
venham a expandir sua influência na região de uma maneira não só econômica e
comercial, mas por meios políticos também. […] Os EUA não estarão dispostos a
abrir mão de uma parte tão importante da sua hegemonia, principalmente quando
essa mudança de postura da Colômbia pode inspirar outros países sul-americanos
a adotarem uma postura mais independente em relação aos EUA", afirma.
Lopez afirma
enxergar uma clara tentativa dos EUA de não apenas manter, mas ampliar a
presença na América Latina, uma vez que historicamente Washington se vê como
potência central no continente estadunidense, com o dever de proteger os outros
países, que, na realidade, significa proteger os interesses
norte-americanos e conter a entrada e as potências rivais.
"Embora essa
presença não seja necessariamente sempre explícita, direta, militar, mas também
feita de forma indireta, seja por meio diplomático, econômico, estratégico e
principalmente por meio da disseminação de um ideário neoliberal apoiado por determinados
grupos dentro da região. […]. A gente consegue ver que, nos últimos anos, os
EUA têm se preocupado muito com o crescente envolvimento da China na América
Latina em termos de investimento, em termos de parcerias comerciais e em termos
tecnológicos — que acredito ser o principal tópico deste momento."
¨ Governo Lula minimiza declaração de Trump sobre Brasil
e América Latina
O governo
brasileiro minimizou as declarações do presidente dos EUA, Donald Trump, que
afirmou que são o Brasil e a América Latina que precisam dos EUA e não o
contrário.
"Ele [Donald
Trump] pode dizer o que quiser, ele é o presidente eleito dos Estados Unidos;
vamos analisar cada passo do governo, mas como somos um povo com fé na
vida vamos tentar apoiar e trabalhar não nas divergências, mas nas
convergências, que são muitas", afirmou na terça-feira Maria Laura da
Rocha, secretária-geral do Itamaraty.
Trump, no dia de
sua posse, quando questionado por uma jornalista brasileira sobre a relação com
o Brasil
e a América Latina,
respondeu ser "ótima".
"Eles precisam
de nós muito mais do que nós deles; nós realmente não precisamos deles. E
todos precisam de nós", acrescentou.
Após a posse, o
presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva parabenizou
o líder americano em
suas redes sociais e destacou que as relações entre o Brasil e os Estados
Unidos são baseadas no respeito mútuo e na amizade histórica.
¨ Único obstáculo para Trump 'fazer América grande
novamente' é ele próprio, diz mídia
O presidente dos
EUA, Donald Trump, poderia levar o país à sua prometida "idade de
ouro", se derrotasse seu principal inimigo - ele mesmo e seus próprios
pontos fracos, afirma a revista britânica The Economist.
"Ele
realmente tem a chance de levar a América à 'idade de ouro' que ele
proclamou no seu segundo discurso de posse [...]. Seu adversário mais
formidável ainda em pé é provavelmente ele mesmo", elabora a revista.
De acordo com a
opinião da The Economist, o líder norte-americano tem tudo que é
necessário para ser bem-sucedido: seu próprio partido sob controle
estreito, o
Partido Democrata foi
derrotado e os adversários estrangeiros estão se preocupando com seus
próprios problemas. Com sua audácia inerente, Trump pode garantir a si a
reputação desejada de "pacificador e unificador".
No entanto, a The
Economist menciona as qualidades de Trump que poderiam criar
problemas no caminho de implementação dos seus planos ambiciosos.
"A mesquinhez
partidária no seu discurso de posse, juntamente com seus perdões para
até mesmo os violentos indivíduos de 6 de janeiro condenados, dá poucas
chances para que ele vença suas fraquezas, que lançam uma sombra sobre o
que poderia ser uma idade de ouro", acrescenta a
The Economist.
Além disso, a
revista menciona outras fraquezas do presidente atual dos EUA: inclinação
de sentir pena de si mesmo, incapacidade de manter o foco em algo por
um longo tempo, seu ponto fraco por ser bajulado e reverência
por líderes autoritários.
Anteriormente,
Trump contou durante seu primeiro discurso público no cargo de 47º presidente
dos EUA, que vai colocar os
Estados Unidos da América em primeiro lugar, prometendo que o
país se tornará maior, mais forte e muito mais excepcional do que
nunca. Trump proclamou que "a idade de ouro da América está começando
agora mesmo".
Fonte: Sputnik
Brasil
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